Filosofia do Direito

Clonagem Humana para fins terapêuticos

INTRODUÇÃO

A clonagem para fins terapêuticos, ou clonagem não reprodutiva, ganha, a cada dia, espaço nos livros científicos, dada a importância do tema para a
atualidade. Neste contexto, o ordenamento jurídico, por meio do corpo de parlamentares, busca, a todo tempo, delimitar tal possibilidade, pois, se por
um lado as possibilidades médicas são infinitas, por outro há violação, sem dúvida alguma, a uma série de princípios éticos.

O cenário jurídico, então, traça diretrizes a serem seguidas, precipuamente, pelos profissionais da saúde, sob pena de grave violação ao referido grupo
de princípios, dentre eles o princípio da Dignidade Humana, disciplinado no art. 1º, inciso III, da Lei Maior.

Em relação ao tema, Maria Helena Diniz ensina o seguinte:

A clonagem terapêutica visa à obtenção de célula-tronco, retirada de sangue fetal ou de células de paciente adulto, para tratamento de doenças (mal
de Parkinson, diabetes, cirrose, mal de Chagas, etc.), mediante produção de tecidos e músculos. É admitida em alguns países como: Inglaterra,
Israel, Bélgica e China. A Alemanha defende a proibição da clonagem humana e há projeto de lei estabelecendo parâmetros para a reprodução
assistida. Observa Justo Aznar (As grandes promessas da medicina reparadora, Interprensa, n. 47, p. A-36) que há problemas na clonagem terapêutica,
pois, para criar agrupamentos celulares, tecidos ou órgãos para transplante, utilizam-se, em geral, células-mãe de fontes distintas, especialmente
de embriões, do cordão umbilical ou de tecido adulto, que, posteriormente, podem se transformar m células adultas de seu próprio tecido ou de algum
outro. As experiências de embriões humanos começaram com dois trabalhos, publicados em 1998 pelas equipes dos cientistas norte-americanos J.
Thompson e J. Gearhart [1].

A Grã-Bretanha foi o primeiro país que passou a admitir a clonagem humana para fins terapêuticos. Neste episódio foram acaloradas as discussões a
respeito do tema

Em 2006, o Senado australiano aprovou decreto-lei que admitiu a clonagem humana para fins terapêuticos e, de forma ímpar, foi possível observar a
reação dos parlamentares frente ao polêmico tema, vale transcrever:

O debate no senado australiano foi tudo menos pacífico, com o senador Julian McGauran a avisar que a pesquisa pode ser o princípio de uma “história horrível”. O responsável político teme que sejam criados seres híbridos, a partir da fusão de
células humanas e de células de animais, num mesmo embrião.

Aumentar de 10 para 15 anos de prisão a pena dos casos relacionados com abusos da clonagem de embriões, foi uma das adendas propostas pelo partido
democrata australiano (da oposição) à nova legislação.Outra adenda visou impedir os investigadores de obter licenças para a criação de embriões
híbridos de humanos e animais.
As mulheres do senado foram determinantes na votação, já que, das 23, 19 votaram a favor do sim. De referir que a Grã-Bretanha foi o primeiro país a aprovar a clonagem terapêutica, em 2001, seguida da Singapura, três anos depois. [2]

No que pese o receio apontado, não há como negar o outro lado da moeda que, em suma, configurá-se na ausência de rejeição frente a tecidos alcançados
e, após, utilizados por meio deste procedimento. Em famoso site de notícias científicas, é possível observar tal vantagem descrita de forma mais
criteriosa, vale citar:

A clonagem é importante porque permite a criação de um tecido idêntico. Na terapia utilizada atualmente o corpo tenta rejeitar a células
implantadas, que são identificadas como corpos invasores. Os médicos inibem esta reação do sistema imunológico prescrevendo poderosos medicamentos
anti-rejeição que os pacientes têm que tomar pelo resto da vida. Mas esse problema não ocorreria com células criadas através da clonagem. Elas
seriam produzidas a partir das células dos próprios pacientes e portanto não seriam tratadas como invasoras pelo sistema imunológico.

Esta terapia acabaria, por exemplo, com a busca desesperada para se encontrar um perfeito doador de medula óssea para os pacientes que sofrem de
leucemia. Com a clonagem para fins terapêuticos os médicos poderão criar uma medula perfeita, utilizando, provavelmente, as células da pele do
próprio paciente
. [3]

Assim, o rol de oportunidades que norteiam a clonagem humana para fins terapêuticos respalda-se, também, em um conjunto infinito de receios inerente ao
ser-humano e a sociedade, razão pela qual os ordenamentos jurídicos ao redor do mundo traçam limites e diretrizes para tratar o tema.

A técnica da clonagem já era amplamente utilizada no ambito da agronomia. Sem dúvida, o homem buscava selecionar as características que melhor
adequavam a planta a sua realidade, por exemplo, escolhendo, genéticamente, aquela que resistiria melhor as pragas. Pode-se dizer, em poucas palavras,
que o homem buscava a “seleção artificial do homem” que, logicamente, não alcançava a mesma perfeição da “seleção natural de Darwin”, motivo pelo qual
nasce uma série de receios ao redor da sociedade.

Na segunda grande guerra, o nazismo, por intermédio de sua ideologia, já buscava, de modo incessante, a pureza da raça. Significa dizer que tinham como
objetivo pré-deteminar a carga genética a fim de padronizar a sociedade tentando alcançar, ao final, o que se chamou de raça ariana.

No entanto, foi com a ovelha Dolly que a técnica de clonagem causou grande impacto no cenário científico. Em relação ao episódio, Maria Helena Diniz
destaca o que segue:

No limiar do terceiro milênio nasce, no mundo científico, uma “estrela”. Seu nome é Dolly. O aparecimento dessa “ovelha de Troia”, como prefere
chamá-la a revista Time, causou impacto e frisson na comunidade científica e empolgou o mundo, pois a divulgação da experiência na revista Nature,
explicando a técnica da clonagem, que deu origem a Dolly, representou um enorme e ousado avanço da ciência que reabre a possibilidade de clonar
seres humanos (…)
[4]

Sob a ótica da terapêutica, a clonagem de animais auxiliaria a obtenção de produtos farmacêuticos de origem orgânica. Por exemplo, pode-se produzir
tecidos a fim de restaurar os danos causados por uma queimadura grave.

A clonagem humana consubstancia-se em processo de reprodução assexuada. No entanto, necessário se faz diferenciar a clonagem humana para fins
reprodutivos da clonagem humana para fins não reprodutivos. Maria Helena Diniz, quanto ao tema, dispõe o seguinte:

utilizada na fertilização in vitro para obtenção de clones, da não reprodutiva, realizada para fins terapêuticos, com o escopo de produzir o
cultivo de tecidos ou órgãos, partindo de embriões e das células stem, que são células imaturas com capacidade de autorregeneração e diferenciação,
para a reparação de tecidos e orgãos danificados. A não reprodutiva poderia ser admitida desde que não se empreguem embriões pré-implantatórios.
[5]

Nesta oportunidade, impende diferenciar, também, a clonagem humana da reprodução assistida. Conforme destacado anteriormente, a clonagem humana é um
processo de reprodução assexuada, ao passo que a reprodução assistida é um processo de reprodução sexuada.

Aqui, a reprodução assistida poderá se dar por intermédio da inseminação heteróloga, quando realizada com esperma de terceiro, ou inseminação homologa,
quando utilizado sêmen do marido ou companheiro.

Note-se que a reprodução assistida não causa maiores problemas no ambito legal, desde que respeitadas as diretrizes estabelecidas na legislação, por
exemplo, o necessário consentimento do marido, ou companheiro, na inseminação artificial heteróloga.

Entretanto, o mesmo não ocorre com a clonagem humana, dado o conjunto de princípios éticos que, a luz da doutrina majoritária, podem ser violados
frente a um procedimento de clonagem.

A clonagem humana é vedada em nosso ordenamento jurídico, conforme preconiza o art. 6º, inciso IV, da Lei 11.105/05, sendo que a clonagem constitui,
inclusive, fato típico, ilícito e culpável, nos termos do art. 26 da mesma lei. A pena para aquele que clona ser-humano é de reclusão, de 2 (dois) a 5
(cinco) anos, e multa.

A doutrina diverge, entretanto, quanto a permissibilidade da clonagem para fins terapêuticos. Aqueles que defendem a referida clonagem, argumentam que
o termo clonagem humana, previsto no art. 6º, inciso IV, bem como art. 26, ambos da lei 11.105/05, devem ser interpretados de maneira estrita.

Tal raciocínio não desmerece a atenção do operador do direito, principalmente em relação ao supracitado art. 26, uma vez que, por se tratar de crime,
não admite a interpretação ampliativa.

Maria Auxiliadora Minahim, quanto ao tema, ensina que para entender a extensão do significado de “clonagem humana” nos mencionados dispositivos, o
interprete está obrigado a fazer novas incursões pelo campo da biologia e da própria Lei de Biossegurança. Argumenta ainda a citada autora “que
curiosamente, o mesmo legislador que proíbe a clonagem humana não explicita seu conceito dentro dos ali oferecidos, tratando apenas dos conceitos de
clonagem, clonagem para fins reprodutivos e clonagem terapêutica” [6].

Assim sendo, a clonagem humana para fins terapêuticos, no cenário jurídico brasileiro, não estaria proibida.

Contudo, tendo em vista que a clonagem busca a reprodução de células-tronco embrionárias para utilização terapêutica, necessário se faz o respeito a
limites determinados pelo legislador. Tais limites encontram-se no art. 5º da Lei 11.105/05, vale citar:

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos
produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta
Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

§ 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias
humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime
tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

As células-tronco são aquelas que compõem o embrião no estágio inicial, denominado blastocisto. Este possui cerca de 100 (cem) células que futuramente
darão origem aos tecidos do embrião, tais como pulmão, fígado, rins, dentre outros. Em apertada síntese, as células-tronco possuem aptidão para se
transformarem em qualquer tecido humano, razão pela qual seriam a cura esperada de doenças antes incuráveis como, por exemplo, o Alzheimer.

O Decreto nº 5591/2005 determina que embrião congelado disponível é aquele que foi congelado até 28 de março de 2005. Tal determinação,
entretanto, não agradou a todos, uma vez que o legislador não determinou o que fazer com embriões congelados após 28 de março de 2005, motivo pelo
qual, hoje, não resta alternativa aos profissionais da saúde senão desperdiçar tais embriões, sob pena da conduta não ser plenamente compatível com o
corpo normativo.

Frise-se que alguns doutrinadores interpretam o mencionado prazo de forma diversa. Para estes, poder-se-ia usar embriões que fossem congelados após 28
de março de 2005, desde que respeitado o prazo de 3 (três) anos de congelamento.

A preocupação do legislador não cessa neste ponto, eis que foi criminalizada a postura do profissional que manipula tais embriões em desacordo com os
ditames do mencionado art. 5º. Trata-se, portanto, de uma valoração diferenciada da conduta, com alto grau de reprovabilidade social.

Nesse sentido, o art. 24 da lei de Biossegurança dispõe que aquele que utilizar embriões humanos em desacordo com o que dispõe o art. 5º será apenado
com detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.

Contudo, obstar o uso das células-tronco implica em danos à economia do país, pois anualmente o Estado gasta milhões de reais em tratamentos paliativos
e benefícios nas áreas da saúde, previdência e assistência social.

No âmbito privado, há de se destacar que o portador de paraplegia, por necessitar de cuidados familiares, acaba, na maioria das vezes, retirando do
mercado de trabalho indivíduo da família considerado imprescindível a sua sobrevivência. Aqui, os lucros cessantes perdidos são imensuráveis para
aquela família.

Dentre as formas de se justificar o veto à clonagem terapêutica, tem-se que existem células-tronco em tecidos adultos. Ademais, alguns parlamentares
suscitam que a manipulação eliminaria vidas humanas, eis que os embriões são o estágio inicial do desenvolvimento humano.

Os argumentos, todavia, são frágeis, pois as células-tronco dos tecidos não são tão potentes quanto as embrionárias, não possuindo aptidão para se
transformar em tantos tecidos.

Como se não bastasse, a eliminação de vidas humanas por meio do uso de embriões deve respaldar-se em teoria sólida e nitidamente adotada pelo
ordenamento jurídico sobre o início da vida, situação esta que não ocorre na atualidade. De fato, o Código Civil de 2002, em seu art. 2º, resguarda os
direitos do nascituro desde a concepção sem, no entanto, definir o início da vida.

5. O início da vida

Em relação ao tema, a doutrina apresenta as mais variadas teorias.

Em apertada síntese, as teorias se baseiam nos seguintes conceitos de início da vida:

  1. Concepcionista: A vida teria início a partir da fecundação havida entre os gametas.
  2. Embriológico: A vida teria início a partir da 3º semana de gestação. Aqui, o cientista tem como base a formação do embrião.
  3. Neurológico: A vida teria início a partir da 8º semana de gestação. Tal teoria ganha adeptos no mundo científico, pois se a vida termina com o fim
    do sistema neurológico, a lógica nos levaria a conclusão de que a vida começa com o início do sistema neurológico.
  4. Nidação: O início da vida seria a partir do 40º dia. A vida começaria a partir da fixação no colo do útero.
  5. Ecológica: O início da vida seria a partir da 25º semana. A vida começa quando o feto esta fora do útero.
  6. Filosófica: O marco inicial da vida seria a partir da independência do feto em relação a mãe.
  7. Metabólica: não há início ou fim da vida, uma vez que vida se matém em um ciclo fechado.
  8. Reconhecimento: O início da vida começa a partir do momento que a pessoa reconhece-se como ser.

Assim, o parlamentar, ao destacar o uso de células-tronco embrionárias como o motivo precípuo da eliminação de vidas humanas, deveria, ab initio , definir a partir de quando há vida, o que não ocorre em nosso ordenamento jurídico.

A clonagem humana para fins terapêuticos, com o passar dos anos, ganha força ao redor do mundo por se mostrar como única solução conhecida para cura de
uma série de doenças como, por exemplo, Parkinson, cegueira, Alzheimer, doenças neuromusculares e, inclusive o câncer, doença considerada como sendo a
epidemia do século XXI. Seria, neste contexto, o “nascer outra vez” de indivíduos portadores de tais enfermidades.

Por outro lado, deixar de delimitar o procedimento sob o prisma jurídico é, também, assegurar a violação a dignidade da pessoa humana, razão pela qual
assiste razão aqueles que buscam estabelecer regras e diretrizes para a utilização do procedimento.

No entanto, dada a importância do tema, parece-nos inevitável que tais limites sejam abrandados com o passar dos anos. Conforme esclarecido
anteriormente, a clonagem para fins terapêuticos tem como uma de suas maiores vantagens a ausência de rejeição do tecido pelo organismo do paciente.

Isto significa que há menores riscos para a vida do paciente e, por conseguinte, maior longevidade da população e melhores perspectivas econômicas do
Estado, uma vez que reduziria drasticamente seus custos com a Saúde e Seguridade Social.

Referências

DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 7ª Ed. Editora Saraiva, 2010.

MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e Biotecnologia. São Paulo: RT, 2005.

< http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010123_clonagem.shtml >. Acesso em 30 de outubro de 2010.

<
http://www.infonoticias.eu/noticias/06/nov/australia-aprova-clonagem-humana-fins-terapeuticos >. Acesso em 30 de outubro de 2010.

Ivo Fernando Pereira Martins

Advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

http://direitoleigo.blogspot.com/

Notas de rodapé

1  DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 7ª Ed. Editora Saraiva, 2010, p. 535.

2  Disponível em <http://www.infonoticias.eu/noticias/06/nov/australia-aprova-clonagem-humana-fins-terapeuticos>. Acesso em 30 de outubro de
2010.

3  Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/010123_clonagem.shtml>. Acesso em 30 de outubro de 2010.

4  DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 7ª Ed. Editora Saraiva, 2010, p. 529.

5  DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 7ª Ed. Editora Saraiva, 2010, p. 534.

6  MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e Biotecnologia. São Paulo: RT, 2005, p. 139

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ivo Fernando Pereira. Clonagem Humana para fins terapêuticos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/clonagem-humana-para-fins-terapeuticos/ Acesso em: 16 abr. 2024