Direito Empresarial

Critérios para impugnação de Síndico Dativo

Critérios para impugnação de Síndico Dativo

 

 

J. A. Almeida Paiva *

 

 

(1) “O Síndico Dativo é um particular que exerce um ônus e um “múnus” público”.

 

(RT 713/91) Para qualquer interessado reclamar contra a nomeação do SÍNDICO DATIVO, por infração do inciso IV, § 3º, do art. 60, do DL 7.661/45, não deve se valer da interpretação literal da norma, pois exige-se também e acima de tudo o interesse da Justiça, a confiança do Juiz na pessoa do nomeado, idoneidade moral e financeira que tem caráter subjetivo; exige-se interesse do impugnante e prova de ter havido favoritismo e de prejuízos para o impugnante, provas que devem ser pré-constituídas e serem apresentadas ao Juiz, que poderá ouvir o Síndico e decidir de plano.

 

É pacífico que o Judiciário não pode ficar preso à aplicação literal do art. 60, cuja interpretação deve ser a mais ampla possível, que garanta a rapidez do processo falimentar, exigindo, portanto, larga experiência no cargo, motivo pelo qual os Juízes, com abono do TJSP vêm optando por nomeação de plano de Advogados especializados.

 

Da sua decisão cabe Agravo de Instrumento ao Tribunal de Justiça, sendo que em São Paulo está preventa a 4ª Câmara de Direito Privado e o Relator MUNHOZ SOARES para os casos envolvendo a Falência da FRBG. Por falar em Relator prevento, o Desembargador MUNHOZ SOARES, ao relatar o AI nº 159.752-1 no TJSP, editou a seguinte Súmula: “FALÊNCIA. Síndico Dativo.

 

 Nomeação de pessoa estranha – Substituição requerida por um dos maiores credores – Indeferimento – Indicação que constitui faculdade do Magistrado e ausência de oposição de outros credores que satisfaça os requisitos do artigo 60 do Decreto-Lei Federal n. 7661 de 1945 – Defesa dos interesses da massa, ademais, desempenhada com zelo e proficiência pelo atual síndico. Recurso não provido. FALÊNCIA – Síndico – Maior credor – Condição, por si só, insuficiente para a nomeação pretendida – Artigo 60 do Decreto-lei Federal n. 7.661, de 1945 – Recurso não provido”. (JTJ-LEX, vol. 139, p. 187) Este entendimento está pacificado nos Tribunais. No Rio de Janeiro, v.g. em Acórdão relatado pelo Des. SAMPAIO DE LACERDA, foi decidido: “FALÊNCIA – Nomeação de síndico – Faculdade do juiz – Agravo prejudicado – Para a nomeação do síndico, em processo de falência, o juízo não fica restrito aos credores, porque há outros requisitos mais sérios e de responsabilidade direta do juiz: a idoneidade moral e financeira. Daí, também, não ser levado com rigor o impedimento do § 3º, IV, do art. 60 da Lei de Falências se há dificuldades em encontrar quem aceite exercer tais funções.” (AI 2.117-RJ, RT 544, pág 199).

 

Quem pretender impugnar a nomeação de um Síndico Dativo, com suporte no inciso IV, do § 3º, do art. 60 da LF, isto é, sob a alegação de que um determinado Síndico em menos de um ano já foi nomeado pelo mesmo Juiz em outro caso, deve levar em consideração que a interpretação da norma legal é relativa, posto que em Direito, pelos princípios da Hermenêutica Jurídica, impera vários métodos de interpretação:

 

a) o literal que se detém apenas no sentido gramatical dos signos que compõem a norma;

 

b) o sistemático que analisa a norma frente ao ordenamento;

 

c) o teleológico que busca a finalidade da norma;

 

d) o histórico-evolutivo que busca apurar qual é a finalidade e o alcance da norma em face à dinâmica das relações sociais. É sabido que o denominado método literal, isto é a interpretação pura e simples do texto da lei como vem escrita a norma está totalmente superado; a norma deve ser interpretada numa visão pragmática, pois só a literal pode levar a absurdos e injustiças, pois faz com que o intérprete alcance conclusões errôneas, falsas ou injustas, razão pela qual pouca valia tem este método puramente literal, que gera malefícios, pois permite ao intérprete se acomodar e apenas citar o teor da norma, sem lhe perquirir o verdadeiro sentido, querido pelo legislador e /ou adotado pelos doutrinadores e Tribunais. A interpretação da norma há de ser pragmática, vendo a questão sob todos os ângulos e não apenas levando em conta o interesse do impugnante.

 

A propósito MAXIMILIANUS C. A. FÜHRER no seu “Roteiro das Falências e Concordatas” (18, ed., p. 36) nos ensina: “se entender necessário, pode o juiz nomear desde logo um síndico dativo, não sendo obrigado a esperar sempre três recusas por parte de três credores (RT 495/230, 505/231)”; prossegue afirmando que “não é impedimento absoluto à nomeação do síndico dativo, o exercício do mesmo cargo em outro processo, no período de um ano, vez que se trata de disposição meramente formal, nula apenas se causar prejuízo”. (cf. 17ª ed., pág. 36 e 37, referenciado por CARLOS ROBERTO CLARO, in Lei de Falências & Concordatas, ED. Juruá, 2001, pág. 169 e segts.). FÁBIO ULHOA COELHO doutrina que “na prática, prevalece a escolha imediata de advogado falencista conhecido do juiz, o chamado “síndico dativo”.

 

Trata-se de procedimento de escolha não previsto em lei, mas que se revela o mais interessante e ágil para a defesa dos interesses da comunidade de credores. Também estão em desuso as normas legais sobre impedimento (LF.art. 60). (cf. Curso de Direito Comercial, v. 3, p. 255-256) (GN) Nunca é demais reiterar a doutrina de FÁBIO ULHOA COELHO: “Também estão em desuso as normas legais sobre impedimento”. O PL 4.376 que irá substituir a atual Lei de Falência nº 7.661/45 já eliminou o seu art. 60 e impedimentos, o que prova mais uma vez que a norma caiu em desuso. Esta é a posição adotada não só pelos Juízes da Capital de São Paulo como pelo próprio Tribunal de Justiça, que reconhece despicienda a simples invocação literal do texto legal, como instrumento para se pretender a destituição e substituição do Síndico Dativo.

 

“Destarte, o interesse maior dos credores é que o processo de falência seja impulsionado de acordo com os ditames da lei, e não pode o exegeta interpretá-la com rigor excessivo, pena de prejuízos às massas falidas objetiva e subjetiva” doutrina CARLOS ROBERTO CARLOS (cf. Lei de Falências & Concordatas, ed. Juruá, 2001, pág. 150). No mesmo diapasão o TJSP já decidiu; “Superado está o entendimento jurisprudencial e doutrinário segundo o qual só é possível a nomeação de pessoa estranha após a terceira recusa de credores sucessivamente nomeados. É que o cumprimento dessa formalidade inútil acarreta inadmissível demora no processamento da concordata, como se observa na prática, com graves prejuízos para os credores e interessados”. (cf. TJSP, AI n] 203.340-1, j. em 10-11-93, Rel. Des. SOUSA LIMA, Boletim Informativo de Juruá Editora, 29/547, Juruá Editora.) (GN)

 

Um dos fatores que se deve levar em conta na análise de caso a caso é se a dupla nomeação importa em favoritismo ou não com prejuízo a terceiros, fatos que devem ser provados na impugnação; ora, se num dos processos praticamente não há bens no ativo ou este é de valor insignificante, não se pode falar em favoritismo; a propósito já foi decidido: “FALÊNCIA – Síndico dativo. Nomeação, em outro processo, para o mesmo cargo, no período de um ano. Inexistência de demonstração de favoritismo e de prova de prejuízo. Decisão confirmada. Inteligência e aplicação do art. 60, § 3º, n. IV, de Dec-lei 7.661, de 1945. Sendo um impedimento de origem formal, aquele previsto no art. 60, § 3º, n. IV, do Dec. 7.661/45, é necessário considerar a ausência, ou não, de prejuízo para alguém, com a nomeação de síndico que exerceu o mesmo cargo, em outro processo, no mesmo período de um ano” (RT 444/143). (GN) O sistema de nomeação do síndico, como doutrina RUBENS REQUIÃO, “é um problema extremamente grave. Todos eles tem inconvenientes.

 

O que se observa hoje é, cada vez mais, o desinteresse dos credores de se incumbirem da sindicatura. Os grandes encargos e responsabilidades afastam da função as grandes empresas, já assoberbadas com seus próprios problemas de administração.” (cf. Curso de Direito Falimentar, ed. Saraiva 1989, 1º vol., nº 193, pág. 213). A importância do SÍNDICO, como administrador da falência, sob a superintendência do juiz é de suma importância que vem exigindo como fator preponderante que seja ele, da inteira confiança do Magistrado. PERCEROU e DESSERTEAUX têm observado que o Síndico “é o órgão essencial da falência, e ninguém, dentro do processo, tem um lugar comparável ao seu. Não há nada de exagero, acentuam esses autores, em dizer que é sobretudo de seu valor moral e profissional que depende, de fato, o sucesso da instituição”. (Des Faillites et Banqueroutes, vol. II, nº 1083).

 

Etimologicamente, SÍNDICO vem do grego syndikós, que era uma espécie de advogado a quem competia fazer a defesa de uma coisa que era comum e de muitos, o procurador comum de uma corporação ou comunidade, capaz de representar e defendê-la judicialmente. (cf. DELSMARE e LE POITVIN, Traité de droit commercial, v. 2, n. 6 e GUCK (Pandetten, v. 3), citados por Carvalho de Mendonça). NELSON ABRÃO cita uma pesquisa realizada pelo Instituto de Direito Comparado de Paris no Direito Falimentar, pela qual de doze paises da Europa e da América Latina, tirou-se a seguinte conclusão: “em todos os lugares o procedimento é conduzido por um auxiliar da justiça, que deve ser independente do devedor, que e colocado sob o controle direto do tribunal ou do juiz (em geral, salienta-se que, de fato, esse controle é muito brando) e a função é essencial.

 

Em um só pais (o Brasil) esta pessoa é necessariamente um credor; em outros lugares, e mesmo no Brasil depois de três recusas, ela é designada fora dos credores, seja entre membros de um corpo de profissionais, especializados nesta atividade, como na França (onde existe um estatuto profissional do síndico), seja o mais freqüentemente, entre os Advogados (Bélgica, Grécia, Holanda, Itália), os peritos contadores (Inglaterra), onde eles são submetidos ao poder disciplinar de um organismo profissional; algumas vezes entre os profissionais de atividade de empresa (Iuguslava; na Holanda, o “curador” é assistido de uma “pessoa de ofício”), ou os licenciados em direito…)” (Cf. Lês Procédures Collectives de Liquidation ou de Reflouement des Entreprises em Droit Compare, p. 69, referenciado por NELSON ABRÃO , Curso de Direito Falimentar, 5ª ed., EUD, 1997, nº 116, pág. 193).

 

Observação: Esta pesquisa foi feita antes que no Brasil caísse em desuso as normas legais sobre impedimento e nomeação de credores, como doutrinou FÁBIO ULHOA COELHO, que citamos acima. Pode-se concluir que a tendência moderna alicerçada na construção jurisprudencial e posição dos doutrinadores afasta por completo o art. 60 da atual LF (7.661/45); tanto isto é verdade que o PL 4.376 que substituirá a atual Lei de Falências (7.661/45) e atualmente está no Senado Federal substitui a pessoa do Síndico pela do “Administrador Judicial”. O art. 155 do PL 4.376 dispõe que “O Administrador judicial deverá ser pessoa física ou jurídica de confiança do juízo e prestará contas de suas funções, sempre que houver recebimentos, sob pena de destituição.” (GN)

 

Vê-se portanto que a tendência em abandonar o espírito literal do art. 60 do DL 7.661 é tão forte, que no projeto em discussão no Senado Federal o elemento basilar para a nomeação do “Administrador Judicial” da Falência, é ser pessoa “de confiança do juízo”. No atual sistema esta pessoa é o SÍNDICO DATIVO, nomeado com total abrandamento na interpretação e aplicação do art. 60 e seus §§ do DL 7.661, que caiu em desuso (apud FÁBIO ULHOA COELHO e Jurisprudência) como demonstrado exaustivamente acima, o que é praxe, costume e tradição no Judiciário paulista. Nenhuma pessoa, muito menos quem não seja credor, tem legitimidade para isoladamente pretender afastar a aplicação de princípios salutares, que em breve substituirão normas obsoletas que serão retiradas do ordenamento positivo brasileiro, principalmente se não provar de plano, prejuízos, favoritismo e falta de confiança do Magistrado que o nomeou. (1)   

 

 

* Advogado em São Paulo e Professor de Processo Civil

Website: http://www.almeidapaiva.adv.br

 

Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
, J. A. Almeida Paiva. Critérios para impugnação de Síndico Dativo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/criterios-para-impugnacao-de-sindico-dativo/ Acesso em: 20 abr. 2024