Direito Empresarial

Dos vetores dos contratos empresariais

Pela perspectiva legal, os elementos de validade de um negócio jurídico estão genericamente determinados no art. 104, do Código Civil, o qual aloja a famosa trinca “(i) partes capazes, (ii) objeto lícito determinado ou determinado e (iii) forma prescrita ou não defesa em lei”. Tal conjunção de fatores é suficiente para, no sistema brasileiro – o qual é ancorado na ideia de autonomia da vontade e tem a livre iniciativa como um de seus princípios gerais da atividade econômica – legitimar uma contratação e dotá-la de validade e eficácia.

No entanto, para além dos requisitos de validação jurídica dos contratos em geral, no âmbito da pactuação empresarial, as características dos ajustes são referencialmente conhecidas e classificadas como “vetores dos contratos empresariais”.

Por vetores dos contratos empresariais, entendem-se os caracteres que basicamente motivam e sustentam a existência do liame comercial, norteiam sua execução e servem como balizadores para que eventualmente se decida por sua extinção.

A direta influência dos vetores dos contratos empresariais no contexto do Direito Comercial é objetivamente pontuada por PAULA A. FORGIONI (2018, p. 107):

“O estudo dos contratos empresariais desde a perspectiva do mercado – i.e. do contexto que lhes dá força e sentido – exige sua consideração como categoria unitária e autônoma, afastando-se a análise truncada, tipo a tipo, que costuma ter lugar.

Essa reflexão global sobre os negócios mercantis somente se mostra possível mediante a prévia identificação dos traços peculiares que imprimem mecânica comum a todos eles, ou seja de diretrizes içadas do funcionamento próprio ao sistema comercial. Em outras palavras, é preciso identificar e analisar as semelhanças que os contratos comerciais guardam entre si para que possamos compreender [i] as peculiaridades e o funcionamento dessa categoria autônoma de negócios jurídicos, bem como [ii] o impacto que causam na dinâmica do mercado, influenciando-a e sendo por ela influenciada.”

Desse modo, porquanto notadamente relevantes à ciência empresarial, passa-se a especificar objetivamente cada um dos vetores dos contratos empresariais e suas respectivas peculiaridades.

1. ESCOPO/FINALIDADE DE LUCRO

Traço elementar e prioritário dos contratos empresariais é o escopo (ou a finalidade) de lucro sistematicamente neles versada.

As contratações estabelecidas em âmbito comercial/empresarial visam, em regra, a possibilidade de reverterem aos respectivos pactuantes determinada vantagem econômica, ou, numa palavra, o lucro. É o animus lucrandi que norteia o empresário, pois toda e qualquer projeção comercial tem por finalidade obter enriquecimento patrimonial. Sobre o tema, pertinente é a explicação de EDILSON ENEDINO DAS CHAGAS (2019, p. 77):

“O termo atividade econômica traduz-se em finalidade de obtenção de lucro, ainda que, em vez de lucro, haja prejuízo. Porquanto, o que integra substancialmente o conceito de empresário é o animus lucrandi, o aspecto subjetivo do lucro, não o aspecto objetivo.”

Repare-se que, visando essencialmente o atingimento do lucro, os contratos empresariais possuem como um de seus principais traços a onerosidade, na medida em que, como regra, as pactuações comerciais conservam em si o propósito de movimentação de riquezas e circulação econômica, sendo incomum as disposições puramente gratuitas neste ambiente.

2. FUNÇÃO ECONÔMICA

Como decorrência da elementar intenção de lucro e da onerosidade regularmente ínsita às suas realizações, as contratações comerciais contêm impressas em si função tipicamente econômica. Verdadeira obviedade que, tencionando lucro, as avenças celebradas pelos comerciantes sejam dotadas de funções econômicas.

Na linha do exposto, sendo o Direito brasileiro estribado na premissa da livre iniciativa como princípio geral da atividade econômica, uma vez livremente lançando-se ao comércio, basicamente estará o indivíduo funcionalmente atuando com propósito econômico, na medida em que tem como objetivo, mediante a movimentação financeiro-patrimonial, obter lucro.

3. RACIONAMENTO DOS CUSTOS DA TRANSAÇÃO

Ainda fundado na premissa elementar do objetivo de lucro, ao empresário interessa, diretamente, servir-se de meios que viabilizem que os custos de suas transações sejam racionados, ou seja, conhecidos, para que, assim, os riscos ínsitos à atividade comercial possam ser previamente conhecidos e substancialmente contornados. Nesse palmilhar, exsurgem os contratos empresariais como formas de impregnar de (relativa) segurança a atividade comercial a partir da prévia contabilização de atos e fatos jurídicos que avultem da relação negocial.

Uma vez celebrada a contração empresarial pela forma escrita e, em tal instrumento, discriminadas positivamente todas as implicações práticas a que os negociantes estarão obrigados a cumprir, pode o empresário, com relativa margem de certeza, delimitar as redundâncias financeiras que advirão do acerto e, com isso, melhor sintonizar seu orçamento com a lucratividade que espera. Sobre tal vetor, pertinente é a lição de PAULA A. FORGIONI (2018, p. 142):

“A empresa contrata porque entende que o negócio trar-lhe-á mais vantagens, do que desvantagens. As contratações são também resultado de suas escolhas; o agente econômico, para obter a satisfação de suas necessidades, opta por aquela que entende ser a melhor alternativa disponível, ponderando os custos que deverá incorrer para a contratação de terceiros [“custos de transação”].

Quanto menores os custos de transação, maior a fluência das relações econômicas e o desenvolvimento.”

Assim, não constitui impropriedade classificar a contratação empresarial como verdadeiro instrumento preditivo em relação à contabilização dos custos e da dosimetria do orçamento do empresário.

4. OPORTUNISMO E VINCULAÇÃO

Uma vez celebrado o contrato, restam as partes atadas em determinado negócio jurídico que, no âmbito mercantil, tradicionalmente repercute em deveres obrigacionais mútuos (bilateralidade). Portanto, os pactos empresariais servem para o atrelamento (vinculação) dos contratantes e como mecanismo impeditivo de que estes descumpram suas obrigações com base em mera conveniência (oportunismo).

Como pressuposto da necessária busca à elevação da segurança jurídica entre os atores comerciais, o contrato empresarial desempenha relevantíssima função na coibição do mindset change dos contratantes, na medida em que, encartando a certeza e a juridicidade do liame, desmotiva os pactuantes a abandonarem o ajuste firmado a partir da mera sedução por contexto mais favorável.

5. RACIONALIDADE LIMITADA

Não obstante a possibilidade de previsão, os seres-humanos não são equipados da capacidade de assinalarem com precisão o futuro.

Ainda que dotado de incrível habilidade lógica e assentado em significativa experiência nas relações humanas e empresariais, não há notícia de qualquer indivíduo que seja capaz de determinar com exatidão o porvir ou, tampouco, antever as flexões comportamentais das pessoas com quem se relaciona e, especialmente, contrata. Desse modo, ausente a capacitação premonitória na atividade empresarial, os contratos são instrumentos hábeis a, limitadamente, esboçarem as linhas do futuro ao empresário para que este possa preparar-se de seu destino.

Tal como em relação ao racionamento dos custos da transação, o vetor da racionalidade limitada carrega ao contrato empresarial efetiva possibilidade de antevisão, porquanto permite aos comerciantes que, à luz das disposições prospectivamente pactuadas, possam estimar seu futuro, tudo visante ao aperfeiçoamento de sua organização e ao atingimento de maior lucratividade.

Grife-se que, enquanto derivação da atividade humana, os contratos também esbarram nos estreitos limites da racionalidade de nossa espécie e, obviamente, são meros referenciais dos tempos vindouros, servindo, meramente, como previsão – e não precisão – do futuro.

6. TUTELA DO CRÉDITO

Desdobramento do escopo de lucro, perceptível é que toda a contratação empresarial guarda em sua essência a finalidade protetiva do crédito (aspecto objetivo). Mais do que isso, os instrumentos mercantis voltam-se a acautelar a própria credibilidade (aspecto subjetivo) das transações e a, consequentemente, reforçarem a segurança e previsibilidade dos acertos comerciais.

Toda a pactuação mercantil tem por propósito assegurar que os créditos dela derivados serão regularmente honrados pelas partes, de modo a solidificar o cenário comercial e a estimular o fluxo de negociações a partir da confiança dos agentes econômicos na busca por lucratividade.

7. CONFIANÇA E BOA-FÉ

Ao entabularem entre si negócios jurídicos, os empresários alicerçam suas expectativas nas bases da confiança e na boa-fé entre si.

A boa-fé, de matriz objetiva, está genérica e positivamente prevista no direito brasileiro no art. 422, do Código Civil, em que, peremptoriamente, a legislação determina que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”.

Focalizando no direito projetado, o texto base do PLS 487/2013 (Novo Código Comercial) enuncia em seu art. 9º:

Art. 9º. Pelo princípio da ética e boa-fé, o empresário deve buscar a realização de seus interesses na exploração da atividade empresarial cumprindo rigorosamente a lei e adotando constante postura proba, leal, conciliatória e colaborativa.

Já a confiança, provém da esperança que os atores comerciais possuem de que, no curso das contratações, suas legítimas expectativas sejam atendidas e que suas previsões, em significativo grau, concretizem-se a partir das previsões definidas no instrumento contratual.

8. DESESTIMULO À ALTERAÇÃO NEGATIVA DO COMPORTAMENTO (INIBIÇÃO DO MORAL HAZARD)

Um dos mais relevantes vetores de funcionamento dos contratos empresariais diz respeito ao objetivo constrangimento que o contrato empresarial exerce sobre as mudanças de comportamento que, não raro, as partes promovem no eixo comercial.

Costumeiro é que, após o fechamento da contratação (“closing”), os pactuantes passem a desempenhar condutas estranhas às exibidas durante a fase de negociação preliminar (pontuação). Uma vez consolidada a avença e assegurados os efeitos prospectivos delimitados no instrumento definitivo, é possível que o(s) contratante(s) inovem em seus métodos e passem a praticar ações egoísticas predatórias e lesivas aos demais atores comerciais. Tal comportamento, na medida em que manifestamente oposto aos vetores da confiança e boa-fé, segurança e previsibilidade, é alvo de uma das mais relevantes funções da pactuação mercantil documentada. A tal fenômeno a doutrina intitula de “risco moral” ou moral hazard.

Dissertando com maestria sobre a questão está a respeitável obra de PAULA A. FORGIONI (2018, p. 167):

“Por vezes, o estabelecimento do vínculo contratual instiga uma parte a modificar seu comportamento, prejudicando sua parceira comercial. Trata-se de espécie de “oportunismo pós-contratual”, denominado “risco moral” ou moral hazard.

O mais comezinho exemplo de moral hazard refere-se ao seguro. A empresa segurada, depois da contratação, tende a não agir com a diligência de antes, pois tem ciência de que será indenizada na eventualidade de sofrer prejuízos. O motorista que segura seu veículo não mantém o mesmo incentivo para guarda-lo em estacionamento, aumentando as probabilidades de deixa-lo pela rua, à mercê dos bandidos.”

É, pois, propósito do contrato empresarial coibir os efeitos ínsitos à transitoriedade dos comportamentos humanos, especialmente no que tange à natural mutação das condutas individuais após o atingimento de seus objetivos mercantis.

9. USOS E COSTUMES

Fontes elementares do Direito, os usos e costumes impregnam de maneira indelével os contratos empresariais e, a estes, servem de funcional vetor, embasando as fases preliminares, executivas e extintivas.

Dada sua gradual transmutação, o “usos e costumes” – aqui assinalados como nome e sobrenome de um só instituto – desponta como inarredável influenciador da atividade mercantil, ao passo que decorre do próprio desempenho do empresariado, retroalimentando, assim, a ciência comercial.

Pela ótica legal, inclusive, as soluções em matérias mercantis são sistematicamente remetidas à solução consuetidinária. Vale lembrar que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 4º) alça os costumes ao status de regular fundamento de decisões judiciais, a depender da situação.

Sobre a relevância do vetor dos usos e costumes como fonte do direito empresarial recorre-se ao notável discurso de ALFREDO DE ASSIS GONÇALVES NETO (2018, p. 44):

“O conteúdo desse ramo do direito privado é permanentemente afetado por injunções ligadas ao modo como evoluem ou se aperfeiçoam as relações de natureza econômica, pouco importando a matéria sobre que versem. No afã de exercer sua profissão do modo mais ágil possível, os empresários estão diuturnamente criando novas técnicas, novas formas de contratar que, primeiramente, surgem na prática dos negócios para, somente mais tarde, provocarem a atenção do legislador que as consagra, então, em lei.

Daí a importância que sempre tiveram, e ainda hoje têm, os usos e costumes mercantis, por intermédio dos quais se amplia o campo em que gravita o direito empresarial, cujas feições costumeiras, por isso, não lhe podem nunca ser apagadas.”

Destaca-se que, o caráter dirigente que os usos e costumes desempenham sobre os contratos empresariais condiz, diretamente, com sua precitada capacidade de imediata atualização com o real estado das coisas no plano fático. Em franca vantagem em relação às fontes estáticas do Direito, os hábitos consolidados e recorrentes entre empresários atuam fundamentalmente na atividade comercial, na medida em que, como salientado, diuturnamente atualizados, possuem enquadramento mais simplificado e eficiente às necessidades dos atores comerciais.

10. AUMENTO DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PELOS CONTRATOS

A embasar a existência dos contratos empresariais está, ainda, a essencialidade que tais instrumentos adquiriram na modernidade em relação à própria existência e normal desempenho do direito comercial, máxime no que concerne à exposição e à vinculação dos empresários a certos contextos de efetiva subordinação de sua saúde financeira e própria existência em âmbito mercantil.

Via de regra, ao pactuar, além de assumir novos riscos para o desempenho de seu negócio, o empresário se vê comumente exposto à necessidade de promover investimentos, tais como, por exemplo, a modernização de seus equipamentos para o caso de prestações de serviços ou o aumento de sua frota de caminhões em contratos de logística. Aberto a tais variáveis, o empresário calca no respectivo instrumento contratual firmado efetivas garantias de que, a partir da previsibilidade (pré-)instaurada e documentada, os custos que teve na negociação possam ser superados e, especialmente, o lucro que tenciona seja satisfatoriamente atingido.

11. INCOMPLETUDE CONTRATUAL (LIMITES DA REGULAÇÃO INSTRUMENTAL)

Se os contratos empresariais são vetorizados por caracteres como os da segurança e previsibilidade e o reitor da pacta sunt servanda, necessariamente oposto a isso está a incompletude contratual, a qual, em síntese, é representativa da certeza de que nenhum documento é capaz de normatizar, em todos os aspectos, uma relação jurídica.

Não há como, ao menos até o presente momento, documentar exaustivamente todos os contornos que preteritamente, atualmente e posteriormente estão relacionados à negociação. Mesmo que sob desempenho olímpico inexistirá instrumento contratual imune à aleatória morfologia das relações expostas ao tempo e aos anseios individuais. Cite-se o clássico exemplo da hipótese em que, pactuado o negócio a longo prazo, sobrevém modificação da moeda nacional, remanescendo as partes sob real incerteza sobre os métodos de conversão, em virtude da (natural e inexigível) ausência de regulamentação sobre a questão.

Vale dizer que, como vetores integrativos e superativos da incompletude contratual despontam a boa-fé e o usos e costumes, uma vez que, exposta eventual fratura no instrumento mercantil, os indigitados referenciais são hábeis a promover o fechamento das lacunas do negócio e conservarem a integridade do ajuste na exata proporção da legítima previsibilidade dos atores comerciais.

12. AMBIENTE INSTITUCIONAL

Diretamente: todo o contrato deve ser compreendido à luz do ambiente em que fora desenvolvido, sob pena de desnaturar-se e ter subtraída sua própria existência.

A bem explicar o vetor em tela, PAULA A. FORGIONI (2018, p. 157):

“Para ilustrar a importância do contexto contratual, tomemos exemplo formulado por HUGH COLLINS. Quando TÍCIO, pela manhã, pede um café na sofisticada cafeteria da esquina de sua casa, o significado da conduta derivará do contexto negocial – ou do que COLLINS chama de implicit understandings. A intenção de trocar café por dinheiro somente pode ser reconhecida a partir do contexto em que o negócio se aperfeiçoa que, por sua vez, é condicionado pelo padrão de comportamento difundido entre as pessoas naquele local.”

Toda e qualquer relação jurídica depende, inevitavelmente, de adequação contextual. Recorrentemente, uma vez descolada dos parâmetros socialmente aceitos, o ato perde sua essência e fatalmente perde sua motivação, passando a representar comportamento sem sentido (nonsense). Isto porque, como explica YUVAL NOAH HARARI (2016, p. 151-152), as relações humanas – especialmente as comerciais – dependem da chamada “realidade intersubjetiva”, fenômeno que pode ser sumariamente compreendido como a capacidade que os indivíduos têm de compartilharem convicções abstratas e a elas dotarem verdadeiro grau de realidade objetiva. Disserta o historiador:

“Contudo, existe um terceiro nível de realidade: o nível intersubjetivo. As entidades intersubjetivas dependem da comunicação entre humanos, e não das crenças e dos sentimentos de humanos individualmente. Muitos dos mais importantes agentes da história são intersubjetivos. O dinheiro, por exemplo, não tem valor objetivo. Não se pode comer, beber ou vestir uma nota de um dólar. Porém, como bilhões de pessoas acreditam que ele tem valor, pode-se usá-lo para comprar alimento, bebidas e roupas. Se o padeiro perder subitamente sua fé na nota de dólar e se recusar a me dar um pão em troca desse pedaço de papel verde, isso não tem muita importância. Basta atravessar alguns quarteirões e ir até o supermercado mais próximo. No entanto, se os caixas no supermercado se recusarem a aceitar esse pedaço de papel, assim como os feirantes e os vendedores no centro comercial, então o dólar terá perdido seu valor. Os pedaços de papel verde continuarão a existir, é claro, mas sem nenhum valor.”

           

13. SEGURANÇA E PREVISIBILIDADE (RELATIVA)

Em paralelo à boa-fé e à pacta sunt servanda, a segurança e a previsibilidade dos contratos empresariais, mais do que vetores, são objetivos centrais dos pactos.

Como decorrência de sua já denunciada incapacidade de antever os eventos e da angústia que essa limitação imprime nos indivíduos, inevitável é que, de todas as formas, os empresários busquem ampliar as possibilidades de previsão de seus negócios, com o intuito de, assim, assegurarem-se do porvir. Ao admitirem suas incompetências para dominarem os eventos futuros, exsurge como flexão natural dos indivíduos – in casu, dos empresários – a necessidade de, ao máximo, cercarem-se de métodos de previsão.

Por se tratarem de documentos em que as partes deliberam sobre determinada negociação, os contratos empresariais encerram em suas linhas verdadeiros protocolos de conduta que, sistematicamente respeitados pelos agentes probos, conferem ao mercado a confiabilidade necessária para que, salvo eventos imprevisíveis, tudo corra de acordo com o esperado, seguramente.

14. PACTA SUNT SERVANDA E LIMITAÇÕES À AUTONOMIA PRIVADA

Vetor regente das negociações mercantis, a pacta sunt servanda determina, precisamente, que os contratos devem ser cumpridos.

Lastreado na ideia de que a assunção do compromisso implica no dever de seu cumprimento, o vetor da pacta sunt servanda exerce função ímpar na realidade empresarial, na medida em que ordena que os contratos firmados sejam fielmente adimplidos.

Não é erro afirmar que, substancialmente, salvo os de ordem pública, os demais vetores são desdobramentos da pacta sunt servanda. Veja-se, como exemplo, a noção de previsibilidade e confiança. Só é possível prever e confiar em efeitos positivos de determinada contratação se o pacto estiver afinado com o necessário dever de plena execução.

Por oportuno, recorre-se ao ensinamento de FÁBIO ULHOA COELHO (2011, p. 463):

“Ao se vincularem por um contrato, as partes assumem obrigações, podendo uma exigir da outra a prestação prometida. Esta é a regra geral, sintetizada pela cláusula pacta sunt servanda, implícita em todas as avenças. Em outros termos, a ninguém é possível liberar?se, por sua própria e exclusiva vontade, de uma obrigação assumida em contrato. Se o vínculo nasceu de um encontro de vontades, ele somente poderá ser desfeito por desejo de todas as pessoas envolvidas na sua constituição (ressalvadas as hipóteses de desconstituição por fatores externos à manifestação volitiva). Isto significa, especificamente, que todos os contratos têm, implícitas, as cláusulas de irretratabilidade e de intangibilidade. Pela primeira, afasta?se a possibilidade de dissolução total do vínculo por simples vontade de uma das partes; pela outra, revela?se impossível a alteração unilateral das condições, prazos, valores e demais cláusulas contratadas.”

Por outro lado, as limitações à autonomia privada, a despeito da imagem de contraposição ao vetor da pacta sunt servanda, representam apenas a dosagem com a qual a vontade dos pactuantes será regulamentada, sob os quadros normativos, com as permissões e vedações que a lei impõe.

Mesmo que estabelecido o acerto de vontades, a validade dos contratos empresariais – e de qualquer outro negócio, diga-se de passagem – estará, sempre, subordinado aos contornos determinados pela lei, os quais, no Brasil, estão sobretudo previstos no já aludido art. 104, do Código Civil.

15. CONTRATO E ERRO

Ainda que sirvam como instrumentos de previsão e segurança aos empresários, os contratos empresariais não podem excluir por completo a possibilidade de o agente econômico incorrer em erro de suas ações e consequentemente suportar prejuízos em função disso. É isso, em síntese, que se extrai do vetor em análise.

A eliminação da mera possibilidade do erro em matéria comercial suprimiria, naturalmente, a livre concorrência, pois equalizaria todos os empresários a níveis de certeza de suas ações, excluindo, dessa forma, o fator da capacidade individual mercantil. Ao, adiante de prevenir a possibilidade de erros empresário, passasse o contrato a impedi-los, esvaziada estaria a própria concorrência (leal) (art. 170, CF), remetendo o direito comercial à inaceitável estado de padronização contraposta à sua essência, motivo porque, para além de admissíveis, os equívocos negociais em jogadas mercantis são efetivamente esperados.

16. FUNÇÃO SOCIAL E EGOÍSMO DO AGENTE ECONÔMICO

Não obstante cotidianamente encarado com antipatia pela sociedade, em âmbito comercial, é indiscutível que o egoísmo dos agentes econômicos funciona como elemento indispensável ao desempenho das atividades empresariais.

Tal como destacado, estando o empresário imbuído de animus lucrandi ressai como consequência lógica dessa finalidade aquisitiva a inclinação – ou, mais: o dever – de encarar o cenário comercial pela lente do egoísmo (selfishness), assim entendido como ações mercantis legítimas voltadas ao benefício patrimonial próprio.

Em outra lição referencial, em relação ao egoísmo corporativo, o trabalho de PAULA A. FORGIONI (2018, p. 160):

“O egoísmo será tolerado pela ordem jurídica na medida em que incrementar o tráfico, pois são muitas as situações em que o comportamento individualista traz benefícios para o fluxo de relações econômicas Por exemplo, a concorrência somente é possível porque uma empresa busca superar a outra, conquistando mercado. Não fosse esse empuxo, apanágio da busca pelo lucro, não haveria competição, mas situação de marasmo em que todos estariam satisfeitos, não buscariam posições melhores e inexistiriam mobilidade e progresso. Por conta disso, o egoísmo pode ser útil ao desenvolvimento.”

Colateralmente, a balancear a vetorial do egoísmo do agente econômico está a função social dos contratos empresariais, a qual determina que, ainda que o lucro do comerciante seja a finalidade precípua da negociação, o desempenho de suas atividades não poderá redundar em prejuízo difuso.

Grife-se que, remontando o foco no direito projetado, o PLS 487/2011 (Novo Código Comercial), acentua a imperativa observância das funções econômica e social da empresa. Eis o art. 8º do texto provisório até então tramitante no parlamento:

Art. 8º. A empresa cumpre sua função econômica e social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico da comunidade em que atua, ao adotar práticas empresariais com observância de toda legislação aplicável à sua atividade, em especial aquela voltada à proteção do meio ambiente, dos direitos dos consumidores e da livre competição.

17. DEMAIS VETORES IMPLÍCITOS

Escudando-se na obra “Contratos empresariais: teoria geral e aplicação” de PAULA A. FORGIONI por diversas vezes citada no presente trabalho, afigura-se impositivo relacionar ainda, vetores apontados pela referida autora como igualmente diretivos dos contratos empresariais.

Sinale-se que, não obstante autonomamente reconhecidos pela indiscutível obra da doutrinadora paulista, com a devida vênia, a nosso ver, tratam-se de orientações secundárias e implícitas às contratações mercantis e ao próprio e puro agir dos comerciantes, razão pela qual as apresentamos a seguir, a título de complementação, de maneira sintetizada e conjunta.

– Agentes econômicos ativos e probos: Segundo FORGIONI (2018, p. 120) “Os agentes econômicos, em suas contratações, podem legitimamente presumir que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele normalmente implementado pelos atores do mercado.”. Tal vetor propõe, essencialmente, que nas pactuações mercantis está presente uma atmosfera que autoriza pressupor que a contraparte dispõe de suficiente perspicácia para contratar e desempenha seu mister com lealdade.

– Contratos e necessidades dos agentes econômicos: A premissa básica deste vetor é que, ainda que sob os autorizativos legais, os contratos empresariais decorrem das pretensões dos agentes econômicos e, raramente, de formatações externas ao mercado.

­– Contrato como instrumento de alocação de riscos: Na lateral dos vetores da previsibilidade e da segurança jurídica e da racionalidade limitada, a noção do contrato como instrumento de alocação de riscos compatibiliza-se com a utilidade das pactuações para que os agentes econômicos dosem os riscos de suas atividades.

– Forma nos contratos empresariais: Como bem esclarecido por FORGIONI (2018, p. 161), “[n]a área empresarial, as formalidades prestam-se a lubrificar o fluxo das relações econômicas, aumentando a segurança e a previsibilidade dos agentes e não a fins insensatos, desconectados do mercado.”. A concepção, no caso, é de que a liturgia das contratações credibiliza as operações mercantis e fomenta as atividades a partir da segurança jurídica.

– Contrato e informações: A celebração do contrato empresarial pressupõe que os pactuantes tenham buscado e forneçam as informações necessárias à segurança e à fiabilidade do negócio. Isso não implica, porém, no dever de ilimitado e absoluto acesso e franqueio a dados que, alheios ao cerne da operação, não condigam diretamente com o foco do pacto. A dose, aqui, é a boa-fé objetiva.

– Informação e oportunismo: Também estabelecido com fundamento na importância da informação e sua destinação nas contratações mercantis, este vetor determina que, na relação comercial, os agentes econômicos priorizam a utilização dos dados que possuem em seu benefício, visando sempre o lucro. Dessa forma, mesmo que atuando em caráter (aparentemente) colaborativo, é inerente aos contratantes que, expostos a ocasiões e informações que lhes inspirem favorabilidade comercial, normalmente optam pelo contentamento de seu interesse e não o da contraparte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito empresarial esquematizado. 6ª ed. Saraiva educação. São Paulo, 2019.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial : direito de empresa. 23. ed. Saraiva. São Paulo, 2011.

FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 3 ed. rev. atual. e ampl Thomson Reuters Brasil/Revista dos Tribunais. São Paulo, 2018.

HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. 1ª ed. Tradução Paulo Geiger. Companhia das Letras. São Paulo, 2016.

NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Direito de empresa: Comentários aos arts. 966 a 1.195. 8 ed. rev. atual. e ampl. Thomson Reuters Brasil/Revista dos Tribunais. São Paulo, 2018.

Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Affonso Celso Pupe da Silveira. Dos vetores dos contratos empresariais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/dos-vetores-dos-contratos-empresariais/ Acesso em: 29 mar. 2024