Filosofia do Direito

Diálogo com o Pós-positivismo no Brasil (I)

Jefferson de Jesus Sousa[1]

INTRODUÇÃO

Georges Abboud tem explicado e desenvolvido a teoria estruturante do direito nomeada por Friedrich Müller, criada de forma a compatibilizar a teoria do direito com os avanços filosóficos no campo da linguagem que ocorreram no século XX, especialmente em sua segunda metade. Dessarte, ela incorpora o próprio positivismo em sua versão normativista (principal paradigma da teoria do direito no século XX), a filosofia da linguagem e a hermenêutica.[2] Vejamos como Abboud trabalha e desenvolve tal teoria.

Atualmente, é fundamental desenvolver uma teoria da decisão judicial, em razão do deslocamento do poder que ocorreu do legislador para a jurisdição, tal deslocamento ocorreu, por diversos motivos, sendo que entre eles a demanda por direitos fundamentais, além da incapacidade de o legislador prever a maior parte das demandas possíveis de ocorrer, se destacam e mostram que as teorias baseadas apenas no “passado” ou na “legislação posta” estavam obsoletas, não sendo suficientes para enfrentar os problemas que se apresentam. Além disso, a frequente “colisão” entre direitos fundamentais tem obrigado os teóricos do direito a pensar novas formas de lidar com o fenômeno jurídico. Ou seja, nossa sociedade é complexa (ou hipercomplexa) e, por isso mesmo, as soluções dos problemas sociais não estão necessariamente postas no passado, devendo ser resolvidas pelo Judiciário à medida que vão surgindo.

Além disso, toda a legislação deve se adequar em nossos dias à Constituição, que, por sua vez, inclui não só regras, mas também princípios, como mencionamos, deixando uma grande margem para interpretações. Assim, precisamos desenvolver uma teoria que estabeleça limites a essas possibilidades de interpretação do juiz. Como podemos fazer isso democraticamente?[3]

HISTÓRICO

No livro Processo constitucional brasileiro, em seu primeiro capítulo, Georges Abboud apresenta o desenvolvimento da teoria do direito. Trataremos em linhas gerais dos principais aspectos trazidos por ele nesse trecho da obra trazendo ao debate outros estudiosos do assunto.

Inicialmente, é importante destacar que opositivismo exegético surge com a finalidade de separar o direito positivo da moral. Essa separação era necessária, uma vez que elementos morais fundamentavam a doutrina à qual o juspositivismo se contrapunha, ou seja, ao jusnaturalismo. Claro que, assim como há vários “positivismos”, também existiram vários “jusnaturalismos”, porém todos estes obtinham seu fundamento de validade em uma ordem moral ou metafísica, ou seja, algo “superior” ao direito e cujo fundamento era imutável (natureza, teologia, razão etc.).

No âmbito político, é interessante notar que historicamente houve alternância entre qual direito seria “superior”, ora o direito posto era considerado superior ao direito natural (antiguidade clássica), ora o direito natural ocupava o papel preponderante (Idade Média). Contudo, com a formação do Estado Moderno, ocorreu uma completa mudança de paradigma: o positivismo jurídico se estabelece como uma doutrina em que o único direito válido é o direito posto pela autoridade competente.[4]

É no contexto político do liberalismo clássico que nasce na França a primeira concepção de positivismo, a saber, o positivismo exegético, que também ficou conhecido como positivismo clássico ou primitivo. Nessa concepção inicial do positivismo, o direito era igual à lei e o juiz limitava-se a ser a “boca da lei”; acreditava-se que era possível uma aplicação quase que matemática e automática do direito, ou, para usar uma palavra que aparecerá frequentemente neste trabalho: silogística. Perceba a importância que o legislador (produtor único do direito) tem para essa escola.[5]

A equiparação do direito à lei (legalismo) mostrou-se insuficiente e sofreu diversas críticas, principalmente dos membros da Escola Histórica, lideradas por Friedrich Carl von Savigny (Alemanha). Na tentativa de superar e aperfeiçoar o modelo positivista, dois grandes autores se destacaram no que veio a ser chamado de positivismo normativista.

O positivismo normativista amplia o conceito de direito. Para os normativistas, a lei é uma das fontes do direito, porém o direito não se limita à lei, e sim à norma, que é um conceito mais amplo e inclui outras categorias como decretos, portarias, a própria sentença judicial etc. A norma, por sua vez, pode ser interpretada, porém ainda sem referência a elementos externos ao direito, mantendo firme a opção de se contrapor ao fundamento (moral) das doutrinas jusnaturalistas.

Para isso, Hans Kelsen desenvolve sua ideia de ciência do direito. O direito, como objeto da ciência jurídica, seria um ordenamento jurídico, ou seja, um sistema (fechado) de regras no qual a norma inferior encontra seu fundamento de validade (existência) na norma superior e assim sucessivamente.[6] Kelsen destaca a produção legislativa como ponto central para o estudo do direito, ou seja, para ele, a norma é o mais importante. Nesse ponto, ele constrói a ideia de uma “moldura” interpretativa na qual existiriam várias possibilidades e que o julgador deveria escolher a mais adequada, podendo, inclusive, decidir “fora da moldura”.[7]

Hart também, pelo menos num primeiro momento, entende que o direito é um conjunto de “regras gerais” que estabelecem padrões de conduta aos indivíduos. Entretanto, ele admite a “textura aberta” das regras, podendo, em alguns casos, ou seja, nas “regiões de penumbra”, depender de uma decisão discricionária do julgador.[8][9]

Diante desse panorama geral, é possível ter uma ideia das duas primeiras “fases” do positivismo jurídico. A terceira fase, segundo Georges Abboud, desenvolve-se a partir da crítica realizada por Ronald Dworkin à teoria de Herbert Lionel Adolphus Hart e por Müller à teoria de Kelsen.

R. Dworkin, no seu debate com H.L.A Hart, apresenta uma nova classe de elementos: os princípios, que são juridicamente vinculativos e que permitem ao julgador ir “além” das regras, às quais o sistema de H.L.A Hart e outros normativistas estavam limitados. Esses princípios teriam força vinculante sobre todos os Poderes do Estado e se expressariam pelo processo interpretativo, ao qual toda decisão está sujeita.[10] Cabe aqui uma citação, por ser extremamente esclarecedora desse ponto fundamental:

Dworkin vê a diferença entre rules e principles no facto de aquelas terem uma função de tudo-ou-nada, não deixando, por isso, espaço livre, ao passo que estes possuem uma dimensão de peso e de significado (no nosso direito penal, esta diferença corresponde ao conflito entre teoria das referências pontuais e teoria das referências a âmbitos). Em todo caso, o conceito positivista de direito fica, assim, destruído[11] (destacamos).

Ainda com R. Dworkin só seria possível uma decisão correta, razão pela qual não haveria a possibilidade de discricionariedade.[12]

Ora, os princípios têm uma dimensão valorativa e, portanto, moral, dimensão essa que, historicamente, foi combatida pelo positivismo. De acordo com Georges Abboud, a partir dessa crítica e da melhor forma de lidar com ela é que se formam as duas vertentes do positivismo contemporâneo (terceira fase do positivismo jurídico), que se divide em positivistas inclusivistas (que incorporam essa dimensão valorativa proposta por R. Dworkin) e os positivistas exclusivistas (que rejeitam essa dimensão valorativa).

Feita em linhas gerais essa breve apresentação para contextualizar o estágio atual da teoria do direito, passaremos a apresentar a versão pós-positivista (teoria estruturante), a qual só enunciamos.

TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO

No livro Discricionariedade administrativa e judicial, Georges Abboud explicita de forma didática ao leitor brasileiro os principais conceitos dessa teoria. Inicialmente, ele nos explica os fundamentos metodológicos e filosóficos do trabalho que, como dissemos, parte de uma nova concepção de norma para então chegar a uma nova concepção de decisão.[13]

Nessa nova concepção de decisão não se procura mais pela “vontade da lei” ou pela “vontade do julgador” (elas não existem!), ao contrário, a decisão é um processo interpretativo que ocorrerá em cada caso concreto de forma singular. Esse método busca incorporar a filosofia da linguagem e a hermenêutica a fim de superar as deficiências do positivismo jurídico.[14] Este, por sua vez, é subdividido em diversas “versões”, e tanto o positivismo exegético (século XIX) como o positivismo normativista (primeira metade do século XX) não admitem qualquer conteúdo transcendente ao direito e, nessa linha, também seguem os adeptos do atual positivismo exclusivista mencionado. A concepção pós-positivista parte da impossibilidade de separar o direito da realidade. Assim, só é possível existir uma norma para cada caso. A norma, por sua vez, não é sinônimo de texto legal ou constitucional, ao contrário, ela é formada num processo circular em que o texto normativo cria o caso e pela conjugação com a realidade fática a norma surge.[15]

É por essa mesma razão que não se poderia criar uma norma geral e abstrata que abarcaria diversos casos. A norma seria composta de dois elementos: o programa normativo (texto) e o âmbito normativo (situação fática). Ora, o texto pode permanecer igual, mas a situação fática nunca será idêntica às demais, então, necessariamente, uma nova interpretação deve ocorrer, mesmo em casos semelhantes.[16]

Na parte mais complexa do texto, o autor explora o fundamento filosófico da concepção pós-positivista do direito. Ele faz referência ao giro linguístico e ao giro ontológico linguístico que ocorreram no século XX e, como mencionamos, procura adequar a teoria do direito a esse novo paradigma filosófico. Afirma ainda o autor, na tradição de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, que a linguagem é constituinte e constituidora do mundo, ou seja, o nosso pensamento seria um subconjunto da linguagem, sendo impossível escapar dela. No entanto, ao mesmo tempo que a linguagem constitui os objetos, por meio dela pode-se expressar o conhecimento sobre eles e é a partir desse “dizer” que as coisas passam a ser, pois, “para mencionar algo, é preciso dizer que esse algo é”, porém “quem diz o é do ser é este ente chamado homem”.

Por conseguinte, percebe-se que a dimensão interpretativa antecede a todos os homens e que a interpretação ocorre com a decisão e não há, segundo o autor, uma separação entre o conhecer (o caso) e decidir (sobre ele), é em um só momento que as duas coisas acontecem.[17]

Ainda com Georges Abboud, percebe-se a revolução, pois é aqui que se revela o papel central do intérprete na teoria do direito. Não há como falar em “revelar” a norma, pois o processo ontológico não acontece “fora” do homem; o intérprete, o ser, está incluído na problemática ontológica. O intérprete é parte da norma, pois o “círculo hermenêutico” vai da norma à compreensão e a ela retorna para formar o sentido. O ponto de partida e o ponto de chegada é o texto normativo.[18]

Por isso, uma norma não pode servir para mais de um caso concreto e, se for servir como paradigma para outros casos, deixará de ser norma para se tornar texto normativo e, assim, necessário será novo processo interpretativo que formará nova norma. Dessa constatação pelo menos duas conclusões seguem.

A primeira delas é o fim do silogismo, uma vez que cada norma será criada em cada caso a estrutura normalmente utilizada que prevê um tipo normativo e uma consequência jurídica para o caso, como propõem exegéticos, normativistas e exclusivistas já não pode mais ser utilizada.

A segunda consequência a ser extraída é a de que os métodos de solução de demandas repetitivas, os efeitos vinculantes e as súmulas não são a solução, pois, assim como as leis, elas deverão ser interpretadas de acordo com o caso e, consequentemente, esse tipo de medida utilitarista não surtiria o efeito desejado, que é “desafogar” o Judiciário. Além de deslocar a atribuição dos legisladores para os juízes.

PÓS-POSITIVISMO versus NEOCONSTITUCIONALISMO

O neoconstitucionalismo não é pós-positivismo. Escolhemos assim começar este tópico, pois o autor despende um grande esforço para realizar a diferenciação dessas duas formas de enxergar o direito. Apesar de muitas vezes serem confundidas entre si por diversos autores, eles partem de pressupostos diferentes.

O neoconstitucionalismo estaria mais próximo da versão positivista inclusivista do que do paradigma pós-positivista, pois o neoconstitucionalismo está vinculado ao conceito de norma, como uma forma de ordenar a conduta humana de maneira geral, e a norma, nesse contexto, é um gênero que inclui tanto as regras como os princípios nos sentidos apresentados supra. Portanto, o teórico neoconstitucionalista está comprometido com a efetivação do texto constitucional, uma vez que as garantias e os direitos fundamentais ali previstos são entendidos como normas e, por isso mesmo, teriam eficácia imediata.

Três são os elementos essenciais para a formação do neoconstitucionalismo, segundo Miguel Carbonell, citado por Georges Abboud: “o texto constitucional, a prática jurisprudencial e o desenvolvimento teórico”.[19]

Como dissemos, a ideia do neoconstitucionalismo é explicar o conjunto de textos constitucionais surgidos após a Segunda Guerra Mundial e que passaram a positivar uma série de garantias fundamentais. O enfoque principal das Constituições tornou-se a garantia e a consagração de direitos fundamentais e, por conseguinte, passaram as Cortes Constitucionais a receber um grande enfoque.[20]

Nesse ponto, aproximando-se da posição que entendemos ser a mais adequada, as Cortes Constitucionais não são estritamente jurídicas, e, sim, jurídico-políticas, que assumem sua posição de vanguarda no processo de transformação social, sendo, para tanto, dotadas de legitimidade e sujeitas ao controle processual de todas as partes envolvidas.[21][22][23] Portanto, assumem explicitamente sua posição ideológica e atuam no sentido de realmente efetivar direitos (positivados) previstos no Texto Constitucional. Estamos cientes, contudo, de que essa posição não é aceita pela doutrina pós-positivista trabalhada por Georges Abboud e outros que seguem a mesma linhagem, mas não podíamos deixar de registrar esse aspecto fundamental no item que lhe cabe (neoconstitucionalismo).

O pós-positivismo e o neoconstitucionalismo partem de conceitos diferentes de norma, como tentamos expor até aqui, e, por isso, não se confundem. Para Friedrich Müller e Georges Abboud, o pós-positivismo tem por fundamento:

(i) a norma não pode mais ser reduzida ao seu texto; (ii) o ordenamento jurídico positivo sem lacunas é uma ficção artificial; (iii) a solução de casos jurídicos não pode mais pretender ser realizada pelo silogismo, porquanto a decisão de cada caso deve ser estruturada e construída a partir dos dados linguísticos (programa da norma) e extralinguísticos (âmbito da norma) […]; (iv) em suma, pensamento pós-positivista não pode mais partir de uma cisão ficcional entre o jurídico e a realidade, ou seja, o pós-positivismo supera e transcende a clássica distinção entre questão de fato e questão de direito.[24]

A principal crítica realizada pelos pós-positivistas ao neoconstitucionalismo e àqueles que adotam os princípios como paradigma teórico é a seguinte: a adoção do panorama principiológico e consequentemente dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade a fim de compatibilizar os diversos princípios com seu alto grau de generalidade e abstração produziria uma liberdade indeterminada ao julgador e, com isso, decisões discricionárias, para não chamá-las de arbitrárias.

Lenio Streck e Abboud tecem essas críticas ao observarem a prática nos tribunais nacionais, que podem ser resumidas pelo termo “pamprincipiologismo” criado por Streck e que corresponde a um fenômeno no qual o julgador abandona a legalidade e “cria” princípios sem qualquer fundamentação constitucional ou histórica, além da utilização indiscriminada da proporcionalidade/ponderação. No Brasil, o neoconstitucionalismo seria algo como a recepção tardia da jurisprudência dos valores em detrimento da legalidade e da Constituição.[25]

Considerações finais

As críticas apresentadas pelo Professor Georges Abboud e por outros autores que adotam um paradigma semelhante são muito pertinentes. Realmente, no Brasil, tem-se desistido da legalidade para fundamentar decisões com base naquilo que alguns têm chamado de proporcionalidade/ponderação, ou ainda, têm-se criado “princípios” para fundamentar (justificar!) decisões ilegais e inconstitucionais.

Recentemente, a questão da autorização da prisão a pacientes condenados em segunda instância por órgão colegiado é, a nosso ver, o caso mais evidente que corrobora a crítica apresentada pelos citados autores, uma vez que vai de encontro ao que determina a nossa Carta Política em seu art. 5.º, LVII, além de ir contra a jurisprudência consolidada pela própria Corte. Tudo isso para atender a um suposto princípio da colegialidade.

As críticas são válidas e nossa jurisprudência é falha. Todavia, acreditamos que a adoção dos princípios (entendidos como normas positivadas na Constituição Federal) é necessária, ainda mais em um país como o Brasil, carente da efetivação de direitos individuais e sociais. O Judiciário não pode se esquivar da responsabilidade de garantir ao jurisdicionado a efetivação de direitos estabelecidos na Constituição. Diante do exposto, entendemos que o Texto Constitucional tem normatividade, não se trata de um “programa”; a Constituição tem eficácia “plena e imediata”, para usar a nomenclatura da “teoria das cargas de eficácia” sem, contudo, a ela aderir.

Em face dessa afirmação, podemos dizer que acreditamos que o Judiciário tem sim que ser usado como uma forma de atuação política pelo jurisdicionado (talvez a principal). Claro que para isso precisamos de um suporte institucional, como defende Willis Santiago Guerra Filho em sua Teoria processual da Constituição: não basta uma boa teoria, se os tribunais fizerem o que querem dela.

Podemos ir além e asseverar que, com as instituições que temos, qualquer teoria seria mal utilizada ou, até mesmo, manipulada para atender aos fins que almejam os julgadores, com especial destaque para os julgadores da nossa Corte Suprema (que não é uma Suprema Corte!). O direito e a política são irremediavelmente interligados, “acoplados estruturalmente”, nos termos de Niklas Luhmann. Tentar separar um do outro é despender, a nosso ver, energia sem prognóstico favorável.

Willis Santiago Guerra filho sugere a adoção de uma Corte Constitucional nos moldes europeus, capaz de lidar tanto com a complexidade da política quanto com a complexidade do direito. Uma corte “político-jurídica” dotada de representatividade (característica da política/elegibilidade), mandato definido e alto grau de conhecimento jurídico. As decisões dessa Suprema Corte seriam vinculativas a todos os Poderes do Estado, e ela mesma não faria parte da estrutura de nenhum dos Poderes.

A teoria processual da Constituição é a melhor forma de garantir um direito compatível com as necessidades do nosso tempo, e só a partir de um modelo que garanta a participação de todos os envolvidos, assegurado o contraditório, que as alegações de todas as partes serão consideradas; ao se elaborar a decisão, é que avançaremos rumo a um Judiciário mais próximo da realidade e dos anseios sociais.

Sem dúvida, a incorporação da ideia pós-positivista da importância do intérprete é fundamental e deve ser adotada para o aperfeiçoamento do modelo.

A teoria processual da Constituição, porém, não está isenta de críticas e, talvez, os principais pontos a serem considerados pelos teóricos adeptos dela para aperfeiçoá-la sejam: 1) A crise de representatividade, apontada por diversos autores, com destaque para Luigi Ferrajoli, que identifica uma verdadeira crise na Itália atualmente, em razão do poder que a mídia tem exercido sobre a opinião pública, aliada ao fato de o Poder Estatal estar sendo exercido justamente por aquele que controla as principais mídias daquele país. Como garantir que nossos juízes não seriam (mais) influenciados pela mídia e, consequentemente, proferirem decisões “populares”? 2) Sabendo os Ministros da Suprema Corte que seus mandatos seriam limitados, como garantir que eles não sejam “capturados” por escritórios de advocacia e empresas diversas a fim de “garantir uma vaga” após os seus mandatos? 3) Talvez o maior desafio de todos seja: Como implantar esse modelo e fazer que as condições necessárias para a aplicação da teoria sejam postas, uma vez que isso implicaria mudar completamente a estrutura do Poder Judiciário e acabaria com boa parte de seus privilégios?

No que toca ao último ponto, acreditamos que somente uma força política concentrada e precisa seria capaz de promover as mudanças necessárias, o que, por sua vez, esbarra nas dificuldades históricas do Brasil, a saber: o baixo grau de politização e educação formal da população e o controle da mídia por grandes conglomerados comandados por poucas famílias e que garantem que a opinião do público em geral não esteja em desacordo com seus diversos interesses.

Por fim, estamos cientes de não termos apresentado respostas, mas acreditamos que chegaremos mais próximo delas se mantivermos aberta a via do diálogo entre as duas importantes teorias aqui citadas, reconhecendo os avanços que ambas proporcionaram e que poderão ainda promover se um procedimento em contraditório for estabelecido no dia a dia forense, tendo em vista a centralidade do(s) intérprete(s) nesses processos.

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014.

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______; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à teoria e à filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: RT, 2015.

BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo: uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 7. ed. São Paulo: SRS, 2017.

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______. Teoria processual da Constituição. 3. ed. São Paulo: RCS Editora, 2007.

HART, Herbert Lionel Adfolphus. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

KAUFMANN, Arthur. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2015.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018.

STRECK, Leno Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2017.



[1] Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP (com bolsa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes). Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado em São Paulo.

[2] ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014. p. 54-55.

[3] STRECK, Leno Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 96-97.

[4] BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006. p. 25-26.

[5] ABBOUD, Georges; CARNIO, Henrique Garbellini; OLIVEIRA, Rafael Tomaz. Introdução à teoria e à filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: RT, 2015. p. 387-389.

[6] BARZOTTO, Luis Fernando. O positivismo jurídico contemporâneo: uma introdução a Kelsen, Ross e Hart. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 40-44.

[7] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018. p. 390-395.

[8] HART, Herbert Lionel Adfolphus. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. p. 140; 148-149.

[9] KAUFMANN, Arthur. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2015. p. 157.

[10] Idem, p. 157.

[11] Idem, p. 158.

[12] KAUFMANN, Arthur. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2015. p. 158.

[13] ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014. p. 53-54.

[14] ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014. p. 54-55.

[15] Idem, p. 5-56.

[16] Idem, p. 64-65.

[17] ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014. p. 52-63.

[18] Idem, p. 52-63.

[19] ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 331.

[20] ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 331.

[21] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria processual da Constituição. 3. ed. São Paulo: RCS Editora, 2007. p. 81-83.

[22] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 7. ed. São Paulo: SRS, 2017. p. 12-13

[23] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 141-142;

[24] ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2018. p. 334.

[25] ABBOUD, Georges. D Discricionariedade administrativa e judicial: o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: RT, 2014. p. 86-96.

Como citar e referenciar este artigo:
SOUSA, Jefferson de Jesus. Diálogo com o Pós-positivismo no Brasil (I). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/dialogo-com-o-pos-positivismo-no-brasil-i/ Acesso em: 28 mar. 2024