Judiciário

Nem cega, nem surda

Nem cega, nem surda

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Não mais serve para identificar a Justiça a imagem de uma mulher sentada, de olhos vendados, tendo em mãos uma balança e uma espada. Ainda que venha aumentando a participação feminina nos quadros da magistratura, tal ainda não se refletiu em julgamentos atentos às questões de gênero. Como a Justiça deve ser dinâmica, ágil e célere, descabe representá-la em posição inerte, comodamente sentada. A balança com seus pratos em equilíbrio de há muito não significa eqüidade, pois é imperioso o tratamento diferenciado de partes em situações desiguais. A espada, se visava a representar efetividade, traduz mais idéia de agressividade, não se compatibilizando com a postura socializante e sensível que deve ter o julgador.

 

Mas, se a Justiça não deve mais ser representada pela deusa Themis, igualmente descabe que continue sendo considerada também surda. Imperioso que ouça o clamor do povo, se aproxime dos jurisdicionados, atente na queixa das partes, se preocupe com a eficiência da atividade mais essencial ao cidadão. Urge, assim, a criação de uma Ouvidoria da Justiça, com a finalidade específica de buscar uma rápida prestação jurisdicional. Mister colocar à disposição de advogados, servidores e partes meios diversos para denúncias, sugestões e reclamações. Dada ciência ao reclamado do fato denunciado, disporia ele de prazo para responder, devendo comunicar a providência tomada e, oportunamente, a solução final. O desatendimento a tais determinações seria anotado na ficha funcional do serventuário ou magistrado, cabendo a instauração do processo administrativo, se fosse o caso. Além de dar uma resposta a cada reclamante, indispensável também a publicação mensal do relatório das atividades judiciais.

 

Deve a Ouvidoria ter acesso a todas as informações dos demais órgãos do Poder Judiciário, sendo-lhe disponibilizado o andamento dos processos em todas as comarcas, bem como dos recursos em tramitação no Tribunal, o que o atual estágio da informática permite acessar com facilidade. Também ficariam à sua disposição os dados referentes ao desempenho de cada magistrado. No exercício da atividade censória, poderia solicitar informações sobre as causas de retardamento de algum processo e buscar justificativas para o eventual acúmulo. Haveria a possibilidade de estabelecer metas, planos de trabalho, bem como implantar mecanismos para dinamizar o andamento dos feitos: regime de exceção, redistribuição de processos ou formação de equipe de magistrados para socorrer determinadas varas, comarcas ou câmaras.

 

O Ouvidor, para ocupar tal cargo, necessita conhecer o funcionamento da Justiça, mas não deve ser um integrante de seu quadro. Sua legitimidade deve vir do referendo dos magistrados, e sua independência deve ser assegurada pela investidura temporária. Talvez deva ser Desembargador aposentado, eleito por todos os magistrados, com mandato limitado e sem possibilidade de recondução.

 

É o próprio Poder Judiciário que deve buscar mecanismos visando a otimizar a distribuição da Justiça, já que a criação de um controle externo inquestionavelmente viria a fragilizar a independência da atividade jurisdicional e a comprometer a garantia maior de um estado democrático de direito: um julgamento atento à realização do Direito… só que precisa ser ágil!

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

                                                                                     

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Nem cega, nem surda. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/nem-cega-nem-surda/ Acesso em: 29 mar. 2024