Filosofia do Direito

Lukács não Compreendeu Goethe

08/05/2011

Ao concluir a leitura do livro OS ANOS DE APRENDIZADO DE WILHELM
MEISTER, de Goethe, na excelente edição da Editora 34, deparei-me com um
Posfácio escrito por Georg Lukács em 1936. Eu havia lido outros textos do autor
húngaro sobre a peça FAUSTO e rapidamente dei-me conta da pobreza de sua
interpretação, um reducionismo marxista incompatível com a grandeza do alemão.
Compreender a obra goethiana é sobretudo compreender sua metafísica, seus
símbolos. Nada aparece lá fora de lugar.

Faço esse comentário a propósito de uma afirmação de Lukács sobre o
Wilhelm Meister: “O problema do teatro e do drama domina, portanto,
completamente a primeira versão. Na verdade, o teatro significa aqui a
libertação de uma alma poética da indigente e prosaica estreiteza do mundo
burguês. Assim fala Goethe de seu herói: ‘Não havia de ser um palco para ele um
porto seguro, já que, comodamente abrigado, sem se importar com intempéries,
poderia admirar o mundo como numa redoma, como num espelho seus sentimentos e
suas futuras ações, as figuras de seus amigos e irmãos, dos heróis, e o
abrangente esplendor da natureza?’ Na versão posterior, o problema se amplia
para a relação entre a formação humanista da personalidade total e o mundo da
sociedade burguesa. Quando, em Os Anos de Aprendizado, o herói se decide
finalmente a entrar para o teatro, formula a questão da seguinte forma: ‘De que
me serve fabricar o ferro, se meu próprio interior está cheio de escória? E de
que me serve também colocar em ordem uma propriedade rural, se comigo mesmo me
desavim?’ O motivo de sua decisão provém de sua compreensão, à época, de que o
teatro lhe poderia proporcionar o perfeito desenvolvimento de suas capacidades
humanas. O teatro, a poesia dramática são aqui somente meios para o livre e
pleno desenvolvimento da personalidade humana.”

Em artigo anterior (O teatro como símbolo em Goethe) procurei argumentar
que o teatro é símbolo, não mera diversão e nem mesmo instrumento pedagógico.
Os artistas da arte de encenar procuram tão somente reviver o que é o elemento
vital. Teatro é a própria vida e dela os artistas, em analogia, produzem seus
textos e fazem as representações. Lukács jamais compreendeu isso, portanto
jamais compreendeu o autor que tanto estudou. Ignorou que Goethe tomou de
empréstimo a visão do espanhol Calderon de la Barca, especialmente da peça El
Gran Teatro Del Mundo, para compor o FAUSTO e o resto da obra. Goethe praticava
e acreditava em astrologia, sendo o tema (mapa) natal a peça que caberia a cada
um representar. Sua visão era próxima à de Sófocles, em que os deuses (a
Natureza) agiam e que o curso das estrelas determinava as decisões, que selavam
os destinos, como Édipo selou o seu.

A admiração de Goethe pelo espanhol vai além. No WERTHER podemos ler, na
carta datada de 22 de maio: “Que a vida do ser humano não passe de um sonho,
eis uma impressão que muitas pessoas já tiveram, e também eu vivo
permanentemente com esta sensação.” Não preciso lembrar que a peça mais famosa
de Calderon é precisamente LA VIDA ES SUEÑO, onde a idéia foi originalmente
exposta.

Lukács não revelou apenas ignorância em seu Posfácio, expôs também a
limitação do método marxista para análise literária. A grande obra de arte
trata sobretudo das questões da alma. O FAUSTO, por exemplo, é a radiografia do
drama do descenso espiritual da modernidade, que tem no marxismo um epítome. O
marxismo deriva também de Goethe, de um leitura simplória e unilateral do
próprio Marx do grande poeta alemão. Evidentemente o menor não pode conter o
maior. O marxismo não tem resposta nem para a obra de Goethe e nem para nenhum
grande autor da alta literatura.

* José Nivaldo
Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo.
Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um
dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos
diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL – Associação
Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. Lukács não Compreendeu Goethe. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/lukacs-nao-compreendeu-goethe/ Acesso em: 29 mar. 2024