Filosofia do Direito

Grito de alerta: Justiça que não anda é Injustiça!!!…

Grito de alerta: Justiça que não anda é Injustiça!!!…

 

 

J. A. Almeida Paiva(1)

 

 

De inesquecível memória,  Charles de Secondat MONTESQUIEU, o Barão de la Brède, nascido (1689-1755) de uma família de Magistrados e futuramente integrante da Magistratura na França, foi o autor de De l’esprit des lois, obra fundamental sobre as condições sociais do direito, especialmente do direito constitucional;  estabeleceu o princípio da separação dos poderes, base do liberalismo do século XIX, aprimoramento da obra de Aristóteles que estabelecia as funções do Estado, caracterizadas pela independência e a harmonia entre os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

 

É de Montesquieu a seguinte frase: “A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos”.

 

E a injustiça que se faz a todos, o que significa?

 

Augusto M. Morello com sua obra “El Proceso Justo” afirma que “No puede olvidarse que si los tribunales pudieran dilatar sin término la decisión referente al caso controvertido, los derechos podrían quedar indefinidamente sin su debida aplicación, con grave e injustificado perjuicio de quienes los invocan e vulneración de la garantia de la defensa en juicio”.(2)

 

     Ontem, 12/maio/2005, O Senhor Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, fez uma espécie de balanço do Judiciário brasileiro; respeitamos o pronunciamento pela autoridade do seu autor, mas entendemos, com o devido respeito, que para se chegar satisfatoriamente à solução dos problemas do Judiciário, para se obter uma Justiça mais rápida, deve-se mudar o rumo da agulha magnética da bússola;  o espaço de um simples artigo é demasiadamente curto para comentar a matéria.

 

     Preferimos falar da realidade em que vivemos, com os pés no chão; não adianta medidas de caiação, maquiladas de impacto, meramente formais, incapazes de por o dedo da ferida; isto não resolverá os problemas de um Poder Judiciário obsoleto, falido e sem condições de cumprir sua missão: distribuir Justiça, rápida e eficaz.

 

     Diz o dito popular que  “antes tarde do que nunca”; mas isto não vale para o Judiciário, pois “Justiça tardia não é Justiça, é INJUSTIÇA”.

 

     Não adiante um conflito de interesses, como temos vários em nosso Escritório, levar 20, 30 ou até 50 (cinqüenta) anos para ser concluído.

 

     A Justiça está desacreditada no Brasil e muitas vezes confunde-se a instituição com os honrados Magistrados que assumiram na sua juventude a opção de carregar o pesado munus de fazer JUSTIÇA; esforçam, mas nem sempre conseguem!…

 

     Uma pesquisa honesta entre Advogados dará o retrato fiel do Judiciário; aliás, a OAB fez uma estatística e mostrou uma face da realidade, não os canais subterrâneos que nos levam à Justiça!

 

     Há necessidade de se mexer na estrutura do Poder, na mecânica do processo; não será com uma pincelada aqui e outra acolá que se fará um processo andar.

 

     Quem bate às portas do Judiciário quer JUSTIÇA, já, na hora, não 10, 20, 30 anos depois….

 

     A título meramente exemplificativo vamos à realidade, tratando só de um assunto, como me ensinou no Mestrado na PUC, Tércio Sampaio Ferraz Jr. nos idos da década de 70; conhecendo um, sabe-se como chegar aos demais!

 

     Hoje (13/maio/2005) o Diário de Justiça de São Paulo publicou uma série de despachos que vão de fls. 11.839 a fls. 17.172-173 nos autos da Falência de Fazendas Reunidas Boi Gordo S/A, empresa que em 2001 provocou um rombo no mercado, da ordem de mais de um bilhão de reais, prejudicando cerca de 30 (trinta) mil pequenos investidores.

 

     Muitos poderão pensar que o processo está andando e que aquela relação de 60 ou 70 despachos resolverá os problemas da falência, dos investidores; puro engano! Cândida inocência!… São despachos ordinatórios sem cunho decisório; aliás, esta é uma das questões que deveria sumir dos procedimentos… (isto é técnica e não comporta falar ao leigo).

 

     Já se caminha para o final do quarto ano do pedido de Concordata transmudada em Falência,  e podemos considerar que a Falência da Boi Gordo continua na estaca “zero”; isto mesmo: na estaca “zero”; é um processo cujo Quadro Geral de Credores não será publicado antes de 7 (sete) ou 10 (dez) anos, haja vista que pelo despacho de fls. 16.211 o MM. Juiz sustou a publicação do edital de convocação dos credores, uma das primeiras providências a serem tomadas pelo Dr. Síndico ao assumir o caso numa Falência ou Concordata.

 

     Compreendemos que neste caso específico há necessidade de se adotar um critério único para verificação dos créditos, mecanismo capaz de reduzir, possivelmente, a uns 3 ou 4 anos a formação do QGC; fomos um dos que defenderam (com ressalvas) em julho de 2004 a adoção desta medida, até hoje sem solução!.

 

     Pari passu houve um esforço sobrenatural para a aprovação da L. 11.101 de 9/2/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, que entrará em vigor no dia 9 de junho próximo.

 

Isto permitiu o Tribunal de Justiça de São Paulo criar 3 (três) Varas – só serão instaladas de imediato duas – especializadas em falência e recuperação de empresas nos moldes da Lei 11.101; ficaram de fora as Falências e Concordatas regidas pelo DL 7.661/45, tais como a do “Caso Boi Gordo”.

 

     Por que o Judiciário paulista discriminou os casos que poderão ser tratados em Vara especializada, sob o comando de Magistrados altamente gabaritados para as matérias versadas e questionadas em falência, podendo dedicar-se com mais empenho na solução dos conflitos surgidos nas empresas cujo estresse financeiro propiciou o desequilíbrio em suas contas prejudicando sua vida e a dos seus credores, e deixou para as calendas gregas o infeliz envolvido em processos que continuarão normados sob a égide da Lei 7.661?

 

     O artigo 5º caput de nossa Constituição dita que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”,  assim como o inciso XXXV garante o direito à jurisdição e o inciso LIV o due process of law.

 

     Ao tratar da ordem econômica e financeira (Título VII, cap. I) o art. 170 estabelece que a ordem econômica, fundada “na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.”

 

     Pois bem, a Lei nº 11.101/2005 procurou, a grosso modo, preservar o valor dos ativos remanescentes das empresas economicamente viáveis, proteger credores, permitir acordos extrajudiciais, restabelecer acesso ao crédito, e em última análise, a reorganização da empresa doente e a estrutura de seu capital; deixou de fora milhares e milhares  de empresas que não terão tais direitos.

 

     Se a Constituição da República garante princípios sociais e econômicos inarredáveis, por que excluir da aplicação da Lei 11.101 os grandes e até mesmo pequenos processos falimentares que poderiam ser viáveis ou pelo menos abrindo possibilidade de terem uma liquidação mais justa, sob o ponto de vista prático?…

 

     A mesma indagação fazemos ao Tribunal de Justiça de São Paulo, hoje o maior do mundo com quase 500 Desembargadores; vão ser instaladas na Capital de São Paulo duas Varas de Falências (no Rio de Janeiro já existem várias há décadas) só para os processos regidos pela Lei 11.101, com exclusão dos processos regidos pelo DL 7.661; por que não se instala mais “n” Varas especializadas em Falências, para que nelas se processem o acervo falimentar de milhares de processos que tramitam em dezenas Varas Cíveis do Forum João Mendes?

 

     Estes processos só entulham as prateleiras, o chão e as mesas dos Cartorários, andam de lá para cá como almas penadas, e tumultuam até mesmo o desenvolvimento regular e normal de outros procedimentos nas Varas Cíveis.

 

     Se tivéssemos em São Paulo e nos Grandes Centros Varas especializadas só para tramitar Falências e Concordatas, quer as normadas pela L. 11.101, quer as normadas pelo DL 7.661, como a do “Caso Boi Gordo” no qual os autos principais já vão atingir cerca de 90 (noventa) volumes, além de milhares e milhares de apensos (calculamos mais de 15 mil), nelas teria um Magistrado especializado unicamente nas questões de rotina destes procedimentos que poderia implementar critérios, normas e regras administrativas de controle, que só beneficiariam as partes e o próprio Poder Judiciário.

 

     Se houve um clamor da comunidade empresarial para o nascimento rápido de um processo em gestação há 10 anos, devem os credores, principalmente os minoritários e hipossuficientes organizarem-se para que não sejam marginalizados pela Lei 11.101 e considerados cidadãos de 2ª categoria pelo Judiciário que não lhes dá prioridade de tratamento; vão assistir sem nada poder fazer, os ativos de seus devedores diluírem-se no tempo e suas esperanças apagarem-se paulatinamente como a luz tênue de uma vela ao chegar seu  fim.

 

     Na idade média diziam: quando o povo grita, dá-lhe pão!

 

     Hoje o povo grita e implora por paz e Justiça! É ameaça a quem?!…

 

     Fazemos parte de um povo injustiçado; e quando isto acontece o que estará sendo ameaçado?!…. Que será que Montesquieu diria, se vivesse hoje no Brasil?!…

 

 

 

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(1) – J. A. Almeida Paiva é Advogado em São Paulo  e Professor de

 

        Processo Civil

 

(2) – Augusto M. Morello, El Proceso Justo, Editora Abeledo-Perrot,

 

        Buenos Aires – Argentina, 1994.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PAIVA, J. A. Almeida. Grito de alerta: Justiça que não anda é Injustiça!!!…. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/grito-de-alerta-justica-que-nao-anda-e-injustica/ Acesso em: 18 abr. 2024