História do Direito

A dinâmica de formação da Ordem dos Advogados do Brasil no contexto de seu processo de avaliação

[1] Murilo Vilas Boas Rios

Mestre em Direito

Resumo: A Ordem dos Advogados do Brasil é concebida no anseio do aperfeiçoamento do processo de realização da justiça, integrando a dinâmica democrática e, inclusa no texto constitucional de 1988, hoje compõe uma instituição preocupada com a qualificação e preparo daqueles investidos das responsabilidades e compromissos que tocam o processo e a dinâmica mencionados. E, neste sentido, enfatizando a história da Ordem com atenção em apresentar sua história e natureza com vistas a identificar seu papel na ordem democrática.

Palavras-chave: Direito; justiça; democracia; história; exame de ordem.

Abstract: The Order of Lawyers of Brazil is conceived in the yearning to improve the process of realization of justice, integrating the democratic dynamics and, included in the 1988 constitutional text, today composes an institution concerned with the qualification and preparation of those invested with the responsibilities and commitments that touch The process and dynamics mentioned. And, in this sense, emphasizing the history of the Order with attention in presenting its history and nature with a view to identifying its role in the democratic order.

Keywords: Right; justice; democracy; history; Examination of order.

Sumário: 1. Introdução; 2 A Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil; A Criação da Ordem dos Advogados do Brasil; O Surgimento do Exame de Ordem; A Manutenção do Exame de Ordem; O Conteúdo do Exame de Ordem; Conclusão; Referências.

 1. INTRODUÇÃO

O presente artigo é parte do trabalho de conclusão do curso de pós-graduação lato senso em docência do ensino superior concluída em 2009 e na sua origem teve como alvo um público heterogêneo, isto é, pessoas das mais diversas áreas do conhecimento e foi devidamente atualizado para publicação. Este trabalho aborda de forma breve a proliferação de cursos jurídicos no Brasil passando pela sua origem há mais de 180 anos em São Paulo e em Olinda por determinação de D. Pedro I. A criação da Ordem dos Advogados do Brasil – também é abordada no presente trabalho passando pela criação do Instituto dos Advogado Brasileiros – IAB. Além disso, o presente trabalho discute a questão sobre do exame de ordem, sua origem, necessidade, aplicação e críticas.

 2. A CRIAÇÃO DOS CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL

A criação dos primeiros cursos jurídicos do Brasil aconteceu há mais de 180 anos, quando D. Pedro I no dia 11 de agosto de 1827, determinou a criação das Academias de Direito em São Paulo e em Olinda, a primeira a ser instalada foi a de são Paulo no Largo de São Francisco e teve como a primeira disciplina do seu currículo, Direito natural, que se coadunava com o contexto filosófico da época. Até então os bacharéis eram formados na Universidade de Coimbra em Portugal, e obviamente tinham uma formação totalmente voltada para o Direito português. [2]

A criação de Cursos jurídicos no Brasil tinha sua importância fundada na necessidade de crescer culturalmente, bem como de adquirir maior independência política e administrativa e foi nos debates da constituinte de 1923 que nasceu a idéia de implantar no Brasil os cursos de Direito, [3] com uma indicação de José Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro Visconde de São Leopoldo, que assim propôs in verbis: 

Proponho que no Império do Brasil se crie quanto antes uma universidade pelo menos, para assento da qual parece deve ser preferida a cidade de São Paulo pelas vantagens naturais, e razões de conveniência geral.
Que na faculdade de direito civil, que será sem dúvidas uma das que comporá a nova universidade, em vez de multiplicadas cadeiras de direito romano, se substituam duas, uma de direito público constitucional, outra de economia política. – Paço da Assembléia, 12 de junho de 1823. O Deputado José Feliciano Fernandes Pinheiro. [4]

Esta indicação transformou-se no seguinte projeto de lei em 19 de agosto de 1823, para fundar uma universidade no Brasil in verbis:

A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Brasil decreta:

1.º Haverão duas universidades, uma na cidade de S. Paulo e outra na de Olinda; nas quais se ensinarão todas as Ciências e Belas Letras.

2.º Estatutos próprios regularão o número e ordenados dos professores, a ordem e arranjamento dos estudos.

3.º Em tempo competente se designarão os fundos precisos a ambos os estabelecimentos.

4.º Entretanto haverá desde já um curso jurídico na cidade de São Paulo para o qual o governo convocará mestres idôneos, os quais se governarão provisoriamente pelos estatutos da Universidade de Coimbra, com aquelas alterações e mudanças que eles, em mesa presidida pelo Vice-Reitor, julgarem adequadas às circunstâncias e luzes do século.

5.º S. M. o Imperador escolherá dentre os mestres um para servir interinamente de Vice-Reitor. Paço da Assembléia, 19 de agosto de 1823. – Martim Francisco Ribeiro d’Andrada. – Antonio Rodrigues Velloso d’Oliveira. – Belchior Pinheiro d’Oliveira. – Antonio Gonçalves Gomide. – Manoel Jacintho Nogueira da Gama. [5]

Vale lembrar, que em 1825, o imperador instituiu por meio de um decreto, um curso jurídico no Rio de Janeiro que não chegou a ser instalado. [6]

Somente em 1827 como já dito acima, que os cursos jurídicos foram realmente implantados nas Cidades de São Paulo e Olinda pela Lei de 11 de agosto de 1827 in verbis:           

Cria dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de São Paulo e outro na de Olinda. 

Dom Pedro Primeiro, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou, e nós que remos a Lei seguinte:

Art. 1.º – Criar-se-ão dois Cursos de Ciências Jurídicas e Sociais, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, e neles no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matérias seguintes:

1.º ANO –

2.º ANO –

3.º ANO –

4.º ANO –

5.º ANO –

 1ª cadeira – Direito Natural, Público, Análise da Constituição do Império, Direito das Gentes, e Diplomacia.

1ª cadeira –Continuação das matérias do ano antecedente. 2ª cadeira – Direito Público Eclesiástico.

1ª cadeira –Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira – Direito Pátrio Criminal com a Teoria do Processo Criminal.

1ª cadeira –Continuação do Direito Pátrio Civil. 2ª cadeira – Direito Mercantil e Marítimo.

 1ª cadeira Economia Política. 2ª cadeira – Teoria e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.

              
Art. 2.º – Para a regência destas cadeiras o Governo nomeará nove lentes proprietários, e cinco substitutos.

Art. 3.º – Os Lentes proprietários vencerão o ordenamento que tiverem os Desembargadores das Relações, e gozarão das mesmas honras. Poderão jubilar-se com o ordenado por inteiro, findo vinte anos de serviço.

Art. 4.º – Cada um dos Lentes substitutos vencerá o ordenado anual de 800$000.

Art. 5.º – Haverá um Secretário, cujo ofício será encarregado a um dos Lentes substitutos com a gratificação mensal de 20$000.

Art. 6.º – Haverá u Porteiro com o ordenado de 400$000 anuais, e para o serviço haverão os mais empregados que se julgarem necessários.

Art. 7.º – Os Lentes farão a escolha dos compêndios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, contanto que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela Nação. estes compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente; submetendo-se porém à aprovação da Assembléia Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra, por dez anos.

Art. 8.º – Os estudantes, que se quiserem matricular nos Cursos Jurídicos, devem apresentar as certidões de idade, porque mostrem ter a quinze anos completos, e de aprovação da Língua Francesa, Gramática Latina, Retórica, Filosofia Racional e Moral, e Geometria.

Art. 9.º – Os que freqüentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bacharéis formados. Haverá também o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem som os requisitos que se especificarem nos Estatutos, que devem formar-se, e só os que o obtiverem, poderão ser escolhidos por Lentes.

Art. 10.º – Os Estatutos do VISCONDE DA CACHOEIRA ficarão regulando por ora naquilo em que forem aplicáveis; e se não opuserem à presente Lei. A Congregação dos Lentes formará quanto antes uns estatutos completos, que serão submetidos à deliberação da Assembléia Geral.

Art. 11.º – O Governo criará nas Cidades de S. Paulo e Olinda, as cadeiras necessárias para os estudos preparatórios declarados no art. 8.º

Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente, como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios do Império a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos 11 dias do mês de agosto de 1827, 6.º da Independência e do Império.

IMPERADOR com rubrica e guarda.

(L.S.)

Visconde de S. Leopoldo.

Carta de Lei pela qual Vossa Majestade Imperial manda executar o Decreto da Assembléia Geral Legislativa que houve por bem sancionar, sobre a criação de dois cursos jurídicos, um na Cidade de S. Paulo, e outro na de Olinda, como acima se declara.

Para Vossa Majestade Imperial ver.

Albino dos Santos Pereira a fez.

Registrada à fl. 175 do livro 4.º do Registro de Cartas, Leis e Alvarás. – Secretaria de Estado dos Negócios do Império em 17 de agosto de 1827. – Epifanio José Pedrozo.

Pedro Machado de Miranda Malheiro.

Foi publicada esta Carta de Lei nesta Chancelaria-mor do Império do Brasil. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Francisco Xavier Raposo de Albuquerque.

Registrada na Chancelaria-mor do Império do Brasil à fl. 83 do livro 1.º de Cartas, Leis, e Alvarás. – Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1827. – Demétrio José da Cruz. [7]

O curso de Ciências Jurídicas e Sociais de São Paulo começou a funcionar no dia 1º de março de 1828 em Olinda no dia 15 de maio do mesmo ano. [8] E hoje existem mais de 1.000 (mil) cursos jurídicos espalhados por todo o país. [9]

 3. A CRIAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

Quase um século após a criação do Instituto dos Advogados Brasileiros, em 1930, num momento histórico em que a sociedade lutava pela modernização e renovação do País, e tendo como pioneiro o então Procurador-Geral do Distrito Federal, André de Faria Pereira, relatou ao Ministro de justiça da época o Dr. Osvaldo Aranha, que o incumbiu de criar a Ordem dos Advogados do Brasil incluindo o art. 17 ao Decreto nº 19.408 de 18 de novembro de 1930, assinado pelo chefe do Governo provisório Getúlio Vargas. [10]

Diz o art. 17 do citado Decreto in verbis::    

Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo.[11]

A implantação da OAB em todo o território nacional só se deu em 1933 com o Decreto nº 22.478 de 20 de fevereiro de 1933, ou seja, 3 (três) anos após a sua criação.[12]

Na lição de Elias Ferreira da Costa, a OAB é in verbis

Associação sui generis, regulada em parte pelo direito público, com atribuições de sujeito de poder de imperium, e, por outro lado, sujeita ao direito privado, o órgão de classe dos advogados apropriou do direito francês a expressão e o designativo de Ordem, com o qual se obtém uma conotação de disciplinamento, escol e teleologismo.[13]

 4. O SURGIMENTO DO EXAME DE ORDEM

Já na década de 60, a OAB começou a se preocupar com a qualidade do ensino jurídico no Brasil, época em que aos poucos começaram a crescer no país os cursos jurídicos, e já temendo pela má formação dos bacharéis em Direito, a OAB criou o exame de ordem, que inicialmente foi regulado pelo antigo estatuto da advocacia a Lei nº 4.215/63. O exame de Ordem foi aplicado pela primeira vez no Estado de São Paulo em março de 1971, e somente em 1994, com a criação do então novo estatuto da OAB, a Lei nº 8906/94, o exame passou a ser obrigatório em todos os Estados brasileiros para os bacharéis que pretendam exercer a advocacia.[14]

Assim determina o art. 8º da lei 8.906/94 in verbis:

Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

        I – capacidade civil;

    II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

        III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

        IV – aprovação em Exame de Ordem;

        V – não exercer atividade incompatível com a advocacia;

        VI – idoneidade moral;

        VII – prestar compromisso perante o conselho.

        § 1º O Exame da Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.

        § 2º O estrangeiro ou brasileiro, quando não graduado em direito no Brasil, deve fazer prova do título de graduação, obtido em instituição estrangeira, devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos previstos neste artigo.

       § 3º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, deve ser declarada mediante decisão que obtenha no mínimo dois terços dos votos de todos os membros do conselho competente, em procedimento que observe os termos do processo disciplinar.

      § 4º Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.

5. A MANUTENÇÃO DO EXAME DE ORDEM

A qualidade do ensino jurídico no Brasil tem sido objeto de inúmeros questionamentos, dada a sua especificidade, e por conta do alto índice de bacharéis reprovados no exame de ordem, principalmente na seccional do Rio de Janeiro, onde esse índice é um dos maiores do país, sem contar que é um dos Estados onde mais tem crescido o número de Faculdades de Direito.

Tal crescimento deve-se ao fato de ser o curso jurídico um dos mais procurados por oferecer uma variedade de opções em termos de carreira profissional.

Segundo a OAB, o número de inscritos no exame de ordem não aumentou na mesma proporção que os financiamentos públicos estudantis. No ano de 2010, eram 24.418. Em março de 2015, 24.187. A taxa de aprovação alternou entre 11% e 25% no período.[15]

Cumpre lembrar que entre os anos de 1999 e 2007 houve um aumento de 2.533% no número de inscritos no exame de ordem e que destes, 80% foram reprovados[16] segundo a OAB, só no Estado do Rio de Janeiro em 2007 se inscreveram no exame de ordem 7.790 candidatos e apenas 10% foram aprovados.[17]

Tal problemática é tema de preocupação entre especialistas, inclusive na Ordem dos Advogados do Brasil que é contrária ao crescimento desenfreado do número de novas faculdades de Direito. [18] A qualidade do ensino jurídico se tornou mais questionada nos últimos anos quando cresceu o número de bacharéis reprovados no exame de ordem. A grande preocupação é com a possibilidade de as faculdades por meio de um ensino possivelmente deficiente, colocar no mercado, profissionais despreparados passíveis de causar danos à sociedade, visto que o profissional do Direito lida com bens de extrema importância como o patrimônio, a honra e a liberdade de locomoção do indivíduo.

O índice mais alarmante de reprovação no exame de ordem foi em 2005 no Estado de São Paulo, onde apenas 8,74% dos candidatos obtiveram aprovação[19], desse modo, para Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB/SP, esse índice só reforça ainda mais a necessidade de manter o exame de ordem, visto que segundo ele, muitos bacharéis saem despreparados da faculdade para exercer a advocacia, e não foi à toa que o MEC no ano de 2009, fechou milhares de vagas nos cursos jurídicos por todo o Brasil e que o Conselho Regional de Medicina de São Paulo está interessado no modelo de prova da OAB para aplicá-la aos bacharéis em Medicina. [20]

Por outro lado, argumenta-se que o exame de ordem é inconstitucional por violar o livre exercício da profissão. [21] Outro argumento que tem ganhado força é o de que o exame de ordem gera para as editoras e cursos preparatórios, lucros milionários às custas de quem precisa ser aprovado no exame.[22] Deyse Coelho de Almeida, em um artigo intitulado Exame de Ordem: análise crítica, afirma que cabe ao MEC a fiscalização da qualidade dos cursos jurídico, e não à OAB, visto que esta é um conselho de classe e só pode fiscalizar o exercício da profissão, ou seja, depois que o advogado já está exercendo.[23]

Em 2007, um grupo de bacharéis conseguiu na justiça, uma liminar concedida pela juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho, da 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro[24] para se inscreverem nos quadros da OAB sem ter que prestar o exame de ordem. Vejamos o teor da liminar in verbis:

 Defiro a liminar determinar a autoridade coatora que se abstenha de exigir dos impetrantes submissão a exame de ordem para conceder-lhes inscrição, bastando para tanto o cumprimento das demais exigências do art. 8º. Da Lei 8.906/94.[25]

Os seis bacharéis que se beneficiaram da decisão são membros do Movimento Nacional dos Bacharéis em Direito do Rio de Janeiro. [26] A OAB recorreu da decisão e conseguiu a suspensão da liminar por decisão do desembargador Raldênio Bonifácio Costa, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. [27]

Tramitava no Senado Federal, um projeto de Lei do Senador Gilvam Borges do PMDB do Amapá que visava abolir o exame de ordem sob o argumento de que o bacharel já passa 5 (cinco) anos estudando numa Instituição de Ensino Superior devidamente autorizada pelo MEC e que o Exame não tem o poder de avaliar a capacidade técnica de nenhum bacharel. O referido projeto de lei[28] encontra-se arquivado[29], tendo sido questionado pelo advogado Luiz Flávio Borges D’Urso. [30]

Em 26 de outubro 2011, Recurso Extraordinário: 603583 RS, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o STF decidiu que o exame de ordem é Constitucional in verbis

Ementa

TRABALHO – OFÍCIO OU PROFISSÃO – EXERCÍCIO.

Consoante disposto no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal,“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. BACHARÉIS EM DIREITO – QUALIFICAÇÃO. Alcança-se a qualificação de bacharel em Direito mediante conclusão do curso respectivo e colação de grau. ADVOGADO – EXERCÍCIO PROFISSIONAL – EXAME DE ORDEM. O Exame de Ordem, inicialmente previsto no artigo 48, inciso III, da Lei nº 4.215/63 e hoje no artigo 84 da Lei nº 8.906/94, no que a atuação profissional repercute no campo de interesse de terceiros, mostra-se consentâneo com a Constituição Federal, que remete às qualificações previstas em lei. Considerações.[31]

 6. O CONTEÚDO DO EXAME DE ORDEM

O exame da Ordem dos Advogados do Brasil, unificado, divide-se em duas fases as quais veremos a seguir.

PRIMEIRA FASE

A primeira fase é uma prova objetiva com 80 (oitenta) questões de múltipla escolha, valendo 1 (um) ponto cada e compreende segundo item 3.4.1 do Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado

(…) os conteúdos previstos nas disciplinas do Eixo de Formação Profissional, de Direitos Humanos, de Filosofia do Direito, do Estatuto da Advocacia e da OAB e seu Regulamento Geral e do Código de Ética e Disciplina, nos termos do § 3º do art. 11 no Provimento 144, de 13 de junho de 2011, e suas alterações posteriores constantes do Provimento 156/2013, de 1º de novembro de 2013, do Conselho Federal da OAB.[32]

Nesta fase, a prova tem caráter eliminatório, cada questão traz 4 (quatro) opções com apenas uma resposta correta. A nota da prova objetiva é a soma das pontuações obtidas nas questões, sendo aprovado o candidato que atingir a quantidade mínima de 40 (quarenta) pontos que equivale a 50% de acertos, para assim habilitar-se para a segunda fase (Prático-Profissional).[33]

Uma das principais críticas a primeira fase deste exame é que privilegia mais a memorização do que o conhecimento e o raciocínio jurídico.[34] Críticas à parte, o que se pode notar é que as questões da primeira fase, versa sobre matéria a qual o bacharel teve a oportunidade de estudar ao longo dos 5 (cinco) anos de graduação, não há questão alguma que esteja fora do currículo mínimo do curso de Direito. São questões que visam avaliar o conhecimento mínimo do bacharel, é aquilo que foi ministrado, então é de se questionar o porquê de tanta reprovação.

Uma hipótese é a de que durante o curso de graduação, a maioria dos alunos não se dedica com afinco aos estudos, existe o tipo de aluno que estuda apenas na véspera das avaliações, que não está habituado a ler, que se acomoda simplesmente com a matéria dada em sala, não se preocupa em buscar outras fontes de informação, de conhecer outros livros, a opinião de outros autores, é essa dedicação ao longo de toda a graduação que parece fazer a diferença na hora de prestar o exame de ordem.

SEGUNDA FASE

A segunda fase da prova é de matéria específica escolhida pelo candidato no momento da inscrição, tendo como opções as seguintes áreas jurídicas e seu correspondente direito processual :

a) Direito Administrativo;

b) Direito Civil;

c) Direito Constitucional;

d) Direito do Trabalho;

e) Direito Empresarial;

f) Direito Penal;

g) Direito Tributário.[35]

A prova é prático-profissional, com questões discursivas valendo até 10 (dez) pontos composta de duas partes. A primeira parte é a elaboração de uma peça processual privativa de advogado valendo até 5 (cinco) pontos. A segunda parte desta prova, são 4 (quatro) questões práticas sob a forma de situações-problema valendo até 1,25 (um e vinte e cinco) pontos cada, também específica da área de opção escolhida pelo candidato no momento da inscrição.[36]

Tanto a peça processual quanto às questões, são avaliadas no que toca a adequação das respostas ao problema apresentado.[37] Editais anteriores faziam referência também ao domínio do raciocínio jurídico, a consistência da fundamentação, a capacidade de interpretação e exposição, a correção gramatical e a técnica profissional demonstrada. [38]

Para ser aprovado o candidato precisa alcançar uma nota igual ou superior a 6 (seis).

Quanto às críticas em relação à segunda fase do exame, estas se dão no sentido de que a banca é conservadora ao extremo, não aceita posições doutrinárias mais modernas e a forma de elaboração da peça profissional exigida pela banca da prova não condiz com a prática forense, ou seja, na prática o profissional pode seguir um determinado estilo de redigir uma peça processual, desde que obedeça às formalidades legais, o que não é possível no exame de ordem, visto que peça deve ser redigida de forma a atender às exigências da banca examinadora, forma esta que não se faz necessária na prática forense.

 7. CONCLUSÃO

Apesar das críticas ao exame de ordem, a exigência de aprovação no referido certame para o exercício da advocacia, justifica-se pela baixa qualidade do ensino jurídico em todo o Brasil. Muitos formados não reúnem condições intelectuais para o exercício da advocacia, motivo pelo qual o exame de ordem funciona como um filtro que se presta a preterir aqueles que não reúnem tais condições. Trata-se de prova necessária mantê-la, significa evitar que bacharéis despreparados exerçam a advocacia e coloquem em risco bens preciosos das pessoas como o patrimônio e a liberdade de locomoção entre outros.

 REFERÊNCIAS

Deyse Coelho de Almeida, Exame de Ordem: análise crítica. Disponível em:< 12-03-2017.>Acesso em: 12-03-2017.

Costa, Elcias Ferreira da.  Deontologia Jurídica – Ética das profissões jurídicas. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

Edital do Exame de Ordem 2008/2.

Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado.

 http://www.conjur.com.br/2008-jan-15/oab-rj_tenta_impedir_reprovados_exame_advogar> Acesso em: 20-04-2009.

 http://www.jusbrasil.com.br/noticias/788201/oab-analisa-mudar-perguntas-do-exame-de-ordem-por-sugestao-de-cursos-de-direito>Acesso em: 21-04-2009.

Luiz Flávio Borges D’Urso, A Importância da Manutenção do Exame de Ordem. Disponível em:<  http://www.camaradojapao.org.br/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4658:importancia-da-manutencao-do-exame-de-ordem&catid=19:opini&Itemid=500006>Acesso em: 20-04-2009.



[1] Mestre em Direito

[2] Criação dos Cursos Jurídicos no Brasil: Sessão Solene em Comemoração ao Aniversário de 180 Anos dos Primeiros Cursos Jurídicos do País. Disponível em:<  http://www.tarsogenro.com.br/artigos/fullnews.php?id=76>Acesso em: 19-04-2009.

[3] Disponível em: <  http://www.oab.org.br/hist_oab/antecedentes.htm>Acesso em: 19-04-2009: “Foram nos debates da Assembléia Constituinte de 1823, logo após a proclamação da Independência e num momento de definição do Estado nacional, que se iniciaram as discussões sobre a instalação de cursos jurídicos no Brasil. José Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro Visconde de São Leopoldo apresentou, em sessão de 14 de junho de 1823, indicação pioneira de instalação de uma universidade no Império do Brasil. Tratava-se do lançamento das bases da instrução nacional no “código sagrado” e “de uma maneira digna das luzes do tempo e da sabedoria dos seus colaboradores”. Na sessão de 19 de agosto de 1823, a indicação se transformava no primeiro projeto de lei que fundava e organizava uma universidade no Brasil.” 

[4] Disponível em:<  http://www.oab.org.br/hist_oab/antecedentes.htm>Acesso em: 19-04-2009: “A eloqüência parlamentar em prol do aprimoramento intelectual, que daria ao Brasil soberano sua maioridade cultural, foi frustrada com a dissolução da Constituinte, em 12 de novembro de 1823. Não era ainda o momento da criação dos cursos jurídicos no Brasil. O Conselho de Estado, que foi instituído logo após o fechamento da Assembléia, para secundar o Imperador, ficou encarregado de elaborar a Constituição, afinal outorgada em 1824 e não estudaria a instalação de universidades no País.”

[6] Disponível em:<  http://www.oab.org.br/hist_oab/antecedentes.htm>Acesso em 19-04-2009:

 “DECRETO DE 9 DE JANEIRO DE 1825, criando provisoriamente um Curso Jurídico nesta Corte.

QUERENDO que os habitantes deste vasto e rico Império gozem, quanto antes, de todos os benefícios prometidos na Constituição, art. 179, § 33, e

CONSIDERANDO ser um destes a educação e pública instrução, o conhecimento de Direito Natural, Público e das Gentes e das leis do Império, a fim de se poderem conseguir para o futuro magistrados hábeis e inteligentes, sendo aliás da maior urgência acautelar a notória falta de bacharéis formados para os lugares da Magistratura pelo estado de independência política a que se elevou este Império, que torna incompatível ir demandar como d’antes, estes conhecimentos à Universidade de Coimbra, ou ainda a quaisquer outros países estrangeiros sem grandes dispêndios e incômodos, e não se podendo desde já obter os frutos desta indispensável instrução se ela se fizer dependente de grandes e dispendiosos estabelecimentos de universidades, que só com o andar do tempo poderão completamente realizar-se,

HEI POR BEM, ouvido o meu Conselho de Estado, criar provisoriamente um Curso Jurídico nesta Corte e cidade do Rio de Janeiro, com as convenientes cadeiras e lentes, e com método, formalidade, regulamento e instruções que baixarão assinadas por Estêvão Ribeiro de Resende, do meu Conselho, meu Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império.

O mesmo Ministro e Secretário de Estado o tenha assim entendido e o faça executar com os despachos necessários.

Paço, 9 de janeiro de 1825, 4º da Independência e do Império.

Com a rubrica de Sua Majestade Imperial. (assinado) Estêvão Ribeiro de Resende.”

[7] Disponível em:<  http://www.oab.org.br/hist_oab/antecedentes.htm>Acesso em:19-04-2009.

[9] Luiz Flávio Borges D’Urso, A Importância da Manutenção do Exame de Ordem. Disponível em:<  http://www.camaradojapao.org.br/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4658:importancia-da-manutencao-do-exame-de-ordem&catid=19:opini&Itemid=500006>Acesso em: 20-04-2009: “No Brasil, registramos mais de mil cursos de Direito, mas nem todos são ilhas de excelência.”

[10] Disponível em:<  http://www.oab.org.br/hist_oab/inicio.htm#criacaoordem>Acesso em: 19-04-2009: “Logo depois de instalado o Governo Provisório, André de Faria Pereira expôs a Osvaldo Aranha, então ministro da Justiça, a necessidade de modificar a organização da Corte de Apelação, visando à normalização dos seus serviços e ao aumento da produtividade de seus julgamentos. Incumbido pelo ministro de organizar um projeto de decreto, o procurador-geral, há muito sócio do Instituto dos Advogados, incluiu o dispositivo do art. 17, criando a Ordem dos Advogados. O êxito da iniciativa foi, segundo ele, um milagre.”

[11] Decreto nº 19.408 de 18 de novembro de 1930.

[13] Deontologia Jurídica. P. 91.

[14] Luiz Flávio Borges D’Urso, Importância da Manutenção do Exame de Ordem. Disponível em: < http://www.reporterdiario.com.br/index.php?id=125489&secao=5>Acesso em 19-04-2009: “Na década de 60 a queda na qualidade do ensino jurídico tornou-se uma preocupação crescente para a OAB, levando a entidade a criar o Exame de Ordem para mensurar o conhecimento básico do bacharel em Direito. O Exame inicialmente foi regulamentado pelo antigo Estatuto da Advocacia, Lei 4.215/63, foi aplicado pela primeira vez em São Paulo em março de 1971. O novo Estatuto da OAB, Lei 8.906/94, tornou a prova obrigatória para todos os bacharéis que desejam exercer a profissão de advogado.”

[18] Luiz Flávio Borges D’Urso, A Importância da Manutenção do Exame de Ordem. Disponível em:<  http://www.camaradojapao.org.br/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4658:importancia-da-manutencao-do-exame-de-ordem&catid=19:opini&Itemid=500006>Acesso em: 20-04-2009: No Brasil, registramos mais de mil cursos de Direito, mas nem todos são ilhas de excelência. Temos um grupo de cursos com elevado nível de ensino, que apresentam historicamente um índice elevado de aprovação no Exame de Ordem. O segundo grupo é formado por instituições que possuem compromisso com o ensino jurídico e condições de bem preparar seus alunos, mas não têm obtido uma boa performance nos Exame de Ordem. Por fim, temos um terceiro grupo de cursos que constituem verdadeiros estelionatos educacionais e que precisam ser fechados, porque não dispõem de corpo docente qualificado, não possuem projeto didático-pedagógico, nem bibliotecas atualizadas e infra-estrutura adequada.”

[19] Luiz Flávio Borges D’Urso, Importância da Manutenção do Exame de Ordem. Disponível em:<  http://www.camaradojapao.org.br/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4658:importancia-da-manutencao-do-exame-de-ordem&catid=19:opini&Itemid=500006>Acesso em: 20-04-2009.

[20] Luiz Flávio Borges D’Urso, Importância da Manutenção do Exame de Ordem. Disponível em:<  http://www.camaradojapao.org.br/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4658:importancia-da-manutencao-do-exame-de-ordem&catid=19:opini&Itemid=500006>Acesso em: 20-04-2009: “Nada mais equivocado, tanto que o MEC fechou milhares de vagas este ano (2009) em cursos de Direito autorizados a funcionarem e o Conselho Regional de Medicina, está interessado no modelo aplicado pela OAB no Exame de Ordem para também aplicá-lo na Medicina.”

[21] Ver art. 5º, XIII da CRFB/88: “É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

[22] Deyse Coelho de Almeida, Exame de Ordem: análise crítica. Disponível em:<  http://www.boletimjuridico.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=796 >Acesso em: 12-03-2017.

[23] Disponível em:< http://www.boletimjuridico.com.br/DOUTRINA/texto.asp?id=796 > Acesso em: 12-03-2017: “Convém explicitarmos que cabe ao Governo Federal, através do MEC fiscalizar a qualidade do nível superior no país. À OAB cabe a fiscalização do exercício da profissão, ou seja, das atitudes do profissional quando exerce a advocacia, e não observar o nível do ensino superior em Direito, através dos bacharéis. Se o MEC não cumpre sua função, é dever da OAB postular a respeito exigindo providências e não fazer as vezes de órgão fiscalizador do ensino jurídico. A OAB é responsável pela criação do Exame de Ordem, mas este não encontra lei que o justifique, nem princípio jurídico que lhe dê embasamento, sem falar numa possível inconstitucionalidade, pois impede o livre exercício da profissão.”

[24] Processo nº 2007.51.01.027448-4.

[26] São eles: Silvio Gomes Nogueira; Marcello Santos da Verdade, Alessandra Gomes da Costa Nogueira, Marlene Cunto Mureb, Fabio Pinto da Fonseca e Ricardo Pinto da Fonseca.

[28] Projeto de Lei nº186/2006.

[30] Disponível em:< http://www.camaradojapao.org.br/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=4658:importancia-da-manutencao-do-exame-de-ordem&catid=19:opini&Itemid=500006>Acesso em: 20-04-2009.

[32] Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado.

[33] Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado.

[34] Adilson Gonçalves, OAB analisa mudar perguntas do Exame de Ordem, por sugestão de cursos de direito. Disponível em:<  http://www.jusbrasil.com.br/noticias/788201/oab-analisa-mudar-perguntas-do-exame-de-ordem-por-sugestao-de-cursos-de-direito>Acesso em: 21-04-2009: “Conselheiro federal pelo Rio Grande do Norte, Adilson Gonçalves explicou que a maioria das críticas feitas ao Exame de Ordem são relacionadas à formulação das perguntas na prova objetiva, o que estaria gerando dificuldade de interpretação por parte dos bacharéis. ‘Mantenedores e professores de direito, inclusive, afirmam que há uma dicotomia entre o que pretende a OAB em termos de qualidade do ensino e o que ela exige no Exame de Ordem. Ou seja. A OAB exige um ensino que privilegie o conhecimento e o raciocínio jurídico de uma forma geral e o exame estaria privilegiando muito mais a memorização e a dogmática jurídica’, explicou.”

[35] Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado.

[36] Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado.

[37] Edital de Abertura do XX Exame de Ordem Unificado.

[38] Edital do Exame de Ordem 2008/2, p. 5.

Como citar e referenciar este artigo:
RIOS, Murilo Vilas Boas. A dinâmica de formação da Ordem dos Advogados do Brasil no contexto de seu processo de avaliação. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/historia-do-direito/a-dinamica-de-formacao-da-ordem-dos-advogados-do-brasil-no-contexto-de-seu-processo-de-avaliacao/ Acesso em: 28 mar. 2024