Filosofia do Direito

Mas, afinal o que é mesmo religião?

 

A palavra originada do latim religio concernente à junção do prefixo re e o verbo – ligare, o que significa a religação, a reconciliação ou reconexão do corpo com o espírito.

De fato, a origem das religiões ainda é um tema de controvérsias, mesmo entre os cientistas que incluem o fenômeno religioso no mesmo plano dos demais fenômenos, principalmente aqueles subordinados as leis ou pelo menos ao mesmo determinismo que rege a vida universal.

Recentemente tornou-se verdade comum que a religião é fato de psicologia humana, e simultaneamente se classifica na ordem geral dos fenômenos sociais.

Desta forma surgiram várias teorias que enfocam que procuraram explanar a remota origem da religião. Entre aqueles que não mais atribuem à religião um sentido de verdade revelado ou sobrenatural, mas insistem a lhe atribuir um fundo de idealismo, bem peculiar de um instinto humano que é o instinto de crer.

Para Ernesto Renan “a religião, na humanidade, equivale à nidificação, no pássaro (…)”. “O pássaro que nunca pôs ovos e nem viu pôr, vai contribuir. Ele serve, com uma espécie de alegria pia e na devoção a um fim que não compreende. O nascimento da ideia religiosa no homem se produz de maneira análoga”.

Já para Max Müller, a religião tem a sua origem na ideia de infinito, entendendo ele por infinito o que, no espaço e no tempo, fica além da percepção ou fora do alcance dos sentidos do homem primitivo.

“O homem vê até certo ponto e, ali o seu olhar se quebra; mas precisamente onde o seu olhar não vai além, impõe-se a ele, quer quebra, quer não, a percepção do ilimitado, do infinito”.

Afinal o ilimitado, o infinito é o que fica doutro lado da montanha cujo cimo não foi atingido; é o que através da planície a vista não alcança ou se perde no horizonte; é o mar na sua imensidão intransponível ou o rio que segue o seu curso e desaparece na selva impenetrável.

A ideia de infinito nem é inata no homem nem mesmo tem fundo místico, tem sentido sensualista conforme expôs Max Müller “a religião, não é senão um desenvolvimento da percepção dos sentidos, do mesmo modo que a razão”.

Recorrendo ao adágio: o nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu [1] , o que se refere à crença religiosa. Nihil est on fide antea non fuerit in sensu.

Tomando como base as religiões da Índia, cogitou Müller que a religião não começou por ser fetichista nem monoteísta, nem pela percepção de deuses hierárquicos, conforme aparece no politeísmo grego.

Porém os deuses considerados indistintamente possuem poderes iguais, sendo cada um dos deuses tão poderes como os demais principalmente para o crente que o invocasse.

Desta forma, Indra, Varuma, Agni, Mitra e Soma [2] receberam indistintamente o mesmo culto. Seriam os deuses símbolos ou revelações da ideia de infinito, do ponto de percepção que ultrapassaria o espírito.

Max Müller designou o seu sistema com o nome de henoteísmo[3] ou catenoteísmo [4]. Tanto Ernesto Renan como Max Müller expõem teorias que apenas deslocaram o problema da origem das religiões, do campo teológico para o da metafísica ou para uma espécie de idealismo ou de misticismo laico, explicando que o fenômeno que, se tem raízes na psicologia humana e individual, não é menos um produto do meio social onde o indivíduo ou o que ele sente, pensa e crê é uma expressão da mentalidade desse meio.

Outra teoria que tenta explicar a religião é a de Augusto Comte [5] que consiste em atribuir ao homem primitivo ou selvagem um poder, uma influência benéfica ou maléfica às coisas ou objetos inanimados, como se fossem dotados de um espírito, crença a que deu o nome de fetichismo, também denominada por outros – de naturismo, também denominada por abranger todos os fenômenos da natureza.

Herbert Spencer[6] opõe-se ao fetichismo o animismo, partindo do argumento de que o homem primitivo não pode, em relação às coisas, conceber a ideia de espírito, que é uma abstração ou uma noção que exige uma capacidade de generalizar, que ele não possui ou não poderia atingir somente por observação da natureza.

A noção de espírito veio das impressões sobre a morte, ou da crença de que o indivíduo continuaria a viver depois de morto, crença que tem a sua origem no sonho ou em uma ideia mais comum que é a de dualidade que ele sente nos fenômenos da natureza: o nascer e o pôr-do-sol, o dia e a noite, o céu límpido e sereno e que depois se ocupam de grossas nuvens que desabam, por entre raios e trovões, em torrentes de chuva sobre a terra.

A ideia do além do corpo, da existência de uma entidade dentro de si, a alma ou espírito, que se separa do corpo, depois da morte e que sobrevive e continua a ter as mesmas necessidades, os mesmos hábitos da vida terrena.

Daí o costume que vem do homem fóssil, de serem colocados ao lado dos cadáveres, instrumentos, armas, utensílios e alimentos tidos como indispensáveis a essa segunda existência; passando depois, o espírito dos mortos a influir benéfica ou maleficamente sobre o destino dos vivos.

Spencer, por sua vez, procurou a origem da religião, exatamente nesta crença, concluindo por afirmar que todo culto religioso foi a princípio, um culto fúnebre. (Cf. H. Collins, Résumé de la Philosophie Synthetique, de Herbert Spencer, págs. 364 ao 373, ed. francesa de 1904)

Também era este o ponto de vista de Tylor [7] considerado o precursor da teoria animista[8]: “O primeiro ponto essencial, escreve ele, quando se trata de estudar sistematicamente as religiões das raças inferiores, é definir e precisar o que se entende esta palavra a crença em uma divindade suprema… um certo número de tribos achar-se-á excluído do mundo religioso. Mas esta definição muito estreita tem o defeito de identificar a religião com alguns dos seus elementos particulares. Vale melhor, parece, dar simplesmente como definição mínima da religião a crença em seres espirituais”. (In: TYLOR, La Civilisation Primitive, pág. 34, tradução P. Brusut e Barbier, 1876-1878).

Tais seres, espíritos ou almas dos mortos (parentes, avós, antepassados, feiticeiros, chefes de tribos ou sacerdotes) são os primeiros que aparecem no ritualismo religioso dos povos primitivos como objetos de culto, ou convertidos em deuses.

Poder-se-ia dizer que o altar começou por ser um túmulo, ou que neste, tal qual o transatlântico em relação à canoa pré-histórica, tem o templo mais suntuoso um longínquo antepassado.

Espíritos ou forças da natureza divinizadas desde os gregos antigos e, já entendidas pelo filósofo Xenófanes [9] que os deuses não eram mais que seres criados segundo a imagem e semelhança dos homens, ou da sociedade que os concebera, concluindo por dizer que os bois ou leões soubessem pintar, estes também representariam as suas divindades sob a forma de bois ou leões.

A ideia ou acepção de divindade, se assumida no sentido preciso e estreito, não basta, segundo Durkheim [10], para definir toda e qualquer religião ou não abrange uma multidão de fatos manifestamente religiosos.

As almas dos mortos, os espíritos, de toda espécie e de toda categoria, com os quais a imaginação religiosa de tantos povos encheu a natureza, são sempre o objeto de ritos e algumas vezes mesmo de um culto regular.

E, todavia, não são deuses no sentido próprio dos termos. Referem-se ainda as grandes religiões em que há ausência de deuses ou de espíritos, ou em que eles representam apenas um papel secundário ou apagado, entre estas, o budismo definido por E. Burnouf [11] como “uma moral sem deus e um ateísmo sem natureza” (In: E. Durkheim, Les Fomes Élémentaire de La vie Réligieuse, págs. 40-41, 1937).

Assim ao considerar a religião como “um sistema mais ou menos complexo de mitos, de dogmas, de ritos, de cerimônias” ou um todo que só pode ser compreendido em relação às partes que o formam prossegue Durkheim: “Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam simples ou complexas, apresentam um mesmo caráter comum: elas supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que para os homens se representam em classes, em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos, bem traduzidos pelas palavras profano e sagrado”.

A divisão do mundo em dois domínios compreendendo um, tudo o que é sagrado, o outro, tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do pensamento religioso; as crenças, os mitos e os gnomos, as lendas são representações que exprimem a natureza das coisas sagradas, as virtudes e os poderes que lhes são atribuídos, a sua história, as suas relações, umas com as outras e, com as coisas profanas. Mas, por coisas sagradas não é preciso entender simplesmente estes seres pessoais que se chamam deuses ou espíritos; um rochedo, uma árvore, uma fonte, um pedaço de madeira, uma casa, em uma palavra qualquer coisa pode ser sagrada.

Para Durkheim, não é nem o animismo, nem o naturismo o culto “mais fundamental e mais primitivo”, na história das religiões; é aquele a que os etnógrafos deram o nome de totemismo, de totem, sendo este uma planta, animal ou coisa inanimada, podendo ser ainda um antepassado ou um grupo de antepassado ou um grupo de antepassados, pelos quais os clãs se distinguem e se designam entre si.

Não é o nome, em si de totem[12] ou servindo este de emblema, o que interessa ao sociólogo; é, além de constituir-se em vínculo de parentesco entre os indivíduos do mesmo clã, caráter religioso ou mítico do que se reveste e que se comunica ao seu próprio nome e o torna sagrado.

Durkheim exemplifica apontando os churingas que são, entre os aruntas (como os há com nomes diferentes entre outras tribos australianas) peças de madeira ou pedaços de pedra, de formas mui variadas, mas geralmente ovais ou alongadas, cada qual ou mais de um com um desenho que representa o totem de um clã, colocados em lugares discretos, desertos ou afastados de contatos profanos, deles não podendo, aproximarem-se as mulheres e os não iniciados.

Mas as virtudes do churinga[13] acrescenta Durkheim, não se manifestam somente pela maneira por que conserva o profano a distância. Se for isolado é que é uma coisa de alto valor religioso e cuja perda lesaria gravemente a coletividade e os indivíduos.

Ele possui toda espécie de propriedades maravilhosas: pelo contato como a cura das feridas, notadamente as que resultam da circuncisão; ele tem a mesma eficácia contra a doença; serve para fazer nascer a barba; confere importantes poderes sobre a espécie totêmica cuja reprodução normal assegura; dá aos homens força, coragem, perseverança, deprime, ao contrário, e enfraquece os seus inimigos.

Esta última crença está mesmo tão fortemente arraigada que, quando dois combatentes se empenham em luta, e um deles chega a perceber que o adversário traz churingas sobre si, logo perde a confiança e a sua derrota é certa.

A virtude atribuída ao totem procede da credulidade primitiva em uma força oculta, difusa, misteriosa que se irradia das plantas, dos animais, das coisas inanimadas, de todos os fenômenos da natureza, inclusive o sol, a lua, as estrelas e, etc.

É o mana[14] dos Melanésios, o orenda dos iroqueses, o manitu dos Algonquins, além de outros nomes que tem em várias tribos. É essa crença no mana que induziu mas de um etnólogo a ter religião e a magia por inconfundíveis ou formarem um só sistema de religiosidade primitiva, por idênticos ou comuns os ritos de que as duas se servem, para atraírem a proteção dos seus totens, dos seus mortos, dos seus deuses, para afastarem os malefícios que atingem ou ameaçam o indivíduo e a coletividade.

Sobre o tríplice aspecto que podem ser consideradas animista, naturista e totemista as religiões são sistemas de representação mental dos grupos sociais ou de interpretação, quer dos fenômenos da natureza que os rodeiam quer das suas relações de convivência humana; sistemas que além de comportarem uma concepção de tais fenômenos e de tais relações se tornam, por sua vez, em um conjunto de regras de conduta individual e coletiva.

Ao mesmo tempo em que as sociedades primitivas acreditam em uma força ou fonte de energia a irradiar-se das coisas ou dos seres, com virtudes benéficas ou com produtos maléficos, que os seus mortos, recentes ou remotos, guerreiros ou heróis, mágicos ou sacerdotes, exercem sobre estas uma influência não menos decisiva, e fazem sentir e enriquecem a sua crença com uma opulência, criação de mitos, de lendas, de fantasmagorias, de onde brota e se esgalha e frutífera a árvore genealógica de todos os deuses, desde os mais obscuros aos de maior grandeza e esplendor, na história das religiões.

Outro elemento que é fundamental para caracterizar a religião é o seu ritualismo posto que os ritos sejam a sua própria linguagem, ou antes, a sua própria maneira de ser, de agir, os seus instrumentos de ação.

É através do cerimonial que as crenças religiosas se concretizam e se articulam em cultos, e assim se conservam e se impõem se transmitem e perduram através dos séculos ou de milênios.

Desta forma, existem os ritos de passagem [15], ou de iniciação que regulam o casamento que prescrevem medidas de proteção da mulher grávida, e ao recém-nascido, que acompanham este desde o nascimento até adolescência; ou até quando atinge a idade de iniciar-se nos misteres e nos segredos do culto.

Há ainda os que, ainda hoje, guardam o primitivo vigor dos ritos funerários, talvez os últimos a declinarem, a sobreviverem, quando os demais decaem ou se extinguem.

O que justifica o profundo e inabalável instinto de conservação da vida e o pavor que a morte incute e pelo mistério que a envolve, a crença na imortalidade da alma.

Assim seguem-se outros tantos ritos e rituais nos quais os de purificação ou de expiação pelo fogo, pela água, pelo sangue, de faltas ou máculas que indispõem o indivíduo ou o grupo contra os seus totens, os seus mortos, os seus deuses, os divinatórios ou presságios, para prever acontecimentos futuros, dias fastos ou nefastos a tal ou qual gênero de atividade ou empreendimento, além de várias praticas ritualísticas, relacionadas com os atos mais cotidianos da vida.

Outro ato não menos intrínseco ao culto religioso é a prece, e que consiste em invocações, em pedidos, em apelos com o fim de obter bens materiais ou espirituais. Ou ainda malefícios para os inimigos, ou simples ato de adoração, de enaltecimento e até êxtase do ser ou objeto divino.

A prece ainda é um meio que o crente recorre para estabelecer um vínculo de entendimento amigável, de afeição recíproca, de firme aliança entre o crente e o seu deus.

A prece é individual como a do feiticeiro, ele só, buscando atrair pela palavra, os favores dos bons ou dos maus espíritos; a do monge na sua cela, a anacoreta[16] na sua solidão.

Para o sociólogo a prece vale como eco das vibrações da alma coletiva que sempre existe no fundo da personalidade de todo crente. A prece é coletiva quando vinda de um grupo ou comunidade de fiéis em templos, nos mosteiros, ou mesmo em lugares não sagrados.

O sacrifício que não é propriamente um rito, mas um conjunto de rituais, ou um ato religioso mais complexo, tendo por isso mesmo merecido a atenção dos etnólogos e dos sociólogos, entre eles, Tylor, Robertson, Smith, Frazer[17], Hubert e Mauss [18].

O sacrifício, assim como os demais rituais comunica às coisas, às pessoas, aos seus atos, um sentido ou um caráter sagrado e com este ganha força ou poder mágico que imanta objetos e pessoas.

Hubert e Mauss definem o sacrifício como um ato religioso que pela consagração de uma vítima, modifica o estado da pessoa moral que o cumpre ou de certos objetos que a interessam.

Com maior clareza foi a definição de A. Loisy [19] in litteris: “uma ação ritual a destruição de um objeto sensível, dotado de vida ou que assim é considerado – mediante a qual se pensou em influir as forças invisíveis, quer para escapar à sua influência… quer com fim de satisfazê-las, de lhes prestar homenagens, de entrar em comunicação e mesmo em comunhão com elas”. (Cf. Hubert[20] e Mauss. L’Année Sociologique, de Sociologie Réligieuse, p.90, 1935).

Lembremos que o sacrifício exige necessariamente uma vítima, a qual se torna em “centro de atração e irradiação” de poderes mágicos, tanto mais amplo ou de efeitos mágicos, tanto mais amplo ou de efeitos mais sensíveis, quanto maior o cunho solene do ritual.

A vítima pode ser um animal ou até mesmo um ser humano ou ainda o objeto que se tenha dotado de vida; como pode ser um deus, cuja morte se tornou em pedra angular do culto que o fez ressuscitar e sobreviver através de gerações sucessivas de adoradores.

Como exemplos, há o deus assírio Du-um-zu, Júpiter, Pan, Adônis e outros entre os gregos bastando citar o sacrifício da missa que entre os cristãos que é uma representação ritual ou simbólica, da morte e da ressureição de Jesus.

Sendo a religião um sistema de normas de conduta, contém, por isto mesmo, regras proibitivas ou um sem número de proibições a que se deu nome de tabus [21] (palavra de origem polinésia).

É um tabu a proibição imposta ao estrangeiro ou à mulher ou a quem não foi iniciado no culto, de aproximar-se do lugar onde se encontra o totem ou de tocar em objetos sagrados, ou que tenham com estes qualquer relação.

O tabu tem caráter, ao mesmo tempo, religioso, moral e jurídico, porque nos povos primitivos, religião, moral e direito se confundem e se regulam por normas rituais.

Há tabus que intervêm nas atividades do indivíduo e do grupo, não só nas suas relações estritamente culturais, como nos trabalhos e nas relações de natureza econômica, na pesca, na caça, nos misteres agrícolas, no uso e gôzo de bens, em todos os atos de paz ou guerra, considerados nefastos à coletividade.

Por estes atos é que se mantém o prestígio de uma tradição, de um costume senão o arcabouço ancestral das instituições que regem a vida e o destino das antigas comunidades humanas.

O direito à vida e o direito de propriedade têm no tabu o seu primeiro e principal ponto de apoio; podemos mesmo dizer que o tabu é o antepassado remoto de todos os códigos penais.

As religiões além de se estratificarem em ritos, tendem, no seu desenvolvimento, a consolidar-se dogmas, isto é, em preceitos que se proclamam imutáveis, obrigatoriamente impostos por autoridades sacerdotais.

Aliás, a palavra dogma é de origem grega e usada no sentido de receito estabelecido ou decisão proferida por autoridade competente, servindo ao Império Romano, para designar os senatus-consultos ou editos destinados aos povos de língua grega, como também indicava, de cada filósofo, o que era fundamental, na sua doutrina.

Assim conhecemos os “dogmas de Platão” e os “dogmas de Pitágoras” e, assim por diante. Dogma entre os cristãos serve para exprimir os preceitos evangélicos, ou antes, as “verdades” extraídas do Antigo e Novo Testamento, dadas como reveladas por Jeová ou pelo Cristo a seus apóstolos; convertidas, pois, em dogmas; outrora, impostos pelos concílios e, depois, ou atualmente, na Igreja Católica, pelo Sumo Pontífice.

Assim, em teoria, o dogma no catolicismo, reúne três elementos: a revelação, a autoridade e imutabilidade (Cf. Ch. Guignebert [22]. L’ Evolution des dogmes, págs. 13 até 16, 1910).

É importante advertir que não é só a religião cristã que decreta e proclamam seus dogmas, todas as religiões conforme já observou Guignebert, que se dizem reveladas, avançam a pretensão, aliás, natural e lógica, de encerrar, uma vez por todas as de seu credo em uma fórmula ou uma série de fórmulas apoiadas ordinariamente em textos sagrados e divinamente garantidos, como eles mesmos; nessas fórmulas reside, por assim dizer, a mais pura essência da revelação: seria, preciso que estas permanecessem imóveis.

É, todavia, a contrariá-las historicamente, é visível que nenhuma destas escapa à lei de evolução; se as encararmos em dois momentos, por pouco distantes que sejam dentro do seu tempo de duração, muitas vezes quanto à forma, e sempre quando ao fundo, quanto à representação que esta desperta na consciência religiosa dos homens.

O dogma ultrapassa fatalmente o símbolo de fé, por isto só que este indistintamente se esforça por se conciliar com o ambiente intelectual e moral onde lhe é necessário viver; por sua vez, o sentimento religioso ultrapassa o dogma e nem as fórmulas sagradas, nem os textos sagrados onde os fiéis acreditam ouvir a palavra de Deus, se mostram capazes de fixá-lo para sempre; este vive, pois progride; se parasse um dia, ocorreria o fenômeno inconcebível como a cristalização do pensamento humano que cessaria de existir.

O dogma antes de ser princípio ou preceito de fé contido e, enclausurado em uma fórmula rígida, tem as suas raízes na consciência religiosa de uma comunidade de fiéis. Por isso, o dogma é considerado segundo Guignebert antes de tudo, um fenômeno social, resultado da colaboração anônima e cega de todos os crentes.

Por isso, surgem novos dogmas e outros nascem se desenvolvem, outros declinam e morrem com as vibrações da alma coletiva que os engendrou e nutriu.

Convém diferenciar dogma de mito[23] , Grasserie ressalta que o segundo nas religiões politeístas é rico do passo que o primeiro, apenas existe, nas religiões monoteístas. Assim o dogma prevalece enquanto que o segundo é pobre e nulo.

A propósito, Grasserie ainda esclareceu: “A ausência ou quase ausência do mito concentra, com efeito, a atenção sobre o que é dogmático, isto é, sobre os princípios abstratos da religião, sendo o dogma uma verdadeira abstração”.

O dogma consiste nos princípios, nas raízes da religião. Por exemplo, a imortalidade da alma é um dogma, do mesmo modo que as recompensas e as punições futuras.

Ao passo que a descrição inferno ou do paraíso corresponder aos mitos. A origem do mundo, a causa do estado miserável do homem pelo pecado, são dogmas, ao passo que diversas narrativas sobre cosmogonias são mitos.

Os dogmas propriamente ditos, estão, pois, em pleno dia no monoteísmo onde os mitos os não mascaram. O monoteísmo a que Grasserie se refere só pode ser o sacerdotal, ou com mais acerto, o dos profetas e dos teólogos, monoteísmo abstrato, e não o que se presume ser um espelho da consciência religiosa da massa comum de crentes.

A rigor, esta jamais foi monoteísta no sentido em que se tem o vocábulo, de crença em um deus único, com a exclusão de outros seres não menos dotados de divindade.

Haja vista a religião dos judeus calcada no Velho Testamento é um vasto arquivo de narrações míticas, lendárias; onde se encontram com a adoração do bezerro de ouro[24], o mesmo fetichismo ou naturismo dos povos primitivos, o mesmo animismo desses povos, com o culto dos antepassados, patriarcas profetas; e Javé, se é o único deus do “povo eleito”, não é um deus único, tanto que está sempre em luta com os outros deuses semíticos.

Analisando o vetusto arcabouço das religiões monoteístas, dificilmente se poderá dizer onde termina o mito e o começa o dogma.

Este, como aquele, é, em suas raízes profundas, em sua atuação no espírito dos crentes, um produto do meio social. Depois é que se cristaliza em fórmula, em regra obrigatória de crer.

Podemos dizer que, sem o mito da criação do mundo seria inconcebível o dogma da existência [25], de um deus criador de todas as coisas; sem o mito da criação do homem, seria inconcebível o dogma da imortalidade da alma [26].

Fenômeno de convivência humana, pois congrega e retém indivíduos e grupos sociais em torno do mesmo totem, do mesmo túmulo, do mesmo altar ou à sombra do mesmo tempo, a religião ou abrange a totalidade de misteres, de profissões, de castas ou classes ou dentro da própria comunidade religiosa formam confrarias, seitas, corporações, entre estas, as que constituem em igrejas não mais compreendidas como assembleias de crentes, quais as dos primeiros cristãos, mas, como agremiações sacerdotais ou cleros, hierarquicamente organizados com a função de manter, orientar e disciplinar o exercício do culto.

Para concluir, a religião oferece, na origem e no desenvolver, o duplo aspecto de uma explicação dos fenômenos da natureza e da vida humana, representando assim o papel de precursora da ciência, e de um sistema normativo de conduto do individuo e da sociedade, da qual ela é um produto intrínseco, espontâneo donde a origem e forma social de que se revestem os seus deuses, como criações, que são da mentalidade coletiva, que os concebeu ou neles estampou a imagem do homem, com os mesmos hábitos, as mesmas paixões, as mesmas virtudes, os mesmos vícios do meio social de onde emergiram.

De parte os três aspectos de que se reveste a religião, nos povos primitivos ou pré-históricos, naturismos, totemismos e animismo nos povos civilizados ou históricos esta se apresenta sob a dupla forma – politeísta (mais de um ou muitos deuses) do, uma e outra, estratificações, que persistem das três formas anteriores.

São politeístas as religiões dos povos babilônicos [27], egípcios, assírios, gregos e romanos, ou de todos os povos da Antiguidade com exceção do judeu se bem que, na tradição bíblica, apareça o seu Jeová [28] em luta cruenta e permanente com outros deuses semitas.

Também é politeísta o bramanismo[29] cujos deuses na opinião de Müller não aparecem distintos e hierarquizados, mas como revestimentos e expressões com base na ideia do infinito, em que o sábio inglês baseia a origem das religiões.

Por outro lado, são monoteístas, além do judaísmo, o cristianismo e o islamismo que têm naquele as suas raízes, excluindo o budismo da presente classificação por ser uma realização sem deus, salvo se tiver como tal, o vulto apostólico do seu fundador, que atrai e absorve, centraliza, ele só, a fé e o culto dos seus milhões de seguidores.

Vivemos na sociedade da informação e do conhecimento. Diante da matemática dos astros e dos algoritmos dos sistemas de informáticas e, a abundância de certezas ou quase certezas científicas. Urge questionar. Afinal, desapareceu a religião nessa era contemporânea?

A religião permanece e exibe a vitalidade mesmo quando a julgavam extinta. De fato, a religião fora expulsa dos centros do saber científico e das câmaras que decidem a vida política e social da sociedade humana.

Em verdade, é característica do mundo científico um rigoroso ateísmo metodológico, as crenças no lucro, na propaganda e nas armas superam a crença no sagrado.

Num mundo dessacralizado há um nítido e inegável embaraço em face da experiência religiosa pessoal. E tal desconforto é crescente quando nos aproximamos das ciências humanas, particularmente as ciências que estudam a religião.

E, isto justifica a distância existente entre o conhecimento e a experiência. O que ocorre é que as mesmíssimas perguntas religiosas se articulam e nos atormentam e permanecem travestidas por meio de símbolos secularizados.

A função religiosa seja socialmente ou psicologicamente admitida continua a fazer promessas terapêuticas de paz individual de harmonia íntima, de liberação da angústia e dar esperanças de dias melhores, com finais fraternos e justos.

A presença invisível mas constante da religião está mais próxima à experiência pessoal do que desejamos. Enfim, conforme a poética de Ludwig Feuerbach [30] definiu a ciência da religião como a ciência de nós mesmos: a sapiência, conhecimento saboroso.

Albert Camus[31] já prenunciava e, com razão: “O homem é a única criativa que se recusa a ser o que ela é”. Por muitos anos a perpetuação da espécie dependeu da adequação física. Porém, não se esgota com esta. A programação biológica há de se complementar com a programação psicológica.

Não obstante já sabermos que do ponto de vista genético já se encontra totalmente determinada vários fatores como: a cor da pele, dos olhos, tipo sanguíneo, sexo, suscetibilidades e enfermidades.

Diferentemente do animal irracional que se traduz em ser o seu corpo. O homem não é o corpo que o faz. E, sim, o que ele faz de seu corpo.

Apesar de o corpo ser fato biológico bruto, não é a fonte e nem modelo para a criação dos mundos da cultura e da convivência.
E, isto revela um mistério antropológico, pois toda nossa tradição filosófica obrou fortes esforços no sentido de demonstrar que o homem é um ser racional, um ser de pensamento.

Porém, o mundo cultural nos mostra o contrário, e o afirma como ser de desejo. Desejo é sintoma de privação de ausência.

A sugestão fornecida pela psicanálise é de que o homem faz cultura a fim de criar os objetos de seu desejo. O projeto inconsciente do ego, não imposta com o seu tempo e nem seu lugar, afinal visa encontrar um mundo que possa ser amado.

Entretanto, há situações de importância em que os objetos do amor só existem através da magia da imaginação e do poder milagroso da palavra.

Juntando-se o amor, o desejo, a imaginação e os símbolos para criar um mundo que faça sentido e que conviva em harmonia com os valores. Essa realização concreta dos objetos do desejo, segundo Hegel [32], é a objetivação do Espírito.

Os símbolos assemelham-se aos horizontes que quanto mais nos aproximamos mais estão distantes de nós, porém cercam-nos por todos os lados. Os símbolos são o referencial de nosso caminhar.

As esperanças na criação da cultura fazem sempre a renovação. Eis aqui que surge a religião como teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizonte dos horizontes, revelando-se em ser a mais fantástica e pretenciosa tentativa de transubstanciar a natureza.

O sagrado não é uma eficácia inerente às coisas. A religião nasceu com o poder que os homens têm de dar nome às coisas, fazendo uma discriminação entre coisas secundárias e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte se dependuraram.

A religião se apresenta como certo tipo de fala, um discurso, e uma rede de símbolos.

Há verdades que são frias e inertes e, não se depende nosso destino nestas. Mas quando tocamos os símbolos em que empenhamos nossa fé, o corpo inteiro estremece, posto que seja a marca emocional e existencial da experiência do sagrado.

O sagrado se instaura graças ao poder do invisível. E é ao invisível que a linguagem religiosa é voltada, ao mencionar as profundezas da alma, as alturas dos céus, o desespero do inferno, as influencias que curam, a eternidade tão própria de Deus.

A religião representa a crença na garantia sobrenatural de salvação, de técnicas destinadas obterem e conservar essa garantia.

A garantia religiosa é sobrenatural, no sentido de situar-se para além dos limites abarcados pelos poderes do homem, de agir ou poder de agir.

Etimologicamente a palavra significa provavelmente “obrigação”, mas segundo Cícero deriva de relegere, no sentido de releitura, de cumprimento atento de todos os atos do culto divino.

Nota-se que em grego não havia o equivalente exato da palavra latina e moderna. As diferentes definições até hoje apresentadas de religião pode ser classificadas com base nos dois problemas fundamentais a que correspondem, a saber:

I – com base no problema da origem da religião.

II – com base no problema da função atribuída à religião.

A doutrina da origem divina expressa o reconhecimento do valor absoluto ou infinito da religião. É todas as religiões afirmam com fundamento uma revelação originária que garante sua verdade ou consideram as crenças e as instituições com que se identificam continuamente confirmadas por testemunhas sobrenaturais.

Portanto, filosoficamente a religião é revelação do absoluto ou do infinito (conforme já expressou Hegel). A doutrina da origem política reduz a religião a um estratagema política, portanto, anula seu valor intrínseco.

O primeiro a defender essa teoria foi Crítias [33], um dos trinta tiranos de Atenas: “Os antigos legisladores forjaram a divindade como espécie de inspetor das ações humanas, boas ou más, a fim de que ninguém se cometa injúria ou traição contra seu próximo, por medo da vingança dos deuses”.

Concepções análogas recorrem de vez em quando na história da filosofia, podem ser reconhecidas no libertinismo e do marxismo.

A doutrina da origem humana considera a religião como formação humana, cujas raízes estão na situado homem no mundo. Não está empenhada em atribuir determinada validade mas sim em compreendê-la como fenômeno humano e expresso em conceito amplo para abranger todas as manifestações mais díspares.

A religião como forma de satisfação da necessidade teórica, ou seja, de conhecimento. O segundo considerou a religião pela situação do homem no mundo, principalmente por suas necessidades práticas.

A religião como forma de comportamento cujas regras se afastam das que regulam a vida diária e se baseia numa dicotomia das referências humanas que apresenta um duplo nível de realidade, a saber: o sagrado e o profano.

A religião tem a sua gênese na convicção de que existe uma realidade, poder ou mistério que está acima da realidade diária, com a qual o homem pretende comunicar e da qual deseja participar.

Resta saber se a religião é fenômeno surgido na História ou se é um fenômeno autônomo e inerente à natureza humana. Os que defendem a origem adventícia e, portanto, a dependência externa do fenômeno religioso consideram-no como algo que pode ser objeto de estudo como qualquer outro fenômeno e sujeito às normas e leis.

Já entre os defensores da religião como atividade ocasional e na dependência de circunstâncias de variada ordem, destacam-se os que veem a sua origem na influência da sociedade, aliada à necessidade de contornar as necessidades indomáveis da natureza e, ainda, há os que a fazem depender do incontrolável dinamismo do psiquismo humano.

O primeiro teórico da origem social da religião foi Émile Durkheim e, aponta que a sociedade contém todos os ingredientes para fazer despertar nos seus membros o sentido do divino.

Desta forma, a sociedade encarna a figura do grande pai e mentor que impõe a sua vontade a todos os filhos e tudo dirige para manter a sua autoridade sobre a vontade dos indivíduos.

Com base na predisposição para a obediência, assim gerada entre seus membros, a sociedade se esforça em canalizar certo estado de espírito em proveito da estabilidade.

Por sua vez, os humanos impregnados pela sensação dum poder que os transcende e do qual não conseguem libertar-se, facilmente se convencem da existência de um ser soberano a quem todos devem obedecer.

A sensação desse poder embora gerada pela sociedade, não surge aos indivíduos como tendo tal origem. Razão pela qual estes se dedicam a venerar ou prestar culto a Deus, daí o aparecimento da religião.

O inicial teorizador da origem naturalista e insólita da religião foi Epicuro [34]. O fato de o homem não conhecer devidamente a natureza bem como não conseguir controlar um grande número de fenômenos naturais. Levando-o a acreditar na existência de seres que tudo sabem e tudo podem fazer em seu benefício próprio.

Essencialmente, a religião para os epicuristas [35] seria apenas a “arte de captar favores dos deuses e a sua proteção contra todo gênero de perigos com que se sentem ameaçados”.

Mas segundo os naturalistas, que consideram a religião como sucedâneo natural da magia. Ocorre quando os homens sabem que a natureza está submetida às leis e que é possível desvendar, procuram descobri-las para alcançarem o domínio da natureza. É atitude científica, portanto.

Por outro lado, quando se supõe que a natureza está penetrada por forças ocultas, usam os mais disparatados artifícios, com o objetivo de captá-las e colocar tais forças a seu favor, sendo uma atitude mágica.

A religião já não é pura magia, posto que não considere os poderes ocultos na natureza como próprios desta, mas como dependentes de um ou de vários seres superiores e não procura captar as forças ocultas de forma caótica mas por meio de práticas reguladas e ditadas pelos poderes superiores.

Contudo, ainda não é uma ciência, pois não procura o domínio de natureza através do conhecimento de suas leis, mas pela invocação de um poder que atua no seu interior, embora esteja totalmente acima desta. O principal representante desta tese é G. Frazer.

Já o primeiro teorizador a respeito da origem psicológica da religião foi Sigmund Freud [36]. Para quem a religião nasce do fato de o homem não conseguir dominar a imensa complexidade de forças contrastantes que atuam dentro de si mesmo e, é naturalmente levado a convencer-se da existência de uma entidade ou ser todo- poderoso, cujo poder se faz sentir dentro de si mesmo, para que se coloque em tudo na sua dependência.

Assim desconhecedor dos mecanismos que atuam no seu inconsciente e, ora acorrentado às forças invencíveis ora possuído por ideais inacessíveis, que de forma nenhuma consegue descobrir como obra sua, o homem imagina que tem existir um ser supremo que tudo governa e que exige inteira obediência.

Para os psicólogos, o fenômeno religioso o avolumar da ilusão, em que é considerado fora e acima de tudo, o que não passa de simples produto das forças incontroladas do inconsciente humano.

De qualquer forma, os estudiosos situam a gênese do fenômeno religioso em consonância perfeita ao nível da realidade natural, e tal como esta, poderá ser estudada cientificamente nas suas causas, através das suas manifestações.

A religião é, portanto, somente um produto cultural cuja evolução e origem podem ser localizadas pelo estudo histórico, a sua caracterização pode ser feita pela Sociologia, bem como pela Psicologia.

Daí a relevância que assumem os estudiosos da História das Religiões posto que busquem a determinação da origem histórica, bem como compreender o processo evolutivo se de caráter progressivo ou regressivo do fenômeno religioso.

Também se preocupa em descobrir quais exigências especificamente humanas que determinaram o fenômeno religioso e encaminham-se a conclusão que aponta que tal fenômeno tende a desaparecer em proveito de outras formas de atividade mais adequadas para conseguir os mesmos objetivos.

Já outros pensadores encaram a religião como fenômeno humano autônomo, e não reduzível a qualquer outro, sendo inerente a natureza humana.

O busilis dessa concepção é saber se se trata de fenômeno essencialmente humano e de dimensão simplesmente humana, ou a sua origem é sobrehumana, cujo domínio se estende para além da atividade vulgar do ser humano.

Os defensores da religião como reflexo natural e espontâneo de natureza humana, sem em nada a transcender, estão Feuerbach e Nietzsche.

Segundo Feuerbach, a religião não é mais que uma manifestação do homem enquanto tal, cuja dimensão e poder ultrapassam em muito as dimensões concretas e capacidades próprias de cada indivíduo em particular.

Cada ser humano sente em si mesmo um poder e uma força de expansão para além de todos os limites a que normalmente se vê confinado na sua existência e, não sabendo que se trata de uma manifestação do poder ilimitado da natureza humana de que ele participa, julga que deve existir um ser diferente dele, com poder infinito e, dedica-se a prestar-lhe o culto como se de um outro completamente diferente se tratasse.

Porque ignora o que é a essência humana, os seus atributos e capacidades, toma as manifestações da ilimitada potência como sinais da existência de um Deus, distante e cioso de seus direitos, projetando-se para fora de si e aliena-se, isto é, imagina como próprio de outro o que ele essencialmente.

De acordo Nietzsche, a religião é uma expressão natural e intrínseca do homem, reflexo de um “poder de ser”, que o habita e ultrapassa tudo quanto na sua existência, pelas práticas habituais. A religião situa-se numa experiência do incomensurável, capaz de penetrar no âmago humano.

A experiência do divino não é mais do que uma expressão gerada na “alegria criadora” que inunda o interior humano um “sentimento de excesso de poder” que nele tende a concretizar-se.

Conclui-se que a religião pura e genuína é uma forma espontânea de gratidão, pela grandeza do que é ser homem, que ultrapassa os estreitos limites a que cada indivíduo se vê reduzido em sua trivial existência.

Ao pronunciar o nome de Deus, o homem afirma sem reserva à vida e tece hino ao que seja a vida tem de afável, amigável, cruel, de maravilhoso e terrível, de criador e destrutivo.

Para Nietzsche que fora também filólogo e estudo o significado objetivo da palavra “Deus” não é mais do que o poder sem limites que trespassa o homem, o signo por excelência da “vontade de poder” a que urge dar voz e satisfação.

Para Feuerbach, a palavra Deus corresponde à essência humana nas suas inumeráveis e indelimitáveis potencialidades. Por isso, estes dois pensadores defendem que, quando o homem pratica a religião convencido de que cumpre dever de adoração a um ser soberano, totalmente distinto e acima dele, para obter o favor da sua proteção, o fenômeno religioso pertence ao domínio da ilusão.

Então ao pronunciar o nome de Deus, segundo Nietzsche há a expressão da essência humana como matriz do desejo de superação de cada homem para homem em plenitude, segundo Feuerbach a religião pode tornar-se num campo de luz, numa aurora dos novos tempos e na forja do “homem novo”.

Assim este foi o clamor que, no século passado, começou a ecoar nos mais variados domínios da atividade humana e que, na primeira metade deste século, acabou por revigorar e orientar o movimento de secularização, iniciado há quatro séculos por ativistas dispersos, mas que agora tornou foros de soberania no campo da cultura.

Porém, algo abalou os alicerces da elevação do homem ao lugar de Deus. Os estruturalistas franceses, sobretudo os de conotação psicanalista, vieram dizer que a visão empolgante do humanismo não passava de um sonho como compensação para a triste realidade da fraqueza, pequenez, insegurança e miséria do homem, mera coisa arrastada num turbilhão de forças, contra as quais se sentia totalmente impotente.

Não somente Deus enquanto ser soberano e transcendente era fruto de uma ilusão. O próprio homem, tal como era concebido no seio do movimento humanista, não passava duma invenção sem consistência e, por isso, sem qualquer poder para interferir com êxito no rumo dos acontecimentos ou para resistir ao sem número de ameaça com que se via cercado.

Para os estruturalistas, o homem exaltado pelos humanistas não passava, tal como o Deus da Religião, de um fantasma, que tanto podia revestir a forma dum consolador como a de um aterrorizante, gerado nas turvas águas revoltas do psiquismo humano e erguido para alimentar a ingenuidade dos crentes.

O Deus da Religião e o “homem novo” sem qualquer freio na sua “vontade de poder” ou nas suas incomensuráveis potencialidades não eram mais que “a imagem fantasmagórica do pai dominador” ou de uma sociedade-mãe de quem tudo se espera, um mito carregado de pesadas normas morais que a tradição tem colocado aos ombros dos indivíduos e de velhos tabus ou barreiras interiores invioláveis por qualquer vontade humana.

Não se advogada a eliminação pura e simples da religião, posto que possa servir de lenitivo para os amargores da vida, junto dos que não tinham capacidade para melhor compreensão.

Mas numa etapa posterior, poderá a religião ser considerada como coisa ultrapassada, mas que, enquanto não chega um salva-vidas para os náufragos do mar da existência, esta pode servir de boia ou de jangada capaz de manter a esperança de chegar a um porto seguro.

Há as formas de contra-poder ou organizações políticas, podendo ir preparando o Estado que proteja os indivíduos e lhe acrescente para suportar a vida real e real condição. Não há como ignorar o relevo da organização social.

O fenômeno religioso não se apresenta normalmente como algo pertencente apenas o modo de expressão externa em obediência as leis de caráter social e com implicações na sociedade.

O que importa saber é se tal característica se deve à sua estrutura interna e a uma dinâmica própria, ou sem pura e simplesmente, como qualquer fato cultural, a religião é indissociável do contexto social, sendo também uma forma de nesta intervir.

Para alguns sociólogos, a religião não é mais do que a espontânea expressão da vivência social de um povo, antes da tirania da ordem jurídica, mas a que a normal estratificação social e as relações profissionais exigem.

Giordano Bruno e Niccolò Maquiavel defendiam que a Religião em si mesma representa uma espontânea forma espontânea de vida em sociedade por parte do povo simples e constitui a mais lídima do seu desejo de justiça, do seu amor à liberdade e da sua adesão espontânea aos bons costumes.

Foi Maquiavel um dos pioneiros a distinguir entre religião e igrejas. O fenômeno religioso é eminentemente social, no sentido de expressão espontânea da sociabilidade humana.

Por outro lado, sua organização ou instituição externa, ou igreja já sofre do artifício humano com o objetivo de promover o domínio dos que nesta assumem lugares de poder ou como forma de fortalecer a autoridade dos que exercem o poder na sociedade.

Com o fito de entravar este comando dos senhores do poder, vai para quatro séculos que se gerou um movimento no sentido de separa o religioso do social, transformando a sociedade civil em única expressão da dinâmica social da existência humana, com base na vontade das maiorias e relegando o religioso ao âmbito das convicções internas e da vida particular dos cidadãos.

Apesar de suas primeiras dissidências no interior da reforma protestante no século XVI, o processo de secularização foi amplamente teorizado no século seguinte e pelos filósofos positivistas atingiu seu ápice com a defesa de sociedades plurais e ateias.

Na primeira metade do século vinte, no âmbito da especulação teológica, gerou-se um movimento de secularização que posteriormente foi chamado de teoria da libertação que, consistia em não limitar a atividade religiosa ao domínio puramente individual, mas no sentido de traduzir e orientar, mas no sentido de traduzir e orientar ações de intervenções sociais em favor daqueles que sofriam os efeitos do autoritarismo, da ditadura e dos detentores do poder econômico e político.

Tanto os adeptos do positivismo como da teoria da libertação possuem em comum a convicção de que o fenômeno religioso mesmo quando espontâneo da sociabilidade não é portador de dinâmica que exija instituição externa (igreja).

Sendo o fenômeno religioso esvaziado de sua função social em favor da instituição política. Para melhor entender o fenômeno religioso precisamos ir até as mais remotas manifestações a quatro mil anos antes de Cristo, na Mesopotâmia, onde já se apontava para a concepção transcendente, ou do sagrado como um mundo habitado por uma comunidade de seres superiores, estratificados na dependência um dos outros e hierarquicamente colocados acima de todos os restantes.

Assim cada grupo humano adotava um símbolo de Deus e que presidia a sua própria concepção de mundo e que variava para cada grupo humano. Desta forma o chefe de cada grupo era tido como expressão visível e detentor, entre os homens, do poder que o deus principal detinha entre os outros deuses protetores da sua comunidade.

Mas a necessidade de congregar vasto conjunto de grupos humanos mais próximos serviu para realizar empreendimentos de interesse comum, como a construção de diques, canais de irrigação, o que levou os povos da Mesopotâmia a se congregarem sob o chefe imposto aos demais grupos.

É o início da formação do Estado moderno, cujo símbolo passará a ser um deus principal da concepção do sagrado vigente na cidade dominadora e representado pelo chefe desta.

Porém mais difícil do que submeteram os chefes das várias cidades ao chefe da cidade principal, era geralmente submeter os deuses principais de várias cidades ao deus que detinha o comando.

Por isso é que já no terceiro milênio quando o Estado já como aglomerado de povos e regiões sob o poder central era uma realidade e onde aparece a concepção de mundo transcendente em que se procura o lugar e a função de cada deus principal das concepções próprias de cada provo, e estabelece a hierarquia de competências e funções.

Porém, nunca foi pleno aceite de que a dependência de todos os deuses principais de vários povos em relação ao Deus principal do povo ou cidade que detinha o domínio sobre os outros.

O mundo dos deuses tal como no grupo humano continuava a ser o único modelo da sua própria organização, e o Deus principal da sua comunidade de deuses, era um único símbolo mesmo quando impedidos de ter um chefe terreno que exercesse o poder em nome de seu deus.

A concepção do mundo transcendente de pendor muito mais teórico e especulativo que qualquer das anteriores, trouxe o início da teologia que trouxe o mundo dos seres sobrenaturais não mais na dependência de um deus em paridade com qualquer dos deuses principais das várias cidades, mas na dependência de uma comunidade divina, concebida como a única fonte de ser no mundo dos deuses.

A primeira cidade a alcançar um domínio sobre a grande maioria das cidades da Mesopotâmia e mesmo de outras regiões foi Babilônia. Marduk, o seu deus principal foi proclamado diante de todos como o “filho mais amado da inteligência”.

Essa nova teorização da divindade gera uma concepção de mundo transcendente que vai cada vez se afastando mais do mundo dos homens, o que é natural e humano, o totalmente outro.

Seccionada a direta correspondência entre a comunidade dos deuses e a dos homens, perde-se o cariz fundamentalmente social do fenômeno religioso e, em sua substituição, começa a aparecer um fenômeno novo, a partir do ano 1500 a.C., em vez da preocupação de imitar o mundo dos deuses, tão distante e abstrato, eleva-se o soberano dos estados à categoria de deus.

Trata-se de forma de tornear a dificuldade de traduzir no Estado a organização do mundo sagrado, em si tão complexa e etérea: se os deuses se afastam tanto dos homens, porque é que estes não hão de poder criar deuses mais próximos?

A organização externa da Religião como simples forma de aumentar o domínio dos poderosos nos Estados tece, portanto, a sua primeira manifestação na elevação do soberano a categoria de ser divino e foi motivada precisamente pelo fato de se ter descuidado a primitiva visão do mundo dos deuses como modelo do mundo dos homens ou da natureza eminentemente social dos fenômenos religiosos.

Quando a divindade começa a ser concebida como o que está além de toda realidade natural e humana, como algo cujo ser, único no que é, seja vário como é, não pode ter qualquer imitação terrena, a divinização do soberano começa a ser uma tentação em que os crentes facilmente caem, na medida em que isso vem lançar uma ponte sobre o abismo cavado entre o mundo dos homens e o “totalmente diferente”.

A mais notória exceção a esta tendência vem da tribo de Abraão onde vigeu o modelo da unicidade do divino e da impossibilidade e de ser cabalmente conhecido e representado de forma visível: o nosso Deus é único e está acima de todos os deuses; que ninguém ouse reproduzi-lo em imagem; a única imagem que temos o nosso Deus é o seu nome, para sempre bendito,

Pela ação de Moisés, o Deus distante e cioso de seu poder, disposto à indignação pelos desvios aos seus decretos, volta a ter um representante direto do seu poder ou um chefe visível que age em seu nome.

Com a pregação dos profetas de Israel particularmente Isaías, o correspondente a palavra de Deus começa a ser algo puramente pensável.

Até que Fílon[37], o filósofo judeu da Alexandria, acaba por defender que deus é totalmente inacessível à inteligência humana um ser que está além de toda a possibilidade de ser conhecido.

Com o cristianismo é impossível situar ou pensar em Deus com a exclusão do homem e é impossível conceber a divindade como uma monarquia absoluta. Deus é em si mesmo comunidade e havia o homem em união de amor, que vai até à suspensão numa cruz.

As raízes do pensamento vieram a ser o substrato da teologia cristã são comuns às das outras três grandes religiões proféticas: o judaísmo, o mazdaísmo e o islamismo que advieram da Mesopotâmia e remontam ao terceiro milênio antes do Cristo.

Mas mesmo nessas raízes há uma ambivalência latente na concepção de divindade posto que Deus nunca fosse visto, Deus habita entre os homens.

A dificuldade de dissolver esta ambivalência torna igualmente difícil a conciliação entre a sistematização teórica e a tradução prática do fenômeno religioso.

Quando se acentua a concepção da unidade em Deus e a sua distância – único, indizível e sem qualquer imagem de si mesmo a essência comunitária do fenômeno religioso tende a encontrar um substituto visível da realidade divina ou do mundo sagrado na comunidade dos homens ou no Estado.

Assim um determinado modo de organização de um povo, uma determinada nação ou Estado se apresentarem como expressão mais perfeita do saber e do querer divinos.

Quando se acentua muito a concepção comunitária de Deus e sua presença em imagem entre os homens, sendo diverso, observável e possível sendo um só poder, fora do âmbito religioso, é concebido como um poder por delegação.

Desde o protesto dos reformadores até hoje, têm sido inúmeras as tentativas de dar ao fenômeno religioso uma forma de expressão que salvaguarde Deus o seu rosto humano e, no homem a sua dimensão divina.

Porém, permanece o fantasma da confusão entre o religioso e o político, porque uns pretendem, para a Igreja, um modelo de organização à imagem de um Estado e, outros desejam um Estado aberto à intervenção da Igreja, até mesmo no campo legislativo.

Por outro viés, há quem defenda que o Estado pode cumprir cabalmente as funções sociais da Igreja e intervir ativamente na sua atividade externa.

No aspecto jurídico, na previsão constitucional de liberdade de crença que fora introduzida no pensamento jurídico através da Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776 e que apontava que “todos os homens têm igual direito ao livre exercício da religião, segundo os ditames da consciência”.

Ganhou o terreno constitucional com a primeira Constituição norte-americana [38] de 1789 que previa que “o Congresso não poderá passar nenhuma lei estabelecendo uma religião, proibindo o livre exercício dos cultos”.

Em França através da Declaração de Direitos do Homem, de 1789, em seu art. 10 determinava que “ninguém deve ser inquietado por suas opiniões mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei”.

Posteriormente, em 1795 a Convenção nacional ordenou a separação da Igreja do Estado. E, nesse mesmo sentido, Napoleão em 1802 assinara uma concordata com a Igreja Católica, tornando-a igreja oficial do Estado […] e, em 1803, confraternizou com as igrejas protestantes, e em 1905, novamente fora votada a separação entre Igreja e Estado.

A Constituição brasileira republicana de 1891 é que tornou o Brasil um país laico, adotando o modelo norte-americano que prego mesmo que sendo laico o Estado, há um reconhecimento da religiosidade do povo.

A referida neutralidade estatal na imposição da escolha de religião transporta intrinsecamente o direito de liberdade de pensamento, permitindo que o indivíduo possa livremente escolher ou não, rejeitar, mudar ou aderir à religião que lhe for mais conveniente.

Já que a crença pode manifestar-se pela conduta individual, notada pelos que com o indivíduo convivem, sem que a pessoa pretenda com isso proselitismo.

A liberdade religiosa não consiste apenas no fato do Estado não impor a ninguém qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinar crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem seguir determinada religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem, em matéria de culto, de família ou ensino, em termos razoáveis. E, consiste, por outro lado, e sem que haja qualquer contradição, em o Estado não impor ou não garantir com as leis o cumprimento desses deveres (…).

Se o Estado, apesar de conceder aos cidadãos, o direito de terem uma religião, os puser em condições que os impeçam de praticá-la, aí não haverá liberdade religiosa. E também não haverá liberdade religiosa se o Estado se transformar em polícia das consciências, emprestando o seu braço – o braço secular – às confissões religiosas para assegurar o cumprimento pelos fiéis dos deveres como membros dessas confissões.

Sendo a liberdade[39] de pensamento o núcleo valorativo do tema sob análise, cada indivíduo deve ser livre para poder manifestar sua escolha em relação à fé em matéria transcendental, escolhendo acreditar ou não em um Deus ou em vários deuses, escolhendo ter ou não uma religião, como descrevem a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos:

“[Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 18].

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar a religião, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

 

[Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigo 18].

1. Toda pessoa terá direito à liberdade de pensamento, consciência e religião. Esse direito incluirá a liberdade de ter ou adotar uma religião ou crença de sua escolha e a liberdade de manifestar sua religião ou crença, individualmente ou coletivamente, pública ou privadamente, por meios de cultos, celebrações, práticas e ensino.

2. Ninguém será submetido a coerções que possam restringir sua liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha.

3. A liberdade de manifestar a própria religião ou as próprias crenças só poderá estar sujeita a limitações estabelecidas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos fundamentais e as liberdades das demais pessoas.

4. “Os Estados-Partes no presente pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos pais e, quando for o caso, de tutores legais, de assegurar a educação moral e religiosa de seus filhos, de acordo com suas próprias convicções.”

É na liberdade de crença que se insere a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade ou o direito de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir à religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o livre agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença, pois também a liberdade de alguém vai até onde não prejudique a liberdade dos outros.

É esse campo da liberdade de pensamento, de consciência e de crença que diz respeito somente ao indivíduo. Não podendo sofrer qualquer interferência do Estado. É essencialmente ligado à própria ideia existente de democracia, pois sem um pensamento livre inexiste a possibilidade de escolha.

A respeito da laicidade estatuída na Constituição portuguesa de 1911, J.J. Canotilho assevera: “Se no tocante à estrutura organizatória da República a Constituição de 1911 não fez senão recolher as ideias do liberalismo radical (e nem todas), quanto a outros domínios tentou plasmar positivamente, em alguns artigos, o seu programa político. Um dos pontos desse programa era a defesa de uma república laica e democrática. O laicismo, produto ainda de uma visão individualista e racionalista, desdobrava-se em vários postulados republicanos: separação do Estado e da Igreja, igualdade de cultos, liberdade de culto, laicização do ensino, manutenção da legislação referente à extinção das ordens religiosas (cfr. art. 3. °, n. 4 a 12). O programa republicano era um programa racional e progressista: no fundo, tratava-se de consagrar constitucionalmente uma espécie de pluralismo denominacional (cfr. Const. 1911, art. 5/3), ou seja, a presença na comunidade, com iguais direitos formais, de um número indefinido de colectividades religiosas, não estando nenhuma delas tituladas para desfrutar de um apoio estadual positivo. “Igrejas Livres no Estado indiferente”, eis o lema avançado por Manuel Emídio Garcia. Relativamente à autoridade política, a religião deixa de ser um tema público para se enquadrar na esfera dos assuntos privados, a não ser quanto à vigilância da própria liberdade religiosa. E não há dúvida que a filosofia liberal se impunha neste sector com uma lógica indesmentível: uma sociedade politicamente democrática, assente no relativismo político, postula também uma sociedade religiosamente liberal, tolerante para com todos os credos, aceito e praticado pelos cidadãos. O equilíbrio religioso originaria como consequência inevitável a secularização da educação, dado que um estado laico não pode tolerar um monopólio de orientação a favor de uma religião (cfr. art. 3.710) (…).”.

O referido programa laicista revelou algumas vezes um anticlericalismo sectário ao pretender impor-se como projeto de hegemonização de nova mundividência. Com certeza as forças clericais, quase sempre estiveram ao lado das forças legitimistas e nobiliárquicas e feudais, estavam agora contra a República, mas um programa laicisita não se deve confundir com anticlericalismo.

Por outro lado, a laicidade que fora introduzido no ordenamento jurídico francês a partir de 1880, confirmada pelo art. 1º da Constituição de 1958 e que a tornou um dos caracteres básicos da República, é a base ideológica do regime da liberdade religiosa.

No fundo, a laicidade não é apenas questão referente á religiões. O Estado não assume qualquer tipo de religião ou crença filosófica, sem embargo de optar por valores éticos considerados juridicamente protegidos.

Na seara científica do Direito já uma acirrada disputa entre a visão positiva e uma visão jusnaturalista. Não caberia ao Estado posicionar-se por esta ou àquela tendência.

Da mesma forma que não cabe ao Estado ser socialista ou libera, ou então, marxista-leninista, como fora na velha União Soviética. Pode, no entanto, o Estado, mediante métodos democráticos, optar, por exemplo, por uma lei que discipline a repartição dos lucros entre os empregados, ou uma lei que transfira à iniciativa privada serviços públicos essenciais (algo que seria ligado mais à visão liberal).

O mesmo se cogita em relação aos determinados valores sociais, que acabaram se tornando valores juridicamente protegidos, sem embargos de serem dedutíveis de uma visão proveniente desta ou daquela religião.

É natural que as ideologias e as crenças exerçam sua influência na sociedade e também na elaboração das leis, mas não cabe ao poder público assumir este ou aquele conjunto de ideias ou crenças religiosas, de modo direito e explícito.

A abstenção do Estado nas crenças individuais e a neutralidade na definição de religião oficial fora objeto de previsão da atual constituição brasileira em seu art. 19, inciso I, que prescreve que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com estes ou com seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada na forma da lei, a colaboração de interesse público.

A quebra de unidade religiosa da cristandade deu origem à aparição de minorias religiosas que defendiam o direito de cada um à verdadeira fé. Esta defesa da liberdade religiosa postulava, pelo menos a ideia de tolerância religiosa e a proibição do Estado em impor ao foro íntimo do crente uma religião oficial.

Por este fato, alguns doutrinadores como G. Jellinek vão ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais.

Neste contexto, é ofensivo a liberdade de crença o emprego de símbolos religiosas em repartições públicas. Isto é:

“A decisão por ter ou não ter uma crença é, assim, assunto do indivíduo, e não do Estado. O Estado não pode nem lhe prescrever nem lhe proibir uma crença ou religião. Faz parte da liberdade de crença, porém, não somente a liberdade de ter uma crença, mas também a liberdade de viver e comportar-se segundo a própria convicção religiosa (…)”.

A liberdade por ter ou não ter uma crença, é uma assunto do indivíduo, de cunho privado, e não do Estado. O Estado não pode nem lhe prescrever nem lhe proibir uma crença ou religião. Faz parte da liberdade de crença, porém, não somente a liberdade de ter uma crença, mas também a liberdade de viver e comportar-se segundo a própria convicção religiosa (…).

Com clareza solar, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Martires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco interpretaram o dispositivo constitucional vigente:

“A laicidade do Estado não significa, por certo, inimizade com a fé. Nem impede a colaboração com confissões religiosas, para o interesse público (art. 19, I, CF). A sistemática constitucional acolhe, mesmo, expressamente, ação conjunta dos Poderes Públicos no âmbito dos cultos religiosos, como é o caso da extensão de efeitos civis ao casamento religioso. Nesse sentido, não há embaraço – ao contrário, parecem bem-vindas, como ocorre em tantos outros países – a iniciativa como a celebração de concordata com a Santa Sé, para a fixação de termos de relacionamento entre tal pessoa de direito internacional e o país, tendo em vista a missão religiosa da Igreja de propiciar o bem integral do indivíduo, coincidente com o objetivo da República de “promover o bem de todos” (art. 3º, IV da CF). Seria erro grosseiro confundir acordos dessa ordem, em que se garantem meios eficazes para o desempenho da missão religiosa da Igreja, com a aliança vedada pelo art. 19, I da Constituição. A aliança que o constituinte repudia é aquela que inviabiliza a própria liberdade de crença, assegurada no art. 5º, VI da Carta, por impedir que outras confissões religiosas atuem livremente no País”. (In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3.ed., rev.atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 409).

A neutralização do Estado quanto à escolha de uma religião oficial permitiu que os indivíduos pudessem escolher ou não determinada religião, tendo, ainda proibido embaraços, por parte do setor público, à criação e realização dos cultos religiosos.

Para garantir o direito à liberdade de crença, a Constituição de 1988 prescreve não somente referido o direito, mas também protege o local destinado ao culto religioso.

Nesse diapasão, o culto poderá ser exercido em qualquer lugar público, sem qualquer interferência estatal. A proteção ao local do culto religioso assegura, por conseguinte, a entidade religiosa mantenedora do culto, isto é, a proteção contida na Constituição de 1988 não está restrita à crença e à realização do culto, mas também à pessoa jurídica de direito privado, que organiza, realiza, e mantém o culto religioso.

Tal proteção visa evita embaraços na realização do culto religioso, posto que o sistema constitucional utiliza-se da imunidade tributária para proteger os templos de qualquer culto (qualquer religião, sem qualquer discriminação) das investidas fiscais do Estado contra as entidades religiosas.

O meritíssimo senhor juiz Eugênio Rosa de Araújo da 17ª Vara de Fazenda Federal do Rio de Janeiro, avaliou novamente os fundamentos da sentença onde havia declarado que candomblé e umbanda não são considerados religiões e sim cultos. A mudança de postura fora divulgada recentemente em 20 de maio do corrente ano, em nota veiculada pela assessoria de imprensa da Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Admitiu recentemente o equívoco e modificou parte do conteúdo de sua sentença, onde afirmou: “o forte apoio dado pela mídia e pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões”.

O julgador, no entanto, não muda, entretanto, o teor da sentença em si. O magistrado reafirma a negativa dada na ação movida pelo Ministério Público Federal do RJ que solicitava a retirada do YouTube de 15 (quinze) vídeos considerados ofensivos à umbanda e ao candomblé [40].

No mesmo caminho, via assessoria, o juiz federal informa que “manteve o indeferimento da liminar pela retirada dos vídeos no Google postados pela Igreja Universal e esclarece que sua decisão teve como fundamento a liberdade de expressão e de reunião”.

De qualquer maneira a proteção constitucional é pacificamente aceita e, refere-se à liberdade de crença e não faz exigências de configurar-se religião ou qualquer outro conceito como culto ou seita. Sendo estes últimos também amparados constitucionalmente.

Referências:

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[1] De acordo com a teoria do conhecimento, o intelectualismo é a doutrina que procura a mediania entre o racionalismo e o empirismo, tendendo levemente para o último. Segundo ela, a consciência cognoscente lê na experiência os conceitos. Seu axioma fundamental é o seguinte: nihil est intellectu quod prius non fuerit in sensu (“nada está no intelecto que não tenha passado pelo sentido”). Seu fundador é Aristóteles, que teve por discípulo Santo Tomás de Aquino, que dá novo vigor à sua doutrina e juntamente com os demais escolásticos também postula o axioma supracitado.

[2] Indra é um deus heroico, assassino de Vritra e destruidor de Vala, libertador das vacas e dos rios; Agnis corresponde ao fogo sacrificial e mensageiro dos deuses; Soma a bebida ritual dedicada a Indra. Há dois grupos principais de deuses, os devas e os asuras. Ao contrário dos textos védicos mais tarde, e mais tarde no hinduísmo, os Asuras ainda não foram demonizados.

[3] Henoteísmo (do grego hen theos, “um deus”) é termo criado pelo orientalista e estudioso das religiões Max Müller (1823-1900) para designar a crença em um deus único, mesmo aceitando a existência possível de outros deuses. Seu objetivo era estudar comparativamente as religiões orientais e o monoteísmo judaico, islâmico e cristão, contestando a superioridade teológica deste perante outras concepções de divindade. Termos equivalentes a essa ideia são “monoteísmo inclusivo” e “politeísmo monárquico”. 2 Nesse sentido, um “deus” pode se referir a uma personificação (entre outras) do Deus supremo, mas também se pode atribuir a esse Deus o poder de assumir múltiplas personalidades.

[4] Do latim (latim catena+teo+ismo) A adoração de um só deus por vez como ser supremo, sem negação da existência de outros deuses, que inclui a tendência de atribuir a deuses diferentes, um após outro, o poder supremo.

[5] Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857) foi filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo, trabalhou intensamente na criação da filosofia positivista. A filosofia positiva de Comte nega que a explicação dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideração das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e pesquisa suas leis, vistas como relações abstratas e constantes entre fenômenos observáveis. Os anseios de reforma intelectual e social de Comte desenvolveram-se por meio de sua Religião da Humanidade. Para Comte, “religião” e “teologia” não são termos sinônimos: a religião refere-se ao estado de unidade humana (psicológica, espiritual e social), enquanto a teologia refere-se à crença em entidades sobrenaturais. Considerando o caráter histórico e a necessidade de unidade do ser humano, a Religião da Humanidade incorpora nela a teologia e a metafísica – respeitando, reconhecendo e celebrando o papel histórico desempenhado por esses estágios provisórios, absorvendo o que eles têm de positivo (isto é, de real e de útil). A Religião da Humanidade encontrou em Pierre Laffitte seu principal dirigente na França após a morte de Comte, especialmente na III República francesa. No Brasil, o Positivismo religioso encontrou grande aceitação no século XIX; embora com menor intensidade no século XX, o Positivismo religioso brasileiro teve grande importância: por exemplo, durante a campanha “O petróleo é nosso!”, cujo vice-presidente era o positivista Alfredo de Moraes Filho, e durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em que o Centro Positivista do Paraná também solicitou, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil e Associação Brasileira de Imprensa, o afastamento do Presidente da República.

[6] Herbert Spencer (1820-1903) foi filósofo inglês e um dos representantes do positivismo. Foi grande admirador da obra de Charles Darwin, é dele a expressão “sobrevivência do mais apto” e em sua obra procurou aplicar as leis da evolução a todos os níveis da atividade humana. É considerado o pai do darwinismo social, embora jamais tenha utilizado o termo. Com base em seus pensamentos, alguns autores procuraram justificar a divisão da sociedade em classes, sugerindo que estes seriam exemplos da seleção natural.

[7] Edward Burnett Tylor (1832-1917) foi antropólogo britânico. Era irmão do geólogo Alfred Tylor e filiou-se à escola antropológica do evolucionismo social. Considerado o pai do conceito moderno de cultura, enxergando a cultura humana como única, posto que defenda que os diferentes povos sofreriam convergência de suas práticas culturais ao longo de seu desenvolvimento, ideia que não é consenso atualmente. Sua principal obra é Primitive Culture de 1871. É considerado como representante do evolucionismo social. E definiu o contexto do estudo científico da antropologia, baseado nas teorias uniformitárias de Charles Lyell. Ao contrário do que comumente se acredita a obra de Darwin não desempenhou enorme influência no pensamento de Tylor, embora de fato tenha lido Darwin. Ele acreditava que existia uma base funcional para o desenvolvimento da sociedade e da religião, que ele determinou ser universal. Introduziu o termo animismo (a fé na alma individual ou anima de todas as coisas e manifestações naturais) no senso comum. E considerou o animismo o primeiro estágio evolutivo de todas as religiões.

[8] O termo animismo aparenta ter sido desenvolvido inicialmente pelo cientista alemão Georg Ernst Stahl por volta de 1720 para se referir ao conceito de que a vida animal é produzida por uma alma imaterial… Pelo termo animismo Tylor designou a manifestações religiosas imanentes a todos os elementos do

Cosmos (sol, lua, estrelas) a todos os elementos da natureza (rio, oceano, montanha, floresta, rocha), a todos os seres vivos (animais, fungos, vegetais) e a todos os fenômenos naturais (chuva, vento, dia, noite). É um princípio vital e pessoal chamado ânima, o qual apresenta significados variados como: cosmocêntrica (significa energia); antropocêntrica (significa espírito) e teocêntrica (significa alma).

[9] Xenófanes de Cólofon (570 a.C.- 460 a.C.) foi um filósofo grego nascido em Cólofon, na Jônia (atual costa ocidental da Turquia). Deixou cedo sua cidade natal para levar vida errante na qualidade de rapsodo. Acredita-se que tenha passado algum tempo na Sicília e também em Elia. Segundo a tradição teria sido mestre de Parmênides de Eleia. Escrevera unicamente em versos em oposição aos filósofos jônios como Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto e Anaxímenes de Mileto. Foi o primeiro a utilizar a observação de fósseis como evidência para a teoria da história da Terra. Verificou a existência de fósseis de peixes e conchas em terras secas, chegando à conclusão que tais locais em outras épocas estavam embaixo da água. A sua concepção filosófica destaca-se pelo combate ao antropomorfismo, afirmando que se os animais tivessem o dom da pintura, representariam os seus deuses em forma de animais, ou seja, à sua própria imagem. As suas críticas à religião não tinham como objetivo um ataque pleno à dita, mas, “dar ao divino uma pura e elevada ideia: o verdadeiro deus é único, com poder absoluto, clarividência perfeita, justiça infalível, majestada imóvel; que em pouco se assemelha aos deuses homéricos sempre a deambular pelo mundo sob o império das paixões”, ou seja: só existe um deus único, em nada semelhante aos homens, que é eterno, não- gerado, imóvel e puro.

[10] Émile Durkheim (1858-1917) foi o primeiro sociólogo a criar métodos na sociologia e foi um dos fundadores da escola francesa, posterior a Marx, que combinava a pesquisa empírica com a teoria sociológica. É amplamente reconhecido como um dos melhores teóricos do conceito de coesão social.

Partindo da afirmação de que “os fatos sociais devem ser tratados como coisas” forneceu uma definição do normal e do patológico aplicada a cada sociedade, em que o normal seria aquilo que é ao mesmo tempo obrigatório para o indivíduo e patológica aplicada a cada sociedade, em que o normal seria aquilo.

Que é ao mesmo tempo obrigatório para o indivíduo e superior a ele, o que significa que a sociedade e a consciência coletiva são entidades morais, antes mesmo de terem uma existência tangível. Essa preponderância da sociedade sobre o indivíduo deve permitir a realização deste, desde que consiga integrar-se a essa estrutura. Para que reine relativo consenso nessa sociedade, deve-se favorecer o aparecimento de uma solidariedade entre seus membros. Uma vez que a solidariedade viria segundo o grau de modernidade da sociedade, a norma moral tende tornar-se a norma jurídica, pois é preciso definir, numa sociedade moderna, regras de cooperação e troca de serviços entre os que participam do trabalho coletivo (preponderância progressiva da solidariedade orgânica). A sociologia fortaleceu-se graças a Durkheim e seus seguidores. Suas principais obras são: Da divisão do trabalho social (1893), Regras do método sociológico (1895), O suicídio (1897). As formas elementares de vida religiosa (1912). Fundou também a revista L’ Année Sociologique, que afirmou a preeminência durkheimiana no mundo inteiro.

[11] Eugène Burnouf (1801-1852) foi eminente francês estudioso e orientalista que fez significativas contribuições para a decifração do persa antigo cuneiforme. Seu pai, o Professor Jean-Louis Burnouf (1775-1844), foi um erudito de grande reputação, e autor, entre outras obras, de uma excelente tradução de Tácito (6 vols., 1827-1833). Eugène Burnouf publicado em 1826 um Essai sur le Pali …, escrito em colaboração com Christian Lassen; e nas observações ano seguinte grammaticales sur quelques passagens de l’essai sur le Pali.

[12] Totem significa símbolo sagrado adotado como emblema por tribos e clãs por considerarem como seus ancestrais e protetores. O totem pode ser representado por um animal, planta ou qualquer outro objeto.

A palavra totem é derivada de odoodem que significa “marca da família”, na linguagem indígena. Ojibwe dos índios da América do Norte. Os totens são vistas como talismãs, que são objetos de veneração e de culto entre o grupo. Em algumas tribos, o totem pode ser simbolizado por um desenho do brasão do grupo, utilizado em diversos objetos como a identidade da família à qual pertence. O totemismo é uma crença religiosa que utiliza o totem como elemento espiritual de adoração em que existe uma relação próxima e misteriosa entre um ser humano e um ser natural. Esse relacionamento tem como fundamento uma origem em comum entre os dois seres. Esta religião é muitas vezes associada ao xamanismo por ser também uma religião com origem indígena.

[13] Tjurunga ou churinga é um objeto de significado religioso por australianos indígenas povo das arrente grupos (aranda, arunta). Denota sagrada pedra ou madeira objetos possuídos por proprietários particulares ou em grupo, juntamente com as lendas, cantos e cerimônias que lhes estão associados. Estavam presentes entre a arunta, o Loritja, o Kaitish, o Unmatjera, e o Ollpirra. Estes itens são geralmente oblongo pedaços de pedra polida ou madeira. Alguns desses itens têm cabelo ou barbante amarrado por eles e foram nomeados roarers touro, pelos europeus.

[14] Maná. O livro bíblico de Êxodo o descreve como um alimento produzido milagrosamente, sendo fornecido por Deus ao povo israelita, liderado por Moisés durante sua estadia no deserto em direção à terra prometida. Segundo Êxodo, após a evaporação do orvalho formado durante a madrugada, aparecia uma coisa miúda, flocosa, como a geada, branco, descrito como uma semente de coentro, e como o obdélio, que lembrava pequenas pérolas. Geralmente era moído, cozido, e assado, sendo transformado em bolos. Diz que seu sabor lembrava bolachas de mel, ou bolo doce de azeite.

[15] Ritos de passagem são celebrações que marcam mudanças de status de uma pessoa no seio de sua comunidade. Os ritos de passagem podem ter caráter social, comunitário ou religioso, por exemplo. Ritos de passagem são aqueles que marcam relevantes momentos na vida das pessoas. Os mais comuns são os ligados a nascimentos, mortes, casamentos e formaturas. Em nossa sociedade, os ritos ligados a nascimentos, mortes e casamentos são praticamente monopolizados pelas religiões. Já as formaturas não costumam ser em si, religiosas, mas frequentemente têm importantes momentos religiosos. O termo fora popularizado pelo antropólogo alemão Arnold van Gennep no início do século vinte. Outras teorias foram desenvolvidas por Mary Douglas e Victor Turner na década de 1960. Os ritos de passagem são inseridos em algumas das religiões afro-brasileiras mas onde estão mais presentes é no Culto de Ifá, Candomblé e Culto aos Egungun, que seguindo as tradições africanas fazem o ritual do nascimento, ritual do nome quando uma criança é apresentada ao Orun e ao Tempo, ritual de iniciação ou feitura de santo, algumas fazem o ritual do casamento, o ritual fúnebre e o ritual do Axexê quando a pessoa iniciada morre.

[16] Os anacoretas eram monges cristãos ou eremitas que viveram em retiro, solitariamente, especialmente nos primórdios do cristianismo, dedicando-se à oração e à produção de textos litúrgicos, a fim de alcançar um estado de graça e pureza de alma pela contemplação. O termo anacoreta também é utilizado para denominar um penitente que se afastou do convívio humano para viver em solidão, procurando expiar seus pecados pela meditação. Exemplos de anacoretas reconhecidos pela Igreja Católica podem ser citados o Santo Antão do Deserto e o Santo Afraates, da Igreja Siríaca.

[17] Sir James George Frazer (1854-1941) foi influente antropólogo nos primeiros estágios dos estudos modernos de mitologia e religião comparada. Frazer estudou na Universidade de Glasgow e no Trinity College, da Universidade de Cambridge. Foi nesta última instituição que ele escreveu sua obra mais importante, The Golden Bough; a Study in Magic and Religion (“O ramo de ouro”, 1890). “O ramo de ouro” é uma obra alentada (12 volumes na edição final, concluída em 1915), onde o autor faz um estudo comparativo dos mitos e do folclore de várias sociedades, e levanta a tese de que o pensamento humano evoluiu de um estágio mágico para outro religioso, e daí para um nível científico. Esta tese foi logo refutada por outros antropólogos, mas a distinção feita por Frazer entre magia e religião, ainda é aceita: na magia, o utilizador tenta controlar através de “técnicas” o mundo e os acontecimentos, enquanto que na religião, ele requisita o auxílio a espíritos e divindades.

[18] Marcel Mauss (1872-1950) foi sociólogo, antropólogo francês, nascido catorze anos mais tarde na mesma cidade que Durkheim, de quem é sobrinho. É considerado o pai da etnologia francesa. O grupo de Durkheim, matriz da chamada Escola Sociológica Francesa, visava constituir uma ciência propriamente social. Leituras mais contemporâneas a respeito de Marcel Mauss, entretanto, apontam para vários deste frente ao método racionalista de seu tio. Foi sociólogo e antropólogo foi marcante na sociologia e na antropologia social contemporânea e, considerado como o pai da antropologia francesa. Sobrinho de Émile Durkheim e nascido quatorze anos mais tarde e na mesma cidade, estudou com o tio e foi seu assistente, e tornou-se professor de religião primitiva (1902) na École Pratique des Hautes Études, em Paris. Fundou o Instituto de Etnologia da Universidade de Paris (1925) e também lecionou no Collège de France (1931-1939). Sucedeu o tio como editor da revista L’Année Sociologique (1898-1913), onde publicou um de seus primeiros trabalhos, com Henri Hubert, Essai sur la nature et la fonction du sacrifice (1899) e também Essai sur le don: forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques (1925), sua obra mais conhecida. Escreveu também numerosos artigos para periódicos especializados, especialmente os produzidos e publicados em colaboração com Henri Hubert (1899-1905) que reuniu em Mélanges d’histoire des religions (1909). Os trabalhos mais importantes do autor, que morreu em Paris, aparecem no livro Sociologie et antropologie (1960). Entre outros trabalhos de sua autoria ganharam notoriedade La sociologie: objet et méthode (1901), Esquisse d’une théorie générale de la magie (1902), Essai sur le don (1924), Sociologie et anthropologie (1950).

[19] Alfred Loisy foi teólogo e filósofo francês (1857-1940). Trata-se de um teólogo do final do século XIX, grande conhecedor das Sagradas Escrituras. Suas opiniões começaram a ser acolhidas por vários estudiosos católicos. Todo esse grupo foi considerado como modernista e Loisy como seu chefe. Em 1907, mais ou menos, o modernismo foi condenado pelo Papa. Muitos tradicionalistas repudiam Loisy, considerando-o como o pai de muitas leituras equivocadas da doutrina católica. Ele na verdade foi um autor que quis dialogar com a ciência de seu tempo, abrir a teologia à perspectiva da evolução e da história, mostrando que a própria doutrina da igreja foi o resultado de um longo processo evolutivo. Ordenado padre em 1879, foi um brilhante professor de hebraico e exegese bíblica do Instituto Católico de Paris (1881-1889). Com o objetivo de rebater as críticas que a elite cultural de Paris fazia ao cristianismo e à figura de Jesus Cristo, o Padre Loisy inicia suas pesquisas que irão lançar os fundamentos do modernismo católico. Muitos eruditos e intelectuais da época duvidavam da existência histórica de Jesus Cristo e havia muitas discussões em rodas de intelectuais, ridicularizando o Cristianismo de forma geral.

[20] Henri Hubert (1872-1927) foi arqueólogo e sociólogo de religiões comparadas, é mais conhecido por seu trabalho sobre os celtas e sua colaboração com Marcel Mauss e outros membros do Année Sociologique. Ao contrário da maioria dos acadêmicos franceses, Hubert foi centrado na investigação, em vez do ensino de pós-graduação. Ele tomou uma posição, na École Pratique des Hautes Études e em 1898 também assumiu uma posição no Musée des Antiquités. Foi nessa época que ele ficou cada vez mais interessados na história e na cultura celta. Foi também em 1898 que Hubert se tornou um amigo próximo de Marcel Mauss e começou a colaborar no Année Sociologique de Emile Durkheim, quando se tornou responsável pela seção sobre a “sociologia da religião”. Hubert e Mauss estavam a colaborar em várias obras importantes no futuro, incluindo “Sacrifício: A sua natureza e função” (1899) e seu Esboço de uma Teoria Geral da Magia (1904).

[21] Tabu é uma instituição de fundamento religioso que atribui caráter sagrado e determinado seres, objetos ou lugares, interditando qualquer contato com eles. Segundo Freud é à base da idolatria, política como a de Adolf Hitler e outros. Segundo Freud, a violação desse interdito provocaria um castigo divino uma “Maldição”, uma “Herança Maldita”, provocado pelos seguidores, que incidiria sobre o indivíduo culposo ou sobre todo o grupo social, donde segundo sua ideologia licenciaria a prática do terrorismo, aos seus “inimigos”, a prática de uma antiga sociedade marxista denominada “Mão negra” que caçavam os nobres e os clericais de 1848 em diante, não se sabe essa sociedade clandestina ainda existe. A palavra tabu é de origem germânica e polinésia, ou vice-versa, uma vez que essa região já fez parte da Alemanha. Derivada do tonganês e do maori a palavra tabu, que se se referem à proibição de determinado ato, com base na crença de que tal ato invadiria o campo do sagrado, implicando em perigo ou maldição para os indivíduos comuns, da Política, e passou para a religião. O termo fora primeiramente observado pelo capitão James Cook durante sua visita a Tonga em 1771. Foi então introduzido na Alemanha que passou para a língua inglesa. Difundindo-se posteriormente em outras línguas como o português, a partir de 1808. Embora os tabus tenham sido inicialmente associados às culturas polinésias do Pacífico Sul, os tabus estão ou estiveram presentes em praticamente todas as sociedades.

[22] Charles Guignebert (1867-1939) é historiador francês de religiões, especialista na história do cristianismo. Juntamente com Alfred Loisy, um dos principais historiadores franceses que abordaram esta questão de uma forma científica e não confessionais. Guignebert, que às vezes usa o método comparativo em seu trabalho – sem ir muito longe nesta direção – para reconstruir uma história das origens cristãs, difere Maurice Goguel, especialista Paulo de Tarso, que, ao mesmo tempo professa uma filosofia da história. Guignebert insiste quadro sincrético judaísmo na origem do cristianismo pode ser alcançado através da estimativa do Jesus histórico.

[23] Mito do grego mithós corresponde a uma narrativa de caráter simbólico-imagético, relacionada a uma dada cultura, que procura explicar e demonstrar, por meio da ação e do modo de ser das personagens, a origem das coisas (do mundo, dos homens, dos animais, das doenças, dos objetos, das práticas de caça, pescam medicina entre outros, do amor, das relações, seja entre homens, entre homens e mulheres, entre mulheres, enfim, de qualquer coisa que seja). Ao mito está associado ao rito. O rito é o modo de se pôr em ação o mito na vida do homem, em cerimônias, danças, orações e sacrifícios. O termo “mito” é, por vezes, utilizado de forma pejorativa para se referir às crenças comuns (consideradas sem fundamento objetivo ou científico, e vistas apenas como histórias de um universo puramente maravilhoso) de diversas comunidades. Acontecimentos históricos podem se transformar em lendas, se adquirem uma determinada carga simbólica para uma dada cultura, e serem erroneamente chamados de mito. Na maioria das vezes, o termo refere-se especificamente aos relatos das civilizações antigas, mas há de se lembrar de que muitas comunidades contemporâneas ainda se valem e muito do mito que, organizados, constituem uma mitologia – por exemplo, a mitologia grega, a mitologia romana, a mitologia cristã e a mitologia islâmica.

[24] Bezerro de ouro é o ídolo que, de acordo com a tradição judaico-cristã, foi criado por Aarão quando Moisés havia subido o monte Sinai para receber os mandamentos de Deus. O povo de Israel então forçara Aarão a criar um ídolo que reconduzisse ao Egito onde haviam sido escravos. Este incidente é conhecido como o pecado do bezerro e é descrito na Bíblia, no livro de Shermot (Êxodo 32:1-8). O bezerro de ouro também é referido em outra passagem bíblica, em I Reis 12: 28-32 quando o reino de Israel é dividido e o rei Jeroboão I, que fica com uma parte do reino sem ser de descendência real, cria dois bezerros para o povo adorar, e esquecer o Deus da linhagem real. Na linguagem corrente, a expressão “bezerro de ouro” tornou-se sinônimo de um falso ídolo, ou de um falso deus.

[25] O dogma da criação é fundamental para que se tenha consciência da dependência dos seres criados diante de Deus, do qual são reflexos. A criação é obra pela qual Deus produz tudo do nada. É um ato que continua enquanto dura a criatura. Não se refere somente à primeira coisa criada, mas também àquelas que vêm a partir da primeira. A criação pode ser entendida pela filosofia, mas os filósofos não cristãos refletindo sobre ela caem no dualismo, no emanatismo ou no materialismo. Porém, o pensamento mais crítico para o filósofo seria a criação “ex nihilo”, a partir do nada. A partir das coisas criadas, chega-se à conclusão de que existe um Criador. Esse pensamento contradiz o marxismo que fala do mundo “incriado”.

[26] Os gregos distinguiam três classes de alma: a alma sensitiva ou a alma dos sentidos (vê-se aqui porque o Amor, filho de Afrodite, sentiu tão veemente paixão por Psiquê, e porque Psiquê o amou ternamente): o sopro que dá vida e movimento a toda máquina, e que nós traduzimos por espírito; e a terceira classe da alma que, como nós, chamaram inteligência. Possuímos, pois, três almas, sem ter a mais ligeira noção de nenhuma delas. São Tomás de Aquino admite estas três almas, como bom peripatético, e distingue cada uma delas em três partes: uma está no peito, outra em todo o corpo e a terceira na cabeça. Em nossas escolas não se conheceu outra filosofia até o século 18. E desgraçado o homem que tomasse uma dessas almas por outra!

[27] Marduque, Marduk ou Merodaque é apresentado na Bíblia como deus protetor da cidade de Babilônia, pertencente a uma tardia geração de deuses da antiga Mesopotâmia. Era filho de relação incestuosa entre Enri e NInhursag. Foi pai de Dumuzi (que seria o bíblico Tamuz) que corresponde ao deus egípcio Amum. A sua consorte era Saparnifu. Possuía quatro olhos e ouvidos (via e ouvia tudo) e de sua língua saía uma chama; apesar de tudo, era considerado muito belo. Marduk foi declarado, por volta de 2000 a.C., Deus Supremo da Babilônia e dos Quatro Cantos da Terra, após vencer disputa entre os deuses pelo controle da Terra. Marduk não se conformava, pelo facto de a família de seu tio Enlil e seus primos Nannar-Sin e Ninurta não deixar seu pai Enki ser o supremo entre os deuses

[28] Jeová é o nome de Deus, em sua forma aportuguesada, como perda sintática da letra h (daí provém Jehovah) do hebraico uma vocalização do tetragrama. O nome próprio do Deus de Israel na Bíblia hebraica. Atualmente no Brasil, é possível encontrar o nome de Deus na forma ‘Jeová’ na Bíblia Sagrada, cerca de 300 vezes no Antigo Testamento, na tradução de João Ferreira de Almeida, na edição Almeida Revista e Corrigida publicada pela Sociedade Bíblica do Brasil, e comumente utilizada por diversas Igrejas Cristãs, sendo a segunda mais utilizada no Brasil, apenas perdendo para sua companheira Almeida Revista e Atualizada, também é possível encontrar a forma ‘Jeová’ na Almeida Revista e Corrigida na versão publicada pela Imprensa Bíblica Brasileira.

[29] O bramanismo surge da evolução da religião Védica. A Índia é conhecida mundialmente por seu sistema de castas, sendo essas introduzidas pelos Brâmanes. Mitologicamente explica-se que as quatro castas surgiram do corpo de Brahman, de sua cabeça saíram os Brâmanes, considerados como seres quase divinos, detentores do monopólio da religião; dos braços de Brahman surge a casta dos Kshátriyas, que constituem os nobres e os guerreiros; de suas pernas surgem os Vaicias, os agricultores e comerciantes; de seus pés os Sudras, homens de cor, que realizam os trabalhos mais simples, artesões e escravos. Fora das castas e segregados da sociedade encontramos os Parias ou Chandâlas, considerados como “os sem berço”. Esse sistema de castas se sustenta dentro da ideia de transmigração das almas. Para o Bramanismo todos os homens vivem dentro do que denominam “Roda de Sansara”, o ciclo de nascimentos e mortes. A alma humana, por uma necessidade evolutiva, devido a sua imperfeição, necessita de sucessivas encarnações sob as diferentes formas de acordo com o seu Karma, a soma dos méritos e deméritos de uma vida. Esse saldo ( Karma) determina necessariamente a vida futura e, portanto, justifica o nascimento em uma ou outra casta. A salvação (Moksha) consiste em libertar-se do karma, em libertar-se do renascer. No bramanismo, reencarnar é participar das dores do mundo, como se fosse o recomeço do sofrimento. Para alcançar a libertação do sansara são necessários, em um primeiro momento o sacrifício e no segundo o conhecimento. Os livros sagrados do Bramanismo são além dos Vedas os Brâmanas (rituais em prosa redigidos como elucidários e comentários dos Vedas, sendo que cada Veda possui seu Brâmana), Upanixadas e Aranyakas (elaborados por discípulos, como compilações das reflexões dos sábios, significam “ensinamentos secretos”, construídos fora da casta sacerdotal), e o código de Manu (Manu é um deus lendário ao qual o próprio Brama teria feito a entrega das leis, data aproximadamente entre o II século a.C., e o II século da era cristã, encontramos em seu conteúdo a consagração do domínio dos Brâmanes, bem como os códigos de leis civil e penal).

[30] Ludwig Feuerbach (1804-1872) foi filósofo alemão. Reconhecido pela teologia humanista e pela influência que o seu pensamento exerce sobre Karl Marx. Suas principais obras são: Da razão, una, universal, infinita (1828); Pensamentos sobre morte e imortalidade (1830); Sobre a crítica da filosofia positiva (1838); Crítica da filosofia hegeliana (1839); A essência do cristianismo (1841); Sobre a apreciação do escrito “A essência do cristianismo” (1842); Princípios da filosofia do futuro (1843); Teses provisórias para a reforma da filosofia (1843); Lutero como árbitro entre Strauss e Feuerbach (1843); A essência da religião (1846); Fragmentos para a caracterização de meu Curriculum vitae (1846); Preleções sobre a essência da religião (1851) e Teogonia (1857). Para Feuerbach, a alienação religiosa segue-se dentro de uma teoria teológica buscando a razão e a essência do homem no mundo, mas o homem é essencialmente antropológico na característica humana, pois adquire sentimentos e sensibilidade. É desta forma que Feuerbach observa a alienação decorrente em cada indivíduo que busca uma relação substancial entre Homem e Deus.

[31] Albert Camus (1913-1960) foi escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia. Foi também jornalista militante engajado na Resistência Francesa e nas discussões morais do pós-guerra. Na sua terra natal viveu sob o signo da guerra, fome e miséria, elementos que, aliados ao sol, formam alguns dos pulares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor. Foi agraciado com o Prêmio Nobel da Literatura de 1957, por sua importante produção literária, que, com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana em nossos tempos.

[32] Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) foi filósofo alemão. Foi um dos criadores do idealismo alemão e naturalmente da gênese do que é chamado de hegelianismo. Seu cômputo historicista e idealista da realidade como uma Filosofia europeia completamente revolucionada denota que foi, de fato, um importante precursor da Filosofia continental e do marxismo. Hegel desenvolveu uma estrutura filosófica abrangente (ou “sistema”) do Idealismo Absoluto a fim de referir, mediante um modo integrado e desenvolvido, a relação entre mente e natureza, sujeito e objeto do conhecimento, psicologia, Estado, História, Arte, Religião e Filosofia. E, particularmente, ele desenvolveu o conceito de que a mente (ou espírito) – ” Geist” – manifesta-se em um conjunto de contradições e oposições que, no final, integram-se e se unem, sem eliminar qualquer dos polos ou reduzir um ao outro. Exemplos de tais contradições incluem aqueles entre natureza e liberdade e entre imanência e transcendência.

Era fascinado pelas obras de Spinoza, Kant e Rousseau, assim como pela Revolução Francesa. Muitos consideram que Hegel representa o ápice do idealismo alemão do século XIX, que teve impacto profundo no materialismo histórico de Karl Marx.

[33] Crítias ou Crítio de Atenas. Político grego, nascido em Atenas, líder dos Trinta tiranos que governaram a referida cidade-Estado durante o século V a.C.(400-403 a.C.) depois da Guerra de Peloponeso, entrando para história como um dos seus últimos vilões. De uma família aristocrática, foi educado na filosofia socrática e os sofistas e era tio-avô de Platão. Descrito como um jovem fascinante e irrequieto, envolveu-se em famoso episódio de vandalismo onde a estátua do deus Hermes apareceu mutilidade (415 a.C.), incidente onde o famoso general Alcebíades também foi acusado. Foi acusado de vandalismo, preso e julgado pelo crime, mas subsequentemente libertado. Depois em 411 a.C., pediu a Assembleia perdoar Alcebíades, mas ele terminou condenado e exilado na Tessália. Com o fim da guerra do Peloponesa (404 a.C.) e consequente derrota de Atenas e voltou novamente a cena por exigência dos espartanos que exigiram a sua presença nas negociações de paz com Atenas. Ele era antidemocrata e pró-Esparta e na volta foi eleito governador da cidade, mantendo um governo amigável em Esparta. Apesar de curto governo, fora extremamente violento e ditatorial, com execuções em massa, como a ordenada contra os 300 homens de Eleusis. Defendia o uso das mentiras brancas: uma história inventada sobre o passado, mas com uma moral que deveria deixar marcas no presente. Foi o primeiro a defender a manipulação na propaganda do Estado e também foi um dos criadores da lenda de Atlântida, uma civilização perdida no fundo do oceano, origem do diálogo Crítias (370 a.C.,) de Platão. No ano seguinte (403 a.C.) caiu como um dos últimos trinta tiranos, porém ironicamente, não morreu durante o golpe, mas em uma briga de rua comum, em Pireu. Por ser tão odiado em Atenas, Sócrates também foi perseguido somente por que o filósofo tinha sido professor. Embora tenha um verdadeiro tirano, era muito inteligente e possuía bom nível cultural, escrevendo prosas, tragédias e ainda poesia lírica.

[34] Epicuro de Samos (341 a.C. – 270 a.C.) foi filósofo grego do período helenístico. Seu pensamento fora muito difundido e numerosos centros epicuristas se desenvolveram na Jônia, no Egito e, a partir do século I, em Roma, onde Lucrécio fora seu maior divulgador. O propósito da filosofia para Epicuro era atingir a felicidade, estado caracterizado pela aponia, a ausência de dor (física) e ataraxia ou imperturbabilidade da alma. Ele buscou na natureza as balizas para o seu pensamento: o homem, a exemplo dos animais, busca afastar-se da dor e aproximar-se do prazer. Estas referências seriam as melhores maneiras de medir o que é bom ou ruim. Utilizou-se da teoria atômica de Demócrito para justificar a constituição de tudo o que há. Das estrelas à alma, tudo é formado de átomos, sendo, porém de diferentes naturezas. Dizia que os átomos são de qualidades finitas, de quantidades infinitas e sujeitos a infinitas combinações. A morte física seria o fim do corpo (e do indivíduo), que era entendido como somatório de carne e alma, pela desintegração completa dos átomos que o constituem. Desta forma, os átomos, eternos e indestrutíveis, estariam livres para constituir outros corpos. Essa teoria, exaustivamente trabalhada, tinha a finalidade de explicar todos os fenômenos naturais conhecidos ou ainda não e principalmente extirpar os maiores medos humanos: o medo da morte e o medo dos deuses.

[35] A moral epicurista é enfim uma moral hedonista. Pois o fim supremo da vida é o prazer sensível, assim o critério único de moralidade é o sentimento. O único bem é o prazer assim como o único mal é a dor. Nenhum prazer deve ser recusado, a não ser por causa de consequências dolorosas e, nenhum sofrimento deve ser aceito, a não ser em vista de um prazer, ou de nenhum sofrimento menor. O epicurismo não trata portanto do prazer imediato, como é desejado pelo homem vulgar, trata-se do prazer refletido, avaliado pela razão e escolhido prudentemente. É o prazer sabiamente escolhido. É mister dominar os prazeres e, não se deixar dominar por estes. E, ter a faculdade de gozar e não a necessidade de gozar. Portanto, a filosofia epicurista está toda em função desta prática. Epicuro ainda cogita de prazeres espirituais, para os quais não há lugar no seu sistema, e que nada mais seriam que complicações de prazeres sensíveis. O prazer espiritual, diferenciar-se-ia do prazer sensível, pois o primeiro se estenderia também ao passado e ao futuro e transcende ao segundo, que é unicamente presente. Verdade é que Epicuro mira os prazeres estéticos e intelectuais, como os mais altos prazeres (o que configura contradição com a sua metafísica materialista).

[36] Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) foi médico neurologista e o criador da Psicanálise. Freud esperava provar que seu modelo, baseado em observações da classe média austríaca, fosse universalmente válido. Utilizou a mitologia grega e a etnografia contemporânea como modelos comparativos. Recorreu ao “Édipo Rei” de Sófocles para indicar que o ser humano deseja o incesto de forma natural e como é reprimido este desejo. O complexo de Édipo foi descrito como uma fase do desenvolvimento psicossexual e de amadurecimento. Também se fixou nos estudos antropológicos de totemismo, argumentando que reflete um costume ritualizado do complexo de Édipo (Totem e Tabu). Incorporou também em sua teoria conceitos da religião católica e da judaica; assim como princípios da Sociedade Vitoriana sobre repressão, sexualidade e moral; e outros da biologia e da hidráulica.

Esperava que sua investigação proporcionasse uma sólida base científica para seu método terapêutico. O objetivo da terapia freudiana ou psicanálise é, relacionando conceitos da mente cartesiana e da hidráulica, mover (mediante a associação livre e da interpretação dos sonhos) os pensamentos e sentimentos reprimidos (explicados como uma forma de energia) através do consciente para permitir ao sujeito a catarse que provocaria a cura automática.

[37] Fílon de Alexandria (20 a.C.- 50 a.C.) foi filósofo judeu-helenista que viveu durante o período do helenismo. Tenteou uma interpretação do Antigo Testamento à luz das categorias elaboradas pela filosofia grega e da alegoria. Foi autor de numerosas obras filosóficas e históricas, onde expôs a sua visão platônica do judaísmo. Surge como primeiro pensador a tentar conciliar o conteúdo bíblico à tradição filosófica ocidental. Neste sentido, é mais conhecido por sua doutrina do logos sobre a qual ainda se encontram à espera de solucionar inúmeras controvérsias. O pensamento filoniano mostra-se original e marcado por contribuições alheias à cultura helênica, a saber, judaicas. No que diz respeito especificamente ao logos filoniano, ele é a Lei (Torah) ela mesma, a ação de Deus no mundo, o instrumento da Criação, modelo do mundo e imagem de Deus, a Palavra reveladora e o único meio a partir do qual a alma humana adquire o conhecimento verdadeiro, que vem do conhecimento de Deus. Esta faculdade, porém, não pertence ao homem senão como dom divino, como graça.

[38] A religião entre os norte-americanos, não participa diretamente do governo da sociedade, mas é, contudo, a sua mais alta instituição política. Não sei se todos os americanos têm fé na sua religião, pois quem pode ler nos corações? Mas tenho por certo que os americanos consideram a religião indispensável à mantença das instituições republicanas. Este juízo não é peculiar ali a uma classe, ou a um partido, pertence a toda a nação e a todas as situações sociais. TOCQUEVILLE, Alexis de. La Democracia en América. 1. ed. Madrid: Alianza Editorial, 2002. p. 226

[39] É dentre os direitos fundamentais de primeira dimensão, a liberdade de pensamento autoriza o indivíduo a faculdade de externar ou não sua consciência, possibilitando expressar valores e convicções pessoais, desde que essa externação não afronte direitos alheios. Assim, a liberdade de pensamento acabou por refletir as diversas outras liberdades, tais como a liberdade de crença.

[40] As religiões afro-brasileiras na maioria foram trazidas para o Brasil pelos negros africanos, na condição de escravos. São relacionadas com a religião yorùbá e, outras religiões tradicionais africanas, é uma parte das religiões afro-americanas e diferentes das religiões afro-cubanas como a Santeria de Cuba e o Vodu do Haiti conhecidas no Brasil. De todas as religiões afro-brasileiras, a mais próxima da Doutrina Espírita é um segmento (linha) da Umbanda denominado de “Umbanda branca”, e que não tem nenhuma ligação com o Candomblé, o Xambá, o Xangô do Recife ou o Batuque. Embora popularmente se acredite que estas últimas sejam um tipo de “espiritismo”, na realidade trata-se de religiões iniciáticas animistas, que não partilham nenhum dos ensinamentos relacionados com a Doutrina Espírita. Entretanto, outros segmentos da Umbanda podem ter algumas semelhanças com a Doutrina Espírita, mas também com o Candomblé por causa da figura dos Orixás. 

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Mas, afinal o que é mesmo religião?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/mas-afinal-o-que-e-mesmo-religiao/ Acesso em: 28 mar. 2024