Filosofia do Direito

Breves comentários sobre a obra Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre) de Hans Kelsen

Stéfano Vieira Machado Ferreira[1]

Resumo:

Palavras-chave: TEORIA PURA DO DIREITO. HANS KELSEN.

1. TEORIA PURA DO DIREITO (Reine Rechtslehre)

Uma teoria é caracterizada pela utilização de uma forma científica para conhecer seu objeto de estudo. Sabe-se que o conhecimento não se dá na forma ordinária, mas rigorosa, mediante regras próprias de aproximação.

Na teoria, as proposições são feitas de forma sofisticada, para que lhe seja atribuída credibilidade.

O método é a forma de aproximação do objeto de estudo. É o instrumento utilizado na produção da linguagem científica. O conhecimento científico se dá com respeito às regras, para tanto, a escolha do método é inafastável. Na construção do objeto, o método dita o caminho a ser seguido pelo cientista.

Assim, cada Ciência corresponde a um e somente um objeto e um e somente um método, haja vista que o sujeito cognoscente deve optar por uma forma de aproximação do seu objeto de estudo. O objeto deve estar delimitado a fim de evitar sua propagação ao infinito.

Já no primeiro capítulo, intitulado “Direito e natureza”, Hans Kelsen delimita seu objeto de estudo, qual seja, o direito enquanto norma jurídica. Pelo termo “norma” entende-se que algo deve ser ou acontecer, que o homem deve conduzir-se de determinada maneira. Nesse conceito de “dever”, inclui-se o “ter-permissão” e o “ter-competência” (poder).

Essa aproximação analítica do objeto de estudo lhe permitiu decompor o complexo em algo mais simples. Sendo assim, tenta afastar do direito tudo quanto não o pertença. Ou seja, distanciar da ciência do direito a psicologia, a sociologia, a política, a ética, entre outras ciências.

Esclarece, ainda, a diferença do ato e do significado jurídico. Por ato pode-se entender a enunciação, o processo de produção que no fim terá como produto a norma. Sendo assim, o ato seria o evento exterior de votar uma lei pelo legislador, e o seu significado jurídico seria o produto, a própria lei.

Os atos somente serão importantes para ciência do direito enquanto jurídicos, ou seja, enquanto pressupostos por norma jurídica. Esses atos são observados em seu sentido subjetivo e em seu sentido objetivo.

O sentido objetivo do ato é justamente quando é observado por meio da norma. O fato se subsumir à hipótese normativa é o sentido objetivo, enquanto o sentido subjetivo é apenas aquele desejado por aquele que exige a conduta de outrem, todavia sem necessariamente estar positivado e haja qualquer vínculo entre o destinatário e a norma.

O conhecimento jurídico, portanto, se dirige às normas jurídicas as quais conferem a determinados fatos o caráter de ato jurídico. Nesse passo, considera o direito como uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas.

Kelsen aborda sobre o conceito de validade e eficácia. A validade pode ser temporal, espacial, material e pessoal. Nesse caso, percebe-se que o autor entende validade como existência da norma num determinado sistema jurídica positivo, pois a norma valerá em determinado território, em certo período, para determinado grupo de pessoas, e abordará determinada matéria.

Por eficácia o autor entende que os súditos reconheçam que aquilo é uma norma válida. Para ter eficácia a norma deve atingir fatos cuja possibilidade de ocorrência exista, sendo um sem sentido (ineficaz) uma norma que trate de um evento de impossível ocorrência ou de em evento cuja ocorrência é certa. Em suma, o autor trata de uma eficácia normativa, e não uma eficácia social da norma.

O autor faz o contraponto entre norma e valor. O juízo segundo o qual uma conduta real é tal como deve ser, de acordo com uma norma objetivamente válida, é um juízo de valor, e nesse caso um juízo de valor positivo.

Kelsen descreve que a norma serve como valoração de condutas, ou seja, a norma não é boa ou ruim, ela é válida ou inválida, o que é valorado pela norma é a conduta. Apenas a realidade é avaliada positiva ou negativamente.

O autor não nega a existência do valor, todavia, apenas reconhece o valor criado pela norma, este indeferente dos valores morais da sociedade, os quais podem coincidir ou não com a prescrição normativa.

Sendo assim, o juízo de realidade é advindo do juízo de valor objetivo que por sua vez advém da norma objetivamente válida.

Aborda também sobre a ordem social, e exemplifica a moral e o direito como exemplos de ordens sociais, isto é, a relação imediata ou mediata de uma pessoa(s) com outra pessoa (s).

Afirma que as ordens sociais, podem estabelecer ou não consequências aos atos. No caso de estabelecer uma providência, o autor chama-a de sanção.

O autor define a sanção como um princípio retributivo da norma, ora como prêmio ora como castigo. Trata-se da consequência do cumprimento ou descumprimento da norma.

Dentre as ordens sociais, o que as diferencia é a forma de sanção. Nas ordens morais, por exemplo, a sanção é a aprovação ou reprovação da conduta pela sociedade. Na ordem jurídica é a coercitividade estatal.

O mestre Austro-húngaro define o direito como uma ordem jurídica, ou seja, uma ordem de conduta humana. Esclarece que por ordem entende-se um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade do direito é a norma fundamental.

Para ser norma precisa pertencer a uma ordem jurídica e para pertencer a essa ordem sua validade deve se fundamentar numa norma fundamental dessa ordem.

Em uma passagem do livro, Hans Kelsen utiliza o exemplo de Santo Agostinho a respeito do bando de salteadores, que defende a ideia de que esse bando não poderia ser considerado direito por ser injusto do ponto de vista cristão.

Entretanto, Kelsen refuta tal tese e afirma que justiça não pode fazer parte da ciência jurídica. Tal conceito poderia ser objeto de estudo da filosófica jurídica, porém não da ciência do direito.

Para Kelsen, o que diferencia uma ordem emanada pelo bando de salteadores de uma ordem jurídica é a ausência de positivação daquela. Mas ainda ainda que o bando de salteadores positive uma ou outra norma, isso não os transformaria numa ordem jurídica.

Se por exemplo, o bando de salteadores criar uma constituição e estabelecer um ordenamento, ainda assim, a ordem jurídica será maior, pois o aparato estadual será maior do que o de um simples bando de salteadores.

Contudo, se o “bando de salteadores” crescer a ponto de confrontar o ordenamento jurídica vigente e tomar o poder, independentemente da forma como isso tenha se realizado, essa nova ordem entrará em vigor e passará a ser objetivamente válida.

No segundo capítulo faz um paralelo entre direito e moral, trançando as semelhanças e as diferenças entre os conceitos.

Tanto o direito quanto a moral estão preocupadas com a intenção do agente, logo, não é um dado que as diferenciam. Ambos querem saber o motivo que levou o indivíduo a se portar daquela maneira.

Para Kelsen também não importa se o direito coincida com a moral em algumas situações, o fato é que tais ordens são independetes. As normas jurídicas não deixam de valer se as normas morais não lhe sejam equivalentes. A moral é irrelevante para o direito ou para a ciência jurídica. A moral seria preocupação da ética, enquanto o direito seria preocupação da ciência jurídica.

Muito embora ambas ordens sejam prescritivas de condutas, na ordem moral a sanção é socialmente imanente, de aprovação ou reprovação por parte da sociedade, enquanto na ordem jurídica há a presença da coercitividade, uma coação irresistível até mesmo por força física levada a cabo pelo estado. 

No capítulo terceiro o autor analisa seu objeto de estudo, o direito positivo, sob o prisma da ciência do direito, e explica que ao longo do livro abordará esse tema sob duas perspectivas, a teoria jurídica estática (sistema de normas em vigor) e a teoria jurídica dinâmica (produção e aplicação do direito).

Direito positivo e ciência do direito (dogmática) são jogos de linguagem diferentes e intocáveis. São campos jurídicos distintos. Habitam sistemas diferentes. As proposições da ciência do direito não alteram os enunciados do direito positivo.

Para diferenciar as linguagens do direito positivo e da ciência do direito há alguns critérios de identificação que se pode depreender da leitura da obra Teoria Pura do Direito: Função, objeto, nível, tipo, lógica, modais, valências e coerência.

O direito positivo tem função prescritiva (aplicação), cujo objeto são as condutas intersubjetivas. Encontra-se no nível de linguagem objeto em relação à ciência do direito. Sua linguagem é do tipo técnica. A lógica utilizada é a deôntica (dever-ser). As valências são a validade e não-validade (critério de pertinência ao conjunto). São admitidas contradições.

A ciência do direito tem função descritiva (conhecimento), cujo objeto é o direito positivo. Encontra-se no nível de metalinguagem em relação ao direito positivo. Sua linguagem é do tipo científica.  A lógica utilizada é a apofântica (ser) cujos modais são possível (M) ou necessário (N). As valências são de verdade e falsidade. Não são admitidas contradições no discurso.

O autor separa o análise do direito em dois mundos, o mundo do ser e o mundo do dever-ser. O mundo do ser é o mundo externo ao direito, por exemplo, a morte biológica, enquanto o mundo do dever-ser é o mundo do direito, a morte prescrita pelo direito que se dá com a certidão de óbito.

O autor esclarece a diferença da causalidade e da imputação. Pelo princípio da causalidade a relação é de causa e efeito, impera a previsibilidade. Dessa forma o que se faz é descrever o fenômeno natural.

Já no direito a relação é de imputação por um ato de vontade da autoridade competente para criar a norma, que estabelece o dever-ser. Na imputação, liga-se determinada conduta de um ilícito a uma consequência desse ilícito por ato volitivo da autoridade competente criadora da norma.

Hans Kelsen defende a ideia de que o homem é livre porque e enquanto lhe são imputadas determinadas condutas humanas, como a seu pressuposto a recompensa, a penitência ou a pena.

O homem é considerado livre porque se lhe imputa algo, e não o contrário. O homem não é livre apenas por ter nascido, nem se lhe imputa algo porque ele é livre. A liberdade do homem tem origem na norma.

Ressalta que o direito é um fenômeno social estutado por uma ciência social, em contraponto a uma ciência natural, que estuda os fenômenos da natureza. Por se tratar de uma ordem social, as situações são imprevisíveis, ao contrário das leis da natureza, em que se impera a causalidade, ou seja, as relação de causa e efeito.

Por fim, Kelsen ressalta a questão da negação do dever-ser, o direito visto como uma ideologia. Nesse caso considera-se impossível uma ciência do direito dirigida ao conhecimento de normas, sendo possível apenas como sociologia jurídica.

Kelsen argumenta que não interessam as causas da escolha do legislador em pensar determinada norma. O que importa à ciência do direito é a norma posta, enquanto conteúdo de sentido. A sociologia, por outro lado observa os fatos da ordem do ser, como relação com outros fatos da ordem do ser.

Nos capítulo quarto o autor se tangencia especificamente sobre a estática jurídica.

No tema da estática jurídica, Kelsen aborda a característica da coercitividade do direito e aborda sobre a sanção como pena e como execução forçada.

O fato de uma ação ou omissão determinada pela ordem jurídica ser pressuposta de um ato de coação estuído como consequência pela mesma ordem jurídica é que ela é qualificada como ilícito.

Para Kelsen a ilicitude não nega o direito, faz parte do direito, é interna a ele. Só é ilícitio aquilo que o direito diga ser ilícito. Esse binómio lícito e ílicito é bem explorado pelo autor como algo atrelado à ordem jurídica.

Reijeita-se a ideia que o ato ilícito nega o direito. O ser não pode negar o dever-ser. O ser somente pode negar o ser, e o dever-ser somente pode negar o dever-ser. Há um conflito lógico o “ser” ser negado pelo “dever-ser”.

O ato de matar alguém não nega o direito, antes pelo contrário, é um ato que se subsome ao direito, na medida em que se encontra prescrito em norma jurídica que estabelece ser aquele ato ilícito. Kelsen defende o ato ilícito como pressuposto do direito.

Não há nenhum fato que seja, de per si, ilícito sem que esteja estuído uma consequência pela ordem jurídica.

Percebe-se que Hans Kelsen prioriza, na análise estática, o consequente da norma jurídica, em que há a relação jurídica entre dois ou mais sujeitos em torno de um objeto.

Nesse passo, o doutrinador faz o cotejo entre dever jurídico e direito subjetivo. Para ele, o dever jurídico é sinônimo de dizer que uma conduta está prescrita ou que alguém esteja obrigado a uma conduta. Não se distingue, portanto, dever jurídico de norma jurídica.

Dever jurídico também não pode ser confundido com dever moral. O dever jurídico sempre estará positivado, é dever-ser, pois a norma jurídica pode prescrever, permitir ou autorizar.

O autor distingue dever jurídico de responsabilidade, na medida em que o sujeito pode ter a obrigação de cumprir determinada conduta, mas em caso de descumprimento a sanção é imposta a outra pessoa que esteja em relação com o indivíduo descumpridor da norma.

O direito subjetivo, por sua vez, é o contraponto do dever jurídico. Sendo assim, dentro de uma relação jurídica o sujeito A tem o direito subjetivo de exigir a prestação do sujeito B, enquanto o sujeito B tem o dever jurídico de cumprir a obrigação em relação a A.

Não confundir direito subjetivo com direito objetivo, ou seja, a ordem jurídica, o direito positivo. O direito subjetivo é a invocação do direito objetivo.

Hans Kelsen leciona sobre a necessidade de superação entre o direito objetivo (recht) e o direito subjetivo (berechtigung). Na teoria pura do direito enxerga-se a pessoa como a personificação de um complexo de norma jurídica, logo, desnecessário ao cientista do direito trabalhar com essa diferença.

No capítulo quinto o autor trata da dinâmica jurídica, momento em que adentra na questão da norma fundamental (grundnorm / basic norm).

O autor esclarece que apenas uma norma pode dar fundamento de validade para outra norma, uma vez que do fato de algo dever-ser só pode seguir outro dever-ser. Essa norma que dá fundamento de validade a outra norma é a superior enquanto a que se fundamenta nela é a inferior.

Hans Kelsen usa o seguinte exemplo:

Premissa maior: Devemos obedecer as ordens de Deus

Premissa menor: Deus ordenou que devemos obedecer a ordem de nossos pais

Conclusão: devemos obedecer às ordens de nossos pais.

Norma fundamental pressuposta: devemos obedecer às ordens ou mandamentos de Deus.

A norma fundamental confere validade a todo ordenamento. Essa norma se enquadra num tipo dinâmico de normas, ou seja, ato produtor e criador do direito, pois diz respeito ao ato de aplicação do direito. Não se enquandra, portanto, ao tipo estático da norma, aquele que trata do conteúdo da norma.

Na norma fundamental pressupõe-se provém de autoridade que detém competência para estabelecer normas válidas

Usa-se a a premissa de que uma norma é válida quando estiver de acordo com a norma imediatamente superior a ela, e assim sucessivamente.

Veja que a norma fundamental fundamenta uma autoridade legisladora, dá fundamento para o ordenamento criar norma

A norma fundamental deve ser pressuposta, por que precisa existir uma finitude no ato fundador de uma ordem jurídica, sob sob pena de tal investigação resvalar no interminável.

Se ela fosse posta, seria conduzida a outra norma anterior que lhe deu fundamento de validade, e isso levaria ao infinito se toda norma que desse fundamento de validade fosse posta.

Sendo assim, a resposta epistemológica proposta pela teoria pura do direito para dar fundamento de validade ao sistema é a norma fundamental, na medida em que ela sria a última, a norma mais elevada.

Vê-se que a norma fundamental é um axioma, pois usa validade não pode ser posta em questão. Ela é ponto de partida.

 Não há que se falar em verdade ou falsidade, mas validade ou invalidade. E o autor diz que ao dar validade à norma fundamental ela fundamenta o ordenamento jurídico.

Caso se admitisse um sistema de normas cuja norma pressuposta servisse de fundamento de validade e conteúdo de validade, esse seria um sistema estático. Diferente do sistema dinâmico onde a norma fundamental pressuposta apenas dá fundamento de validade, mas não de conteúdo. O dinâmico apenas institui um fato produtor de normas, confere poder a uma autoridade legisladora. Em outras palavras, estabele uma regra como devem ser criadas as normas do ordenamento fundado sobre essa norma fundamental.

Nessa toada, a norma fundamental assim como qualquer norma não é evidente, pois geraria a possibilidade de considerar a existência de valores absolutos, com a qual não coaduna o autor. A norma fundamental independe de qualquer conceito de justiça, de paz etc. Sendo assim, cada ordenamento jurídico estadual possuirá sua norma fundamental pressuposta.

Um exemplo dado pelo autor para aclarar assunto: o pai ordena ao filho que vá para a escola; o filho pergunta ao pai por que deve ir a escola. O pai responde por queos filhos devem obedecer ao mandamento do pai; se o filho pergunta por que deve obedecer ao mandamento do pai a resposta pode ser por que Deus ordenou obediência aos pais e nós devemos obedecer às ordens de Deus. Se o filho continuar perguntando, não será possível colocar em questão a validade dessa norma, pois ela é pressuposta.

Todas as normas que buscam o fundamento de validade numa norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa.

A norma fundamental pode ser designada como constituição do ordenamento no sentido lógico jurídico, diferente da Constituição em sentido jurídico positivo.

Kelsen defende que se um Estado aderir a um direito internacional juntamente com outros países a norma fundamental seria deslocada para esse ordenamento internacional.

A Teoria Pura do Direito é diferente de uma teoria do direito natural. A primeira norma fundadora do direito natural implica conteúdo, logo, não pode ser confundida com a norma fundamental que não implica conteúdo, que é apenas ato criador do direito, fundamenta de validade o ordenamento. A norma fundamental trata da transformação da subjetividade em objetividade da norma.

Ao se colocar conteúdo está se falando de norma posta e como defendido a norma fundamental é pressuposta, é norma do tipo dinâmico. Outra crítica que se faz ao direito natural é a quantidade de conteúdos da normas. Seriam inúmeras normas naturais diferentes.

Como consequência do raciocínio da norma fundamental Hans Kelsen trata da estrutura escalonada da ordem jurídica. A norma hipotética fundamental é o ato instaurador da ordem jurídica e dá objetivida e validade à Constituição, esta posta no topo do ordenamento jurídico. A Constituicao, por sua vez, dá objetividade e validade às normas gerais, que por sua vez darão objetividade e validade normas individuais.

A partir da Constituição Federal passa-se também a levar em conta o conteúdo da norma, já que ela é posta e não pressuposta..

Vê-se que uma norma superior regula a norma inferior mediante procedimento próprio e autoridade competente, e assim sucessivamente.

Nesse processo de positivação escalonada chegam-se às decisões judiciais, normas individuais que também são atos criadores de direito para Hans Kelsen.

Essa consideração às decisões judiciais leva Kelsen a rejeitar o suposto problema das lacunas. O autor não as admite uma vez que o próprio sistema tem a forma de resolver o problema, pois cabe ao juiz não se eximir de decidir sob o argumento de lacuna. Os juízes devem interpretar a lei e oferecer solução, pois caso não exista alguma norma geral aplicável ao caso concreto o juiz deverá atuar numa função atípica legislativa ao criar a norma individual.

A questão das lacunas, portanto, está relacionada à ideia de completude do sistema jurídico. Esse sistema deve oferecer uma solução.

Hans Kelsen não exemplifica  essa estrutura escalonada da ordem jurídica por meio de uma pirâmide, todavia a doutrina que analisou a obra do autor adotou esse modo de explicar a Teoria Pura do Direito

No capítulo sexto faz-se um paralelo entre direito e estado. Hans Kelsen critica a expressão estado de direito, que significaria aquelas comunidades jurídicas que submetem a todos a uma lei e traria com isso segurança jurídica.

Para o autor expressão induz a pensar que haveria um estado que não fosse de direito. Todavia, o estado é uma ficção jurídica, criado por um ordenamento jurídico. Deve-se superar esse dualismo entre estado e direito, pois trata-se da mesma coisa, sendo estado de direito um pleonasmo infrutífero.

Num primeiro momento teria um ordenamento jurídico, depois cria-se um estado, e esse estado fica subordinado ao ordenamento.

No capítulo sétimo fala-se sobre o estado e o direito internacional. O autor propõe que o direito internacional tenha uma relação mediata com o estado e uma relação imediata com os indivíduos que habitam o estado.

Há pessoas que representam o estado, como por exemplo, os diplomatas. Em caso de conflito quem sofre diretamente são os indivíduos dos estados, os representados, e não os representantes do estado.

O autor também fala de uma inevitabilidade de uma construção monista.

Um ponto de vista é o seguinte: O que fundamenta e dá validade ao direito internacional é o direito estadual, ou seja, a constituição que aceita recepcionar tratados e inseri-los no ordenamento jurídico. Sendo assim, um ordenamento jurídico somente sofrerá influência do direito internacional quando assim o admitir. Nesse caso é um ponto de vista mais soberano do estado.

Outro ponto de vista é o seguinte: no topo da estrutura escalonada estaria o direito internacional, que por sua vez daria fundamento de validade à ordem jurídica estadual. Nesse caso de primado do direito internacional vê-se um direito mais pacifista.

Para o autor não é possível separar o direito estadual do direito internacional, pois em ambos os casos os direitos serão analisados na mesma estrutura escalonada, ainda que um direito possa estar em relação de superioridade em relação ao outros.

Por fim, no capítulo oitavo, o autor aborda sobre o tema afeito à interpretação, em que classifica a intepretação em autêntica e não-autêntica.

A interpretação autêntica seria aquela realizada pelo órgão que aplica o direito, e não autêntica aquela interpretação realizada por pessoa privado ou pela ciência jurídica.

O autor então traz o exemplo do quadro e da moldura. O direito seria aplicado como uma moldura dentro do qual há várias possibilidades de aplicação.

A moldura seria a Constituição e as normas gerais, seriam as margens até onde as normas individuais podem ser criadas. Seriam os limites até onde poderiam ser produzidas as normas individuais, respeitando as normas gerais e a Constituição.

Isso porque das normas superiores para as normas inferiores há uma indeterminação e a interpretação entra em cena, já que não há apenas uma solução como sendo a correta. O autor, portanto, reconhece a pluralidade de significações das palavras em que a norma se exprime.

3. BIBLIOGRAFIA

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito.5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.



[1] Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES. Especialista em Direito Tributário pelo IBET (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Mestrando em Direito Tributário pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/ES. Advogado sócio-fundador do escritório Vieira Machado & Ferreira Advogados Associados. stefano@vmf.adv.br.

Como citar e referenciar este artigo:
FERREIRA, Stéfano Vieira Machado. Breves comentários sobre a obra Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre) de Hans Kelsen. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/breves-comentarios-sobre-a-obra-teoria-pura-do-direito-reine-rechtslehre-de-hans-kelsen/ Acesso em: 25 abr. 2024