Judiciário

A justiça ideal depende muito de nós

(Luiz Guilherme Marques – Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG)

 

(Dedico este artigo aos funcionários, estagiários e Ministério Público adidos à 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG)

 

1) CONEXÃO DO DIREITO COM AS CIÊNCIAS AFINS

 

            O estudo da História é de capital importância para planejarmos acertadamente o aperfeiçoamento das instituições. Sem a análise dos fatos passados ficamos sem condições de detectar onde e quando surgiram as  falhas na sua estrutura e  funcionamento. Outras Ciências também se fazem necessárias, dentre as quais a Sociologia e a Psicologia.

 

            Os abusos perpetrados pelos maus religiosos em todos os tempos redundou na atual descrença que grassa em todos os recantos do planeta, culminando na supervalorização da Ciência e da Tecnologia no lugar que deveria ser destinado a DEUS, com péssimos resultados para as instituições em geral, inclusive o Direito e a Justiça.

 

            O estabelecimento dos Estados laicos acaba justificando um descompromisso com a Ética, possibilitando indiretamente a atuação de muitos políticos sedentos de “poder pelo poder”, servidores públicos desinteressados de servir ao público, empresários exploradores das classes pobres e outras formas de fria dominação humana.

 

2) SELEÇÃO DE MAGISTRADOS

 

            Especificamente dentro dos arraiais do Judiciário brasileiro, vemos falhas graves, que honestamente não podemos deixar de expor.

 

            Tudo começa pelas imperfeitas formas de recrutamento: os concursos públicos têm avaliado muito mais o nível de conhecimentos técnico-jurídicos dos candidatos do que seu perfil vocacional. Assim têm possibilitado que ocupem cargos na 1ª instância pessoas que nenhuma vocação têm para servir e apenas pretendem servir-se desses cargos em benefício da sua segurança financeira e profissional.

 

            Quanto ao ingresso nos demais cargos que não são através de concurso público, a forma é pior ainda, uma vez que sequer são avaliados os candidatos através dos seus conhecimentos técnico-jurídicos. O  “notável saber jurídico” muitas vezes camufla mero apadrinhamento político…

 

            Com isso, o Judiciário detém a presença de profissionais que criam uma jurisprudência do interesse das classes dominantes, entidades estrangeiras (como o FMI) e o capital estrangeiro. É a pura realidade, que o povo observa e desaprova, com razão.

 

            É necessário reformularmos os concursos públicos, valorizando o psicotécnico, que deve ser colocado no mesmo nível dos exames de conhecimento jurídico.

 

            Para ingresso na 1ª instância o concurso público é a forma mais moralizadora e democrática possível, aliás criada na França, no começo do século XX.

 

            Para ingresso nas instâncias superiores deve-se adotar como critérios únicos a progressão na carreira de magistrados concursados ou  concursos específicos para ingresso nessas instâncias, como também se pratica naquele país.

 

            Enquanto isso não ocorrer, teremos uma Justiça fragilizada, infiltrada por elementos nocivos em altos postos de comando, desacreditadores da seriedade da 1ª instância, esta que é o sustentáculo do Judiciário em todos os sentidos, justamente pela sua melhor seleção de magistrados.

 

3) MAGISTRADO CONCILIADOR

 

            A função de julgar, na verdade, contraria a regra cristã do “não julgueis”, justificando-se apenas quando o julgamento tenha acentuado conteúdo de Fraternidade, como ocorre normalmente entre pais e filhos.

 

            Infelizmente, esse sentimento não costuma ser encontrado em muitos que exercem o ofício. Até pelo contrário, muitos decidem com certa dose de crueldade e dureza em face dos desacertos dos cidadãos.

 

            Depois de muitos séculos passados da idéia da Conciliação, lançada por SÃO PAULO, chegamos, no final do século XX, a dar os primeiros passos no estabelecimento desse novo paradigma de “Conciliar mais e Julgar menos”, como única forma de real Pacificação Social.

 

            Nos Estados Unidos, por exemplo, há um investimento maciço nessa forma de resolução de litígios, com benefícios gerais (inclusive sob o signo do “times is money”) enquanto que nós vivemos atulhados de processos, ficando rotulados como um povo amigo dos “ganhos sem trabalho”…

 

4) NECESSIDADE DA REFORMA PENAL

 

            O ditador GETÚLIO VARGAS (adepto do fascismo e do nazismo) instituiu uma legislação penal e processual penal compatível com essas ideologias, legislação essa que mudou em pontos secundários, mas vem sendo mantida na sua essência até hoje.

 

            Assim, decretam-se detenções quase que indiscriminadamente, condenam-se a penas privativas de liberdade e abusa-se do poder de cercear a liberdade de ir e vir de pessoas de escassa periculosidade.

 

            Enquanto isso, muitos “criminosos de colarinho branco” extorquem os cofres públicos e vivem de grandes golpes quase que impunemente.

 

            São necessárias a edição de nova legislação penal totalmente diferente da atual e a realização de investimentos governamentais maciços no aparelhamento penitenciário.

 

5) ESCOLAS JUDICIAIS

 

            Devem ser verdadeiros laboratórios de pesquisa e não apenas departamentos burocráticos encarregados da realização de concursos para juiz.

 

            A Escola Judicial do TJMG tem procurado adotar esse perfil moderno  com a gestão de REYNALDO XIMENES CARNEIRO.

 

            Para tanto, é necessário que sejam dirigidas por magistrados vocacionados para o Magistério, eleitos pela classe justamente por causa dessa característica.

 

6) ELEIÇÃO PARA OS CARGOS DE DIREÇÃO

 

            Exercer cargos de direção deve ser apanágio de quem tem talento para a liderança. Não significa mais inteligência mas apenas um dom especial que uns têm e outros não. Por isso, não se deve adotar o critério de antiguidade, mas sim o de eleição por toda a classe.

 

            Representar a classe perante os demais segmentos e tomar iniciativas em nome dela são atribuições que poucos têm reais condições de bem assumir.

 

            Todavia, as iniciativas mais importantes devem ser tomadas após consulta à classe e não resultado de mero arbítrio dos dirigentes.

 

            A 1ª instância tem sido tratada pelas instâncias superiores como mera cumpridora de ordens, aliás nem sempre úteis porque muitas vezes baseadas em estudos incompletos dos setores burocráticos das cúpulas.

 

7) RELACIONAMENTO COM A OAB, MINISTÉRIO PÚBLICO ETC.

 

            É necessário que se mantenham contatos permanentes com a OAB, Ministério Público etc., realizando-se parcerias e estudos visando o aperfeiçoamento do Direito e da Justiça, por exemplo no que pertine à simplificação da linguagem nos processos, conforme exigido nos Juizados Especiais.

 

            A questão da Ética deve ser tratada com a OAB, uma vez que é grave  o problema de litigância de má-fé nos processos, praticada por alguns advogados.

 

8) VALORIZAÇÃO DAS MULHERES NA JUSTIÇA

 

            No Judiciário Estadual de Minas Gerais as mulheres representam apenas 25% do total dos magistrados, assim mesmo ocupando cargos principalmente na base, nunca se tendo ouvido falar de alguma ocupando cargo de direção.

 

            A presença feminina é importante inclusive para a humanização da Justiça, devido à sua maior sensibilidade.

 

            No Judiciário francês o número de mulheres já superou o de homens há alguns anos, apesar de lá ocorrer a mesma discriminação quanto à ocupação dos cargos de direção.

           

9) AUTONOMIA FINANCEIRA

 

            O Judiciário       Estadual do Rio de Janeiro é o único no país a gozar de autêntica autonomia financeira.

 

            Tal privilégio traz benefícios extraordinários, principalmente o de blindagem contra interferências políticas sempre problemáticas.

 

                           

10) JUSTIÇA GRATUITA

           

            A falta de critério na concessão da gratuidade é um dos maiores empecilhos à justa arrecadação de custas. Aliás, a culpa por esse estado de coisas deve-se em parte à própria legislação processual – diferente da francesa – pois não exige que os beneficiários provem documentalmente seus rendimentos e despesas.

           

            Há inúmeros processos paralisados na fase da realização de provas periciais, uma vez que os peritos se recusam (com razão) a realizar trabalho gratuito quando as partes poderiam e deveriam pagar algum valor, por mínimo que fosse, a título de honorários periciais.

 

11) QUALIFICAÇÃO E REMUNERAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS DA JUSTIÇA

 

            Há pouca qualidade na seleção de funcionários, quando somente se deveriam admitir pessoas com formação universitária, preferentemente na área jurídica, além de conhecimento razoável em Informática e Gestão.

 

            Essa baixa qualidade se justifica pela remuneração insuficiente,  funcionando como desestímulo para os profissionais melhor preparados, que permanecem nesses cargos apenas durante o tempo necessário para procurar outros empregos melhor remunerados.

 

            Muitos funcionários realmente qualificados e dedicados ao ideal de servir permanecem nesses cargos mal-remunerados por pura falta de opção ou idealismo louvável, merecedor de todos os elogios, como vários que conheço e com quem tenho a satisfação de trabalhar.

………………………………………………………………………………………………………

 

            As mudanças legislativas dependem de uma série de injunções, todavia, há muita coisa que nós mesmos podemos mudar na nossa rotina de trabalho.

 

            O amor ao nosso ofício e à comunidade a que servimos nos inspira idéias aperfeiçoadoras, que devem ser colocadas em prática para melhor servirmos ao povo que nos remunera através da pesada carga tributária que lhe é imposta.

 

Como citar e referenciar este artigo:
, Luiz Guilherme Marques. A justiça ideal depende muito de nós. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/judiciario/a-justica-ideal-depende-muito-de-nos/ Acesso em: 28 mar. 2024