Filosofia do Direito

O Big Data e a Lógica Jurídica

Big Data and Legal Logic

Resumo

A nossa proposta para o presente artigo possui três eixos principais. Em primeiro lugar, abordar, o cada vez mais frequente, uso da ferramenta indutiva na prática jurídica por meio da utilização da tecnologia do Big Data. Segundo, apresentar os dois mecanismos de lógica formal, dedução e indução, definindo suas diferenças para uma melhor compreensão do tema abordado. Por último, discorrer sobre a lógica jurídica com base no trabalho de Chaim Perelman e apontar, na conclusão, os riscos do uso exagerado do método indutivo para o modo próprio de pensar e operar do direito.

Palavras-chave: Big Data; Dedução; Indução; Lógica jurídica.

Abstract

Our proposal for this article has three main axes. First, to address the increasingly frequent use of the inductive tool in legal practice through the use of Big Data technology. Second, present the two mechanisms of formal logic, deduction and induction, defining their differences for a better understanding of the topic addressed. Finally, to discuss the legal logic based on the work of Chaim Perelman and to point out, in conclusion, the risks of the exaggerated use of the inductive method for the own way of thinking and operating law.

Keywords: Big Data; Deduction; Induction; Legal logic.

Introdução

Trataremos no presente artigo do método indutivo utilizado atualmente na tecnologia do Big Data e empregado no campo do direito; e sua possível repercussão na chamada “lógica” jurídica, estudada na obra Lógica Jurídica: Nova Retórica, de Chaim Perelman.

Para isso, no primeiro capítulo, daremos algumas noções sobre o Big Data: como ele está estruturado, qual o seu modo de operar e quais os seu reflexos no momento atual.

No segundo capítulo, traçaremos uma breve retrospectiva da ciência moderna, como ela foi construída, para que assim, nos capítulos seguintes, possamos tratar das bases lógicas do método científico.

No terceiro capítulo, discorremos sobre a lógica dedutiva e a contribuição de René Descartes para sua formulação.

No quarto capítulo, trataremos da contribuição do filósofo Francis Bacon para a formulação do raciocínio indutivo.

No quinto, discorremos sobre a lógica indutiva e suas diferenças com a dedutiva.

No sexto capítulo, trataremos da “lógica” jurídica estudada por Chaim Perelman em sua obra acima mencionada.

E, por fim, como conclusão, traçaremos alguns desdobramentos do método indutivo do Big Data na “lógica” jurídica.

Capítulo 01 – Panorama da Tecnologia do Big Data

Atualmente, como instrumento ao mesmo tempo de pesquisa e análise de dados o reconhecimento padronal tem sido muito utilizado por empresas como Google e Facebook. É com base nesse desenvolvimento técnico que novas tecnologias têm surgido e revolucionado tanto o ambiente digital quanto o universo de trabalho jurídico.

A forma lógica que a atividade de Big Data emprega não é a lógica cartesiana. Não opera segundo o modelo analítico tradicional nem sob o modo clássico de ciência baseados no emprego dedutivo. Mas com base no indutivo. Assim, seu modo de operar funciona pelo reconhecimento de padrões, ou seja, pela procura por relações dentre os dados analisados.

Ele é empregado para possibilitar mais eficácia e maior velocidade na tomada de decisões. Para que possamos ter uma ideia de como a quantidade de informação cresceu exponencialmente nos dias atuais desde a criação da escrita até 2006 foram acumulados 180 Exabytes de dados. Tal cifra aumentou de 2006 a 2011 para um valor de 1600 Exabytes. É por essa razão, pela possibilidade de gerenciar esse volume imenso de informação, que podemos notar a importância do Big Data (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 455) nos dias atuais.

Tal ferramenta, ao realizar o gerenciamento de dados, tem como objetivo identificar as menores correlações de padrões. E é, a partir desse ponto, que podemos entender a importância hodierna das redes virtuais de “sociabilidade”, como Facebook, Twitter, Instagram, por exemplo. São nesses ambientes que são criadas imensas quantidades de informação pessoal. O modo de se expor, ser visto, reconhecido e admirado foi a maneira mais eficiente encontrada para extrair o conhecimento da esfera privada. A maneira de pensar, de sentir, de desejar de todos nós está espontaneamente exposta. Foi por meio de um dos mais comuns pecados capitais, a vaidade, a “isca” precisa para atrair e iludir os seres humanos famintos por reconhecimento e admiração. Se antes havia um número reduzido de celebridades, atores, escritores renomados, modelos, por exemplo, agora, todos tornaram-se “microcelebridades” dentro do pequeno círculo social de que a maioria integra.

É desse modo, conforme afirmam os autores, que a indução vem para facilitar o processamento de tal imensidão de dados. Muito embora ela seja utilizada mais como uma ferramenta probabilística que um instrumento de certeza. Desse modo, tal ferramenta possibilita que, com base em uma velocidade muito alta, possa ser processada uma grande quantidade de informação. São, assim, buscadas em toda essa complexidade formas singulares ou padrões.

O modo como são processados os dados é por meio de uma multiplicidade de algarismos que identificam relações padronais servindo como instrumento preditivo do futuro. Isso possibilita a “mineração” de informações relevantes.Porém, devemos ressaltar que apesar de trabalhar com dados o Big Data não efetua uma análise neutra. (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, pp. 469 e 470). Já que todo sentido é uma construção linguística, social e cultural. Cada escolha efetuada é ao mesmo tempo a chave que abre um caminho, mas que também fecha um outro. É aqui que reside o problema, pois a lógica jurídica clássica utilizada na decisão judicial trabalha com base em elementos de relevância jurídica, como por exemplo, a questão da boa-fé, da justiça entre outros, enquanto o Big Data somente opera por meio de padrões; seu papel é identificá-los e, com base neles, dar uma resposta.

Capítulo 02 – Breve História da Ciência Moderna

A Revolução Científica, século XVII, alterou completamente a visão humana de mundo. Antes, no Medievo, Deus que ocupava o primeiro plano nas mentes e corações deixa de ser o principal objeto de preocupação de muitos sábios. Estes, agora, estão muito mais preocupados em entender o mundo físico e orgânico em termos racionais que discutir problemas teológicos. É o “Homem” acima de todas as coisas, como na bela imagem do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vincci. É o momento de florescimento da ciência moderna, para a qual os propósitos divinos deixam de ter importância e o mundo físico pautado pelas suas relações físicas, químicas e matemáticas passa a ser o novo ponto focal.

Nessa linha, o impulso que foi dado para separar a busca de uma verdade de um lado e, de outro, o conhecimento religioso, pode-se considerar como ponto de partida, como o nascimento da ciência. É esse duro e violento embate entre uma forma de conhecimento laico e os dogmas cristãos que dará nascimento ao modo que foi estruturada a ciência moderna. Nesse sentido, tiveram um importante papel as universidades.

Após a autorização dada pelo Papa para a criação de várias universidades no sul da Itália, em 1180 foi aberta a primeira universidade europeia, a Universidade de Bolonha. Dentro de algumas décadas seriam abertas universidades em Pádua, Montpellier, Paris, Colônia, Oxford e Cambridge. Tais instituições tinham como objetivo atingir todo o conhecimento, disso advém seu nome, que em latim significa “o todo”.

A princípio, elas contavam com apenas quatro Faculdades ou Escolas, Direito, Medicina, Artes e Teologia, sendo que a Matemática e a Astronomia eram estudadas dentro da faculdade de Artes. A base do conhecimento era a Filosofia Aristotélica, a qual direcionava todos os campos, inclusive a reflexão teológica[1].

Naquela época o pensamento do filósofo grego Aristóteles e do médico Galeno eram muito estudados dentro dessas instituições. Havia um forte apego aos argumentos de autoridade, ou seja, se o grande filósofo grego tivesse afirmado algo, isso deveria estar correto. Assim, não havia quase contestação para afirmações que haviam sido dadas séculos atrás.

É nesse contexto que vão começar a aparecer pessoas que irão contestar muitos dos dogmas antes aceitos quase unanimemente. Podemos citar o clérigo francês Nicolau Oresme (c. 1320-1382) que começou a desconfiar que em vez de o Sol girar em torno de nosso planeta no período de 24 horas, seria mais provável que a Terra girasse nesse mesmo intervalo sobre seu próprio eixo.

Em 1473 nasce o grande astrônomo Nicolau Copérnico (1473 – 1543), este homem mudaria todo a forma de pensamento de uma época. Suas investigações comprovaram que a antiga ideia de Aristóteles e Ptolomeu (PTOLOMEU, 1952, p. 9 e ss.) de que a Terra era o centro do universo estava completamente equivocada. Não era o Sol que girava em torno de nosso Globo Azul, mas o contrário, este que circundava aquele. Anos mais tarde, Galileu Galilei, com base em suas observações astronômicas, iria confirmar a hipótese de Copérnico (COPERNICO, 1952, p. 527 e ss.).

Outra figura importante da época foi Andreas Vesalius (1514 -1564), natural de Bruxelas (KIKHOFEL, 2003, p. 389). Ele estudou na mais renomada Faculdade de Medicina daquele tempo, na Universidade de Pádua, na atual Itália. Foi um excelente anatomista. Publicou o livro De Humanj Corporis Fabrica (Da Estrutura do Corpo Humano), o qual foi muito bem recebido, tornando-se muito popular. Seus estudos contrariaram muitas das afirmações de Galeno, por exemplo; este afirmava que o fígado humano era igual ao dos suínos, com cinco secções distintas, mas Vesalius verificou que somente havia quatro nos humanos.

É nessa situação que a razão humana vem a ser utilizada de uma nova maneira. Para os escolásticos, ela era a chave com que se abriria a porta da contemplação divina. Para os humanistas, ela era o instrumento de investigação dos fenômenos físicos.

A partir dessa mudança de paradigma cognitivo, a magia, a alquimia e a astrologia deixam de ser o grande objeto de estudo e passam a ser vistas como simples superstições de pessoas ignorantes. Enquanto o povo ainda estava imerso nas velhas concepções, os estudiosos estavam cada vez mais voltados para a ciência e para a descrição racional e lógica da realidade.

Nesse percurso, o conhecimento apenas baseado na força da autoridade perde força. Ptolomeu, Aristóteles e Avicena passam a ser discutidos e questionados. O que vale, a partir de então, são as conclusões baseadas na matemática, na observação e na experimentação (KIKHOFEL, 2003, pp. 401 e 402). Afirmações de antigos ilustres por si só já não têm mais a garantia da verdade.

Desse modo, surge, assim, o império da razão contra o decadente império da fé. É aquela e não esta o fiel da balança dos juízos humanos. Pensar, racionar, analisar, observar e experimentar são os novos “evangelhos”. A palavra de Cristo perde lugar para a palavra da Razão. E, no mesmo instante, Deus “cai de seu trono” para que, então, possa ser a Ciência “coroada” abrindo-se caminho para Descartes e Francis Bacon desenvolverem seus métodos científicos, como veremos a seguir.

Capítulo 03 – Lógica Dedutiva e René Descartes

O liame entre premissas e conclusão é o objeto de estudo da Lógica. Pode-se notar que nos casos em que a qualidade de verdade das primeiras garante o mesmo status da segunda a ligação entres elas é forte. Mas, diferentemente, quando o valor de verdade dos argumentos não assegura a verdade da conclusão o liame entre elas é fraco. Na primeira situação, temos a dedução. Já na segunda temos a chamada indução. Esta pode ter uma variação de valor quanto ao grau de certeza, indo do mais tênue ao mais forte. Verifica-se, assim, que o método indutivo trabalha com a probabilidade.

A lógica dedutiva utilizada na Matemática e na Física Teórica, cujas verdades são extraídas de princípios elementares, teve grande contribuição do filósofo e matemático René Descartes (1596-1650).

O raciocínio dedutivo pode ser definido pela impossibilidade de ser falsa a conclusão quando a premissa maior e menor forem verdadeiras. Assim o que é concluído encontra-se completamente dentro dos argumentos. 

Descartes, na sua obra Discurso sobre o Método, declarou seu descontentamento com o saber de seu tempo, colocando em xeque tudo o que não tivesse bases sólidas na razão (DESCARTES, 2011, pp. 40 a 43). Para isso pretendeu encontrar um princípio elementar que fundamentasse suas conclusões. Ele considerava a Matemática como o meio mais seguro de se alcançar o conhecimento. As perfeitas conclusões da Geometria eram o melhor modelo de obtenção do conhecimento:

Essas longas cadeias de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, levaram-me a imaginar que todas as coisas que podem cair sob o conhecimento dos homens encadeiam-se da mesma maneira, e que, com a única condição de nos abstermos de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e de observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver nenhuma tão afastada que não acabemos por chegar a ela e nem tão escondida que não a descubramos. (DESCARTES, 2011, p. 36).

Descartes junto com Bacon são considerados os fundadores do método científico moderno.

O sábio francês elaborou um método que proporcionasse segurança na obtenção do conhecimento. Tal procedimento fundamentava-se em algumas regras, são elas (DESCARTES, 2011, pp. 33 a 36):

a) regra da evidência: Descartes apenas admitia como verdadeiro algo que ao seu juízo aparecesse de forma extremamente clara e distinta;

b) regra da análise: a repartição dos problemas aos aspectos mais singulares para que sua reflexão pudesse se tornar evidente;

c) regra da síntese: partir da análise dos pensamentos mais elementares aos mais complexos;

d) regra da enumeração: enumerar completamente e precisamente para que o erro do esquecimento ou da omissão fossem superados.

Os preceitos acima expostos foram objeto da obra de Descartes Discurso sobre o Método, publicada em francês em 1637.

Ao partir de uma desconfiança inicial, o filósofo (DESCARTES, 2011, p. 59) colocou todo o seu conhecimento em dúvida até chegar ao princípio do Cogito, ergo sum (Penso, logo existo). Com tal fundamento, ele elaborou uma sequência de proposições que teriam como resultado a separação mente-corpo. Esse dualismo cartesiano, como o platônico, também subordinou a esfera física à mental. Enfim, sua maior contribuição foi alicerçar o conhecimento em modelos quantitativos, como a Aritmética e a Geometria, (DESCARTES, 2011, pp. 37 e 38) diferindo do método escolástico, baseado em argumentos de autoridade e raciocínios lógicos sem base empírica. Aliado ao Empirismo deu o fundamento inicial da ciência e tecnologia que hoje conhecemos.

Capítulo 04 – Francis Bacon e o Método Indutivo

Francis Bacon, 1º Visconde de Alban (1561 – 1626), foi um filósofo inglês que contribui para alicerçar as bases da ciência moderna com a elaboração do seu método indutivo (ROSSI, 2006, p. 67).

Bacon dissentia, por exemplo, de Aristóteles e Platão (ROSSI, 2006, p. 148). Do primeiro, discordava da ausência de experimentações. Do segundo, da forma de se alcançar a verdade por meio das ideias. Para o sábio inglês, ambos pecavam pela ausência do processo experimental por meio do qual, segundo ele, o mundo real seria alcançado (ROSSI, 2006, pp. 148 e 149).

É por meio da obra Novum Organum (ROSSI, 2006, p. 14) que apresentou as bases de seu método científico (experimentação, observação e dedução. E é desse modo que estruturou sua pesquisa científica, baseada no raciocínio indutivo e na observação minuciosa do mundo físico. Isso poderia ser obtido por meio de uma inquirição cética e metódica que dificultaria o engano dos cientistas. Em tal trabalho, Bacon discordou do entendimento aristotélico[2]da indução. Aristóteles a via como procedente apenas de uma simples enumeração. Já Bacon entendia que tal modo de pensar era muito simplista.

O procedimento baconiano consistia em isolar a causa formal de um fenômeno ou estado, por exemplo, o calor, por meio de uma indução eliminativa. O cientista, segundo ele, deveria analisar o fato, depois com base nele construir um axioma e, por fim, elaborar uma lei física.

Para que tal processo resultasse exitoso deveria o pesquisador, segundo Francis Bacon, “limpar” sua mente de tendências e juízos errôneos (ROSSI, 2006, p. 334 e as.). Para isso deveriam combater a tendência de o homem generalizar (Idola Tribus); de pré-julgar (Idola Specus); de seguir o fluxo das concepções comuns e generalizadas (Idola Fori); e evitar a deformação ocasionada por dogmas filosóficos (Idola Theatri). É, enfim, sucintamente, desse modo que ele construiu seu método indutivo:

O conceito baconiano do método da ciência – para além de todas as grandes diferenças que se podem sem dúvida enumerar – move-se ainda sobre esse terreno: o método é para Bacon ‘um meio de ordenamento e classificação da realidade natural’. (ROSSI, 2006, p. 426).

É com base nessa pequena introdução sobre o início da construção do pensamento cientifico moderno que seguiremos para o próximo capítulo sobre a lógica indutiva.

Capítulo 05 – Lógica Indutiva

A ciência utiliza duas principais espécies de lógica, a indutiva e a dedutiva. A primeira é muito aplicada, por exemplo, nas ciências físicas, como a Biologia, a Química e a Física, em que princípios gerais nascem da gama de dados extraídos da experiência e da observação. Tal método, como vimos anteriormente, teve grande contribuição do pensador inglês Francis Bacon.

É nesse percurso que daremos seguimento as bases lógicas que fundamentam a ciência. E a principal delas é o método indutivo.

Na indução, o que é concluído caso haja uma premissa indutivamente forte pode vir a ultrapassar as afirmações dos argumentos (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 458). Nessa hipótese poderá acontecer que embora as premissas sejam verdadeiras a conclusão seja falsa. Não obstante a possibilidade de erro, o raciocínio indutivo possui o potencial de trazer novos conhecimentos.

No procedimento indutivo a premissa só é forte se e apenas se for improvável que a conclusão possa ser falsa na situação de suas premissas serem verdadeiras, não sendo assim no argumento dedutivamente válido (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, pp. 458 e 459).

Pode-se entender que há uma forte sutileza no que difere a esses dois processos. No dedutivo, as premissas definem e estabelecem a conclusão do raciocínio. Já no indutivo, são os dados que fundamentam a conclusão. Nessa linha, a dedução é baseada por conhecimentos gerais e preestabelecidos, enquanto a indução por observações (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 458).

Quando a análise de dados computacionais começou a ser estruturada, ela trabalhava com o processo dedutivo. Mas logo os pesquisadores perceberam que ele, apesar de muito preciso, era insuficiente. Não dava as repostas adequadas que eram esperadas. Foi com muito tempo e esforço que se chegou ao entendimento de que o melhor era abandonar esse método e adotar outro (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 461).

O processo indutivo pode ser entendido como um conjunto de asserções em que a conclusão é a perspectiva a ser defendida e as premissas são o ponto de apoio de tal entendimento. (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 458)

O aspecto interessante da indução reside no seu poder de alcance. Em outras palavras, no seu sentido de probabilidade. Enquanto a dedução abriga em si um valor de certeza, a ferramenta indutiva abriga em si não o certo, mas o provável. Essa probabilidade não é dada em separado por cada argumento, mas em conjunto, na sua relação como um todo (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 459). 

Essa força de predição, acima descrita, é medida por quão forte são os argumentos. Disso a importância que eles sejam elaborados para garantir uma maior eficiência preditiva. Essa é uma das diferenças com relação à dedução, pois esta, para assegurar a validade da sua conclusão, verifica se suas premissas são válidas. Assim, pode-se constatar que há uma escala quanto à força dos argumentos: dos mais seguros (dedutivamente válidos) até os sem nenhum valor (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 459).

Um ponto pelo qual diferem a lógica dedutiva e a indutiva é pelo modo que são avaliados seus argumentos. Com relação à dedução, eles são testados pela sua validade. Já na indução pelo grau de certeza que possam oferecer (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 460).

Deve estar claro que a diferença entre tais métodos não reside, como muito ventilado, que o raciocínio dedutivo parte do geral para o específico e o indutivo trilha o caminho inverso. Há, na realidade, formas dedutivas que do geral alcançam o geral; da particularidade à particularidade; desta para o geral; e, por fim, do geral para o específico. Já na forma indutiva, há casos como a analogia, que vai do particular a outro particular (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, p. 460).  

Dessa forma, o modo que diferencia a dedução da indução está na importância que a validade está para a primeira enquanto o grau variável de certeza estápara a segunda.

Tal validade diz respeito à garantia de que a conclusão esteja correta em relação às suas premissas. Nesse caso, não há chance formal do que foi concluído ser falso (falsidade, frise-se, quanto à forma, não quanto ao conteúdo). Assim, a probabilidade de falsidade da conclusão é zero. Já na indução a probabilidade de correção tem uma variação de 0 a 1, ou seja, do menor grau de certeza ao mais alto grau. Isso dependerá de como as premissas foram construídas. São elas que darão a precisão do resultado (PUGLIESI e BRANDÃO, 2015, pp. 458 a 460)

A dedução possui parâmetros rigorosos que regem sua estrutura, assim, constatar a validade de sua conclusão não é um trabalho comumente “nebuloso”. O mesmo não ocorre com a indução, pois, nessa seara, não existem critérios universalmente válidos para medir o grau de certeza de seus argumentos. Esta trabalha com a ciência probabilística, ou seja, por meio de informações do presente e do passado tentamos prever o que ocorrerá no futuro; trabalha, portanto, com a noção de previsibilidade. É essa a situação que torna a indução relativamente mais imprecisa, pois, diferente da dedução, a qual “pisa em terreno firme” em razão da validade de suas premissas que asseguram a correção de sua conclusão, o método indutivo, ao tentar predizer o que está por vir, depara-se com o lapso existente entre futuro e o presente acompanhado do passado (PUGLIESI e BRANDÃO 2015, p. 460).

Capítulo 06 – Lógica Jurídica

Após um breve estudo da lógica formal e a repercussão do processo indutivo no desenvolvimento da tecnologia do Big Data, trataremos propriamente da “lógica” jurídica.

Os dois modos de pensamento que norteiam a ciência moderna, tanto o raciocínio dedutivo (com grande contribuição de René Descartes) e o indutivo (baseado fortemente no pensamento de Francis Bacon) vêm sendo aplicados no direito. No entanto, não podemos enquadrar o conhecimento jurídico dentro de uma lógica meramente formal. O pensamento jurídico possui particularidades que fazem que exista, para sua interpretação e aplicação, uma “lógica própria”[3]. Muito embora essa não seja uma terminologia exata:

Não há propriamente uma ‘lógica jurídica’. A lógica é universal. (…) mas é ridículo falar de lógica jurídica, como seria ridículo falar de lógica bioquímica ou de lógica zoológica, quando utilizamos as regras da lógica formal em um tratado de bioquímica ou de zoologia. (PERELMAN, 2004, p.5).

É para entender melhor como funciona tal especificidade do direito que podemos usar a classificação de Aristóteles (Organon), o qual divide o raciocínio em duas espécies: o analítico e o dialético. Assim, vejamos o que nos diz Chaim Perelman (2004, p. 2): “Raciocínios analíticos são aqueles que, partindo de premissas necessárias, ou pelo menos indiscutivelmente verdadeiras, redundam, graças a inferência válida, em conclusões igualmente necessárias ou válidas.” Já quanto aos dialéticos, assim o diz:

(…) se referem, não às demonstrações científicas, mas às deliberações e às controvérsias. Dizem respeito aos meios de persuadir e de convencer pelo discurso, de criticar as teses do adversário, de defender e justificar as sua próprias, valendo-se de argumentos mais ou menos fortes. (PERELMAN, 2004, p. 2).

Continuando o estudo do raciocínio dialético, também chamado de entimema, suas premissas são conhecidas do auditório, são verossímeis ou plausíveis. Fora isso ele possui a mesma estrutura do silogismo (PERELMAN, 2004, p. 2). Vemos também um outro ponto muito importante na diferença entre a lógica formal (dedutiva) e lógica jurídica. Na primeira, caso suas premissas sejam corretas sua conclusão também o será (inferências válidas). No entanto, isso difere do que ocorre em âmbito jurídico, pois a decisão judicial não está atrelada a validade dos argumentos:

Enquanto no silogismo a passagem das premissas a conclusão é obrigatória, o mesmo não acontece quando se trata de passar os argumentos à decisão: tal passagem não é de modo algum obrigatória, pois se o fosse não estaríamos diante de uma decisão, que supõe sempre a possibilidade de decidir de outro modo, quer de não decidir de modo algum. (PERELMAN, 2004, p 3).

Vemos, assim, que embora aplicados ao campo do direito os raciocínios dedutivos e indutivos não se confundem com o modo de pensar jurídico. Este possui propriedades particulares que fazem com que o direito os aplique ao seu modo: “Para E. H. Lévi, o raciocínio jurídico tem uma lógica específica. Sua estrutura se adapta a dar um sentido à ambiguidade e a constantemente verificar se a sociedade chegou a discernir novas diferenças ou similitudes.” (PERELMAN, 2004, p. 6).

O raciocínio jurídico baseia-se na controvérsia, ou seja, na exposição e debate dos argumentos. Trata-se mais de uma forma de convencimento que da correção ou incorreção das afirmações.

Disso advém a responsabilidade de quem toma a decisão jurídica, seja o legislador, o magistrado ou o administrador público. É a autoridade que irá julgar determinada questão, a qual embora seja avaliada dentro da lei e dentro dos argumentos existentes não deixa de possuir uma esfera de arbítrio, de poder. (PERELMAN, 2004, p. 8).

Podemos, dessa forma, verificar o caráter pessoal de uma decisão tomada, pois embora esteja atrelada à lei (em sentido amplo) a base argumentativa em que está lastreada é relativa. Isso demonstra a relatividade do raciocínio jurídico, pois é controverso, de um confronto de opiniões “nasce” uma decisão.

É, assim, própria do raciocínio jurídico a arte da distinção, como na argumentação escolástica. São utilizadas técnicas que conduzirão aquele que irá decidir a tentar alcançar uma decisão justa ou aceitável racionalmente:

A conclusão que, desde já, tiramos deste desenvolvimento é que, seja qual for a técnica de raciocínio utilizada em direito, este não pode desinteressar-se da reação das consciências diante da iniquidade do resultado ao qual o raciocínio conduziria. (PERELMAN, 2004, p. 13).

Como dizia Aristóteles, todo o pensar jurídico deve ser pautado pela virtude da prudência, a qual aplica a razão prática aos problemas submetidos à deliberação e à controvérsia: “Não é o homem de bem que tem os olhos voltados para as Ideias, somos nós que temos os olhos voltados para o homem de bem” (PERELMAN, 2004, p. 14).

Fica assim como exemplo, citado por Chaim Perelman (2004, p. 74), da particularidade do raciocínio jurídico os trezes tipos de argumentos listados pelo professor Tarello:

I. argumento a contrario;

II. argumento a símile ou analógico;

III. argumento a fortiori;

IV. argumento a completudine;

V. argumento a coherentia;

VI. argumento psicológico;

VII. argumento histórico;

VIII. argumento apagógico;

IX. argumento teleológico;

X. argumento econômico;

XI. argumento ab exemplo

XII. argumento sistemático;

XIII. argumento naturalista”

Esse modo como o direito (a motivação e todas as suas justificações) está estruturado visa o caráter sensato que a decisão pretende demonstrar (PERELMAN, 2004, p. 114). Ou seja, toda a argumentação não tem como escopo demonstrar uma verdade (como no caso do silogismo):

Tratando as noções como instrumentos adaptáveis às mais diversas situações, já não haverá razão para buscar, ao modo de Sócrates, o verdadeiro sentido das palavras, como se houvesse uma realidade exterior, um mundo das ideias, às quais as noções devam corresponder (PERELMAN, 2004, p. 164).

Mas atingir a melhor solução possível para o caso:

         A questão do sentido das palavras deixa de ser um problema teórico, com uma única solução, conforme ao real, mas torna-se um problema prático, o de encontrar, ou elaborar se for caso, o sentido mais bem adaptado à solução concreta que se preconiza por uma ou outra razão. (PERELMAN, 2004, p.165).

Dessa maneira, a argumentação nunca é imposta como demonstração. Diferente da dedução em que uma das premissas caso seja inválida conduz a uma conclusão errada, a lógica jurídica, mesmo contando com um argumento falso pode levar a uma decisão correta. Já que a motivação da decisão judicial não é uma mera evidência de um silogismo:

           Assim é que a expressão ‘encadeamento das ideias’ conduz Descartes a admitir naturalmente que a conclusão de um raciocínio não é mais sólida do que o mais frágil de seus elos. E certamente, escreve ele, aí onde um erro é cometido, ainda que o menor, imediatamente a corrente é rompida, e toda a certeza da conclusão se esvai. Mas se a argumentação, ao contrário da dedução, não for percebida ao modo de uma corrente, mas como um tecido, admitamos facilmente que sua trama possa ser mais sólida do que cada um dos fios que entram em sua constituição. (PERELMAN, 2004, p. 177).

Capítulo 07 – Conclusão

Nosso percurso de investigação começou por um breve panorama da tecnologia do Big Data. Passamos para o nascimento da ciência moderna e às contribuições de René Descartes e Francis Bacon para o desenvolvimento da lógica formal. Por último, tratamos da especificidade do raciocínio jurídico e dos reflexos dos avanços computacionais sobre ele.

Ao estabelecermos as diferenças entre o raciocínio dedutivo e indutivo e a aplicação do último no aprimoramento das tecnologias informacionais, vimos que o uso da indução no reconhecimento de padrões pode alterar totalmente a forma como a prática jurídica está estabelecida.

Como pudermos ver, a indução trabalha com uma noção de probabilidade, a qual,em sistemas informatizados, utiliza o reconhecimento padronal nos dados coletados. O problema dessa ferramenta é afetar uma das principais caraterísticas do direito: seu raciocínio dialético. E, assim, muito do seu espaço de pluralidade e confronto de pensamentos será fortemente reduzido. Dessa forma, constatamos que o direito possui uma “lógica” própria, a qual se utiliza da lógica formal:

Este último exemplo mais relevador do que muitos outros, prova que a aplicação do direito, que se quer aceitável, porque razoável, não poderia limitar-se a uma simples dedução, pois define-se o conteúdo de grande número de conceitos em comparação aos valores aceitos pela sociedade” (PERELMAN, 2004, p.229).

Mas vai muito além dela, abrindo-se, assim, um sinal de alerta para uso desmedido do Big Data dentro da seara jurídica. Estar, cada vez mais correntemente, preso à utilização do reconhecimento de padrões, seja na tomada de decisões judiciais, seja para a elaboração de peças, para análise de recursos, pode levar a uma “corrupção” do modo de aplicação do direito, o qual possui como um de seus fundamentos o debate de ideias, a argumentação, a ponderação e o convencimento: “O direito se desenvolve equilibrando uma dupla exigência, uma de ordem sistemática, a elaboração de uma ordem jurídica coerente, a outra, de ordem pragmática, a busca de soluções aceitáveis pelo meio, porque conformes ao que lhe parece justo e razoável.” (PERELMAN, 2004, p. 238).

Enfim, como disse Chaim Perelman, a “lógica” jurídica não trabalha, na realidade, com uma ideia de verdade, mas de adesão:

A lógica jurídica, especialmente a judiciária, que procuramos discernir com análise do raciocínio dos juristas, mais particularmente das Cortes de Cassação, apresenta-se, em conclusão, não como uma lógica formal, mas como uma argumentação que depende do modo como os legisladores e os juízes concebem sua missão e a ideia que têm do direito e de seu funcionamento na sociedade. (PERELMAN, 2004, P. 243)

REFERÊNCIAS

DESCARTES, René. Discurso do Método. Trad. Maria Ermentina de Almeida Prado Galvão. 4ª ed. São Paulo. Martins Fontes. 2011.

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Autor: André Moraes De Nadai

Mestrando em Filosofia do Direito – PUC – SP

Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo – USP



[1] O método aristotélico era utilizado para a interpretar a Bíblia. Embora os filósofos tivessem uma certa liberdade intelectual, não era permitido a eles discordar dos textos religiosos.

[2] Novum Organum é uma obra filosófica que se refere ao tratado aristotélico sobre lógica e silogismo denominado Organon. 

[3] Como muito bem disse Chaim Perelman, de fato, há somente uma lógica formal. Ao dizermos que há uma lógica jurídica isso seria uma impropriedade. Há um modo de pensar próprio ao direito que utiliza raciocínios específicos para dar uma resposta a um problema.

Como citar e referenciar este artigo:
NADAI, André Moraes de. O Big Data e a Lógica Jurídica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/o-big-data-e-a-logica-juridica/ Acesso em: 29 mar. 2024