Filosofia do Direito

Direito e Arte

Direito e Arte

 

 

Paulo Queiroz *

 

 

Parece certo que, por mais que estudemos literatura, teatro ou pintura, é pouco provável que um dia escreveremos como um Tolstoi, representaremos como um Jack Nicholson ou pintaremos como um Picasso. É que a arte, movida grandemente pela inspiração, requer qualidades que estão além da técnica, que pode eventualmente ajudar a aperfeiçoá-las, mas que dificilmente fará de um desafinado um virtuoso.

 

Talvez se possa dizer o mesmo do direito: uma excelente formação dogmática não é garantia de decisões justas, porque a técnica, no direito como na arte, só pode oferecer, na melhor das hipóteses, isso: decisões tecnicamente corretas. Mas decisões tecnicamente corretas não são necessariamente decisões justas, assim como decisões tecnicamente incorretas não são necessariamente decisões injustas (v.g., algumas decisões do tribunal do júri). É que uma boa interpretação, na arte como no direito, mais do que técnica e razão, exige talento e sensibilidade. E a técnica jurídica é apenas um meio a serviço de um fim: a justiça.

 

Existem outras semelhanças entre direito e arte. Ainda hoje é muito comum confundir lei e direito, como se fossem a mesma coisa. No entanto, confundir lei e direito equivale a confundir partitura e música, que são, obviamente, coisas distintas, podendo inclusive existir uma sem a outra. Com efeito, é perfeitamente possível produzir sons, melodias e música, como é comum, aliás, e principalmente compor, sem partitura alguma, a revelar que a música independe da partitura. Pois bem, o mesmo ocorre com o direito: é possível decidir casos sem nenhuma lei: basta pensar nos conflitos havidos em comunidades mais primitivas (v.g., indígenas) ou no commom law, além dos inúmeros casos não disciplinados pela lei (lacuna legal). O direito, como a música, existe com ou sem lei, com ou sem partitura.

 

Mas talvez o mais importante resida nisso: uma mesma partitura pode ser tocada de mil formas e ritmos, como, por exemplo, na forma de música clássica, rock, samba etc. E cada um desses ritmos e sons variará conforme o seu intérprete, suas influências, experiência, talento, formação etc. Também assim é a lei: uma lei, por mais clara e precisa, pode ser interpretada de diversos modos, variando conforme os pré-conceitos, influências, experiências, motivações, sensibilidade etc. do seu intérprete. A lei é uma partitura que pode ser interpretada de mil formas.

 

Não se deve, pois, confundir lei e direito, assim como não se deve confundir partitura e música: a música é o que decorre da execução do músico; o direito é o que resulta da interpretação do juiz ou tribunal. O direito, como a música, não é a lei nem a partitura: o direito é interpretação. Algumas interpretações julgamos boas e aplaudimos, outras julgamos ruins e condenamos.

 

 

* Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral. Rio: Lumen juris, 2008, 4ª edição. Website: www.pauloqueiroz.net

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
QUEIROZ, Paulo. Direito e Arte. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/direito-e-arte/ Acesso em: 18 abr. 2024