Hermenêutica

Interpretação jurídica, criatividade e representações cerebrais

Interpretação jurídica, criatividade e representações cerebrais

 

 

Atahualpa Fernandez *

  Marly Fernandez **

 

 

 “Oh!, funesto erro…, por que fazes ver ao espírito crédulo dos homens coisas que não são?”

 

SHAKESPEARE

Julio César

 

 

Admitindo como correta a advertência de que o fator último de individualização da resposta ou conclusão do raciocínio jurídico não procede exclusivamente do sistema jurídico (ainda que deva resultar compatível com ele) senão que também das convicções pessoais do operador do direito, o problema da intepretação e aplicação jurídica implica sempre uma dimensão subjetivo-individual do jurista-intérprete, onde a criatividade parece jogar um papel de fundamental importância no processo de realização do direito. Assim que embora a questão da natureza da atividade hermenêutica se analise somente desde o ponto de vista descritivo e lógico-formal, o que se deveria tratar de fazer é, em efeito, determinar as funções mentais que se põe em marcha nas operações efetivas levadas a cabo na tarefa de interpretar, “criar” e aplicar o direito ( Troper, 2003).

 

E porque para a hermenêutica o modelo sujeito-objeto não é viável no âmbito das ciências humanas, a criatividade presente em todo ato de compreensão, interpretação e aplicação jurídica também deve ser abordada por meio da análise dos processos cerebrais do operador do direito. A tomada de decisão, para além de toda e qualquer dúvida razoável, surge da atividade eletroquímica de redes-neuronais no cérebro. A experiência de escolher a decisão satisfatória não é uma ficção, mas uma conseqüência causada pela atividade fisiológica de um cérebro  (produto de sistemas cognitivos e emocionais no cérebro) moldado geneticamente ao longo da história evolutiva de nossa espécie e aparelhado para pensar de certa maneira.

 

Trata-se de um processo neural, com a óbvia função de selecionar  a “melhor solução” segundo suas conseqüências previsíveis , a par de  devidamente fundamentada. Isto implica dizer que, para poder interpretar uma informação, o cérebro tem que chegar a uma coalisão de grandes conjuntos de neuronas cuja ativação e interação representa a melhor interpretação de um determinado fenômeno, com fequência em competição com outras interpretações possíveis mas menos prováveis. Por certo que a solução elegida pode não ser a melhor de todas as concebíveis, mas seguramente será potencialmente a melhor de todas as possíveis e disponíveis. É nesse sentido, diga-se de passo, que a interpretação e aplicação do direito é, em última instância, um processo panglossiano.

 

Depois, não parece definitivamente razoável supor que a tarefa interpretativa e os modelos metodológicos  sejam concebidos como extracraneais, enquanto a cognição e a emoção (produtoras da criatividade) não o são. São produtos de nossa maquinária cerebral, tanto como são produtos de nosso entorno cultural.[1] Como recorda Pinker (2002), são os circuitos físicos situados no córtex pré-frontal e em outras partes do cérebro, e não poderes ocultos de um Poltergeist, os que condicionam nosso processo de decisão; é apenas a tabula rasa que faz com que as pessoas creiam que nossos instintos são “biológicos” mas que o pensamento e a tomada de decisão  são alguma outra coisa .

 

Pois bem, o desenvolvimento neurocognitivo do ser humano favoreceu o aparecimento da curiosidade humana e, a partir dela, surgiu inevitavelmente nosso potencial criativo. Na advertência de Changeux (1996), o cérebro é evidentemente a “base” da linguagem, da arte e da moral. E o ser humano é o único meio através do qual a criatividade chega ao mundo. De fato, se se borrasse o conjunto de cérebros humanos da face da terra, o fenômeno da criatividade desapareceria ao mesmo tempo. A criatividade  não existe mais que no cérebro do homem do qual provém e que somente ele é capaz de produzir e compreender[2]. Somente o ser humano dispõe de potencial criativo, e o tem precisamente em seu cérebro, na forma de representações plasmadas em suas conexões neuronais. O resto é mitologia[3].

 

Daí que o juízo ético-jurídico baseado não somente em raciocínios senão também em emoções e sentimentos morais produzidos pelo cérebro, não pode ser considerado como totalmente independente da constituição e do funcionamento desse órgão que, em uma primeira aproximação, parece não dispor de uma sede única e diferenciada relacionada com a cognição moral  e o juízo normativo que dita o sentido do direito e da justiça.O melhor modelo neurocientífico do juízo normativo disponível hoje estabelece que o operador do direito conta, em seus sistemas avaliativo-afetivos neuronais, com uma permanente presença de exigências, obrigações e estratégias, com um “dever-ser” que incorpora internamente motivos racionais e emocionais, e que se integra constitutivamente em todas as atividades dos níveis prático, teórico e normativo de todo processo de realização do direito.

 

Assim que com relação ao processo criador no direito, parece possível  conjecturar que a investigação neurocientífica sobre a cognição moral e jurídica pode vir a afetar nosso entendimento acerca da natureza  do pensamento e da conduta humana, com conseqüências profundas no domínio próprio (prático-argumentativo) do fenômeno jurídico. E porque não há uma instituição humana mais fundamental que a norma jurídica e, no  campo do progresso científico, algo mais instigante que o estudo do cérebro, a união destes dois elementos (norma/cérebro) acaba por representar uma combinação naturalmente fascinante e estimulante, uma vez que a norma jurídica  e o  comportamento que procura regular são ambos produtos de processos mentais. Neste  particular contexto, o processo de interpretação e aplicação jurídica (convertido no ponto cardinal da evolução jurídica) aparece como o mecanismo apto e o único meio possível e com capacidade necessária e suficiente para por em evidência a natural combinação cérebro/norma.

 

E uma forma de proceder a análise da criatividade a partir de tais considerações é partindo da premissa estabelecida segundo a qual os operadores do direito vivem das representações e significados que se passam na mente, isto é, que são processados em suas estruturas cerebrais[4]. O conceito de representação procede da teoria kantiana do conhecimento segundo o qual a realidade existe para cada um em particular somente em sua imaginação. Portanto, é somente sua representação. O mundo que vemos é um mundo concebido através da construção feita a partir de estímulos físicos por uma maquinária que é nosso cérebro: a realidade objetiva é “realidade” entanto que realidade humana percebida pelo cérebro humano.

 

Em neurociência se vem usando o termo representação de forma sistemática para aludir ao conjunto de correlatos neuronais que se dão em nosso cérebro do mundo exterior. Neste marco parece possível não somente aceitar a equivalência entre representação e padrão de atividade cerebral senão também, e muito particularmente, intentar avançar no significado do conceito de representação com base no paradigma admitido pela neurociência. Isto é importante porque nos conduz ao conceito de estabilidade na atividade cerebral  como fator determinante da evolução dos padrões , por exemplo, no ato de compreensão, interpretação e aplicação do direito.

 

 Para seguir nesta direção é útil imaginar um simples experimento que poderíamos fazer com uns quantos operadores do direito, com semelhante preparo intelectual e formação profissional,  interpretando uma lei . Suponhamos que lhes mostramos a todos um mesmo texto legal (que envolva um dilema moral ou ético-jurídico), lhes pedimos que tratem de interpretar  e compreender seus matizes e que depois lhes pedimos que expressem com detalhes  um determinado desenho acerca da posição pessoal de cada um sobre o referido enunciado normativo.

 

Se verdadeiramente estes operadores têm semelhante preparação intelectual e formação profissional nos poderão fazer desenhos praticamente iguais, a menos que o texto legal (ou dilema) contenha detalhes difíceis de interpretar. Portanto, estes operadores tiveram acesso a uma realidade tangível e objetiva do mundo exterior que se haverá armazenado como representação em seus cérebros em forma de padrões de atividade de distintas regiões cerebrais.  Não há, contudo, razões para pensar que as zonas cerebrais ativadas serão idênticas  nos distintos intérpretes.

 

Com toda segurança haverá um alto grau de correspondência no trabalho realizado por regiões cerebrais. Por exemplo, com toda segurança se haverá ativado o córtex cerebral ocipital quando os sujeitos visualizavam o texto legal, assim como o córtex frontal e o sistema límbico[5]  para poder levar a cabo uma conduta relacionada com o processo de tomada de decisões. Mas se descendemos ao nível dos neurotransmissores e os potenciais sinápticos , que constituem a linguagem de comunicação dos neurônios (de modo que maiores quantidades de neurotransmissores liberados produzem maiores potenciais sinápticos), não há nenhuma razão para esperar que haja dois neurônios idênticos respondendo identicamente no momento da tarefa interpretativa. A demonstração mais simples disto é a redução ao absurdo baseada no fato de que não é previsível que haja dois cérebros, simplesmente, com o mesmo número de neurônios e conexões sinápticas que geram e determinam os processos cerebrais associados com a percepção, os padrões de pensamento e o sentido de ação (no caso, com o processo de observar, avaliar e decidir) .

 

Um de nossos operadores pode ser jovem e outro mais velho, circunstância em que o processo de desaparição de neurônios já tenha iniciado. Cada um terá sua representação resultante de seu próprio padrão de atividade cerebral e das interações sinápticas produzidas pela experiência e pela história particular de cada cérebro (esta característica de câmbios se conhece com o nome genérico de plasticidade neuronal e pode estar na base da individualidade associada à experiência, dissociada do determinismo genético).  O que não quer dizer que a realidade não exista objetivamente e que somente exista em nossa imaginação.

 

 De fato, o problema filosófico segue vigente porque não se trata tanto de se existe uma realidade senão dos critérios de fundamentação dessa mesma realidade – uma vez que as percepções são o resultado de um processo psicológico que combina o que os olhos vêem com o que já pensamos, sentimos, sabemos, queremos e creemos, e depois utiliza essa combinação de informação sensorial e conhecimento já existente para construir nossa percepção da realidade. E porque ninguém pode viver sua realidade (nem, por certo, interpretá-la) sem o concurso irrenunciável de sua atividade mental, detrás de dois cérebros distintos podem esconder-se mundos e formas de conceber e de sentir a realidade abismalmente diferentes.

 

 Dito de modo mais simples (e jurídico): porque cada cérebro contrói o mundo de maneira ligeiramente distinta dos demais cérebros, não há uma interpretação definitiva do que expressa a “norma”, senão simplesmente uma interpretação dentro de nossas cabeças (uma construção pessoal), interpretação que se desencadeia através dos elementos externos que melhor estamos preparados para registrar. Depois, o problema que tem que afrontar o cérebro aqui é que os sinais procedentes do mundo (em nosso caso, da norma) não costumam representar uma mensagem codificada, senão que são potencialmente ambiguos, são dependentes do contexto e não vem necessariamente acompanhados de juízos prévios sobre seu significado (Edelman, 1987).

 

Assim como assim, o certo é que as representações e  o fenômeno da criatividade  têm um substrato material que são os correlatos cerebrais ou padrões de atividade neuronal que se estabelecem individualmente. Ainda não há uma resposta clara acerca de como tem lugar este processo criativo, uma vez que, para tanto,  haveríamos de ser capazes de determinar , se é que é possível, o limite entre percepção, emoção, memória e cognição. Para tratar de aclarar a complexidade do problema podemos recorrer ao exemplo de nossos intérpretes.

 

Quando viram o texto legal se puseram em marcha seus circuitos visuais, o que significa que uma série de sinais navegaram desde seus olhos através das vias nervosas correspondentes até o córtex cerebral ativando, na mesma medida, o sistema límbico. Com toda segurança todos identificaram que se tratava de uma lei porque previamente haviam visto objetos parecidos. Portanto disponiam de interações sinápticas modificadas ao efeito. Quando trataram de compreender os detalhes dessa lei em concreto tiveram que produzir-se novas modificações sinápticas  e, em qualquer dos casos, suas respectivas percepções da realidade e suas características desvelarão o traço ou pontos de vista de cada intérprete de igual forma que refletirão as coisas que representa. E parece ser este o  momento em que a dimensão  humana do potencial criativo impõe suas pautas.

 

Agora: Quando foi suficiente? Em que nível o processamento de informação se torna significado, conhecimento, consciência? Quanto tiveram que modificar as interações sinápticas para que se establecera a representação dessa lei e a criatividade relativa ao processo de sua interpretação e aplicação ? Como se decidiu que era suficiente? Estamos no caso da criatividade ou outros fenômenos perceptivos similares, ante processos cognitivos mais bem unitários e discretos, ou se trata somente de fenômenos que emergem de muitos mecanismos psíquicos articulados no tempo e espaço?  Têm estes supostos processos ou séries de processos algum aspecto de carater universal, no sentido de que contam com algum componente nuclear comum capaz de determinar em cada indivíduo sua particular criatividade ou valoração acerca do que é ou deixa de ser justo? Será possível algum dia descrever esse processo ou processos (ou os componentes chave) em termos mais objetivos? Cabe buscar sua origem em algum padrão idiossincrásico de atividade neural que contenha ao menos alguma sequência  espaço-temporal identificável compartida por todos os indivíduos? A diferença do que parece ocorrer na base neural das facultades artísticas (Changeux,1994; Vigouroux,1992), existem algunas áreas neuronais cuja intervenção específica seja em certo modo crítica e universal no marco da atividade amplamente distribuída que muito provavelmente subjaz – como em todos os processos cognitivos superiores (Vigouroux,1992) – ao fenômeno da criatividade? Em que medida contribuem a herança e a história de aprendizagem de cada indivíduo  no pôr em marcha ou na ativação desse suposto padrão funcional? Podem ser de utilidade as modernas técnicas de neuroimagem não tanto para a localização estrita da sede cerebral de tal traço de atividade, senão, mais bem, para a identificação da implicação diferencial de certos circuitos distribuídos?

 

Particularmente com relação à questão metodológica da interpretação e aplicação do direito, o problema  da localização dos correlatos cerebrais que subjazem e ditam o processo criativo suscita as seguintes questões: qual a relação existente entre os resultados da investigação neurocientífica sobre a criatividade e o processo de realização do direito?  Em que pontos se podem enlaçar de modo presumidamente tão decisivo para que a neurociência cognitiva ponha em questão as teorias tradicionais acerca da criatividade nos resultados da compreensão e da realização jurídica? De que forma um modelo neurocientífico do processo criativo oferece razões poderosas que poderão vir a dar conta da falsidade subjacente às concepções comuns da psicologia (da criatividade e da racionalidade) humana? Em que medida é possível saber onde termina a cognição e começa a emoção no processo criativo de realização do direito? Que alcance pode chegar a ter essa perspectiva neurocientífica para o atual edifício teórico e metodológico da ciência jurídica? Ou, já que estamos, de que maneira cambiará nossa concepção acerca da criatividade como elemento essencial do processo de realização do direito e, conseqüentemente, para a tarefa do jurista-intérprete de dar “vida hermenêutica” ao direito positivo em sua relação na prática?

 

Simplesmente não o sabemos. Parece não existir no cérebro nenhuma área específica (e se houver a neurociência ainda não conseguiu descobrí-la) em que a neurofisiologia misteriosamente se torna criatividade. O que há é um padrão de ativação cerebral que pode implicar um número considerável de estruturas cerebrais e que em algum momento é suficiente como para que o sujeito-intérprete possa compreender ( de forma criativa ou não) o objeto interpretado : um trabalho que envolve múltiplas e distintas regiões do cérebro (não necessariamente conectadas por simples trajetos sinápticos ou sinapticamente distantes) contribuindo harmoniosamente para o todo ( ou envolvidas em aspectos complementares da mesma tarefa: de cada região, de acordo com suas possibilidades, para cada uma, de acordo com suas necessidades – Rose, 2006).

 

E talvez o mais  interessante ao respeito seja a identificação, por parte de Sanfey e colaboradores (2003), das áreas cerebrais  implicadas nessa decisão de raiz estritamente ligada a um sentido da justiça: resultam ser as mesmas que, no modelo de Damasio (1994) do marcador somático, formam parte da rede neuronal de interconexão fronto-límbica[6]. De fato, o atual modelo neurocientífico do juízo ético-normativo no direito e na justiça obtido por técnica de neuroimagem parece sugerir que o raciocínio jurídico implica um amplo recrutamento e emprego de diferentes sistemas de habilidades mentais (relacionados tanto com o pensamento racional como emocional) e fontes de informação diversas (Goodenough & Prehn, 2005).

 

De que é a atividade coordenada e integrada das redes neurais a que torna possível a conduta moral humana, isto é, de que o juízo moral integra as regiões frontais do cérebro com outros centros, em um processo que implica a emoção e a intuição como componentes fundamentais. É mais, que cada uma destas funções cerebrais intervêm em uma grande diversidade de operações cognitivas, umas relacionadas com a inteligência social e outras não (Greene et alii,2001 , 2002 e 2005[7]; Moll et alii, 2002 e 2003 e 2005). Como insiste Damasio (1994), não há um centro da moral no cérebro, pois esta bem pode ser um efeito colateral do funcionamento dos sistemas que evolucionaram para regular outros aspectos mais primários do organismo.

 

Seja como for, conhecer como se realizam as conexões dos neurônios ao estabelecer as redes que levam aos juízos , quer sejam morais ou, como no caso de alguns experimentos estéticos já levados a cabo (Cela-Conde et al., 2004) , é necessário para se ter uma idéia, ainda que limitada , acerca do processamento mental[8] relativo à criatividade. Sem embargo, inclusive quando se disponha de um mapa espacial e temporal das funções cognitivas —algo que tardará em chegar— restará ainda pendente o explicar como se produziu a evolução dessa capacidade. É muito provável, diga-se de passo, que buscar a localização do pensamento, da criatividade, da emoção ou da atuação em áreas específicas do cérebro implique, ao fim e ao cabo, em cometer um erro de categoria, porque esses processos são realizados não propriamente em uma área específica, mas em um padrão de interações dinâmicas entre regiões múltiplas do cérebro.

 

Depois, seguimos sem entender como se produzem os fatos mentais mais triviais. Não sabemos o que ocorre no cérebro quando tomamos uma decisão, ou quando aprendemos um número de telefone. Nem sequer acabamos de entender para que serve dormir ou sonhar. A informação topográfica de que dispomos não proporciona conhecimento algum sobre os mecanismos subjacentes nem permite averiguar nem compreender o que ocorre no cérebro, senão somente  donde ocorre.O cérebro contrói o mundo da percepção e a experiência. Alguns fótons emitidos pelo Sol e refletidos pelas coisas externas impactam na superfície da retina, donde são detectados pelos fotoreceptores. Os sinais luminosos são digitalizados e transmitidos pelo nervo óptico ao cérebro. Este os recebe e, a partir deles, constroi o mundo cheio de formas e cores que vemos. Esta visão é realista, mas representa a realidade de uma maneira autoconstruída. E ainda não conseguimos entender como o cérebro constrói o mundo percebido.

 

Contudo, o que de fato resulta curioso é a circunstância de que toda a construção hermenêutica e a própria unidade da realização do direito elaboradas pelas teorias contemporâneas estão baseadas, na atualidade, no modo de explicação dominante da teoria da eleição racional[9], construindo uma imagem sobre a racionalidade ou emoções ideais  que os operadores jurídicos têm no processo de tomada de decisão (parafraseando Wilson acerca de seu veredicto  sobre o marxismo: “Teoria maravilhosa. Espécie errada”). Seu conceito fundamental é o de que, antes de tudo, os juízes são essencialmente racionais e objetivos em seus juízos de valor acerca da justiça da decisão: examinam tão bem como podem todos os fatores pertinentes ao caso e ponderam o resultado provável que se segue a cada uma das eleições potenciais . A opção preferida (“justa”) é aquela que melhor se adequar aos critérios de racionalidade e objetividade por meio da qual foi gerada.

 

O processo de análise indicado contém, em essência, uma operação incompatível com os conhecimentos que a neurociência nos aporta. A de construir um modelo de extrema racionalidade (da decisão dos juizes) de algo que se configura essencialmente como uma atividade com acentuados componentes irracionais: racionalizamos por razões irracionais.

 

E o inadequado da imagem se põe de manifesto ao analisar como funciona o cérebro quando formulamos juízos morais acerca do justo ou injusto. A causa dos processos cerebrais associados é preciso aceitar a iniludível presença de elementos não-lógicos e, em geral, a intrusão do valorativo e do criativo no raciocínio jurídico. A partir daí, não resulta aceitável nem legítimo o seguir considerando a tarefa hermenêutica como uma operação ou conjunto de operações regidas exclusivamente pela silogística dedutiva ou cognoscitiva. De fato, a mente humana parece estar carregada de traços e defeitos de desenho que empanam o nosso legado biológico no que se refere à plena objetividade e racionalidade cognitiva.

 

Depois, não só a maioria das decisões judiciais são tomadas com bastante rapidez, em cenários complexos e com informação parcial e incompleta – inclusive, em condições de incerteza –, como os julgadores, no processo de realização do direito, não deixam de ser homens imbuídos de toda a preocupação ética, de certos valores, preferências e intuições morais, o que faz com que não pareça legítimo nem razoável interpor, na aplicação do direito, uma barreira insuperável entre a desejada objetividade, a criatividade e a subjetividade emocional do intérprete. O processo de realização do direito por parte do juiz implica, em última instância, uma tarefa que pode considerar-se propriamente construtiva e emocional, pessoal e criativa em certo sentido, embora não como absolutamente livre ou desprovida de vínculos para o julgador.

 

E é essa constatação a que faz com que não somente a noção de racionalidade habitual em ciência jurídica esteja sendo objeto de revisões drásticas, senão que a idéia mesma de que a ciência jurídica está fundada na objetividade, neutralidade e racionalidade do operador do direito vem sendo assaltada e posta em dúvida nos últimos lustros desde as mais variadas direções. Desde logo, a partir de algumas tendências da filosofia e da filosofia do direito mesmo, mas também, e acaso mais incisiva e contundente, por parte dos cientistas cognitivos, dos filósofos da mente e dos avanços provenientes da própria neurociência cognitiva.

 

E com o resultado de que, embora quando alguma noção de racionalidade no processo de realização do direito parece iniludível (tratar de prescindir da idéia de agentes intencionais é tarefa condenada de antemão ao fracasso), o processo de derivação de valores não é de natureza fundamentalmente neutra, objetiva e racional, senão que essencialmente criativa – quer dizer: nossos desejos e nossas emoções intervêm sempre em maior ou menor medida em todo o processo de tomada de decisão em concreto, ou, para ser mais preciso, a articulação co-constitutiva da afetividade e da razão intervêm em toda a interpretação (compreensão), justificação e aplicação de uma vontade alheia[10].

 

Se é certo que a eleição moral não pode existir sem a razão (preferências individuais e razão instrumental), não menos certo é a “intuição” (e já agora a evidência empírica) de que é a gama caracteristicamente humana de emoções que produz os propósitos, metas, objetivos, vontades, necessidades, desejos, medos, empatias, aversões e a capacidade de sentir a dor e o sofrimento de outro[11]. Formulamos juízos de valor sobre o justo e injusto não somente por sermos capazes de razão (como expressam a teoria dos jogos e a teoria da interpretação jurídica) mas, ademais,  por estarmos dotados de certas intuições morais inatas e  de determinados estímulos emocionais que caracterizam a sensibilidade humana e que  permitem que nos  conectemos potencialmente com todos os outros seres humanos.

 

Assim que não resta dúvida alguma de que, a partir das evidências até agora obtidas, cabe ir muito mais longe. Com efeito, parece razoável supor o fato de que as investigações em neurociência cognitiva da moral, e muito particularmente do juízo normativo no direito e na justiça, podem vir a fornecer uma enorme e rica contribuição para a compreensão em detalhe do funcionamento interno do cérebro humano no ato de julgar – de formular juízos morais acerca do justo e do injusto – e o respectivo potencial criativo que o motiva. A neurociência pode subministrar as evidências necessárias sobre a natureza das zonas cerebrais ativadas e dos estímulos cerebrais implicados no processo de decidir e criar, sobre o grau de envolvimento pessoal dos julgadores e os condicionantes culturais em cada caso concreto, assim como sobre os limites da racionalidade, da criatividade e o grau de influência das emoções e dos sentimentos humanos na formulação e concepção acerca  da “melhor decisão”[12].

 

E ainda dando por sentado que o mistério da criatividade permanecerá indecifrável, a neurociência seguramente nos levará a entender melhor que a busca de um adequado critério metodológico para a compreensão e a realização do direito poderá considerar-se, antes de tudo,  como a arqueologia das  estruturas e correlatos cerebrais relacionados com o processamento das informações responsáveis pelo fenômeno da criatividade no âmbito ético-jurídico.

 

Isto é, de que o melhor caminho para explicar e entender as estruturas sócio-jurídicas, suas instituições e os modelos práticos de sua realização é o da análise da natureza humana e das ações individuais – a explicação intencional e, como variante, a eleição criativa e racional (Wright,1994) –, em síntese, da idéia do homem (do sujeito-intérprete) como ponto de partida e de chegada de um sistema complexo de justiça e de normas de conduta desenhados para oferecer soluções aos conflitos de interesses e canalizar nossa tendência à “agressão” decorrente da falta de reciprocidade e dos defeitos que emergem dos vínculos sociais relacionais que estabelecemos ao longo de nossa secular existência, delimitando (mais do que compondo conflitos) por uma via não conflitiva os campos em que os interesses individuais, sempre a partir das reações do outro, possam ser válida e socialmente exercidos (Ricouer, 1995).

 

Da mesma forma, diante do atual panorama metodológico acerca do reconhecimento, polêmico em relação com a metodologia tradicional, do fato de que os operadores do direito (especialmente os juízes), em muitos casos e até um certo grau, produzem direito, a neurociência permitirá abrir caminho para a exigência, cada vez mais urgente, de desenhar e estabelecer os critérios metodológicos e os limites adequados que há que pôr a esta inegável produção do direito por parte dos magistrados.

 

Estas são algumas das muitas formas por meio das quais a neurociência, quanto às emoções imperfeitas e aos fatores de irracionalidade que realmente sentimos e experimentamos na tarefa de julgar,  pode trazer maior contribuição para o desenho e a elaboração de “decisões justas” do que a ilusão sobre a racionalidade ou emoções ideais que gostaríamos que os operadores jurídicos tivessem no processo (criativo ou não) de tomada de decisão.

 

Em resumo, nossa tese é a de que os novos avanços da neurociência cognitiva permitirá  uma melhor compreensão da mente e do cérebro e trará consigo a promessa de cruciais aplicações práticas no âmbito da interpretação e aplicação jurídica: constituem uma oportunidade para refinar nossos juízos ético-jurídicos e estabelecer novos padrões e critérios metodológicos sobre cimentos mais firmes e consistentes.  E o que se espera é que um modelo neurocientífico do juízo normativo no direito e na justiça venha a oferecer razões poderosas que possam vir a dar conta da falsidade subjacente às concepções comuns  da racionalidade e da criatividade humana e , a partir daí , determinar o alcance que essa perspectiva neurocientífica pode chegar a ter para o desenho de um renovado edifício teórico e metodológico da ciência  jurídica e, conseqüentemente, para a tarefa do jurista-intérprete de dar  “vida hermenêutica” ao direito positivo.

 

 Sem olvidarmos, claro está, de outros aspectos distintivos da natureza do comportamento humano à hora de decidir sobre o sentido da justiça concreta e a existência de universais morais determinados pela natureza biológica de nossa arquitetura cognitiva (neuronal). Afinal é o cérebro que nos permite dispor de um sentido moral, o que nos proporciona as habilidades necessárias para viver em sociedade e solucionar determinados conflitos sociais, e o que serve de base para as discussões e reflexões filosóficas mais sofisticadas sobre direitos, deveres, justiça e moralidade.

 

E uma vez que são os correlatos cerebrais dos processos cognitivos/emotivos os que parecem ditar o sentido e o alcance da criatividade na tarefa hermenêutica, nada do que dissemos será possível sem a mediação  de operadores jurídicos ( e muito particularmente de juízes) criativos, com alto nível de inteligência efetiva, aberto à experiência, com liberdade para superar inibições restritivas e dogmáticas, com sensibilidade ante as injustiças, com flexibilidade cognitiva e emocional, com independência de pensamento e ação, e com o compromisso inquestionável de atender ao imperativo ético segundo o qual o direito deve ser manipulado de tal maneira que suas conseqüências sejam sempre compatíveis com a maior possibilidade de evitar ou diminuir a miséria e o sofrimento humano, isto é, com a obrigação de produzir, reproduzir e desenvolver a vida humana concreta de cada sujeito-cidadão de forma livre, igualitária e fraterna em uma comunidade de vida legitimamente compartilhada.

 

 

 

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* Pós-doutor  em Teoría Social, Ética y Economia /Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica, Moral y Política / Universidade de Barcelona; Mestre em Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e Research Scholar do Center for Evolutionary Psychology da University of California,Santa Barbara; Research Scholar da Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha; Especialista em Direito Público /UFPa.; Professor Colaborador e Investigador da Universitat de les Illes Balears/Espanha ( Evolución y Cognición Humana/ Laboratório de Sistemática Humana); Professor Titular da Universidade da Amazônia/UNAMA (Licenciado); Membro do Ministério Público da União/Brasil.

 

** Doutora em Filosofía Moral (Cognición y Evolución Humana)/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/Espanha; Mestra em Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ Espanha; Investigadora  da Universitat de les Illes Balears/ UIB-Espanha (Etología, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana)

 

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[1] Os estudos da emoção realizados por Donald A. Norman e colaboradores (2004), por exemplo, sugerem que os atributos humanos (como a criatividade) derivam de três níveis diferentes do cérebro: 1. o nível visceral, que corresponde a capa automática de sistemas de disposições determinadas geneticamente: este nível é rápido, realiza juízos rápidos acerca do que bom ou mau, seguro ou perigoso, e envia sinais apropriados aos músculos (o sistema motor) e alerta o resto do cérebro (assim começa o processamento afetivo); trata-se de sinais que estão biologicamente determinados e podem ser inibidos ou intensificados através de sinais de controle procedentes de níveis superiores; 2. o nível condutual, que corresponde a parte que contém os processos cerebrais que controlam quase todo o comportamento humano cotidiano: suas ações podem ser intensificadas ou inibidas por mediação da capa reflexiva e, por sua vez, esta pode intensificar ou inibir a capa visceral ; 3. o nível reflexivo, que corresponde a parte contemplativa do cérebro e não tem acesso direto nem ao input sensorial nem ao controle do comportamento: mais bem vigia, reflete e trata de influir no nível condutual. Cada nível desempenha um papel diferente no funcionamento total do ser humano, interagindo entre si  e modulando-se reciprocamente uns a outros. Quando a atividade parte dos níveis viscerais mais inferiores, esses investigadores a denominam bottom-up ou ascendente. Quando, em câmbio, a atividade provém do nível superior ou reflexivo, a conduta se denomina top-down ou descendente. Estes termos foram tomados emprestados do modo standard com que descrevem as estruturas do pensamento cerebral, cujas capas inferiores estão associadas à interpretação dos inputs ou aportações sensoriais que o corpo recebe, entanto que as capas superiores o estão aos processos superiores do pensamento. Os processos ancendentes são conduzidos pela percepção, entanto que os descendentes o estão pelo pensamento, as substâncias químicas líquidas que denominamos neurotransmissores – e que servem para transmitir sinais entre neurônios – modificam o modo operativo do cérebro. Um neurotransmissor faz o que seu nome indica: muda o modo em que as neuronas transmitem  os impulsos neuronais de uma célula nervosa a outra ( quer dizer, de um lado a outro das sinapses). Alguns neurotransmissores intensificam a transmissão, outros a inibem. O fato de ver, ouvir, tocar ou qualquer outro modo de sentir o entorno ou o mundo a nosso ao rededor, faz com que o sistema afetivo valore, formule e emita um juízo, e deste modo ponha em alerta a outros centros do cérebro, os quais liberam assim neurotransmissores  determinados em função do estado afetivo em questão. Neste caso , trata-se de uma ativação de tipo ascendente. Em câmbio, quando pensamos algo no nível reflexivo, os pensamentos são transmitidos aos níveis inferiores, os quais, por sua vez, desencadeiam a ação dos neurotransmissores. O resultado é que tudo aquilo que fazemos tem ao mesmo tempo um componente cognitivo e um afetivo: cognitivo, porque designa significado, e afetivo porque o que designa é um valor. Não podemos escapar ao afeto, à emoção, já que se acha sempre presente. E o que é ainda mais importante, o estado afetivo, já se trate de um afeto positivo ou de um negativo, modifica não somente o modo em que pensamos, senão que também nosso potencial criativo :  é o estado afetivo de tipo positivo que desperta a curiosidade, atrai e aguça a criatividade e faz do cérebro um organismo de aprendizagem efetivo. (Norman, 2004). No mesmo sentido: Damasio, 2002; Baron et alii, 1981 ; Runco, 2004 e Simonton, 2000.

 

[2] Na observação de Golberg(2006), formulada a partir de estudos acerca das diferenças entre a criatividade e a sabedoria: a natureza do gênio (ou criatividade) é tão inexplicavelmente misteriosa como a natureza da sabedoria, se não mais. Desde a remota Antiguidade até a alba do que costuma considerar-se a filosofia moderna, a sabedoria, como o gênio, se explicava com referência a deuses providenciais, musas, forças astrológicas, um sexto sentido, um presente da genética ou um acidente da natureza. O gênio, da mesma forma que a sabedoria, se conta entre os traços humanos mais reverenciados e mais inalcançáveis. Ambos são dons de uns poucos que a maioria de nós não pretendemos possuir, que nem sequer aspiramos a possuir. O gênio e a sabedoria compartem o paradoxo inerente ao fato de que são manifestações externas da mente humana. É provável que existam entre nós sem que nos percatemos. O paradoxo é que tanto o gênio como a sabedoria podem levar aos conceitos e crenças vigentes na sociedade de um momento dado a conclusão tão estranhas que se abandonem como se fossem fruto da loucura, ou que se as ignore por completo, como a um rumor confuso em uma língua estrangeira. Qual é os significado, ainda que somente metafórico, da frase “tocado por Deus”? Acaso estes traços insólitos, gênio e sabedoria, faltam totalmente na composição da maioria dos simples mortais? E se é assim, o que fazemos intentando compreender o incompreensível, intentando definir a criatividade ainda que careçamos inclusive da capacidade de reconhecer aos gênios autênticos que vivem entre nós? Como podemos relacionar este dom semidivino com as vidas e realidades de seres humanos inteligentes mas,  aceitemos, ordinários? São os indivíduos tocados pelo gênio diferentes do resto de nós de algum modo fundamental e inerente? Acaso existe uma continuidade entre este traço cobiçado, mas para a maioria inalcançável, e os atributos mais modestos que possuímos muitos de nós, ou que ao menos podemos aspirar a alcançar? Dito de outro modo, é possível que o gênio seja seja forma extrema, suprema, de traços muito desejáveis mas muito mais comuns? Ao desvelar esta continuidade daremos um passo mais para desentranhar os mistérios da criatividade. E ao identificar e examinar os traços mentais e os correlatos cerebrais subjacentes faremos estes conceitos mais relevantes para a vida da maioria das pessoas que, sem chegar a ser gênios nem sábios, possuem talento e inteligência.

 

[3] De fato, toda “nossa conduta, nossa cultura e nossa vida social, tudo quanto fazemos, pensamos e sentimos, depende de nosso cérebro. O cérebro é a sede de nossas idéias e emoções, de nossos temores e esperanças, do prazer e do sofrimento, da linguagem (do direito) e da personalidade. Se em algum órgão se manifesta a natureza humana em todo o seu esplendor, é sem dúvida em nosso volumoso cérebro. Lástima que não o conheçamos melhor.” (Mosterín, 2006).

 

[4] Se há algo de que já ninguém duvida é do fato de que a  mente é um estado funcional do cérebro, coisa que nos permite não somente estabelecer os correlatos cerebrais da linguagem senão também os de outras faculdades mentais como, por exemplo, as relacionadas com a criatividade: nossa mente ( e nossa mente criativa) é uma função do organismo natural que é nosso cérebro. Assim, das investigações realizadas sobre as relações entre novidade, hemisférios cerebrais e lóbulos frontais parece possível inferir que o hemisfério direito do cérebro não é a única parte do cérebro que é importante à hora de acometer novos retos cognitivos. Os lóbulos frontais desempenham também um papel fundamental a este respeito. Os estudos de neuroimagem funcional mostram que os lóbulos frontais estão particularmente ativos quando  o organismo se enfrenta a um novo reto. Mas a medida que a tarefa se torna familiar, autônoma e deixa de requerer esforço, o papel do córtex pré-frontal diminui. Como é lógico, a criatividade depende também do funcionamento do lóbulo frontal. Ingegerd Carlsson e colaboradores (2000) estudaram o fluxo sanguíneo cerebral regional (FSCr) pré-frontal em pessoas com criatividade baixa e com criatividade alta (de acordo om uma medida da criatividade baseada em um teste psicológico especial). Em estado de repouso, o nível de FSCr pré-frontal era maior no grupo de criativida alta. Quando se apresentava um reto cognitivo , o grupo de alta criatividade mostrava uma ativação frontal bilateral, enquanto que o grupo de baixa criatividade mostrava unicamente ativação frontal esquerda. Estes resultados indicam que tanto os lóbulos frontais da direito como os da esquerda participam na resolução de problemas nos indivíduos altamente criativos, enquanto que nos indivíduos menos criativos somente participa o córtex pré-frontal esquerdo. Um estudo parecido sugere que, ao enfrentar-se a uma tarefa que requer engenho, as pessoas criativas respondem com um aumento da atividade no hemisfério direito, e esta ativação é especialmente pronunciada nos lóbulos frontais. Em câmbio, as pessoas menos criativas ficam a mercê do hemisfério esquerdo e seu hemisférios direito se mantém em um estado de relativa inatividade. O fato de que a transferência do “centro de gravidade cognitivo” desde o hemisfério direito ao hemisfério esquerdo seja um fenômeno universal ao largo da vida sugere a seguinte pergunta: significa que esta transferência se produz em todas as pessoas com uma uniformidade mecânica, ou acaso resta espaço para as diferenças  individuais? Com a devida adequação ao que já sabemos acerca do cérebro e da cognição, cabe esperar o último. De fato, em algumas pessoas a criatividade é um traço que se prolonga durante toda a vida sem diminuir  com a idade. Acaso diferem os cérebros em seus circuitos? E de que modo? Consideremos o seguinte experimento mental. Suponhamos que dispomos de um teste psicológico que nos permite medir a sabedoria. Suponhamos que com ajuda deste teste podemos identificar às pessoas sábias e às que não são tão sábias.  Suponhamos, ademais, que propomos a nossos sujeitos um problema para cuja solução necessitam de sabedoria. Quais seriam as diferenças nas pautas de ativação cerebral  entre as pessoas sábias e as não tão sábias? Uma inferência provável seria a de achar o selo da sabedoria em uma ativação especialmente forte das regiões pré-frontais  do hemisfério esquerdo, e que as pessoas que com a idade alcançaram a sabedoria mas retiveram o dom da criatividade apresentariam uma ativação especialmente forte  tanto na região pré-frontal direita como a esquerda. A medida que vamos entendendo melhor o funcionamento  dos dois hemisférios cerebrais nos vamos aproximando à resolução de alguns dos aspectos mais misteriosos da cognição. Mas a cognição não atua por si só, como se estivera em um vazio de paixão, em um espaço neutro de emoção. Muito ao contrário, a cognição e a emoção se acham entrelaçadas no processo criativo, e nesta união estão implicados também os dois hemisférios cerebrais.(Dietrich, 2004; Golberg , 2006; Martindale et. al., 1975; Jahanshahi et. al., 2000; Reichle et. al., 2000; Churchland, 2002).

 

[5] O termo sistema límbico , introduzido a meados do século XX, implica uma unidade funcional entre certas estruturas cerebrais, como o córtex órbito-frontal, o córtex cingulado, a amígdala e o hipocampo, assim como as conexões entre elas (também se incluem as vezes certos núcleos talâmicos e hipotalâmicos). E não obstante ao fato de que as investigações mais recentes estejam pondo em dúvida esta unidade funcional, o termo sistema límbico segue utilizando-se por uma questão de  tradição. Já a amígdala (que desempenha um papel central nas emoções) é uma estrutura subcortical que forma parte do “sistema límbico” e é filogeneticamente antiga, o que sugere que os mecanismos das emoções começaram a emerger em estágios relativamente adiantados da evolução. Em contraste, durante anos a suposição tácita era que a parte mais jovem do cérebro, o neocórtex, estava involucrado na deliberação desapaixonada, racional e emocionalmente neutra. Isto implicava uma clara dicotomia em nosso mundo interior: o mundo interior da emoção, governado pelas “cálidas” e irracionais estruturas límbicas subcorticais, e o mundo interior do pensamento racional, governado pelo “frio” e “emocionalmente indiferente” neocórtex. Sem embargo, esta dicotomia era demasiado bonita para ser certa, e com efeito não o era. Hoje já se sabe, com acentuado grau de precisão, que a  experiência emocional e a expressão emocional claramente implicam o neocórtex: a cognição e a emoção são inseparáveis e se acham necessariamente entrelaçadas e reciprocamente involucradas em todo processo de tomada de decisão, sendo que nesta união estão implicados também os dois hemisférios cerebrais. Significa dizer que, ademais da interconexão fronto-límbica, a representação cortical das emoções também está dividida: o hemisfério esquerdo está implicado nas emoções positivas e o hemisférios direito, nas emoções negativas. E o que é mais, não somente tudo o que fazemos está marcado pelo colorido das emoções (que em boa medida são subconscientes) como as diferenças nos estilos emocionais  e sua relação com os dois hemisférios parecem ser inatas, ou ao menos aparecem muito cedo na vida: se há observado que a ativação frontal  esquerda é especialmente forte nas crianças de dez meses de temperamento alegre, enquanto que a ativação frontal direita é especialmente forte em crianças choronas e tristes de idade parecida. (Goldberg, 2006 e Norman, 2005).Para um pormenorizado estudo sobre a neurociência das emoções (particularmente da identificação e funcionamento dos diferentes módulos ou sistemas cerebrais subjacentes às distintas classes de comportamento emocional – ou seja, das bases biológicas de nossas emoções e memórias), cfr.: LeDoux, 1998; Perna, 2004. Já para uma análise crítica e filosófica acerca do impacto que o rol das emoções (nomeadamente a vergonha e a repugnância) tem em nossas vidas individuais e sociais e, em particular,  na aplicação do direito ver, por todos, Nussbaum, 2004; desde uma perspectiva estritamente filosófica, Solomon, 1999.

 

[6]Segundo esta hipótese, nossas deliberações sobre a eleição e a planificação do futuro dependem de maneira crucial de nossos sentimentos sobre os distintos cenários aos que nos enfrentamos. Quando nos encontramos perante uma situação social que requer uma escolha, o nosso cérebro ativa representações respeitantes (1) às premissas da situação, (2) às opções de resposta possíveis, (3) às várias consequências visadas. Depois de um breve intervalo, todas essas representações estão disponíveis em simultâneo para um exame consciente. A decisão relativa à linha de conduta a adotar pode implicar uma deliberação intencional ( e ser acessível ao pensamento consciente) de conjunto sobre esta paisagem de representação ou pode ser tomada de forma automática e subreptícia. Em ambos os casos, Damásio coloca a hipótese de que nos indivíduos normais o processo de tomada de decisão é iniciado e assistido pelo aparecimento de um estado somático que indica as consequências futuras da opção de resposta com a ajuda de um sinal somático negativo o positivo. Assim, a tomada de decisão competente no domínio social não depende somente das convenções sociais, da ética e do direito, nem da percepção e da inteligência necessárias para manipular tais saberes em uma situação da vida real.  Um componente somático intervém desde cedo no processo desempenhando um papel de assistência no processo de tomada de decisão, concentrando nele a atenção e selecionando as consequências futuras negativas ou positivas significativas (assim como as opções às quais elas estão ligadas). Pela sua própria natureza, o indicador somático torna mais eficaz a análise ulterior dos custos e dos benefícios. Depois, a finalidade fundamental da tomada de decisão no quadro social permanece a mesma que a da tomada de decisão em geral: trata-se da sobrevivência do organismo. A base da sobrevivência do organismo é assegurada por um vasto leque de mecanismos reguladores nas células e nos tecidos, e por reflexos, pulsões e instintos geneticamente programados, na medida em que é o conjunto do organismo que está envolvido. Por outro lado, em um meio socialmente complexo há estratégias adquiridas para a sobrevivência, as quais incluem as convenções sociais e a ética. Sem embargo, Damásio sustenta que tais estratégias adquiridas encontram um suporte neurofisiológico em sistemas neuronais conectados com os sistemas de base que executam os comportamentos instintivos, de maneira que as estratégias adquiridas podem continuar a operar pelo mesmo meio: sofrimento e prazer, punição e recompensa. O cérebro mantém a sobrevivência do soma como sua finalidade global, e o soma, com a ajuda de sinais produzidos pelos seus próprios estados, regula a operação de socorro realizada pelo cérebro. Para um tratamento teórico e pormenorizado destas idéias, Damasio, 1994 e Adholps et alii, 2002.

 

[7] Imagine uma situação onde a sua interferência pode significar o sacrifício de uma vida para salvar outras cinco. Note-se que, na filosofia, não há consenso acerca da solução para este tipo de dilema. Para a neurociência, contudo, o  raciocínio consequencialista de John Stuart Mill ( segundo o qual o que importa são as ações que produzem a maior felicidade à maior quantidade de pessoas, ou seja, o “bem maior”) parece estar associado a um padrão de ativação cognitiva ( pré-frontal) , enquanto buscar o comportamento moral de Kant (segundo o qual o importante é “agir moralmente”, a intenção de quem produz a ação, independente do seu resultado relativamente ao “bem maior”: é mais importante não vulnerar os direitos de outra pessoa que obter um resultado ideal) envolve um padrão “social-emocional” de ativação cerebral que envolve, predominantemente, circuitos emocionais. O que acontece quando há um conflito entre esses dois tipos de raciocínios? Pois bem, para responder esta pergunta, Greene e colaboradores (2005) criaram cenários onde decisões pelo bem maior envolvessem a quebra de uma promessa, colocando as predições de Mill e Kant em pratos opostos da balança. Como esperado, e com um resultado que não dista muito dos experimentos anteriores, a manutenção de uma promessa em detrimento do “bem maior” encontra-se associada a ativação de circuitos sociais-emocionais (Atahualpa Fernandez, 2005). Essa ativação também acontece enquanto se decide por quebrar a promessa em prol de um julgamento utilitário – mas é sobrepujada pela ativação , instantes mais tarde, do córtex pré-frontal dorso-lateral. Confrontado com dilemas, portanto, a primeira reação do cérebro parece ser emocional, em prol de uma moral interna que, no entanto, pode ser silenciada se o córtex pré-frontal optar pelo bem maior, contra os impulsos de outras regiões do mesmo cérebro. Um exemplo ilustrará melhor ao que estamos nos referindo: suponhamos que um indivíduo vá em seu carro novo e vê a um homem estendido na calçada. Sofreu um acidente e está ensanguentado. Poderia levá-lo ao hospital e salvar-lhe a vida; sem embargo, mancharia de sangue seu carro novo. É moralmente aceitável deixá-lo aí? Cambiemos de cenário. Um indivíduo recebe um pedido por correio donde se diz que, se envia 100 reais, salvará a vida de 10 crianças famintas.É aceitável enviar o dinheiro? Ao analisar este tipo de dilemas, Greene e colaboradores (2005) descobriram que, ainda que as opções são superficialmente as mesmas – não faças nada e preserva teu interesse próprio ou salva vidas com pouco custo pessoal -, a diferença estriba em que o primeiro cenário é pessoal, enquanto que o segundo é impessoal. Em síntese, os estudos comprovam que as decisões ante dilemas pessoais supoem mais atividade cerebral nas zonas associadas com a emoção e a cognição moral. E a teoria que justifica esta circunstância é a de que, desde uma perspectiva evolutiva, as estruturas neuronais que associam os instintos com a emoção se selecionaram ao largo do tempo porque resulta benéfico ajudar à gente ou cumprir uma promessa de modo imediato; o instinto visceral, ou moral, é o resultado de processos selecionados ao largo do processo evolutivo: dispomos de processos cognitivos que nos permitem tomar decisões morais rápidas que aumentarão nossa probabilidade de sobrevivência ( se estamos programados para salvar a um indivíduo ou cumprir as regras de reciprocidade do intercâmbio social, todos sobreviveremos melhor). O certo é  que, de acordo com os experimentos provenientes da neurociência cognitiva, parece razoável supor que não estamos frente a dois juízos reciprocamente excludentes, senão diante de dois juízos diferentes que ativam áreas distintas do cérebro por obra das circunstâncias e do envolvimento pessoal do agente que atua. Por exemplo, Casebeer (2003), tendo em vista as numerosas filosofias morais que existem, tomou como ponto de partida de suas investigações acerca das zonas cerebrais  que se ativam durante o raciocínio ou juízo moral, as três filosofias ocidentais mais importantes: o utilitarismo de Stuart Mill , a deontologia de Kant e a teoria da virtude de Aristóteles (que trata de cultivar a virtude e evitar os vícios). Concluiu sua análise com a seguinte observação: “Assim que poderíamos dizer […] que estes três enfoques situam-se em diversas zonas do cérebro: frontal (Kant); préfrontal, límbica e sensorial (Mill); a ação corretamente coordenada de todo o cérebro (Aristóteles)”. Seja como for, no atual panorama  científico tem aparecido vários estudos donde se afirma que  existe , no cérebro, uma versão do raciocínio ou juízo moral. Já se descobriu que determinadas regiões do cérebro, normalmente ativas durante os processos emocionais, se ativam diante de alguns tipos de juízo moral, mas não diante de outros. Os encarnizados debates seculares sobre a natureza das decisões morais e sua similitude ou diferença se resolvem agora de maneira rápida e clara com a moderna imagem cerebral. E os novos resultados indicam que, quando alguém está disposto a atuar segundo uma determinada crença moral, é porque a parte emocional de seu cérebro se ativou ao pensar na questão moral. Assim mesmo, quando se apresenta um problema moralmente equivalente sobre o qual a pessoa decide não atuar, é porque a parte emocional do cérebro não se ativa. Trata-se de uma assombrosa novidade para o conhecimento humano, porque ajuda a entender que a resposta automática do cérebro pode predizer nossa resposta moral. Resumindo: os novos resultados das imagens cerebrais parecem indicar que o cérebro responde aos grandes dilemas morais subjacentes, isto é, de que parece haver mecanismos subconscientes inatos comuns que se ativam em todos os membros de nossa espécie como resposta aos desafios morais. É como se todos os dados sociais do momento, os interesses de sobrevivência pessoal que todos possuímos, a experiência cultural que já vivemos e o temperamento básico de nossa espécie alimentassem os mecanismos subconscientes e inatos que todos possuímos e daí surgira uma resposta, um impulso para atuar ou deixar de atuar (Gazzaniga,2005).Nesse sentido, o fato de que os juízos morais são maioritariamente intuitivos e inatos talvez seja (ou constitua) a chispa moral, o aglutinante que impede que nossa espécie se destrua a largo prazo.

 

[8] Note-se que para Haidt (2006) o julgamento moral é como o julgamento estético. Quando você vê uma pintura, em geral sabe automática e instantaneamente se gosta ou não (Cela Conde et. al., 2004). Se uma pessoa lhe pede para explicar seu julgamento, você confabula (isto é, fabrica facilmente razões para explicar o próprio juízo ou comportamento). Não sabe ao certo por que acha que dada coisa é bela, mas seu módulo intérprete é habilidoso na construção dos motivos, como descobriu Gazzaniga em seus estudos (p.e., 2005). Você busca um motivo plausível para gostar do quadro e utiliza a primeira razão que faz sentido (talvez algo vago sobre cor, ou a luz, ou o reflexo do pintor no nariz do palhaço, que brilha). Os argumentos morais são basicamente os mesmos: duas pessoas têm uma posição forte a respeito de uma questão, mas os sentimentos vêm em primeiro lugar e suas razões são inventadas às carreiras. Quando você refuta o argumento de outra pessoa, ela em geral muda de idéia e passa a concordar com você? Claro que não, porque o argumento que você defendeu não foi a causa de sua oposição; foi gerado depois que o julgamento já tinha sido feito. É que embora nossas mentes sejam confederações indefinidas de partes, nos identificamos mais com uma parte, prestando-lhe mais atenção: o pensamento verbal consciente. Daí porque Gazzaniga se refere aos centros de linguagem no lado esquerdo do cérebro como o “módulo intérprete”, cuja função seria comentar sobre o que o self  está fazendo, embora o módulo intérprete não tenha acesso às causas ou motivações reais do comportamento do self – a afição de buscar explicações muito elaboradas acerca de nosso comportamento é uma “virtude” da que todos estamos bem dotados: é sempre melhor ter uma razão para fazer algo (qualquer razão) que não ter razão alguma (Carter, 2002). Os estudos de Gazzaniga são importantes porque mostram, de maneira dramática, que o módulo intérprete é ótimo em inventar explicações convincentes para o comportamento, ainda que e mesmo quando desconheça a causa e os motivos que o levaram a tal. Por outro lado, essa diferença talvez explique a razão pela qual, segundo alguns autores, o cenário por meio do qual se revela a argumentação no jogo da cena jurídica (e, em particular, da jurisdicional)  implica tanto a consideração do contexto de descobrimento – ou seja, do processo mental mediante o qual se chega a estabelecer  determinada premissa ou conclusão – como do contexto de  justificação, isto é, da necessidade de motivação da decisão, da questão de como os juristas fundamentam suas decisões ou, dizendo de outro modo, do procedimento consistente em justificar dita premissa ou conclusão. Como se sabe, esta é uma distinção que procede do âmbito da filosofia da ciência ( nomeadamente da epistemologia neopositivista) e distingue entre a atividade que consiste em descobrir ou enunciar uma teoria científica determinada, atividade que há de ser estudada por historiadores e sociólogos da ciência mostrando os fatores que concorrem no desenvolvimento do conhecimento científico (o sistema de seleção dos investigadores, seu processo de formação, a estrutura das comunidades de investigação, etc.) e a atividade, claramente distinta, de justificação da teoria científica, uma atividade na qual a lógica e as regras do método científico desempenham o papel mais destacado. Transladada ao campo da argumentação jurídica ( da justificação das decisões judiciais), esta distinção  foi utilizada para estabelecer que uma coisa é o procedimento por meio do qual se alcança determinada decisão e outra o procedimento mediante o qual se justifica dita decisão. Muitos dos argumentos dos realistas americanos são úteis no âmbito do contexto de descobrimento das decisões judiciais; é importante conhecer os motivos que explicam a decisão tomada pelo juiz: sua classe social, seus prejuízos ideológicos, sua formação dogmática, emoções e sentimentos, etc. Em uma palavra: trata-se de uma distinção utilizada para opor-se a certos teóricos do direito que consideram que as decisões jurídicas – as decisões judiciais – não podem ser justificadas, enquanto que os juízes tomam essas decisões em forma irracional –ou arracional -; a motivação das sentenças não seria mais que uma  “racionalização” de uma operação que não obedece em absoluto ao esquema da lógica, ao silogismo judicial. Quem sustenta este último aspecto, diz-se, estaria confundindo o contexto de descobrimento com o contexto de justificação. Agora bem, as razões que justificam a decisão são, em última instância, as razões às que o juiz apela para fundamentar juridicamente sua decisão. E  se tomamos em boa conta que o raciocínio moral e as emoções morais trabalham junto para produzir julgamentos ético-jurídicos, parece razoável supor que as apelações a uma multitude de motivos que interferem, condicionam e explicam a decisão judicial não configuram, em absoluto,  nenhum argumento a favor de um presumível escepticismo jurídico-argumentativo.Sobre a relação intuição/justificação moral cfr. também: Hauser, 2006; Hauser et al., 2007; Cushman et al., 2006. Já para um estudo acerca dos defeitos da memória ( a faculdade que nos permite visualizar o passado), da imaginação ( a faculdade que nos permite visualizar o futuro) e da percepção ( a faculdade que nos permite ver o presente), assim como dos problemas do realismo ( a crença de que as coisas são em realidade como parecem mentalmente) como o primeiro passo de nossa percepção do mundo, cfr. Gilbert, 2006.

 

[9] Devido ao fato de que a pressão evolutiva não incrementou (de forma “ótima”) a racionalidade humana, qualquer  construção de uma teoria jurídica de realização do direito deve (ou pelo menos deveria, coerente e prudentemente) implicar um redimensionamento da compreensão psico-biológica do próprio acesso da razão e sobretudo  da própria idéia de racionalidade. Dizendo de maneira menos generosa, deveria partir da rejeição de qualquer concepção acerca da racionalidade, objetividade e neutralidade causada pelo desconhecimento do funcionamento de nosso cérebro e de nosso passado evolutivo – muito especialmente no que se refere às evidências experimentais relacionadas com os correlatos cerebrais que intervêm no processo cognitivo de formular juízos morais para decidir entre o justo ou injusto. Neste particular, importa considerar o fato de que parte-se da premissa de que em questão de racionalidade humana há sempre dois componentes que se entrelaçam: as limitações  da mente humana e a estrutura dos ambientes nos quais a mente funciona. Isto é, de que ao modelo de juízo humano e aos processos de tomada de decisões deveria ser agregado o que em realidade sabemos sobre o funcionamento e as capacidades da mente humana  mais bem que sobre presunções ou capacidades fictícias.Trata-se, em síntese, de um modelo muito distinto do modelo tradicional de racionalidade ilimitada e de otimização em ciência cognitiva (transportada para as ciências sociais normativas) que vê a mente humana como dotada de poderes sobrenaturais ou de poderes demoníacos de razão: de um conhecimento ilimitado da realidade e do ambiente, assim como de toda a infinita eternidade para tomar decisões. O que em realidade a denominada “bounded rationality” toma em consideração é o entendimento do processo de tomada de decisões em um mundo verdadeiro, onde a mente humana, funcionando como uma caixa de ferramentas adaptável (“adaptive toolbox”), toma decisões com os recursos realistas mentais de que dispõe e condicionada pelas iniludíveis limitações de tempo, de informação e de conhecimento. Tal como um mecânico utilizará ferramentas específicas para cada tarefa de manutenção do motor de um carro, mais bem que o simples golpe de todo o motor com um martelo grande, os domínios diferentes de pensamento requerem instrumentos e módulos diferentes especializados. Esta é a idéia básica da caixa de ferramentas adaptável: a coleção de mecanismos especializados cognitivos que a evolução incorporou na mente humana para os domínios específicos de inferência e o raciocínio. Em resumo, trata-se da idéia de que a mente está dotada com um sem-fim de dispositivos altamente especializados, isto é, está composta por múltiplos módulos mentais. Cada um destes módulos foram desenhados pela seleção natural para fazer frente a um determinado problema adaptativo  que tiveram  de afrontar no passado os caçadores-coletores. Tais dispositivos estão firmemente ensartados na mente desde o nascimento e são universais a todos os seres humanos. Por outro lado, estes módulos apresentam uma singular e fundamental característica:  são  ricos em conteúdo”. Quer dizer, não só proporcionam conjuntos de regras para resolver problemas, senão que  subministram também o grosso da informação necessária para tal tarefa. Este conhecimento reflete a estrutura  do mundo real, ou ao menos o mundo do Pleistoceno em que evolucionou a mente. Esta informação sobre a estrutura do mundo real, junto com uma multitude de normas  para solucionar problemas – cada uma  contida em seu próprio módulo mental – já está presente na mente do recém-nascido. E enquanto alguns módulos são chamados a atuar de forma imediata – p.e., para o contato com os olhos da mãe –, outros requerem algo mais de tempo antes de se colocar em funcionamento, como por exemplo os módulos  para a aquisição da linguagem.

 

 

 

[10] Na aguda observação de Camilo J. Cela-Conde (1985, 1996): “Sabemos que não é possível separar, como pretendia Descartes – e como afirmaram, em seu momento, os funcionalistas cognitivos –, emoção e racionalidade, espírito e cérebro. Isto se aplica ao conjunto do conhecimento, ou seja, às matemáticas, à mecânica quântica, à ética e à literatura”. António Damásio (1994) descreve o trabalho efetuado com muitos de seus pacientes com lesões cerebrais, freqüentemente no lóbulo frontal, que perderam sua capacidade de resposta emocional normal e, por conseguinte, converteram-se em seres incapazes de manifestar emoções.Em lugar de se converter em seres inteiramente racionais, dispostos a tomar decisões sem as fastidiosas distrações provocadas pela emoção, são pessoas praticamente paralisadas pela indecisão; a obrigação de tomar determinações, por pequenas e insignificantes que sejam,  transforma-se em um dilema que só podem resolver quando se empenham a fundo e passam um largo tempo refletindo sobre a seleção das opções possíveis de serem adotadas. Não precisa dizer que uma existência normal se torna praticamente impossível para esses enfermos. Não seria assim para o resto dos humanos que não  nos damos conta da (ou procuramos dissimular a) envergadura emocional contida em um ato de tomada de decisões, porque para nós não existe a implicação de umas conseqüências passadas e, quando se trata de preferências, somos capazes de simplesmente reagir de acordo com nossa aptidão ilimitada de sentir emoções segundo a interpretação e denominação que façamos de nossas respostas fisiológicas. Em resumo, quem não tem emoções é um “idiota racional”, ou seja, a caricatura desenhada por Sen para identificar  a pessoa egoísta de curta visão: um idiota incapaz de avaliar o efeito de  suas ações sobre outras pessoas. Registre-se que, neste particular, Damásio, LeDoux , economistas como Robert Frank, biólogos como Robert Trivers e psicólogos como Jerome Frank chegaram a conclusões parecidas, a partir de provas diferentes. É, de fato, uma “coincidência” notável.

 

[11] Uma larga e rica história de investigação psicológica esboçou a chamada hipótese do altruismo empático, que intenta explicar a conduta pró-social que adotamos quando vemos a outro ser em apuros. Automática e inconscientemente simulamos estes apuros em nossa mente, que a sua vez nos fazem sentir mal, não de uma maneira abstrata senão literalmente mal. Nos contagiamos das sensações negativas da outra pessoa, e para aliviar esse estado próprio nos vemos motivados a atuar. Vários estudos corroboram a idéia de que a manipulação dos sentimentos com relação a um indivíduo incrementa a atitude cooperativa. Por exemplo, a percepção de gestos de angústia ou dor no outro propicia que a conduta seja mais altruísta. Já se realizaram incontáveis experimentos para corroborar essa idéia geral. John Lanzetta e colaboradores (1989) já demonstraram em várias ocasiões que a gente tende a responder ao sentido do tato, do gosto, da dor, do medo, da alegria e do entusiasmo dos demais com análogos padrões fisiológicos de ativação.Literalmente sentem os estados emocionais dos demais como se fossem próprios. Esta tendência a reacionar ante o sinal de dor ou sofrimento dos demais parece inata: se há demonstrado em crianças recém nascidas, que choram em resposta ao sinal de dor de outras crianças nos primeiros dias de vida (Simner, 2002). Alguns experimentos neurofisiológicos e de imagem cerebral sugerem que as neuronas espelho existem nos seres humanos e que são as responsáveis da “compreensão das ações”, quer dizer, que têm a função de contribuir à compreensão e à imitação das ações alheias.(Rizzolatti et alii, 2001; Ramachandran, 2008).

 

[12] O desenho do cérebro que está aparecendo graças aos estudos da engenharia cerebral aponta já algumas pistas dignas de menção. Em primeiro lugar, a confirmação daquelas hipóteses lançadas por Crick e Koch (1990) acerca da consciência como uma atividade sincronizada de neurônios que se encontram situados em lugares distintos da corteza cerebral, coisa que acaba por colocar em cheque algumas das ideáis mais firmes do funcionalismo computacional e da concepção estrita do suposto da modularidade dos processos cognitivos (Fodor, 1983), como por exemplo: o de um processador central e um progresso bottom-up da percepção até chegar aos processos superiores. No que chamamos “conhecimento” intervêm sequências de ativação complexas cujas dimensões espaciais e, sobretudo, temporais não puderam ser postas de manifesto até o desenvolvimento de técnicas tão precisas como a da magnetoencefalográfica, capaz de detectar a ativação neuronal em lapsos de centésimos de segundo. Por outro lado, a caracterização neurológica da moral sim que parece compatível com uma psicologia evolucionista que entenda que uns mesmos processos cognitivos intervenham em diferentes tarefas ou para resolver diferentes problemas (Shapiro & Epstein, 1998).Estamos longe ainda de contar com um mapa preciso das ativações espaço-temporais relacionadas com os processos cognitivos, mas parece que vamos trilhando  um bom caminho para começar a fazê-lo e a compreendê-lo. Já sabemos, por exemplo, que na tarefa de realização de juízos morais (assim como de juízos normativos no direito e na justiça) é essencial a conexão fronto-límbica (Damasio, 1994; Adolphs et al, 1998; Greene et alii, 2001 , 2002 e 2005; Moll et alii, 2002 , 2003 e 2005; Goodenough & Prehn, 2005). Sabemos que a percepção estética implica a ativação da corteza préfrontal esquerda (Cela-Conde et al, 2004). Sabemos como se realiza o processamento das cores a partir dos centros visuais primários da corteza ociptal (Zeki & Marini, 1998; Bartels & Zeki, 1999), assim como a ativação neuronal relacionada com a identificação de objetos percebidos mediante a visão (Heekeren, Marrett, Bandettini & Ungerleider, 2004). Em termos gerais vai aparecendo um panorama em que a corteza préfrontal joga um papel de primeira ordem respeito do que são os processos cognitivos superiores, coisa que, por outra parte, havia sido já sugerida, ainda que fosse a título de hipóteses especulativa, pelos paleoantropólogos (Deacon, 1996; 1997).

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
FERNANDEZ, Atahualpa; , Marly Fernandez. Interpretação jurídica, criatividade e representações cerebrais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/hermeneutica/interpretacao-juridica-criatividade-e-representacoes-cerebrais/ Acesso em: 19 abr. 2024