Filosofia do Direito

A crise da modernidade e o Direito atual

Parece incrível, mas a sociedade contemporânea ainda vive sob o manto da modernidade. A modernidade está apoiada em bases concretas e bem definidas, a saber: o racionalismo[1], o positivismo[2], o empirismo, o Estado, e o ordenamento jurídico (o legislado, positivado e imperativo).

Evidentemente, há evidente crise da modernidade, ainda que tenhamos as mais diferentes denominações, tais como modernidade líquida (Bauman), pós-modernidade, modernidade reflexiva que só fazem revelar o quão concreto é o abalo sofrido.

E a crise da modernidade traz sérios reflexos no Direito contemporâneo. Lembremos, pois, que o Direito como ciência social, e os evidentes reflexos da crise da modernidade na seara jurídica, afeta, particularmente o campo da eficácia do Direito e a capacidade de oferecer respostas satisfatórias para intrigantes questões da sociedade contemporânea.

Inicialmente devemos enxergar a modernidade[3] como a era que rompeu com as tradições da Idade Média[4] e, literalmente veio a retratar o novo e o atual. Trazendo o renascer da crença na razão humana, posicionando o homem para o centro das atenções, e, enxergando o homem como ser iluminado, dotado de razão e que se divorcia da mitologia e da metafísica, e afirma-se na razão, na ciência, no empirismo, paradigmas positivistas, que são modernos por excelência.

É perceptível que são vários as bases que sustentam a modernidade. As construções racionais que formam uma estrutura concreta que crê na ordem, na ordenação necessária de todas as coisas e no assujeitamento de tudo à razão humana.

E, os instrumentos da manutenção da ordem moderna são o Estado e o Direito moderno que se mostra positivado, legislado, ordenado e codificado.

A construção racionalista trouxe a lume os sistemas sólidos de ordenação, em busca de tão desejado progresso, desembocaram num século de contradições e tragédias globais, o século XX.

Após as duas grandes guerras mundiais, o totalitarismo e o holocausto proferiram duros golpes na modernidade. E, as promessas da modernidade não foram suficientes e se revelaram em grandes utopias inatingíveis.

O homem é posicionado no centro do universo, não era um homem qualquer, e, muito menos, representava a maioria dos homens. O sistema moderno era um sistema que se preocupava com a ordem e a manutenção de uma estrutura que privilegiava apenas parte dos homens.

A crise da modernidade, revelada em meados do século XX, gerou inúmeros estudos, alguns doutrinadores, a denominaram de modernidade líquida, hipermodernidade, modernização reflexiva, ou simplesmente, pós-modernidade[5]. O grande fato é a evidente crise, pois as ilusões da modernidade não resistiram aos inevitáveis questionamentos.

O Direito contemporâneo sofre os reflexos dessa aludida crise, principalmente porque a construção científica com ênfase na racionalidade e no positivismo é notória. E, vigem na sociedade ocidental presente, a firme presença de valores forjados durante a modernidade.

Aliás, o tema da modernidade nem é novo, apesar de categoricamente representar o que é novo e atual. Aliás, Habermas esclareceu que a palavra “modernus” foi utilizada já no século V para diferenciar um presente cristão de um passado pagão. Nitidamente a palavra vem representar a ideia de inovação carregada de um sentido evolucionista, de descontinuidade, de ruptura com tradições.

Modernus significa em latim o que é recente, agora mesmo. E, do ponto de vista histórico, a filosofia moderna se iniciou com Descartes e Francis Bacon, caracterizando a ruptura com o medieval, particularmente, com a Escolástica.

O pensamento moderno acompanhou fatos históricos que ocorreram durante os séculos XV e XVII e marcam uma nova visão de mundo, que contrapõe à visão teocêntrica e medieval, caracterizando o surgimento do mundo moderno, que trouxe o sentido de progresso[6] e se comprometeu em romper com o passado.

A modernidade trouxe a nova ordem social fulcrada na razão, no racionalismo. E, deu-se um divórcio com a noção de centralizar o espiritual e, coloca-se a razão e o homem racional no centro motriz de toda fonte de conhecimento.

E, tal fator foi determinante para nascer outro novo paradigma que é reconhecido historicamente como iluminismo. O renascimento do homem se deu como ser iluminado e dotado de razão. E, se desenvolveu nos derradeiros decênios do século XVII aos últimos decênios do século XVIII, por essa razão, foi chamado de século das luzes, onde a ribalta se abre para o poder da razão, e as pretensões cognoscitivas do homem integram o empirismo.

Enfim, escacaram-se os domínios às críticas, o que antes eram searas herméticas, impenetráveis e dogmáticas.

Tal iluminismo conheceu expoentes como Locke, Montesquieu e Voltaire, com críticas na esfera política. Destacando-se ainda Adam Smith e Hume. E, também Beccaria, na indagação racional na esfera penal.

Reconhece-se que o iluminismo[7] atribui grande valor à ciência, através da atitude empirista, admitindo que toda verdade pode e deve ser colocada à prova. A sociedade antropocêntrica, com o homem detentor da razão no centro de todo o interesse. Enfim, o homem livre e com seus direitos garantidos é o centro do sistema normativo e ético.

Com o nascimento do homem moderno que é confiante em sua crítica e em sua razão, assujeitando e tomando todas as coisas como objeto de sua ciência empírica, crente na sua ordenação e seu progresso.

Em certa feita, Francis Bacon, ao final do século XVII chegou a afirmar peremptoriamente que a Idade Moderna é a mais avançada que as idades passadas, pois o conhecimento está mais desenvolvido e mais próximo da verdade.

Já Descartes ao descobrir que as leis naturais invariáveis, fez destas a base da ciência, bem como de toda civilização ocidental que estava pronta para adotar com felicidade a teoria do progresso.

Deve-se, no entanto, reconhecer que há relativa dificuldade em se definir com exatidão a modernidade, mas já é possível associar o conceito às várias palavras que trazem características semânticas que orbitam sobre a definição da modernidade, e os elementos são: progresso, ciência, razão, saber, técnica, sujeito, ordem, soberania, controle, unidade, Estado, indústria[8], centralização, economia, acumulação, negócio, individualismo, liberalismo, universalismo, competição, dentro outros termos que nasceram com a modernidade.

E, foram sustentados por ideologias e práticas sociais que brindaram com efusividade por gerações ambiciosas pela sensação de liberdade prometida pela modernidade.

A modernidade possui sólidos alicerces que foram criados para formar um novo paradigma. Com as promessas de igualdade, liberdade, progresso, segurança, dentre outras, a era moderna conquista o homem e organiza a sociedade, criando nova cultura[9] e as novas tradições no Ocidente.

Giddens questiona, afinal, o que é a modernidade? E, afirma que a modernidade se refere ao estilo, costume de vida ou organização social que emergiu na Europa e tornou-se mundial em sua influência.

Trata-se de um paradigma moldado por intensas ideologias, filosofias e com bases sólidas e que se tornaram influentes mundialmente. Um conjunto de transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que formam uma nova ordem social: a ordem moderna guiada pelo ideal de liberdade e na crença na razão que rompe com as explicações metafísicas e com a centralização da religião e da fé da Idade Média[10].

A modernidade implicou por um extenso e progressivo processo histórico de desenraizamento e de laicização, de autonomia e liberdade, de racionalização e de mecanização, de instrumentalização e de industrialização.

E, ressalte-se que a modernidade inclui o ideário intelectual (filosófico e científico), aspectos econômicos (revolução industrial e ascensão da burguesia) e sustentação da arquitetura moderna.

Assim, verifica-se nitidamente estes fundamentos nos ideais da Revolução Francesa, um marco da era moderna e da ideologia burguesa.

O fundamental essencial da modernidade é a busca da ordem e a luta contra a ambivalência. E, nesse sentido, Bauman, afirma que dentre a multiplicidade de tarefas impossíveis que a modernidade se atribui, ressalta a da ordem, da ordem como tarefa. E a ordem é o contrário do caos. É possível pensar a modernidade como momento em que reflete a ordem.

O galgar da ordem requer necessariamente a eliminação das contradições, das incertezas e das ambivalências. E, finalmente, se materializa o progresso, o objetivo maior, justificador de qualquer sacrifício.

Enfim, são tarefas[11] da modernidade: hierarquizar, conceituar, descobrir, cientificar, conhecer, classificar, nomear, implementar e construir, o que requer práticas engenhosas e tentáculos do exercício da razão para realizar a tão desejada ordem pelos ideais modernos.

Acreditava-se no progresso infinito. E, o processo modernizador foi nutrido pelo desenvolvimento dos ideais burguês. O mundo ocidental é particularmente um mundo burguês, repleto de ferramentas para ordenar as coisas e manter a ordem no exato sentido para assegurar os interesses liberais e o franco evoluir do capitalismo.

A modernidade do Direito se revela na legalidade, no Estado e burocracia que materializam a garantia nesse contexto da afirmação dos interesses burgueses, da concretude do liberalismo político, bem como da fortificação do mercado. Tais institutos surgem e se firmam como instrumentos de garantia da estrutura moderna e para se alcançar êxito nos objetivos da modernidade.

Definiu com clareza Bauman que o Estado moderno[12] se revela como Estado jardineiro, pois imbuído de força missionária, empenhado em submeter as populações dominadas a um exame completo a fim de torná-las ordeiras, afinadas com os preceitos da razão. Um Estado como jardineiro atua, com fundamento na razão, dividia a população em plantas úteis, cultiváveis e em ervas daninhas que deveriam ser arrancadas.

O Estado burocrático tem nítido objetivo de manter a ordem. O Estado de Direito enxerga no Direito como o grande objetivo da modernidade e que serve de instrumento de ordenação da sociedade. Porém, uma ordem fundada em interesses liberais burgueses.

Sem dúvida, há uma íntima relação entre o Estado moderno e o modelo de legitimação fundado no espírito objetivo e legalista pertencente à dinâmica do Direito, pois só ele é capaz de garantir a estabilidade e manutenção do Estado favorável ao crescimento do espírito burocrático, uma vez que a burocracia corresponde à máxima expressão da literalidade das regras, dos procedimentos e da estabilidade das instituições de Estado.

O Direito se torna um alicerce essencial do Estado moderno, assegurando a manutenção da estrutura moderna e a proteção da ordem estipulada pela razão e os interesses de classes dominantes e detentoras do capital.

Surge, em meio a cultura positivista, instrumento hábil de solidificação dos intentos da modernidade. A filosofia na época endossava um Estado centralizador e soberano, regrado com um Direito positivado, consolidado e codificado com o fito evidente de manter a ordem determinada e guiada indefectivelmente pela racionalidade moderna.

O positivismo de Augusto Comte tem como premissa a oposição da ciência, da razão, do empirismo ao mitológico e ao metafísico. O evidente fundamento da era moderna que busca a razão, como fundamento do que é real e na experiência ancora o fundamento da verdade…

O positivismo muito influenciou intimamente o sistema jurídica moderno, formando sempre um complexo de normas codificadas e aplicação literal deste direito positivado. O Direito tornou-se uma ciência dogmática, com fundamentos modernos e com nítido objetivo de manutenção da ordem. Assim, o Direito restringiu-se à literalidade, num complexo codificado, tendo aí, seus limites, com fundamentos evidenciados de validade, eficácia, legalidade, ordem e imperatividade.

O ponto culminante do positivismo jurídico clássico ocorreu com a edição do Código Civil francês de 1804, o Código napoleônico[13] que trouxe um conjunto de ideais típicos da modernidade e, também, da própria Revolução Francesa, que nutriu o espírito acolhendo um direito legislado, codificado, além de homogêneo e busca da unificação do Direito no mundo moderno.

Enfim, é um direito fundado no ideal de legalidade[14] e na noção do ordenamento jurídico completo e complexo, que é capaz de aglutinar todas as necessidades jurídicas e humanas.

Então, a modernidade lançou suas bases, a saber: ordem, razão, ciência, Estado, Direito, legalidade, controle, burocracia e progresso. E, durante séculos, a crença na modernidade imperou, ainda com os claros ideais burgueses, o mito da segurança e do progresso, promessas da modernidade, enraizaram-se na sociedade moderna.

A modernidade lançou seus mil braços, tal como a deusa hindu, Durga[15], e fundou-se na noção de progresso, nitidamente ideal moderno. Ocorre que o ideal do progresso, juntamente com as demais ideologias modernas, que gerou, no mundo acontecimentos inesperados, causando uma crise em sua estrutura, e provocando uma série de rupturas com seus principais fundamentos.

A modernidade fundou-se sobre promessas de liberdade e igualdade, sobre o mito da segurança prometida pelo Estado moderno, sobre as promessas do Direito positivado completo e perfeito, que seria capaz de solucionar todas as necessidades da

sociedade moderna, ordenada e submissa aos impérios e determinações da sociedade burguesa.

Porém, dentro do antropocentrismo, não era qualquer homem que estava no centro da proteção. Apenas alguns seres iluminados, dotados da verdadeira razão, os burgueses, que eram os detentores do poder econômico, e que possuíam, entre estes, a igualdade e a liberdade prometida pela Idade Moderna[16].

As promessas da modernidade e suas ideologias serviram para a proteção de alguns ideais, principalmente à proteção do desenvolvimento do capitalismo e das estruturas burguesas de poder. Afinal, o progresso tão desejado serviu de fundamento para a realização de atrocidades e crueldades contra a própria sociedade que prometeu proteger.

Enfim, a modernidade formou o assujeitamento das coisas ao prazer e à satisfação do homem, um assujeitamento sem limites, em nome do progresso.

Analisando esta crise, Zygmunt Bauman afirmou que o progresso que sempre fora a manifestação extrema do otimismo radical e promessa de felicidade universalmente compartilhada e permanente. Afastou-se em direção ao polo oposto, ou seja, doravante representa uma ameaça de uma mudança inexorável e inescapável que, ao invés, de assegurar a paz e o sossego, que é o presságio da crise e da tensão.

A modernidade foi resultante de avanços científicos, mas, ao mesmo tempo, tornou a natureza como objeto de exploração. Formou uma ordem social capitalista que necessita de consumidores desenfreados. A sociedade industrial se torna insustentável, cada vez mais frenética. Aliás, conforme afirmou Karl Marx[17], o capitalismo acabou por gerar o seu próprio coveiro.

Com a evolução, a modernidade desaguou em holocausto. E, particularmente, após a Segunda Grande Guerra Mundial foi de reflexões, questionamentos e desconstruções. Afinal, as promessas da modernidade de oferecer segurança, igualdade e liberdade além das ficções modernas de legitimação do Estado e do Direito asseguraram a existência do totalitarismo e da materialização de atrocidades cruéis tudo em nome da ciência e do lucro, e, enfim, do progresso econômico.

Segundo Bauman, em nenhum momento de sua longa e tortuosa execução, o holocausto conflitou com os princípios da racionalidade. E, a administração burocrática, empregou o Estado jardineiro, o anseio desenfreado por manter a ordem tornaram razoáveis e admissíveis as agruras cometidas no Holocausto.

Afinal, questionar as bases fundamentais da modernidade é criar riscos e perigos. É viver num mundo de inseguranças.

E, isto começa a acontecer a partir de meados do século XX. É possível afirmar que o século XX foi marcado por grandes catástrofes sociais, a saber: as duas grandes guerras mundiais, o holocausto, a bomba atômica, a Guerra Fria[18], fatos que influenciaram o mundo como um todo, trazendo uma luta desenfreada pelo progresso a qualquer custo.

Não há consenso quanto a nomenclatura ou quanto ao nascimento dessa nova era, mas, é evidente a mudança de paradigmas sociais, econômicas e culturais ocorrida no transcorrer da segunda metade do século XX.

Em verdade, entra em xeque as verdades absolutas do racionalismo moderno. E, a crítica ao positivismo e a crença cega no progresso trouxe uma competitividade desumana. Passamos a aceitar a ambivalência como fato natural e, também a aceitação das diferenças individuais e das limitações do ser humano.

Já é possível sentir os efeitos da crise da modernidade, quando surge os questionamentos e a necessidade de mudanças, mas o contexto ainda é puramente moderno, e as estruturas pesadamente sólidas da modernidade se impõem constantemente, ainda que sob o ataque permanente.

Suas verdades, seus preceitos, seus princípios, instituições, valores impregnados pelas pretensões burguesas, capitalistas e de viés liberal, ainda estão muito presentes nas instituições e ativos na ordem social. Portanto, a simples superação imediata da modernidade é pura ilusão. As vigas que sustentam as ideologias modernas ainda são fortes, apesar de estarem ruindo progressivamente.

Contemporaneamente se pode perceber o nítido ilusionismo da razão instituída pela modernidade, por liberdades convertidas em subjetivismos, a demonstração da falácia da igualdade (puramente formal) em que uns são mais iguais do que outros, a substituição do homem e da força humana pelas máquinas, a natureza vista como mero objeto de exploração, a democracia sem a participação do povo. E, tudo isso, resulta na descoberta da ilusão moderna[19], e na autoilusão que terminar por soçobrar das estruturas da modernidade.

E, Bauman, em metáfora pertinente afirmou que o presente estágio da era moderna é um estado de fluidez. Não há mais uma modernidade sólida, certa e exata, mas que se encontra liquefeita. As estruturas modernas são sólidas e, por isso mantêm sua forma com facilidade, traduzem condições espaciais claras e neutralizam o impacto e, assim, diminuem a significação do tempo.

Já os fluídos, os líquidos não mantêm sua forma com facilidade e nem fixam o espaço e nem prendem o tempo, por não manterem sua forma estão propensos a todo tempo a mudá-la. Os fluídos se movem facilmente e se adaptam onde quer que se dirijam. O líquido em confronto com o sólido permanece intacto, ao passo que os sólidos quando confrontados, são alterados. Por vezes, de forma irreversível.

A contemporaneidade tratou de derreter os sólidos preceitos da modernidade, tornando-os adaptáveis às necessidades humanas que a modernidade não logrou êxito em satisfazer. Com o derretimento das bases concretas da modernidade, o novo, traz uma sensação de insegurança e repleta de incertezas.

De acordo com Beck, a chamada modernização reflexiva foi ampla, solta e modificadora da estrutura. Foi um fenômeno importante e requer maior atenção, pois trouxe inseguranças de toda uma sociedade.

Aliás, a modernização reflexiva é associada ao nacionalismo, à pobreza em massa, ao fundamento religioso de várias facções e credos, a crises econômicas, ecológicas, possivelmente guerras e revoluções. Sem esquecer os estados de emergência produzidos por grandes catástrofes, ou seja, no sentido mais estrito, o dinamismo do conflito da sociedade de risco.

Dá-se a crise quanto aos fundamentais conceitos do pensamento moderno, tais como a razão, a verdade, o progresso, mas não somente isso, surge uma procura por novos enquadramentos teóricos justificadores. O pós-moderno, enquanto condição cultura desse século se caracteriza basicamente pela incredulidade no metadiscurso filosófico-metafísico, tendo aspirações atemporais e universalizantes. Aliás, considera-se pós-moderna a desconfiança total com relação aos metarrelatos.

Há uma inquietação, um desassogego no clima, uma sensação de estar sempre à beira do abismo, na orla do tempo, em um presente sempre quase a terminar e próximo a um futuro que ainda nem começou. E, dá-se o paradoxo: há o excesso de determinismo e o excesso de indeterminismo. O primeiro reside na aceleração da rotina e o segundo na desestabilização das expectativas. Há uma constante frustração.

Confirma-se um tempo caótico onde a ordem e desordem se misturam. Brincam de gangorra, numa bipolaridade catastrófica, onde pessoas e coletivo parecem ser cada vez mais intangíveis.

A complexidade do momento é inundada por questionamentos, em que não se admitem mais verdades absolutas e a ordenação de todas as coisas. No fundo, o homem criador se tornou aprisionado por sua própria criação, que por fim, o traiu com promessas jamais cumpríveis.

Entre a luz e a sombra se descortina a pós-modernidade que traz a mistura de estilos, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio do Estado. É a era da velocidade.

Da imagem acima do conteúdo. O efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angústia do que não pode ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-Marx, pós-Kelsen e pós-Freud.

Obviamente, se existe uma crise na estrutura social, uma crise das instituições, seja uma crise na essência ou eficacial, desajuste funcional, desequilíbrio socioinstitucional, instabilidade representativa, contestação de valores, a falta de imperatividade e transição paradigmática, haverá reflexos no campo jurídico. Tais alterações afetam frontalmente a dimensão cultural. Pois vige um choque de culturas, entre o novo e o velho.

Afinal, é o mundo que está em transformação, quais são os valores? Os valores majoritários ou consensos possíveis? Todo processo cultural finda por representar um processo de reavaliação e revaloração.

Tendo em vista que todo o cerne das questões jurídicas está fundamentado no âmago das questões culturais, educacionais, qualquer alteração cultural afeta diretamente o mundo jurídico.

O Direito sempre funcionou como um dos grandes alicerces do Estado moderno. E, serve de ferramenta para garantir a ordem e as diretrizes sociais conforme os ditames modernos. Com características próprias buscou a racionalização e esquematização de todo um ordenamento jurídico: legislado, positivado e codificado.

As experimentadas mudanças paradigmáticas na contemporaneidade, tal como o ruir de uma série de pilares da modernidade, acaba por causar reflexos diretamente no campo jurídico. E, não haveria como ser diferente. O Direito é uma ciência social por excelência, fruto de uma experiência cultural.

Com as mudanças impostas na sociedade pelas estruturas sociais contemporâneas, seja como for denominada pós-modernidade, modernidade reflexiva, hipermodernidade, modernidade líquida – o Direito sofre influências e reflexos, o que acaba por resultar em alterações em sua estrutura.

O Direito fundado no Estado moderno, no Estado de Direito, é um majestoso pilar da modernidade. E, tal direito busca a completude e encaixotar todas as possibilidades de forma a manter a ordem padronizada. Trata-se de um Direito dogmático, codificado e, por natureza, fechado num sistema de normas que se pretendem autoaplicáveis.

O judiciário, no Estado moderno, não passa de um aplicador do Direito. A boca inanimada da lei conforme mencionava Montesquieu. O que, com certeza, não se encaixa no Direito contemporâneo; Isso devido à influência de novos paradigmas contemporâneos que buscam romper com as bases da modernidade.

O Direito moderno está representado num sistema normativo, um sistema ordenado que sofre grande influência da crise da modernidade e tem suas verdades criticadas. O Estado de Direito e a dogmática jurídica se revelam incapazes de responder aos anseios da sociedade, dando abertura a questionamentos e, findando numa crise profunda do sistema jurídico.

O Estado legalista, pautado em inúmeros textos normativos e positivados, além dos documentos legais codificados, atos burocráticos fora incapaz de conter os delitos mais banais ou mesmo de dar a efetividade necessária as normas de importância social reconhecida.

Ao mesmo tempo em que as normas e atos administrativos se reproduzem e se multiplica, as atrocidades, os níveis de violência, os crimes, os atos abusivos, a corrupção e as contradições sistêmicas, vão atentando contra a validade, a imperatividade, legalidade, ordem, valores supremos do sistema jurídico moderno, pautados numa razão científica, se mostram insuficientes para os anseios vividos na contemporaneidade.

A crise da modernidade causa um nítido reflexo no Direito contemporâneo: a soberania da legalidade, pautada na validade jurídica, que não se mostra eficiente para manter o processo da ordem social. E, mesmo, contemporaneamente um sistema jurídico ordenado e válido não é suficiente, há um anseio pela efetividade do Direito.

Graças às promessas não cumpridas a própria lei caiu em desprestígio. Cogita-se até em desconstitucionalização, deslegificação e desregulamentação. As codificações perdem sua centralidade, abrindo espaço para diversos microssistemas.

A segurança jurídica sofre o sobressalto da velocidade frenética, do imediatismo e da interpretação pragmática. A abstração da lei e a discrição judicial já não trazem todas as respostas. O paradigma jurídico[20], que já passara, na modernidade, da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para a melhor solução, singular ao problema a ser resolvido.

A efetividade e a eficiência jurídica se torna, no direito contemporâneo, um grande desafio. A crise da modernidade e o ruir de seus pilares trazem a eficiência para o foco principal da discussão jurídica.

De que serve um sistema homogêneo, completo, ordenado e válido que não dá as respostas esperadas pela sociedade. Esta questão, contemporânea, se torna o centro da discussão do Direito.

Não importa, se neste contexto a discussão do significado, conceito e discussões acerca das palavras como efetividade, eficiência ou eficácia; o que importa é que se exige na contemporaneidade que o Direito funcione, atinja seus objetivos, dê respostas aos anseios da sociedade.

Talvez não haja uma resposta evidente ao que seria um Direito eficaz, mas os efeitos da ineficácia do ordenamento jurídico são facilmente perceptíveis.

A questão da ineficácia do sistema jurídico aponta para importantes questões que afligem a sociedade, tais como o a falta de acesso aos direitos, a sonegação de direitos mínimos, os impedimentos à cidadania, os déficits democráticos, o descaso entre a promessa legal e a realidade factual e social, o que provoca fatores de corrosão da legitimidade da ordem jurídica, um evidente desvio de caracterização do projeto de implementação, afirmação e consolidação do Estado Democrático de Direito.

A crise da modernidade posiciona o Direito moderno em xeque. Exige-se na contemporaneidade, que o Direito venha se atualizar e a dar as respostas esperadas e de se moldar conforme as necessidades da sociedade. De atender aos apelos democráticos. Logicamente, não se pode dar respostas mentirosas aos conflitos contemporâneos.

Tal crise exige uma liquidez, uma fluidez de um sistema rígido e concreto por natureza. E, construída, com a essência do sistema jurídico se apresenta. A fluidez que fará com que o Direito se adeque e se conforme aos anseios da pós-modernidade. Fazendo com que o Direito se torne efetivamente um instrumento a favor desta nova ordem social.

Essa liquidez propõe um derretimento da estrutura jurídica concreta moldada pela modernidade. Pode-se dizer que surge a necessidade de uma desconstrução do Direito moderno a fim de se conhecer sua verdadeira essência e dar efetividade à sua utilização de acordo com a necessidade contemporânea

Torna-se necessário e até desejável um questionamento desconstrutivo que começa por desestabilizar, complicar, apontar os paradoxos. Um questionamento sobre o fundamento do Direito.

Discussões das mais fecundas e necessárias que pretendem não apenas atacar os conceitos, mas permanecer fechadas em discursos puramente especulativos, teóricos, acadêmicos, mas que pretendem ter consequências, mudar as coisas e intervir de modo eficiente e responsável. Não mudar as coisas no sentido de uma transformação em curso.

Não se admite mais um Direito divorciado da realidade factual e social. E, a nova ordem social líquida, pós-moderna, exige uma aproximação do Direito com o social, de forma efetiva.

A sociedade contemporânea está sitiada por estruturas e pelos alicerces moldados pela modernidade. O Estado moderno e o Direito (tal como é positivado, legislado, ordenado e codificado), a crença na razão e na ciência e o empirismo trouxeram paradigmas que esculpem todo o nosso modo de viver.

Mas, a modernidade está em crise. E, suas bases estão ruindo. E, as ilusões de ordem e progresso desenfreado foram desmistificadas durante os eventos trágicos do século XX, como as guerras e o totalitarismo que impuseram holocausto e que colocaram em xeque as crenças preciosas que sustentaram a modernidade.

O concreto tornou-se fluído, e o risco é demonstrado, dá-se a crise, e a instabilidade. Principalmente porque o direito precisa de reiteradas atualizações, não bastam mais a validade e a completude do ordenamento jurídico.

Afinal, é salutar que o Direito seja questionado, e que para atingir seus objetivos venha ser interpretado, atualizado e, principalmente, debatido[21] para que tenha a devida eficácia para que seja necessário à sociedade contemporânea e a sobrevivência da civilidade.

Referências

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[1] O racionalismo é corrente filosófica que iniciou com a definição do raciocínio como uma operação mental, discursiva e lógica que usa uma ou mais proposições para extrair conclusões, ou seja, se uma ou outra proposição é verdadeira, falsa ou provável. Tal ideia central é comum a um conjunto de doutrinas conhecidas tradicionalmente como racionalismo. A base filosófica ao priorizar a razão como o caminho para se alcançar a verdade. E, afirma que tudo o que existe tem uma causa inteligível, mesmo que essa causa não possa ser demonstrada empiricamente, tal como a causa da origem do universo. Privilegia a razão em detrimento da experiência do mundo sensível como via de acesso ao conhecimento. O racionalismo é fulcrado em princípios da busca da certeza, pela demonstração e análise, sustentados, segundo Kant, pelo conhecimento a priori, ou seja, o conhecimento que não é inato e nem decorre da experiência sensível, mas é produzido somente pela razão.

[2] O vocábulo “positivismo” foi usado primeira vez para designar cientificismo enquanto método, pelo filósofo francês Claude-Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon (1760-1825). Porém, foi Comte, seu discípulo, quem irá se apropriar do termo para denominar sua corrente filosófica. Enquanto doutrina filosófica, sociológica e política, o positivismo tem a Matemática, a Física, a Astronomia, a Química, a Biologia e a Sociologia como modelos científicos. Isso porque estas se destacam segundo seus valores cumulativos e transculturais. Por outro lado, podemos dizer que o positivismo é a “romantização da ciência”. Ele deposita sua fé na omnipotência da razão, apesar de estabelecer os valores humanos como diametralmente opostos aos da teologia e a metafísica.

[3] A época moderna fez surgir uma nova forma e decisiva de individualismo, no centro da qual erigiu-se uma nova concepção do sujeito individual e sua identidade. As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente estabelecidas, não estavam sujeitas, portanto as mudanças fundamentais.

[4] Em verdade, a Idade Média não era exatamente tão gloriosa e heroica. Pois naquela época, a sociedade não possuía tecnologia conforme a atual, para realizar as atividades médicas, tal como extrair dentes, diagnosticar doenças e infertilidade, tudo era realizado de forma muito precária. A Igreja Católica, uma grande suserana, limitava o acesso do estudo da medicina aos medievais. Por isso, muitos barbeiros eram encarregados de realizar cirurgias e mesmo extração de dentes sem anestesia e sem higiene. E, para amenizar a dor dos pacientes, eram fornecidas bebidas alcóolicas antes dos procedimentos cirúrgicos. Também o pós-operatório também não era nada tranquilo, e as feridas eram tratadas com óleo quente. A Idade Média teve início na Europa com as invasões germânicas (bárbaras), no século V sobre o Império Romano do Ocidente. E, se estendeu até o século XV. Caracterizou-se por uma economia profundamente ruralizada, enfraquecimento comercial, supremacia da Igreja Católica, e o sistema de produção feudal e uma sociedade rigidamente hierarquizada.

[5] A pós-modernidade é um conceito atual e complexo que se aplica em diversas áreas: na arte, na filosofia, na sociologia e na psicologia. Em cada uma destas a ideia de pós-modernidade tem seu próprio sentido e significado. Entretanto, é possível realizar uma síntese geral deste conceito tão amplo e ambíguo. A pós-modernidade é basicamente uma crítica da modernidade, de seus valores e princípios. Como proposta alternativa apresenta novas propostas: a subjetividade, o multiculturalismo e a pluralidade. Diante dessas ideias, existem pensadores que criticam o pensamento pós-moderno, ao considerar uma referência decepcionante, sem um projeto definido, incapaz de enfrentar os desafios da humanidade, de guiar o pensamento e da criação artística.

[6] O vocabulário da linguagem política com a modernidade fora enriquecido com novas metáforas que traduziam essa força anônima, invisível e poderoso que era a própria revolução. Tratava-se, não obstante do progresso da liberdade, da marcha da história, da corrente subterrânea, da torrente caudal que, inevitavelmente arrastava e submergia os homens dentro de um processo à revelia de seus objetivos e metas intencionais. A necessidade histórica gestada na Revolução Francesa trouxe a crença em um progresso implacável e inevitável, capaz de arrebatar mentes e corações dos indivíduos que, embora tivessem nova consciência da liberdade, não supunham mais poder intervir no destino.

[7] O filósofo Jean-François Lyotard, por exemplo, viu a pós-modernidade como um período de crise das principais ideologias que dominaram o mundo desde o Iluminismo indicando a ciência pós-moderna como jogo de linguagem, no qual “a instabilidade, o paradoxo e o dissenso prevalecem sobre as certezas”

[8] O mundo industrial reformula as condições anteriores vigentes, implicando a rearticulação do próprio tecido social. E, nas sociedades modernas as relações sociais são deslocadas dos contextos territoriais de interação e se reestruturam por meio de extensões indefinidas de tempo-espaço. Os homens se desterritorializam, favorecendo uma organização racional de suas vidas. Evidentemente uma mudança dessa natureza só pode se concretizar no seio de uma sociedade cujo sistema técnico permite o controle do espaço e do tempo.

[9] J.W.Goethe, escritor alemão e Charles Baudelaire, poeta francês e crítica de artes, ambos contemporâneos das transformações ocorrentes na Europa no fim do século XVIII e começo do século XIX, isto é, dos vendavais revolucionários acionados no ínterim da modernização técnica e que vieram abalar definitivamente as estruturas e as dimensões físicos- Sociais das urbes europeias, teceram uma crítica romântica ao que caracterizaram como o tempo efêmero, transitório e passageiro nascido da modernidade.

[10] Boaventura de Souza Santos explica a mudança através da diferenciação entre raízes (tudo que é permanente, único, tradicional) e opções (variável, substituível e indeterminado a partir das raízes). Ele compreende as sociedades de acordo com tal dualidade. A sociedade medieval, por exemplo, que evoluía segundo uma lógica de raízes. Enquanto que a sociedade moderna basearia seu dinamismo numa lógica de opções. Assim, a transição de uma para a outra se daria através de um processo no qual a religião transita de raiz para opção e a ciência deixa de ser opção para se tornar raiz.

[11] Michel Foucault em sua “teoria de poder” aponta para o pós-modernismo ao afirmar que, “da mesma maneira que lidamos com o fim das visões totalizantes de mundo, o poder também se pulveriza em micropoderes”. Segundo Foucault, os focos de resistências locais aos poderes concentram-se nos movimentos ativistas pelos direitos humanos, além de gays, negros, feministas, ecologistas, entre outros, que surgiram no cenário social principalmente a partir da década de 1960, quando começa a se observar traços do pós-modernismo.

[12] Com a conquista dos direitos políticos, a liberdade de associação nos partidos e o sufrágio universal, o Estado ausente dá lugar ao Estado democrático representativo. Com a prática dessas liberdades, os cidadãos começam a participar da determinação dos objetivos políticos do Estado. Essa prática termina contribuindo para transformar o Estado democrático representativo no Estado-providência, ou Estado de bem-estar social (Welfare State). Os cidadãos passam a exigir que o Estado intervenha na realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, direito ao trabalho, à educação, à saúde, à assistência. O Estado democrático representativo passa a ser simultaneamente um Estado-providência, um Estado que intervém e atua com o propósito de garantir a realização desses direitos.

[13] O Código de Napoleão (1804) a ideia de codificação surgiu em consequência do Iluminismo (século XVIII) e sua crença na possibilidade de descoberta, pela Razão, em leis universais válidas em todo o tempo e em todo o lugar (Jean Etienne Marie Portales). E a Escola de Exegese (de 1804 até fins do século XIX) e a adoção do princípio da onipotência do legislador, que trouxe o dogma fundamental do positivismo jurídico. Características da Escola de Exegese: .1) inversão das relações tradicionais entre direito natural e direito positivo; .2) concepção rigidamente estatal do Direito; .3) interpretação da lei fundada na vontade do legislador e, depois, na vontade da lei; 4) identificação do Direito com a lei escrita; .5) respeito pelo princípio da autoridade.

[14] A Idade Contemporânea normativa, de Estados soberanos e populações aspirantes à liberdade, não muito se assemelha à Idade Média consuetudinária, de tramas sociais complexas de cunho essencialmente moral-religioso e comunidades estamentárias. Entretanto, de forma pontual e cautelosa, emergem analogias particularmente intrigantes, que, não obstante, dispensam graves juízos de valor.

[15] Sua imagem é extremamente brilhante (devi), com três olhos como lótus. Em alguns contos, possui 8 mãos, em outros, 10, 12 ou até mais. Possui cabelos exuberantes com formosos anelados, uma pele vermelha-dourada brilhante e um quarto crescente em sua testa. Usa um brilhante traje azul-marinho que emite raios. Seus ornamentos são lindamente esculpidos em ouro, cravejados de pérolas e pedras preciosas. Cada deus também lhe deu a sua arma mais poderosa: o tridente de Rudra, o chacram de Vishnu, o raio de Indra, o kamandal de Brahma, o gada de Vishnu etc. O Himalaia presenteou-lhe com um feroz leão dourado. No fim do 8º e início do 9º dia de lua, Chanda e Munda vieram lutar contra a deusa. Ela ficou azul de raiva e a deusa Chamunda saltou para fora do seu terceiro olho. Esta forma é uma das mais poderosas, com 3 olhos vermelhos preenchidos de sangue, língua e pele escura. Ela finalmente matou os demônios gêmeos com sua espada. Esta forma da divina deusa é adorada durante o sandhikshan do festival de Durga Puja como sandhi / chandi puja. Finalmente, no décimo dia da lua, a deusa Durgha matou Mahishasura com o seu tridente.

[16] A relação entre Nietzsche e o Direito ainda é pouco investigada. Embora, seja possível fazer uma alusão entre Nietzsche e os conceitos de moral e justiça. As palavras principais da filosofia nietzschiana são bem e mal. Segundo Nietzsche, as concepções de bem e mal, certo e errado, são criações humanas e, por isso, têm uma história e, ao contar essa história, Nietzsche coloca o ser humano como o centro das decisões e criações. A justiça, de acordo com o conceito de Nietzsche, é pensada relacionada ao conceito de bom. O que é bom?

[17] O conceito evocado de “reificação” adquire, na Idade Contemporânea, nova significância a partir dos escritos de Marx e Engels. Marco de epifania sociológica; da constatação de que os padrões de relações produtivas incorrem não somente na materialização da força de trabalho pessoal (na forma de produção de mercado), mas em objetificação do próprio sujeito. O próprio Marx, em O Capital, associa a Corveia da Idade Média à mercadoria industrial (MARX. Capital: A Critique of Political Economy; 1887, p. 49-50) e engatilha a discussão acerca da identificação entre relações sociais e de trabalho.

[18] A Guerra Fria teve começo logo depois a Segunda Guerra Mundial pois os EUA e a União Soviética disputaram a hegemonia política, econômica e militar no mundo. A definição para a expressão “guerra fria” é de um conflito que aconteceu apenas no campo ideológico, não ocorrendo propriamente um embate militar declarado e direto entre os EUA e a URSS. Até mesmo porque, tais países estavam armados com centenas de mísseis nucleares. Um conflito armado direto significaria provavelmente o fim da vida no planeta Terra. Porém, ambos, acabaram alimentando conflitos em outros países, como por exemplo, a Coréia e o Vietnã.

[19] A maioria expressiva da população, especialmente no Ocidental, se concentra em áreas urbanas. E tal urbis é conhecido como projeto moderno na grande marcha da humanidade em busca da sociedade perfeita. Nesse objetivo a modernidade falhou glamourosamente, mas deixou suas profundas marcas no modo como os homens se organizam espacialmente em sociedade e com esse espaço os cerceia e os faz buscar na superfície das rotinas estafantes, como alguém que se afoga.

[20] A teoria ética de Kant continua sendo a principal introdução ao deontologismo. Kant argumenta que há uma lei moral objetiva conhecida pela razão. Sendo objetiva e racional, ela exige respeito. O respeito à lei moral cria a necessidade ou a obrigação de a ação estar em conformidade com a lei. Em uma palavra, a lei moral cria o dever, que “é a necessidade de uma ação por respeito à lei”. O dever de cumprir a lei moral não só regula a ação dos agentes morais, mas também almeja universalizar a própria lei. É o que afirma o imperativo categórico: “… devo proceder sempre de maneira que eu possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal”

[21] A filosofia jurídica aposta no desenvolvimento de um pensamento crítico-reflexivo, trazendo aos aplicadores do direito o discernimento para que se utilize, de forma sábia e sensata dos instrumentos jurídicos disponíveis pra manter a ordem social em sua grandeza de relações alicerçando as decisões judiciais de forma a manter o direito forte e soberano que historicamente sempre foi a base para que a sociedade possa continuar seu desenvolvimento sem que se instale o caos e a barbárie.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. A crise da modernidade e o Direito atual. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/a-crise-da-modernidade-e-o-direito-atual/ Acesso em: 28 mar. 2024