História do Direito

Dignidade humana, aplicação da pena e o mito de Tântalo

O objetivo do presente ensaio com foco para a História do Direito em âmbito nacional é a apresentação de um breve panorama sobre a relação entre a dignidade humana e a aplicação da pena (disciplina de competência do direito constitucional em harmonia com o direito penal, o direito processual penal e a lei de execução penal) à luz do mito grego de Tântalo.

A pena, no ordenamento jurídico brasileiro, não pode ser perpétua. O garantismo penal traz o caráter humanitário para o Direito Penal.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 veda, em seu art. 5º, XLVII, as seguintes penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. O objetivo da aplicação da pena aplicada aos imputáveis deve ser ressocializador, e não vingativo. Deve ser aplicada de maneira correspondente ao fato típico cometido e ter seguir a duração prevista em lei. A pena deve ser aplicada ao condenado e não pode passar da pessoa dele.

É necessário observar que, no Brasil (objeto do presente estudo), a legislação penal diferencia os imputáveis dos semi-imputáveis e dos inimputáveis para a condenação criminal (aos imputáveis, aplica-se a pena; aos inimputáveis, aplica-se a medida de segurança; aos semi-imputáveis, aplica-se pena reduzida).

A cruel e desumana pena de caráter eterno é descrita em inúmeros mitos. Os mitos têm extrema importância para que as mensagens sejam transmitidas para as pessoas. Os enredos são riquíssimos em dados culturais, psicológicos, econômicos, jurídicos, artísticos, políticos (em âmbito nacional e internacional). Muitos deles têm profunda relação com o Direito e com as relações sociais.

Na mitologia grega, Tântalo, casado com Dione, era o rei de Frígia. O casal tinha três filhos: Níobe, Dascilo e Pélops. Os pais de Tântalo eram o Deus Zeus e a princesa Plota. Por ser muito comunicativo e querido, Tântalo era freqüentemente convidado para os banquetes dos Deuses do Olimpo. Em um dos banquetes, distraiu e enganou seus anfitriões e alimentou-se com ambrosia e néctar, alimentos que garantiam a imortalidade e que eram destinados apenas aos Deuses do Olimpo.

Em seguida, querendo verificar a onisciência (ou seja, a capacidade de saber tudo sobre tudo e todos antecipadamente) dos Deuses, Tântalo os convida para um banquete, querendo verificar se eles constatariam filicídio por ele cometido. O prato principal era a carne de seu filho Pélops, servida cozida e picada. 

Os Deuses logo perceberam a barbaridade cometida. Um deles, entretanto, comeu o ombro de Pélops. Os convidados decidiram devolver-lhe a vida. Zeus o colocou no caldeirão, ele ressuscitou e seu ombro ingerido foi substituído por uma peça de marfim.

Tântalo, autor da barbárie, foi condenado à sede e à fome eternas. A condenação consiste em que ele permaneça para sempre submerso em um lago, com água até o pescoço. Ao sentir sede e se abaixar para beber água, ela baixa até que não esteja ao seu alcance. Ao sentir fome, ele tenta inutilmente pegar os lindos e saborosos frutos que estão pouco acima do alcance de seus braços e que são ainda mais afastados com o vento.

Além do caráter perpétuo, a pena aplicada a Tântalo amaldiçoa todos os seus descendentes, sendo todos eles condenados ao eterno sofrimento.

O ordenamento jurídico brasileiro veda esta prática, sendo a pena destinada apenas à pessoa ou às pessoas que cometeram a infração penal. Trata-se do princípio da personalidade da pena. Tal previsão encontra-se prevista no art. 5º, XLV: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

Referências:

BONESANA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2003.

FELIX, Luciana. O mito de Tântalo. Conhecimento sem fronteiras. 2009. Escola Superior de Direito Constitucional. ESDC. Disponível em:  http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_2009_03_tantalo.htm. Acesso em 03 de abril de 2015.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

LEVI, Primo. É isto um homem? (trad. Luigi Del Re). Rio de Janeiro: Rocco. 1988.

RABINOVICH, Nora Rosa. MARTINS, Sílvia Cristina Cópia Carrilho Silva. As Úrsulas e o mito de Tântalo. XI Congresso Internacional da ABRALIC Tessituras, Interações, Convergências. 2008. Universidade de São Paulo. Disponível em:  http://www.abralic.org.br/download/anaiseventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/013/SILVIA_MARTINS.pdf. Acesso em 10 de março de 2015.

 

Maria Fernanda Soares Macedo – Advogada. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Universitária. Professora Convidada dos Cursos de Pós Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Faculdades Metropolitanas Unidas. Professora orientadora de monografias dos cursos de Pós Graduação do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Professora de Direito em cursos de ensino à distância.

Como citar e referenciar este artigo:
MACEDO, Maria Fernanda Soares. Dignidade humana, aplicação da pena e o mito de Tântalo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/historia-do-direito/dignidade-humana-aplicacao-da-pena-e-o-mito-de-tantalo/ Acesso em: 29 mar. 2024