Judiciário

Para Quem Acha que o Judiciário é Folgado

 

O Consultor Jurídico (www.conjur.com.br), na edição de 1º/11/2006, traz um artigo de ALINE PINHEIRO com o título Judiciário folgado e o subtítulo Para cada dia de trabalho, Judiciário descansa outro. Seguem abaixo alguns trechos:

 

Quando o Poder Judiciário se une para gritar contra a sobrecarga de trabalho, a estrutura precária e a falta de braços, motivos usados para justificar os mais de 60 milhões de processos parados nos tribunais, se esquece de um pequeno detalhe: a quantidade de dias em que a Justiça simplesmente não funciona. Subtraídos finais de semana, feriados, férias, recessos e outras folgas, sobram apenas seis meses por ano para o Judiciário trabalhar. Dito em outras palavras: para cada dia de trabalho, os membros do judiciário tem um dia de folga.

 

A constatação é mais alarmante quando se pensa que a Justiça é um direito de todos e que, ao contrário do ditado, tardar significa, muitas vezes, falhar. […]

 

Durante cerca de 180 dias, o Judiciário em todo o país funciona em esquema de plantão. Apenas medidas urgentes, como Habeas Corpus e Mandados de Prisão, são despachadas. De resto, não há sessão, não há julgamento, não há prazos. Em uma escala coletiva, sem se ater ao direito individual do cidadão (réu e vítima) de ver sua causa julgada em tempo hábil, não é exagero dizer que a lentidão da Justiça prejudica a economia do país. […]

 

Um para um

 

Fora os 11 feriados que qualquer brasileiro tem, a Lei da Justiça Federal, de número 5.010/66, ainda prevê 20 dias de recesso no final do ano e mais sete feriados exclusivos. Existe até um feriado de 1º de novembro que ninguém sabe dizer a que santo ou a que herói da pátria presta homenagem. Mas neste dia o Judiciário não funciona (nesta quarta-feira funciona, mas o dia-santo sem dono foi usado como pretexto para o não-expediente da sexta-feira).

 

Outros dois feriados exclusivos do Judiciário pelo menos têm explicação: não se trabalha no dia 11 de agosto por ser o dia comemorativo da criação dos cursos jurídicos no país, ou por ser o Dia do Advogado; e não se trabalha no dia 8 de dezembro por ser o dia dedicado à Justiça, conforme previsto no Decreto-Lei 8.292 desde 1945.

 

A Lei Orgânica da Magistratura estabelece que os juízes têm direito a 60 dias de férias por ano (30 a mais do que prevê a CLT). Nessa conta, não entram os oito dias de folga quando o juiz casa ou quando morre alguém da sua família. Tampouco os dois anos remunerados que eles têm para se dedicar exclusivamente aos estudos. Também não entram os feriados estaduais e municipais. Só na cidade de São Paulo, são mais dois feriados municipais e um estadual.

 

Na conta, ainda precisam ser somadas as emendas dos feriados (sim, juiz também tem direito a feriado prolongado) e outros imprevistos previstos, como a Copa do Mundo de Futebol, que tirou da Justiça mais três dias de trabalho (se o Brasil tivesse chegado à final do campeonato, teriam sido quatro).

 

Nesta quinta-feira (2/11), dia de Finados, a Justiça e todos os outros brasileiros descansam. Na sexta (3/11), a emenda coletiva impera apenas no Judiciário. Nos tribunais superiores, na Justiça Federal e na Trabalhista, foi feriado na quarta (1/11). As instituições decidiram, então, transferir a folga para sexta e desfrutar do descanso de quatro dias (somado o final de semana).

 

Na Justiça Estadual, não há desculpa oficial para o feriado ser prolongado. Mesmo assim, apenas sete dos 27 Tribunais de Justiça estaduais e distrital vão trabalhar. O Judiciário de Santa Catarina é uma das raras exceções. Como informa o juiz Luiz Fernando Boller, de Tubarão, o Tribunal de Justiça e 110 comarcas do estado funcionam normalmente nesta sexta-feira. Os outros decretaram ponto facultativo. Não há expediente, portanto, apenas o famoso plantão. Em São Paulo, o Tribunal de Justiça ainda foi mais generoso nas folgas. Na segunda-feira (30/11), ressaca das eleições, a Justiça paulista não funcionou, como se não tivesse uma fila de mais de 14 milhões de processos para julgar.

 

Em muitos casos, a iniciativa privada pode ser tanto ou até mais generosa com seus trabalhadores. Pode optar por dar descansos injustificados, aumentar as férias, permitir que comemorem o dia de São Nunca ou o dia de todos os santos, que por sinal, antigamente era comemorado com feriado no dia 1º de novembro.

 

Nestes casos, quem administra o negócio calcula os riscos da folga para a atividade e assume o prejuízo. Na iniciativa pública, o patrão, chefe ou dono do negócio (ou seja, o contribuinte) nem é consultado e, muitas vezes, nem comunicado sobre o trabalho daqueles a quem paga o salário. E além de pagar uma vez, por financiar o serviço público, o contribuinte acaba pagando outra vez, por não tê-lo feito.

 

O cálculo de dias trabalhados e de dias de folga realizado por ALINE PINHEIRO me faz lembrar um caso engraçado apresentado por JÔ SOARES no seu programa de televisão há alguns anos atrás: um adolescente com forte veia humorística escreveu-lhe dizendo que, afinal, tinha descoberto a profissão que queria seguir. Afirmou que tratava-se da profissão de músico no programa do JÔ. Eis a explicação: verificou que a apresentação (apenas durante o tempo em que foi veiculada para os telespectadores) do grupo no dia anterior tinha demorado tantos segundos. Multiplicou esse número de segundos pelos dias úteis do mês e chegou à conclusão humorística de que os músicos do programa do JÔ trabalhavam apenas por volta de 15 minutos por mês. Portanto, essa era a melhor profissão do mundo, pois, além de ser excelentemente remunerada, aqueles profissionais trabalhavam apenas uns de 15 minutos por mês…

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Para Quem Acha que o Judiciário é Folgado. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/para-quem-acha-que-o-judiciario-e-folgado/ Acesso em: 28 mar. 2024