Filosofia do Direito

Sobre o Sigilo Profissional do Advogado e Outras Questões Inerentes à Sua Ética Profissional

“Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”

(Eduardo Alves Costa – “No Caminho, com Maiakóvsky”)

RESUMO: Este estudo tem como objetivo analisar o sigilo profissional do advogado, revestindo-se o mesmo de importância capital, vez que a revelação inoportuna
de dados inerentes ao cidadão pode ensejar a ele e ao operador do direito prejuízos nas esferas civil e criminal, eventualmente afetando, de maneira
incontornável, suas vidas. O direito ao sigilo, à intimidade e à negativa de autoincriminação são corolários do princípio do contraditório e da ampla
defesa, insculpido no inciso LV, do art. 5º. da Constituição Federal, na medida em que o silêncio é, muitas vezes, recurso legítimo à disposição do
indivíduo para que rechace acusações a seu respeito.

Palavras- Chave: Ética Profissional. Advogado. Ampla defesa e Contraditório. Devido Processo Legal. Sigilo.

1.
INTRODUÇÃO

Na nobre missão de defender o Estado democrático de Direito, a Justiça, na sua dimensão mais ampla e filosófica e os direitos propriamente ditos de
seus mandatários, o advogado deve observar uma ética profissional peculiar, derivada principalmente do Estatuto da Ordem dos Advogados (lei 8.906/94) e
do Código de Ética do Advogado, este último complementar à lei federal e uma verdadeira fonte deontológica para delimitar as fronteiras de sua atuação
enquanto operador do direito.

O sigilo profissional é, sem dúvidas, uma das matérias mais sensíveis no tocante à ética do advogado e requer, além de integridade pessoal, fortaleza e
cautela para a prática do bom direito e para a proteção de uma carreira muitas vezes pavimentada por incansáveis anos de dedicação.


2. O SIGILO DAS INFORMAÇÕES E O DIREITO INDIVIDUAL À AMPLA DEFESA

O advento da Constituição Federal de 1988 engendrou na sociedade brasileira um novo ciclo, impondo, por intermédio de um vasto rol de direitos e
garantias, a prerrogativa ao Estado Democrático de Direito.

O artigo 5º. da Carta Magna assegura, no seu inciso XXI, a proteção ao sigilo e a inviolabilidade da vida privada e da intimidade, em
sintonia também com a ordenação supranacional inserta na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que em seu artigo XII dispõe:

Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação.
Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.[1]

Neste diapasão, o sigilo da informação, lato sensu, reveste-se de importância fundamental, uma vez que a revelação inoportuna de dados inerentes
ao cidadão pode ensejar prejuízo nas esferas civil e criminal, eventualmente afetando, de maneira incontornável, sua vida profissional e pessoal.
Infere-se, desta maneira, que o direito ao sigilo, à intimidade e à vida privada é corolário do princípio da ampla defesa, insculpido no inciso LV da
nossa Constituição Federal, na medida em que o silêncio é, muitas vezes, recurso legítimo à disposição do indivíduo para que rechace acusações a seu
respeito.

Tendo em vista a inteligência do princípio da presunção de inocência[2], não é lícito nem razoável que se atribua ao acusado ou suspeito o ônus de
provar sua culpabilidade. Aliás, a análise exegética do direito de permanecer em silêncio[3] consagra o benefício a qualquer cidadão de não produzir
prova contra si e não se declarar culpado de qualquer imputação feita acerca de sua pessoa.[4]

O princípio nemo tenetur se detegere[5] também encontra-se bem assentado na Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto De São José de
Costa Rica, que assegura à pessoa “o direito de não depor contra si mesma, e não confessar-se culpada”[6].

3. O PAPEL CONSTITUCIONAL DO ADVOGADO E O FUNDAMENTO DE SEU SIGILO

O artigo 133 de nossa Constituição Federal estabelece que “o advogado é indispensável à administração da justiça, por seus atos e
manifestações no exercício da profissão”.

O advogado é imprescindível para a administração da justiça, pois é seu papel operar a defesa dos direitos mais caros que gravitam em torno
do indivíduo, em razão da própria Constituição – dentre eles a garantia ao contraditório e à ampla defesa. E ao fazê-lo, ele não apenas intercede em
favor do representado, mas opera em prol da própria cidadania, da moralidade pública, do devido processo, da Justiça e da paz social[7], conservando os
alicerces do Estado Democrático de Direito.

No seu mister, o advogado é o verdadeiro depositário dos segredos daquele que lhe confiou o mandato, compreendendo-se no conceito de sigilo
qualquer tipo de informação que lhe é confidenciada pelo cliente relativamente à pessoa deste ou à causa patrocinada, por qualquer meio e em qualquer
formato, incluindo documentos inéditos, fatos desconhecidos, arquivos eletrônicos, pastas e relatórios, declarações e até mesmo confissões de foro
íntimo. Como confidenciais também devem ser encaradas as informações produzidas sem a participação voluntária do cliente, mas que exsurgem em
decorrência da própria liberdade profissional do advogado, como resposta aos procedimentos legais que desenvolve na defesa do cidadão que representa
(por exemplo, diligenciando, na patrocínio da causa, em órgãos administrativos do Estado).

A comunhão de todas essas informações acumuladas, sejam elas abertas ou restritas, dará ao operador do direito subsídios necessários para
empenhar suas habilidades a serviço do cliente ou assistido, de maneira a guerrear por sua defesa da maneira mais ampla, honesta e favorável que
conseguir.

Daí em se falar que a estrita confiança é pressuposto inerente ao exercício da advocacia e um de seus fundamentos deontológicos; não é possível a
representação plena e ampla dos interesses do indivíduo sem o advogado ter ciência das informações que aquele conhece; é inimaginável, da mesma forma,
supor que o acusado ou suspeito exporia fielmente os fatos e pormenores do caso ventilado se considerasse que está diante de um delator. Quebrada a
confiança entre o cidadão e seu procurador, torna-se impraticável o desenvolvimento da defesa, negativa clara à garantia constitucional. O sigilo
profissional do advogado é, portanto, matéria de ordem pública e a sua exigência, sustentáculo da sociedade livre e democrática, bem como desdobramento
lógico do princípio da dignidade da pessoa humana.

4. O SIGILO DO ADVOGADO COMO PRERROGATIVA PROFISSIONAL

A lei 4.215/63 já previa o sigilo profissional do advogado como um dever no exercício de sua função, como segue:

Art. 87. São deveres do advogado: (…)

V – guardar sigilo profissional;

E:
Art. 89.  São direitos do advogado: (…)

II – fazer respeitar, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional a inviolabilidade do seu domicílio, do seu escritório e dos seus
arquivos;

(…)

XIX – recusar-se a depôr no caso do art. 87, inciso XVI, e a informar o que constitua sigilo profissional.

O atual Estatuto da Advocacia e OAB, lei 8.906/94, revogou a o diploma de 1963 e recepcionou o instituto modernizando as disposições
relativas à proteção do sigilo profissional, agora capituladas entre os direitos do advogado, no art. 7º:

Art. 7º São direitos do advogado: (…)

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica,
telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (…)

XIX – recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi
advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional; (…)

O Estatuto não faz alusão expressa ao dever de manter sigilo profissional, mas deixa implícita esta obrigação ao incluir a violação de sigilo sem justa
causa no rol das infrações passíveis de punição pelo Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem. Ademais, a interpretação sistemática do texto
constitucional e outras leis sobre o sigilo fulminam qualquer dúvida, sobretudo o Código de Ética e Disciplina, que esclarece:

Art. 26. O advogado deve guardar sigilo, mesmo em depoimento judicial, sobre o que saiba em razão de seu ofício, cabendo-lhe recusar-se a depor como
testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou tenha sido advogado, mesmo que
autorizado ou solicitado pelo constituinte.

O sigilo profissional do advogado abrange três aspectos fundamentais: primeiramente, de forma ampla, o dever de guardar segredo de
terceiros sobre quaisquer informações que detenha como consequência direta de atuar como procurador da parte, em relação à pessoa ou à causa que
representa. Em segundo lugar está a questão das informações de que se deve guardar sigilo no escritório ou local de trabalho do advogado e, por último,
o dever de recusar-se a depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar.

Mais implicações importantes: por um lado, ao profissional a quem o sigilo e confidência é revelado, se entende como seu depositário,
respondendo, portanto, pelos danos que causar; por outro, o dever ao sigilo profissional, por se tratar de interesse público, não cessa com a morte e
nem deixa de ocorrer por se tratar de fato público.

4.1 O DEVER DE SE  RECUSAR A DEPOR COMO TESTEMUNHA

Depreende-se do Código de Ética e Disciplina da OAB e do Estatuto da Advocacia, como já analisado, o dever e não a faculdade do advogado em
recusar-se a prestar depoimento enquanto testemunha de processo em que funcionou, vai funcionar ou contra pessoa que tenha representado. Trata-se de
determinação não contratual, pois visa à defesa de interesse público (direitos difusos e coletivos), no princípio da plena liberdade de defesa do
cidadão, da isenção do advogado quanto aos fatos de que tem conhecimento – tudo com o escopo de manter-se hígida a relação de lealdade e confiança.

A lição de Nélson Hungria[8] nos socorre, neste momento, a fim de ratificar este entendimento e aprofundá-lo. Diz o eminente jurista:

A vontade do segredo deve ser protegida, ainda quando corresponda a motivos subalternos ou vise a fins censuráveis. Assim, o médico deve calar o pedido
formulado pela cliente para que a faça abortar, do mesmo modo que o advogado deve silenciar o confessado propósito de fraude processual do seu
constituinte, embora, num e noutro caso, devam os confidentes recusar sua aprovação ou entendam de desligar-se da relação profissional. Ainda, mesmo
que o segredo verse sobre fato criminoso deve ser guardado. Entre dois interesses colidentes – o de assegurar a confiança geral dos confidentes
necessários e o da repressão de um criminoso – a lei do Estado prefere resguardar o primeiro, por ser mais relevante. Por outras palavras: entre dois
males – o da revelação das confidências necessárias (difundindo o receio geral em torno destas, com grave dano ao funcionamento da vida social) e a
impunidade do autor de um crime – o Estado escolhe o último, que é o menor.

O STF tem precedentes nessa inclinação observada desde 1978:

PROCESSUAL PENAL. SIGILO PROFISSIONAL. ADVOGADO. PODE E DEVE O ADVOGADO RECUSAR-SE A COMPARECER E A DEPOR COMO TESTEMUNHA, EM INVESTIGAÇÃO RELACIONADA
COM A ALEGADA, FALSIDADE DE DOCUMENTOS, PROVENIENTES DE SEU CONSTITUINTE, QUE JUNTOU EM AUTOS JUDICIAIS (LEI N 4.215, DE 27.4.63, ARTS. 89, XIX, E 87,
XVI).[9]

Atualmente, o STJ ratificou o entendimento no mesmo sentido, entretanto com uma visão mais branda sobre o dever do advogado não prestar
depoimento, condicionando a apuração dos fatos protegidos pelo sigilo ao arbítrio do causídico.

Advogado (testemunha). Depoimento (recusa). Conhecimento dos fatos (exercício da advocacia). Sigilo profissional (prerrogativa). Lei nº 8.906/94
(violação).

1. Não há como exigir que o advogado preste depoimento em processo no qual patrocinou a causa de uma das partes, sob pena de violação do art. 7º, XIX,
da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia).

2. É prerrogativa do advogado definir quais fatos devem ser protegidos pelo sigilo profissional, uma vez que deles conhece em razão do exercício da
advocacia. Optando por não depor, merece respeito sua decisão.”

3. Agravo regimental improvido [10].

Ainda que o STJ abrande a questão do sigilo, é importante salientar que o advogado responde pelo excesso que cometer e pelo erro de julgamento no caso
de violar sigilo e causar prejuízo ao representado, sob o ponto de vista profissional, cível e penal. Em 2000, a OAB firmou a Resolução nº 17/2000,
dispondo, em seu art. 2º:

Art. 2º – Não é permitida a quebra do sigilo profissional na advocacia, mesmo se autorizada pelo cliente ou confidente, por se tratar de direito
indisponível, acima de interesses pertinentes, decorrente da ordem natural, imprescindível à liberdade de consciência, ao direito de defesa, à
segurança da sociedade e à garantia do interesse público.

Para fins do que dispõe o artigo mencionado, entende-se como advogado atuante na causa não só aquele que praticou atos processuais no
contencioso, mas o profissional que, de uma forma ou outra, tenha obtido acesso a dados sigilosos do cidadão, seja em nível de inquérito ou simples
consultoria. O TJ-MG resolveu, em sede de habeas corpus, que:

Não pode o advogado ser constrangido a prestar declarações em inquérito policial, ou no curso da ação penal, arrolado pelas partes no litígio,
compromissado ou não, sobre fatos de que tenha ciência em razão de sua condição, direta ou indiretamente, obrigado pela ética e pelo dever absoluto de
guarda do segredo.[11]

Na mesma linha, a legislação adjetiva civil veda ao advogado outrora patrono do litigante atuar como testemunha na causa, podendo, apenas quando
indispensável seu depoimento, prestar declaração independente de compromisso e na qualidade de mero informante[12]. Semelhante instrumento está
positivado no Código de Processo Penal, em seu artigo 207, proibindo de depor as pessoas que “em razão de ministério, função, ofício ou profissão,
devam guardar segredo, salvo se desobrigadas pela parte interessada”.

4.2 EXCLUDENTES DE ANTIJURIDICIDADE

Note-se que a regra do sigilo profissional do advogado, embora rígida, não é absoluta. E o Código de Ética e Disciplina preceitua duas
exceções, que também são excludentes de antijuridicidade. A primeira, transcrita a seguir, diz respeito ao testemunho do advogado como instrumento para
a própria defesa (tanto da vida, como da honra), se de outra forma não pudesse evitar a revelação do segredo para repelir mal iminente e causado pelo
próprio patrocinado, numa figura que lembra, na sua gênese e características constitutivas, a excludente de legítima defesa da parte geral do Código
Penal:

Art. 25- O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado
se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.

A segunda possibilidade de revelação do sigilo profissional é fazendo-o como manobra de defesa do próprio cliente, desde que de maneira previamente
autorizada, moderada e plenamente favorável ao mesmo.

“Art. 27. As confidências feitas ao advogado pelo cliente podem ser utilizadas nos limites da necessidade da defesa, desde que autorizado aquele pelo
constituinte.”[13]

Consigne-se que o próprio Tribunal de Ética e Disciplina da Seccional da OAB/SP autoriza expressamente tais casos, mas com ressalvas:

SIGILO PROFISSIONAL – ADVOGADO CONVOCADO PARA DEPOR COMO TESTEMUNHA EM PROCESSO ENVOLVENDO EX-CLIENTE – LIBERAÇÃO LIMITADA – INTERESSE SOCIAL E DA
CIDADANIA.

Advogado convocado para prestar depoimento em audiência como testemunha em processo envolvendo ex-cliente, neste caso, está liberado para o depoimento,
desde que observado o estrito interesse da causa, tendo em mente que é ele, advogado, o melhor juiz de seus atos. Na consulta verifica-se a supremacia
do interesse social sobre o particular e, mesmo sendo o sigilo profissional preceito de ordem pública, caracteriza-se a presente consulta na exceção da
lei e da Res. n.17/2000 deste Sodalício. Há responsabilidade do advogado pelo excesso que venha a cometer, conforme previsto no art. 6º, parágrafo
único, da já citada Resolução. Não há violação ética, no caso de confirmar o advogado a autenticidade de sua assinatura em documento lavrado e levado a
conhecimento do cliente[14].

4.3 DAS SANÇÕES POSSÍVEIS À QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL SEM JUSTA CAUSA

Exceto pela verificação da justa causa para violação do sigilo profissional, conforme as duas hipóteses dos artigos 25 e 27 do Código de Ética e
Disciplina da OAB, incorre em responsabilização ética, criminal e civil aquele que perpetra a revelação.

A violação de segredo profissional é tipo penal previsto no artigo 154 do Código:

Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa
produzir dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único- Somente se procede mediante representação.

Ainda que a cominação da pena seja baixa e a ação penal se condicione à representação do ofendido, é na órbita profissional e financeira que o advogado
sentirá os efeitos mais dolorosos da eventual transgressão. Pelo Estatuto da Advocacia, trata-se de infração disciplinar[15] passível de censura ou
suspensão, dependendo da gravidade dos danos e do histórico de infrações do advogado em questão.

Qualquer que seja a condenação, os reflexos são óbvios no sentido de macular a reputação do profissional ante a comunidade jurídica e a sociedade,
produzindo efeitos certamente prejudiciais, de difícil medição, na continuidade da trajetória profissional do infrator.

Como se isso não bastasse, em se tratando de ato ilícito provocado por imperícia, imprudência ou negligência, a violação, comprovada a culpa de seu
agente, dá azo ao ofendido pleitear reparação civil com base na culpa aquiliana de seu ex-mandatário, nos termos do art. 927 do Código Civil de 2002:
“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Trata-se de dano material e moral, mormente porque estamos tratando também da honra do ofendido, direito constitucional irrenunciável e indisponível.

5. A HIPÓTESE DO PATROCÍNIO SIMULTÂNEO

No decorrer dos anos de exercício de profissão, não é algo absurdo ocorrerem situações em que o advogado, sem que tenha concorrido para tanto, veja-se
constituído como procurador do autor e, ao mesmo tempo do réu em determinado caso particular. Obviamente, trata-se de uma situação anômala e o Código
de Ética e Disciplina fornece a solução em seu artigo 18:

Art. 18. Sobrevindo conflitos de interesse entre seus constituintes, e não estando acordes os interessados, com a devida prudência e discernimento,
optará o advogado por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado o sigilo profissional.

Deve o advogado, numa eventualidade dessas, optar por um dos clientes e ainda sim, observar as práticas éticas em relação ao sigilo dos
dados daquele que renunciou, sob pena de responder pelo crime de Patrocínio Infiel[16], sem prejuízo das demais implicações já declinadas.

Transcrevemos, a seguir arestos provenientes do ementário aprovados pela Turma de Ética Profissional da OAB de São Paulo na 521ª. Sessão de 21/05/2009
no cotejo da circunstância aqui delineada:

CONFLITO DE INTERESSES – PATROCÍNIO SIMULTÂNEO – ATUAÇÃO COMO ADVOGADO DO CLIENTE NO PROCESSO CÍVEL E COMO DEFENSOR DE OUTRO CLIENTE NO PROCESSO PENAL,
DE QUEM O PRIMEIRO CLIENTE É VÍTIMA – VEDAÇÃO ÉTICA E LEGAL – PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA RECÍPROCA E DO SIGILO PROFISSIONAL. Nos termos do disposto no
artigo 18 do CED, sobrevindo conflito de interesses entre seus constituintes, deve o advogado optar por um dos mandatos, renunciando aos demais,
resguardado o sigilo profissional, como previsto no artigo 19. A potencial existência desse conflito já abala pressuposto fundamental da relação
cliente/advogado, qual seja, a confiança recíproca, além de comprometer o resguardo dos segredos e informações reservadas ou privilegiadas que lhe
tenham sido confiadas. No caso, a indignação e desconfiança do seu próprio cliente, em vê-lo atuar na defesa de seu ofensor, já repudiariam a prática
preconizada pelo Consulente. Daí que, mesmo se potencial o conflito, não poderá o advogado patrocinar interesses conflitantes de seus clientes em
processos civil e penal, sob pena de caracterizar-se infração ética e eventualmente penal, cabendo-lhe, tão somente, com a devida prudência e
discernimento, optar por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado ad eternum o sigilo profissional.[17]

SOCIEDADE DE ADVOGADOS – ADMISSÃO DE ADVOGADO, COMO SÓCIO, QUE LITIGA CONTRA CLIENTE DA SOCIEDADE –INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO ÉTICO OU LEGAL – VEDAÇÃO
DO ADVOGADO ADMITIDO ATUAR, COMO PROCURADOR, NAS CAUSAS ENVOLVENDO A CLIENTE, ENQUANTO DURAR A AÇÃO QUE CONTRA ELA MOVE, A FIM DE RESGUARDAR O SIGILO
PROFISSIONAL – APLICAÇÃO DOS ARTS. 19 E 20 DO CED – COMUNICAÇÃO DA CLIENTE, PELA SOCIEDADE DE ADVOGADOS PROPONENTE, DA ADMISSÃO DE SÓCIO NESSAS
CIRCUNSTÂNCIAS, A FIM DE QUE POSSA ELA AVALIAR A MANUTENÇÃO DA FIDÚCIA NECESSÁRIA AO EXERCÍCIO DO MANDATO JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL – ENTENDIMENTO DOS
ARTS. 15 E 16 DO CED. Inexiste falta ética a admissão, por sociedade de advogados, de sócio que litiga contra cliente da sociedade de advogados. No
entanto, o advogado ingressante deverá abster-se de patrocinar causas relativas à cliente da sociedade de advogados, enquanto perdurar a demanda, a fim
de que, de posse de informações sigilosas, possa ele usá-las em seu benefício na ação por ele intentada, evidenciando quebra do sigilo profissional e
conflito de interesses, de conformidade com os arts. 19 e 20 do CED. Deve, ainda, a sociedade proponente, informar a cliente da admissão do advogado,
como sócio, nessas circunstâncias, a fim de que possa ela avaliar se a fidúcia necessária ao exercício do mandato judicial ou extrajudicial conferido
aos profissionais que integram tal sociedade se mantém incólume[18].

6, A INVIOLABILIDADE DO ESCRITÓRIO OU LOCAL DE TRABALHO DO ADVOGADO

O escritório profissional é o local físico que todo advogado usa como gabinete comum para o exercício da profissão. Para lei, pode
tratar-se de qualquer prédio destinado habitualmente às atividades laborais do advogado, incluindo, mas não se limitando, aos dados seus e dos clientes
em arquivos físicos ou digitais, as correspondências, comunicações (ambientais, telefônicas e telegráficas) e afins. Para a lei, pouco importa se o
escritório se circunscreva a uma saleta, à garagem de uma casa ou a um prédio comercial de alto padrão, desde que ali o advogado execute com
habitualidade as atividades inerentes da profissão: por exemplo, contatos e reunião com clientes, testemunhas, peritos, membros do Estado tratando
assuntos relativos ao patrocínio de causas ou orientação técnica e outros atos negociais;  o estudo de doutrina, jurisprudência e a elucubração de
teses; a redação de peças, xerocópia de documentos, a manutenção e cópia de arquivos com os dados dos clientes, repositórios de literatura
especializada, entre muitas outras.

Na redação original de 1994, o Estatuto da OAB já disponha sobre a inviolabilidade  do escritório:

Art. 7º São direitos do advogado:

II – ter respeitada, em nome da liberdade de defesa e do sigilo profissional, a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, de seus
arquivos e dados, de sua correspondência e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por
magistrado e acompanhada de representante da OAB.

Verifica-se, de plano, que a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho – assim como acontece com o sigilo profissional – não é
direito absoluto, podendo ceder na ocorrência de duas hipóteses: o advogado investigado pela prática de um crime ou quando incidente a circunstância
prevista ano artigo 243,  § 2o do Código de Processo Penal, determinando que: “Não será permitida a apreensão de documento em poder
do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito”.

Em ambos os casos, tanto na hipótese do advogado ser investigado por crime por si praticado, como na hipótese de estar de posse do corpo de
delito, que é a prova ou produto do crime, o mandado de busca e apreensão expedido pela autoridade judicial deveria cingir-se ao investigado e ao fato
criminoso, sendo teratológica a decisão que estende seus efeitos a terceiros estranhos à investigação. Nem tampouco poderá ser objeto de apreensão
aquilo que não seja o corpo de delito, que deve estar individualizado no mandado, sejam eles arquivos de informática ou objetos físicos palpáveis.

Como ensina Luiz Flávio Gomes, existe uma abertura no que se refere aos objetos, arquivos e documentos arrecadados por conta da ordem de
busca:

É desarrazoado exigir que do mandado conste nome completo, idade, local de nascimento etc. do investigado. Isso é exagero. De outro lado, jamais se
pode exigir que o mandado defina, de pronto, qual ou quais documentos serão apreendidos. O juiz não tem bola de cristal para saber, de plano, qual ou
quais documentos serão úteis e necessários para a comprovação do corpo de delito[19]

A lei passou a não mais satisfazer o espírito que a embalou a partir de meados de 2001, quando o COAF, encarregado da fiscalização de
suspeitos por lavagem de dinheiro, e outros órgãos similares da Administração Pública elegeram a categoria profissional dos advogados, através das
palavras de sua presidente à época, à condição de partícipes necessários dos crimes financeiros tipificados na lei 9.613/98.

Aproveitando-se da paranóia generalizada que se instalou nos Estados Unidos e Europa com os atentados de 2001, o Estado brasileiro viu-se
tentado a avançar nas prerrogativas que concernem ao sigilo dos dados dos clientes e da inviolabilidade dos documentos destes confiados ao escritório
de advocacia. As autoridades operacionalizaram a caças às bruxas, organizando a devassa nos escritórios munidos dos indigitados mandados de busca
“genéricos” e interpretando que, para executá-lo na amplitude que se desejava, bastava a presença de um representante da OAB no escritório para o
cumprimento do previsto no inciso II, do art. 7º do Estatuto.

A tentativa foi institucionalizar uma prática em que, por meio de uma suspeita frágil sobre um ou outro cliente, pedia-se ao juiz a
confecção de um mandado de busca e apreensão de amplitude geral e sem objeto definido, a permitir às autoridades policiais revirar todo o escritório,
confiscando os arquivos, pastas e dados sigilosos de todos os clientes. Sem dúvidas, seria uma forma eficaz de varrer os escritórios de maneira
inquisitorial para que, fosse corrompido o sigilo das informações confiadas pelos clientes aos seus procuradores, com objetivo de, sem qualquer
critério, encontrar-se aqui e ali indícios e provas de delitos “acidentalmente”.

Para fins de prova, em todo caso, são inservíveis aquelas obtidas de maneira “fortuita” no cumprimento de mandado cujo objeto ou pessoa lhe
eram distintos.  O STF, como é cediço, filia-se à tese dos “frutos envenenados” para reconhecer a nulidade das provas obtidas contra legem, em
atendimento ao inciso LVI do artigo 5º. da Constituição: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Inviável, também, o
processamento de ação ou inquérito com fulcro em provas obtidas de maneira contrária à lei, conforme a jurisprudência:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL PARA APURAÇÃO DE ESTELIONATO E FALSIDADE DE DOCUMENTO PARTICULAR. BUSCA E APREENSÃO DE
DOCUMENTOS RELATIVOS À OPERAÇÃO FINANCEIRA EM PODER DO DEPARTAMENTO JURÍDICO DO BANCO DO BRASIL. INDEFERIMENTO DO WRIT PELO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL
DE SÃO PAULO. POSTERIOR DECISÃO PELA PREJUDICIALIDADE DO MANDAMUS, EM RAZÃO DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO. PERDA DE OBJETO NÃO EVIDENCIADA. FALTA DE
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDI-BILIDADE DA MEDIDA CAUTELAR E DE QUE OS DOCUMENTOS
REFERIDOS NO MANDADO FOSSEM RELEVANTES PARA A APURAÇÃO DOS CRIMES SOB INVESTIGAÇÃO. VIOLAÇÃO DE SIGILO PROFISSIONAL. PARECER DO MPF PELA
PREJUDICIALIDADE DO RECURSO. RECURSO PROVIDO, PORÉM, PARA RECONHECER A NULIDADE DA DECISÃO QUE DETERMINOU A BUSCA E APREENSÃO.

1. Não perde o objeto o mandamus em que se pretendia o reconhecimento da ilegalidade da ordem judicial de busca e apreensão de documentos no DEJUR do
Banco do Brasil, exarada em Inquérito Policial, em razão do posterior pedido de arquivamento deste, pois o arquivamento diz respeito à ausência de
elementos suficientes para a instauração da Ação Penal por estelionato e à impossibilidade de identificação daquele que teria falsificado a assinatura
da avalista, apesar de todas as diligências e perícias realizadas.

2. Segundo a anterior redação do art. 7o., II da Lei 8.906/94, bem como do disposto no art. 243, § 2o. do CPP, a inviolabilidade do escritório de
Advocacia é relativa, prevista a possibilidade de nele se ingressar para cumprimento de mandado de busca e apreensão determinado por Magistrado, desde
que a referida apreensão verse sobre objeto capaz de constituir elemento do corpo de delito e que a decisão que a ordena esteja fundamentada.

3. Na hipótese dos autos, vê-se que as decisões proferidas no procedimento investigativo são pálidas de fundamentação; a primeira, que quebrou o sigilo
bancário, não teceu qualquer consideração sobre a necessidade da medida; a segunda, que determinou a busca e apreensão, também não especificou a
relevância dos documentos listados na representação da Autoridade Policial para a apuração dos ilícitos sob investigação, principalmente as
correspondências internas do Departamento Jurídico referentes à auditoria feita nas operações de empréstimo com a DETASA e pareceres técnicos sobre a
regularidade dos contratos com o BANCO DO BRASIL.

4. Preserva-se o sigilo profissional do Advogado em respeito ao papel essencial que desempenha para a administração da Justiça (art. 5o., XIV, e 133 da
CF)e a confiança depositada pelos clientes, vedando-se ao Juiz ou a Autoridade Policial determinar a apreensão ou apreender documentos acobertados por
aquele sigilo, ou seja, todos os que possam, de qualquer forma, comprometer o cliente ou a sua defesa, seja na esfera cível seja na esfera penal, tudo
em homenagem ao princípio que garante o exercício do amplo direito de defesa.

5. Recurso Ordinário provido, para reconhecer a nulidade da decisão que determinou a medida de busca e apreensão contra o DEJUR do Banco do Brasil em
SP, nos autos do Inquérito Policial 1.743/97 do 3o. Distrito Policial/SP.

6. Recurso Ordinário de DETASA S/A, DENÍLSON TADEU SANTANA e CLEONICE FÁTIMA DENUNI SANTANA prejudicado.

Relativa segurança jurídica só voltou aos escritórios em 2005, com a redação das portarias 1.287 e 1.288 do Ministério da Justiça. A portaria 1.287
estabeleceu critérios mais rígidos para a redação e execução dos mandados de busca e apreensão nos escritórios. Relevante, neste diploma, é a
normatização do assunto referente a apreensão de computadores, discos e suportes de dados eletrônicos:

Art. 3º – Salvo expressa determinação judicial em contrário, não se fará a apreensão de suportes eletrônicos, computadores, discos rígidos, bases de
dados ou quaisquer outros repositórios de informação que, sem prejuízo para as investigações, possam ser analisados por cópia (back-up) efetuada por
perito criminal federal especializado.

Parágrafo único – O perito criminal federal, o copiar os dados objeto da busca, adotará medidas para evitar apreender o que não esteja relacionado ao
crime sob investigação.

Outra novidade importante está disposta no artigo 4º. da resolução, permitindo que o acusado retire cópias do material apreendido e
ordenando à autoridade a restituição imediata da coisa apreendida fora da órbita do fato apurado.

Já a portaria de número 1.288 fixou requisitos para a sua concessão.
O artigo 2º. da referida coloca duas condições a se verificar para emissão do mandado, alternativamente:

Art 2º – As diligências de busca e apreensão em escritório de advocacia só poderão ser requeridas à autoridade judicial quando houver,
alternativamente:

I – provas ou fortes indícios da participação de advogado na prática delituosa sob investigação;

II – fundados indícios de que em poder de advogado há objeto que constitua instrumento ou produto do crime ou que constitua elemento do corpo de delito
ou, ainda, documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração.

No artigo seguinte, a norma consagra algumas atividades recorrentes dos escritórios como protegidas pela inviolabilidade (inclusive e-mail)
como exercício regular de direito, bem, no artigo 6º.  previne responsabilidades pelo abuso de poder da autoridade policial (sanção administrativa nos
termos da lei 8.112/90, sem prejuízo de o agente público responder penalmente pela exação que cometer).

O tópico de direitos do advogado foi objeto de alteração com o advento da Lei 11.767/08 com a finalidade de fortificar a abrangência e reconhecimento
de importância da inviolabilidade do escritório. O inciso II do artigo 7º passou a estabelecer que:
“são direitos do advogado a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência
escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”.

A ressalva contida no antigo artigo 7º foi substituída pelo novo § 6º, que regulamenta a matéria de forma mais detalhada, prevendo expressamente as
hipóteses em que a inviolabilidade do inciso II fica afastada.

§ 6º – Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a
quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e
pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos
objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.

7. SIGILO PROFISSIONAL DO ADVOGADO VS. LIBERDADE DE IMPRENSA

Em 2006, a caso de Suzanne Von Ritchofen voltou a chamar atenção na grande mídia. A moça, condenada pelo homicídio de seus genitores a cerca de 39 anos
de reclusão combinou com a Rede Globo sua aparição no programa “Fantástico”, em que apareceria ao lado de seu patrono a fim de conceder uma entrevista.
O que marcou a reportagem no entanto não foi a entrevista, mas uma escuta que os repórteres da Globo instalaram de modo a interceptar as comunicações
entre o advogado e sua cliente.

Como, pelos motivos mais diversos, cuja discussão não é nosso objeto, a reportagem aumentou o ojeriza que a população despertava por Suzanne, o
promotor de Justiça do caso pediu cópia da gravação do referido programa para juntar aos autos do processo da condenada.

O patrono de Suzanne, Mário de Oliveira Filho, impetrou Habeas Corpus, pedindo o desentranhamento das fitas dos autos, alegando violação do sigilo
profissional necessário entre cliente e advogado, levando em conta que a Globo não havia solicitado sua autorização, nem a de Suzanne para proceder à
interceptação  de comunicação. Após derrota na primeira e segunda instâncias, o HC foi deferido no STJ, que, em síntese, alegou que o direito à
intimidade, vida privada, honra e ao sigilo com o advogado constitui pressuposto válido do devido processo legal, “independente da gravidade do crime
cometido” e que estes estão em escala superior aos princípios da segurança e da verdade real:

Advogado. Sigilo profissional/segredo (violação). Conversa privada entre advogado e cliente (gravação/impossibilidade). Prova (ilicitude/contaminação
do todo). Exclusão dos autos (caso). Expressões injuriosas (emprego). Risca (determinação).

1. São invioláveis a intimidade, a vida privada e o sigilo das comunicações. Há normas constitucionais e normas infraconstitucionais que regem esses
direitos.

2. Conversa pessoal e reservada entre advogado e cliente tem toda a proteção da lei, porquanto, entre outras reconhecidas garantias do advogado, está a
inviolabilidade de suas comunicações.

3. Como estão proibidas de depor as pessoas que, em razão de profissão, devem guardar segredo, é inviolável a comunicação entre advogado e cliente.

4. Se há antinomia entre valor da liberdade e valor da segurança, a antinomia é solucionada a favor da liberdade.

5. É, portanto, ilícita a prova oriunda de conversa entre o advogado e o seu cliente. O processo não admite as provas obtidas por meios ilícitos.

6. Na hipótese, conquanto tenha a paciente concordado em conceder a entrevista ao programa de televisão, a conversa que haveria de ser reservada entre
ela e um de seus advogados foi captada clandestinamente. Por revelar manifesta infração ética o ato de gravação – em razão de ser a comunicação entre a
pessoa e seu defensor resguardada pelo sigilo funcional –, não poderia a fita ser juntada aos autos da ação penal. Afinal, a ilicitude presente em
parte daquele registro alcança todo o conteúdo da fita, ainda que se admita tratar-se de entrevista voluntariamente gravada – a fruta ruim arruína o
cesto.

7. A todos é assegurado, independentemente da natureza do crime, processo legítimo e legal, enfim, processo justo.

8. É defeso às partes e aos seus advogados empregar expressões injuriosas e, de igual forma, ao representante do Ministério Público.

9. Havendo o emprego de expressões injuriosas, cabe à autoridade judiciária mandar riscá-las.

10. Habeas corpus deferido para que seja desentranhada dos autos a prova ilícita.

11. Mandado expedido no sentido de que sejam riscadas as expressões injuriosas.provação do corpo de delito.[20]

CONCLUSÃO

As prerrogativas profissionais de um advogado são muitas, consubstanciando direitos-deveres inafastáveis, cuja inobservância comprometeria
a incolumidade do processo, a confiança do jurisdicionado em submeter-se ao Judiciário e o próprio ideal de Justiça. No caso do sigilo profissional,
sua necessidade não se trata de um capricho do legislador ou de uma opção do advogado, mas de uma implicação direta que o último assume ao escolher
patrocinar uma causa, permitindo que o processo se desenvolva conforme os ditames processuais e constitucionais corretos, sem os quais seríamos apenas
inquisidores em vez de defensores, ou verdugos de uma triste tirania a avançar sobre os direitos fundamentais do indivíduo.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela resolução 217 A
(III) da  Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948

BRASIL, Constituição Federal de 1988.

BRASIL. Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.

BRASIL. Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

COMISSÃO DE DIREITOS E PRERROGATIVAS. Cartilha de Prerrogativas. 2ª. Edição. São Paulo: Lex Editora, 2010.

GOMES, Luiz Flávio. Limites a Inviolabilidade do Advogado e Seu Escritório. Juristas.com, João Pessoa, ano 1, n. 36, 23/08/2005.

HUNGRIA, Nélson Hoffbauer. Apud GOMES, Luiz Flávio. Lavagem de capitais e quebra do segredo profissional do advogado. Disponível em: 
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004100810501536.Acesso em março de 2011.

CARVALHO NETO, Inácio de. Abuso do Direito. 4ª. Edição. Juruá: Curitiba, 2007.

QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no
processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003.

Notas de rodapé:

[1]  Declaração Universal dos Direitos Humanos. Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da  Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948

[2]  Inciso LVII, art. 5º. Da Constituição Federal de 1988.

[3]  Art. 5º., inciso LXIII da Constituição Federal de 1988.

[4]  QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo
penal). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 421.

[5]  Do latim: “Ninguém é obrigado a se mostrar”.

[6]  Art. 8º., inciso IX da Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.

[7]  Vide artigo 2º. Do Código de Ética e Disciplina da OAB.

[8]  HUNGRIA, Nélson Hoffbauer. Apud GOMES, Luiz Flávio. Lavagem de capitais e quebra do segredo profissional do advogado,
http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004100810501536.

[9]  STF – RECURSO EM HABEAS CORPUS: RHC 56563 SP. Publicação: DJ 28-12-1978 PP-10573 EMENT VOL-01120-01 PP-00323 RTJ VOL-00088-03 PP-00847

[10]  STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC 48843 MS 2005/0169845-8. Publicação: DJ 11.02.2008 p. 1

[11]  TJMG: HABEAS CORPUS 100000643674100001 MG 1.0000.06.436741-0/000(1). Publicação: 27/06/2006

[12]  Art. 405, § 2º, III e § 4º do Código de Processo Civil.

[13]  Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil.

[14]  Proc. E-2.846/03 v.u. em 16/10/03 do parecer e ementa da Relª Drª ROSELI PRÍNCIPE THOMÉ Rev. Dr. CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA Presidente Dr.
ROBISON BARONI

[15]  Art. 34, incisos VII e IX da lei 8.906/94

[16]  Art. 355 do Código Penal. Neste caso, a pena é de detenção de seis meses a 3 anos e multa; a ação é pública incondicionada.

[17]  E-1.201. Proc. E-3.750/2009 – v.u., em 21/05/2009, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVOLIO – Rev.ª Dr.ª BEATRIZ MESQUITA
DE

ARRUDA CAMARGO KESTENER – Presidente Dr. CARLOS ROBERTO FORNES

MATEUCCI.

[18]  Proc. E-3.752/2009 – v.u., em 21/05/2009, do parecer e ementa do Rel. Dr. JOSÉ EDUARDO HADDAD – Rev. Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF – Presidente
Dr.CARLOS ROBERTO FORNES MATEUCCI.

[19]  GOMES, Luiz Flávio, Limites a Inviolabilidade do Advogado e Seu Escritório. Juristas.com, João Pessoa, ano 1, n. 36, 23/08/2005

[20]  STJ. Habeas corpus n. 59.967. Partes Litigantes Mário de Oliveira Filho e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Nilson Naves, 25
set. 2006. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, p. 316, abr. 2006.

Como citar e referenciar este artigo:
PÍCOLO, Guilherme Gouvêa. Sobre o Sigilo Profissional do Advogado e Outras Questões Inerentes à Sua Ética Profissional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/sobre-o-sigilo-profissional-do-advogado-e-outras-questoes-inerentes-a-sua-etica-profissional/ Acesso em: 28 mar. 2024