Filosofia do Direito

Reflexões Sobre o Direito e os Operadores do Direito

 

O baixo índice de aprovação nos recentes concursos para ingresso na magistratura tem demonstrado uma realidade que alguns consideram preocupante: o aparente despreparo da imensa maioria dos candidatos.

 

Os cursos jurídicos priorizam o aspecto teórico do Direito, enquanto que os concursos para a magistratura,por exemplo, cobram dos candidatos um grande tirocino prático. Completa disparidade, portanto, entre a formação acadêmica e o que se exige para alguém ser juiz.

 

A dicotomia entre Teoria e Prática sempre foi dramática. Todavia, tratam-se dos dois pratos de uma balança: um depende estreitamente do outro para se ter em bom funcionamento o instrumento de aferição de massa dos objetos.

 

O Direito (considerado desde as civilizações mais antigas, passando-se pela de Roma) já teve alguns gênios, entre os quais os advogados MARCO TÚLIO CÍCERO e RUI BARBOSA e o juiz JOHN MARSHALL. Destacaram-se pela sua acuidade intelectual na descoberta de caminhos novos para o Direito horizontal, ou seja, foram incapazes de solucionar realmente os grandes problemas humanos. Ficaram na superfície e não chegaram à raiz dos problemas humanos, que é o egoísmo.

 

Todavia, houve um gênio do Direito que, sem ter escrito alguma obra doutrinária, praticou a ciência jurídica de forma a solucionar todos os litígios possíveis de acontecer. Trata-se do advogado MOHANDAS K. GANDHI, que aplicava em todas as suas grandes e pequenas causas a técnica do diálogo visando as soluções pacíficas. Nunca se tinha visto tal técnica jurídica aplicada tão massivamente e coroada de tantos resultados felizes.

 

A maior das proezas dessa técnica foi alcançada com a libertação da Índia do bissecular jugo britânico. As teorias jurídicas que aprendeu na Inglaterra foram digeridas e transformadas em uma nova forma de interpretar o Direito, ou seja, como instrumento para a felicidade humana através do diálogo franco e honesto. Não pretendia vencer seus oponentes pela argúcia intelectual, nem muito menos pela astúcia, mas sim conversar e ganhar apenas o que fosse estritamente honesto e razoável, sem arrasar as partes contrárias.

 

O que falta para a maioria dos operadores do Direito é justamente essa mentalidade jurídica pacifista, humanitária, construtora de um mundo de felicidade geral, sem desigualdades, sem vencidos nem vencedores.

 

Quando se fala em conciliação – conforme o fez recentemente GILMAR MENDES, na qualidade de presidente do STF e do CNJ – ainda se reage com muita descrença. É como se tivéssemos que renunciar à vaidade das disputas intelectuais sobre teses jurídicas. É como se tivéssemos que desmerecer a nossa bagagem cultural.

 

Mas, isso não corresponde à verdade. O Direito não é um jogo de xadrez, onde devamos ficar pensando horas inteiras frente ao tabuleiro para desfechar uma jogada fatal contra o adversário. O Direito é o conjunto de regras mínimas para uma convivência social harmônica.

 

Quem é operador do Direito não pode guardar ódio dentro de si, sob pena de fazer-se sádico; não pode desprezar as pessoas por causa dos seus defeitos morais, porque, senão, deixará de colaborar para sua recuperação; não pode achar que os socialmente desajustados são irrecuperáveis e que só merecem a morte; em resumo, tem de aliar os conhecimentos teóricos à virtude da compaixão para intervir na liberdade alheia na justa medida, como um cirurgião faz para extirpar um tecido necrosado sem matar nem agravar o estado do doente.

 

Uma das principais lições que a Vida e a Natureza nos ensinam é a humildade. O leão não é mais útil que a formiga ou a barata. O juiz não vale mais que os demais operadores do Direito. Todos somos interdependentes no nosso trabalho.

 

Por mais que façamos, nossa influência será mínima no contexto.

 

Tanto quanto o mais perfeito dos seres humanos, que foi JESUS CRISTO, passados dois mil anos da sua presença no mundo, não conseguiu influenciar nem a terça parte da humanidade, tudo que fizermos, escrevermos ou falarmos será mera colaboração no conjunto das muitas opiniões.

 

Outra grande lição nos vem de constatações da Biologia moderna, que, contrariamente ao que acreditava CHARLES DARWIN, comprovou que no mundo biológico o que prevalece é a cooperação e não a competição.

 

Se nós, operadores do Direito, vivermos em constante disputa pela supremacia das nossas vaidades, como conseguiremos pacificar os cidadãos nos seus litígios?

 

Estudar e/ou praticar o Direito não pode ficar distante de reflexões como estas. O Direito é uma Ciência humana, portanto, deve ter objetivos humanitários. Isso é que tem faltado no ensino jurídico, na prática jurídica, nos concursos públicos e na cabeça da maioria.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Reflexões Sobre o Direito e os Operadores do Direito. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/reflexoes-sobre-o-direito-e-os-operadores-do-direito/ Acesso em: 28 mar. 2024