Filosofia do Direito

Princípio do Bem Comum Versus Dura Lex Sed Lex

 

Cada teórico ou operador do Direito tem uma compreensão individual de qual seja a finalidade do Direito.

 

Pessoalmente, entendo que o Direito nunca pode consagrar algum resultado nocivo. Seria um contrassenso uma ciência social – como ele é – visar ou permitir que ocorram resultados danosos em virtude da sua aplicação.

 

Há quem entenda, todavia, que as leis devam ser aplicadas com base no brocardo “dura lex sed lex”.

 

Tenho um caso para narrar aos prezados Leitores, propondo-lhes analisá-lo.

 

Trata-se da locação de uma loja de um shopping center a um condômino proprietário de algumas outras lojas naquele condomínio. Essa loja é utilizada por um colégio, bem como as demais lojas desse condômino.

 

O locatário ficou em débito quanto a vários aluguéis e, proposta contra ele ação de despejo e cobrança, ficou vencido nos dois pedidos, com sentença transitada em julgado.

 

Na fase da execução pagou a totalidade do débito antes de uma audiência de conciliação que designei para tentar um acordo entre as partes.

 

Nessa audiência pediu prazo para continuar no imóvel por mais três meses, ou seja, até o final do ano letivo, para que seus alunos não tenham  prejuízo pelo fato de não haver outro local para serem ministradas as aulas.

 

O síndico não admite a concessão desse prazo, afirmando que já se passaram mais de noventa dias do trânsito em julgado da sentença.

 

Tenho para mim que o síndico, numa hipótese como essa, deveria consultar os condôminos, em assembléia geral, ao invés de decidir sozinho, sem saber se a maioria quer ou não a continuidade da locação.

 

A verdade é que, se o locatário estava em débito, agora está quite.

 

O condomínio precisa de alugar a loja, que fica num pavimento  superior, onde há pequeno movimento.

 

Se a sala não continuar alugada ao referido condômino, é quase certo que ficará fechada e ocasionará prejuízo ao condomínio como um todo, inclusive ao próprio locatário-condômino.

 

Não se trata de mero locatário, mas sim de um condômino locatário daquela loja. Não deve ser tratado como elemento estranho naquela comunidade.

 

Entendo que o síndico, com sua atitude legalista, está prejudicando os condôminos em geral.

 

Se é verdade que não há como obrigar o condomínio a continuar alugando a sala para o locatário, por outro lado, também não faz sentido determinar o despejo compulsório imediatamente, com prejuízo financeiro  para o próprio condomínio e os alunos daquele colégio.

 

A atitude do condomínio – através do seu síndico – me parece verdadeiro abuso do Direito, pois causa somente prejuízos, sem nenhuma utilidade para quem quer que seja.

 

Apliquei ao caso o Direito acima da frieza da lei locatícia. E assim faço com base na Lei de Introdução ao Código Civil, que deve nortear todas as reflexões jurídicas, ao meu entender.

 

Assim, concedi ao locatário o prazo de permanência no imóvel até o final do ano letivo do corrente ano.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Princípio do Bem Comum Versus Dura Lex Sed Lex. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/principio-do-bem-comum-versus-dura-lex-sed-lex/ Acesso em: 29 mar. 2024