Filosofia do Direito

Marco Aurélio e Antonio Fernando

Marco Aurélio e Antonio Fernando

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

 

Mauro Chaves, em recente artigo para o jornal O Estado de São Paulo, revelou estatísticas desalentadoras. Entre as principais preocupações do povo brasileiro, a ética ocupa espaço reduzido. Mais de 2/3 da população entende que saúde, educação, segurança e desemprego são os problemas cruciais.

 

Apenas 7% dos eleitores colocam a ética governamental como uma das principais necessidades do país. Há uma quase insensibilidade nacional à fantástica deterioração dos costumes políticos, à semelhança do que ocorria, na idade média, com os camponeses, que a história alcunhou de “escravos da gleba”, os quais, permanentemente espoliados pelos senhores feudais, jamais demonstraram reação digna, acomodando-se a sua triste condição.

 

A desoladora atuação da Câmara dos Deputados para desmoralizar o que tinha de melhor, ou seja, sua Comissão de Ética, absolvendo quase todos os parlamentares que receberam dinheiro ilegal sem declará-lo à Justiça Eleitoral ou à Receita Federal e sem dizer para quem entregaram tais recursos, é apenas o claro indício de que aquela Casa Legislativa não é digna da Nação.

 

Para mim trata-se de uma grande decepção, parlamentarista convicto que sempre fui, desde os bancos acadêmicos, chegando a presidir o diretório metropolitano do Partido Libertador por indicação do Deputado Raul Pilla. Esse notável parlamentar, se vivo fosse, hoje, se sentiria envergonhado do nível a que chegou a moral de seus sucessores, e certamente, teria dificuldade em defender qualquer governo que saísse deste parlamento, se o sistema parlamentar tivesse sido adotado.

 

À evidência, o Poder Executivo parece, por todas as evidências surgidas até o presente, não ficar atrás da desfiguração congressual, deixando a nítida impressão de que, por não ter querido partilhar o poder, preferiu o comprar aliados, utilizando os “amigos do rei”, beneficiados por contratos governamentais, para a função da “cooptação remunerada” de parlamentares.

 

Nunca me esqueci da patética entrevista do Presidente lula, em Paris, quando disse que, desde priscas eras, no Brasil, todos fizeram o que acabara de se descobrir. Foi, a meu ver, a mais grave confissão que, em 71 anos de vida, jamais ouvi de um 1º mandatário do país, o que confirma o baixíssimo nível dos políticos atuais, que se dizem representantes do povo brasileiro (Executivo e Legislativo) e agem contra ele.

 

Neste quadro de fantásticos conluios, conivências e conveniências, não se encontra atrás das grades nenhum dos envolvidos – pelo menos uma centena deles-, como, no dia 5/6/06, a Folha denunciou, em farta matéria sobre o “mensalão”. Clovis Rossi, no seu irritado desconsolo, denominou a “Corte impunida” de DASLULA, em referência à perseguição empreendida pelo governo federal à sofisticada casa de modas de São Paulo também acusada de operações irregulares. Os valores envolvidos neste caso foram, todavia, incomensuravelmente menores que os manipulados pelos políticos governamentais e seus amigos, sendo estranho que estes não tenham sido presos, ao contrário dos diretores da referida casa comercial paulista, em relação à qual não houve, até agora, segundo fui informado, qualquer auto de infração lavrado.

 

Felizmente, neste quadro desconsolador, em que o povo sem ilusões já nem se preocupa com ética, aparecem dois brasileiros com coragem e dignidade suficientes para dizer que, do alto de sua responsabilidade, lutarão para que a ética seja restabelecida. Falo do Ministro Marco Aurélio, que assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral e já, em seu primeiro discurso, deixou claro não acreditar em qualquer das justificativas sem provas dos políticos da situação, ao dizer que criaram o “país do faz de conta”. Pretende, S. Exa., como já tem demonstrado, ser intransigente, no processo eleitoral que se avizinha, em relação a todas as violações da lei. Conhecendo-o, há muitos anos, tenho absoluta certeza de que fará o que diz, por ser um homem monolí.

 

 

* Professor emérito das universidades Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado do Exército e presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Marco Aurélio e Antonio Fernando. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/marco-aurelio-e-antonio-fernando/ Acesso em: 29 mar. 2024