Economia

O complexo mercantil do ouro: O impacto para a colônia e para a economia-mundo européia.


Camila Fernanda
Batalha*

e Thiago Silva
Duarte**

RESUMO

Objetiva-se nesse trabalho, a partir da
análise do ciclo do ouro no Brasil,
entre o período do fim do século XVII até final do século XVIII, depreender
como se desenvolveu a economia desta colônia portuguesa na época. Para isso procura-se através da análise de estudos de
autores como Celso Furtado, Caio Prado Júnior, Roberto Cochrane Simonsen, Jales
Dantas da Costa, Junia Ferreira Furtado, Pedro Antônio Vieira, dentre outros,
responder algumas questões estabelecidas como essenciais para o fim que se
submete este trabalho. As mesmas seriam,
em que medida as atividades econômicas do Brasil se inseriram na economia-mundo européia, quais os benefícios que proporcionou o
ciclo do ouro para a Inglaterra,
quais os pontos positivos e negativos do ciclo do ouro para Portugal, e por último quais
transformações sócio-econômicas ocorreram no Brasil nesse período.

A INSERÇÃO DO
BRASIL NA ECONOMIA-MUNDO EUROPÉIA

Assim como fez Jales Dantas da
Costa, procuramos nos fundamentar em César Benjamin, para quem “a formação da
sociedade brasileira não foi um processo autônomo, mas um episódio da expansão
do moderno sistema mundial, centrado na Europa” (Benjamin, 1997, P. 23).
Segunda esta perspectiva, nossa pesquisa acerca da cadeia mercantil do ouro, no
século XVII, há que se orientar em vistas de uma direção que aponte a inserção
do Brasil, desde cedo, como periferia da economia-mundo européia. A exclusão da
participação brasileira nos elos mais rentáveis da determinada cadeia – e
daquelas que a antecederam e sucederam durante todo o período colonial –
reforçam tal conclusão. Contudo, consideramos ser necessário retroceder mais um
pouco no arcabouço teórico a fim de validar tal conjectura.

Se voltarmos à expansão material do
ciclo sistêmico de acumulação genovês, do final do século XV ao final do século
XVI, na medida da análise empreendida por Giovanni Arrighi, nos remetemos não
somente aos banqueiros mercantis capitalistas de Gênova – especialistas na
compra e venda de mercadorias e na busca de lucros – mas também aos governantes
territorialistas ibéricos – especialistas no fornecimento de proteção e na
busca pelo poder. Arrighi afirma que “essas especializações complementaram-se
uma à outra e seus benefícios mútuos unificaram – e, enquanto duraram,
mantiveram unidos – os dois componentes heterogêneos do agente de expansão,
numa relação de intercâmbio político (…)” (Arrighi, 1997, P.24). Entretanto,
com o surgimento da conexão comercial direta entre a Europa e as Índias
Orientais e com a conquista e pilhagem das Américas, se deu um novo período, no
qual os “grandes descobrimentos” serviram de instrumento aos governantes
territorialistas na tentativa de desviar o comércio das cidades-estados
italianas para seus próprios domínios. Houve a transição da lógica
territorialista para a lógica capitalista.

Assim, liderados por agentes
capitalistas genoveses, os governantes ibéricos intentaram a primazia da
incorporação dos circuitos de comércio de longo prazo, em detrimento das demais
cidades-estados italianas. Neste processo, encontraram nas Américas uma nova
fonte de poder e riqueza. Para Celso Furtado, entretanto, há que se ressaltar o
fato de o descobrimento ter sido, aos olhos portugueses, mero acessório,
durante um período de aproximadamente meio século. A razão de ser da América,
na época, se encontrava no ouro acumulado pelas velhas civilizações da meseta
mexicana e do altiplano andino. Ao Brasil, considerado um território vazio e
primitivo, segundo Caio Prado Júnior, coube a exclusão no comércio, base pela
qual se assentava todo o interesse econômico e financeiro da época. A
colonização brasileira nas primeiras décadas significou o estabelecimento de
feitorias comerciais de estrutura precária, destinadas a mercadejar com os
nativos e servir de articulação entre rotas marítimas e territórios cobiçados e
o envio de funcionários e militares para a defesa. A principal atividade
econômica desempenhada no período foi a exploração de pau-brasil, o qual não
resultou nenhum núcleo de povoamento regular e estável. Enfim, para Furtado, “o
início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma conseqüência
da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações
européias que contestavam o Tratado de Tordesilhas” (Furtado, 2000, P.4).

A justificativa para o interesse das
demais nações acerca das terras ainda consideradas de irrelevante utilização
econômica reside no ouro e na prata acumulados pelas velhas civilizações
mexicanas e peruanas e apropriados pela Espanha. E esta é a razão pela qual
realizamos a retrospectiva aqui apresentada: no Brasil, os metais preciosos
foram procurados inutilmente por quase dois séculos. A partir de 1530, quando
começou a procurá-los, o Rei de Portugal procurou defender as terras sob seu
domínio por meio de ocupação efetiva de povoamento e colonização. Na opinião de
Prado Júnior, uma empreitada de difícil realização, dado que “ninguém se
interessava pelo Brasil” (Caio Prado, 2000, P. 31). O autor ainda coloca que
toda a época do descobrimento foi caracterizada pela crença portuguesa na
existência de metais preciosos na colônia; no entanto, são escassas as
informações sobre os desbravadores atrás dessas riquezas – apenas é reconhecido
que a grande maioria deles não retornava à procura seja por obstáculos naturais
ou pelas “mãos dos indígenas”. Desde então, se observa o desenvolvimento dos
ciclos de exploração do pau-brasil, da cana de açúcar e da derrocada da última
– este sim, acontecimento que iremos nos concentrar na próxima seção com o
objetivo de entender a emergência do período de exploração do ouro nas minas
gerais.

Cabe-nos recordar, ainda, que apesar
do que foi escrito no primeiro parágrafo, não excluiremos da pesquisa a
abordagem realizada por pesquisadoras como Leonor Freire Costa e Maria Manuela
Rocha – para quem a renovação enfrentada pela historiografia brasileira nas
últimas duas décadas aponta na direção de um reequacionamento da problemática
da dominação econômica e política durante o período colonial. Ainda que
relevando os efeitos do estatuto da colônia e do pacto colonial tanto para a
colônia brasileira quanto para a metrópole portuguesa no século XVIII, as
autoras consideram todos os elementos pelos quais é possível crer em uma fuga
da periferia colonial em relação ao domínio representado pelo centro
metropolitano. Tal qual feito por elas, procuraremos então, questionar o
processo de construção da autonomia e da identidade nacional brasileira –
relacionado principalmente com a participação do Brasil na cadeia mercantil do
ouro. Se apreciarmos a questão das hierarquias econômicas chegamos ao ponto de
entender as comunicações entre a metrópole e a colônia como fluxos de
mercadorias e de informação – os quais acarretavam o estabelecimento
obrigatório de relações entre, no mínimo, dois atores, dentre os quais um
delega decisões e competências ao outro.

O ESTABELECIMENTO
DAS REDES POPULACIONAIS E COMERCIAIS

Da mesma forma pela qual Junia
Ferreira Furtado iniciou suas considerações a respeito das redes de comércio
entre Portugal e as Minas de Ouro na primeira metade do século XVIII, nós
optamos por dissertar, em primeiro lugar, sobre o estabelecimento das redes
populacionais e comerciais na região das minas. Voltando a Caio Prado Júnior,
há que se relevar a observação do autor de que já no final do século XVI, na
capitania de São Vicente, houve o início de uma pequena mineração aurífera de
lavagem. Ainda assim, o seu caráter era estritamente local – pois foi somente
no final do século XVI, que expedições bandeira paulistas reportaram achados de
importância, os quais se multiplicaram sem interrupção até meados do século
XVIII – quando a mineração do ouro atingiu o ápice no Brasil. Historiador que
é, Caio Prado credita, então, às descobertas de jazidas de ouro no início do
século XVIII o notável impulso no interesse que Portugal tinha pela colônia
brasileira, e o subseqüente desenvolvimento de políticas de restrições
econômicas e opressão administrativa. Em consonância, Junia Ferreira Furtado
afirma que o povoamento das Minas requereu uma reorientação nas formas de
dominação empreendidas pela metrópole portuguesa.

Para explicar a
relevância atribuída por Portugal à exploração aurífera, Roberto Simonsen
sustenta a idéia de João Lúcio de Azevedo: que havia uma decadência da
produtividade das colônias portuguesas, que somente com a exploração de metais
preciosos, resolveria a situação financeira de Portugal. Os governantes
portugueses procuravam incentivar, então, pesquisas nas coloniais africanas e
brasileiras, fato que é comprovado pela existência de cartas do Regente Dom
Pedro estimulando os paulistas a irem ao encontro dos metais preciosos. Para o
autor, não restam dúvidas de que no último quartel do século XVIII, mais da
metade do comércio exterior de Portugal era mantido por produtos de origem
brasileira. Sobre isso, declara: “Sendo todo o comércio da colônia feito
através da metrópole, boa parte das manufaturas aqui consumidas de procedência
inglesa, entravam para os cofres portugueses mais de 40% dos pagamentos
efetuados pelos importadores brasileiros” (Simonsen, 1978, 492)

No tocante ao desenvolvimento dos
ciclos econômicos que fizeram o sistema colonial brasileiro, é das teses de
Celso Furtado que faremos uso: para ele, até o período das grandes descobertas
de ouro no território, a prosperidade do açúcar se encontrava em decadência,
por conta da competição da produção de colônias, francesas e inglesas –
principalmente das Antilhas. Esta atividade era caracterizada, no Brasil, por
um pequeno número de grandes empresas as quais concentravam e careciam de
investimentos e mão-de-obra – não proporcionando, portanto, um grande interesse
para emigração com fins de exploração econômica, por conta da impossibilidade
de desenvolver uma custosa empreitada do engenho de açúcar.

A descoberta
mineira, por sua vez, possibilitou o fluxo migratório voluntário de indivíduos
com recursos limitados, sabendo-se que a população de origem européia
decuplicou no correr do século da mineração. Das informações disponíveis deduz
que a população foi, em 1600, de 100.000 habitantes – sendo a européia em torno
de 30.000 – para 300.000 habitantes, em 1700 – sendo 100.000 europeus – e para
3.250.000 habitantes em 1800 – sendo estimada a presença de 300.000 a 500.000
habitantes de origem européia. Tal expansão culmina no aparecimento de uma
sociedade urbana – como aponta Ferreira Furtado – que atraía grandes fluxos
populacionais e permitia o crescimento dos setores médios e dos
desclassificados – sendo os últimos alvos de inúmeras atitudes repressivas por
parte das autoridades administrativas. A nova constituição societal constituiu,
também, um inovador e atraente mercado consumidor para os produtos
metropolitanos e para o ouro, o qual retirado da terra era usado como
fundamento para as trocas. Simonsen explica tais acontecimentos da seguinte
maneira: “tal foi, porém, a fascinação que a notícia da fortuna rápida de
alguns produziu nos espíritos da época, que decorridos os primeiros 25 anos, já
se concentrava no centro-sul da colônia e regiões dantes praticamente
inabitadas, um número correspondente a mais de 50% dos habitantes existentes no país, em 1700” (Simonsen, ano,
página). Segundo as suas pesquisas, no período de maior efervescência da
procura de ouro, documentos estimam a utilização de uma base de 100.000
indivíduos trabalhando nas minas gerais.

Sobre as empresas
de mineração, diferentemente das de açúcar, podiam ser de diversos tamanhos,
desde iniciativas individuais – que, contando com a sorte, poderiam obter
achados que possibilitaria uma ascensão social tornando o indivíduo um
empresário com grande empresa exploradora – até grandes empreendimentos que,
como nos engenhos, se ancoravam no uso de um grande número de escravos. A
respeito da mão-de-obra escrava, apesar de constituírem a base do trabalho
empregado na mineração, em nenhum momento chegaram a ser, como em regiões do
engenho de açúcar, a maioria da população. Ainda, circulavam em um meio social
mais complexo, havendo possibilidade de sua livre iniciativa de trabalho para o
pagamento de sua liberdade.

De acordo com
Caio Prado, havia dois modos de organização do funcionamento das jazidas de
ouro. Uma é a de lavras, mais comuns nos períodos do auge da mineração,
estabelecimentos fixos de grande investimento e extração, em que se empregava
aparelhagem especializada, utilizando-se de grande quantidade de escravos
africanos. A outra é a de faíscadores, trabalhadores livres de pequena
extração, móveis e nômades, reunindo-se em muitos em pontos franqueados por
todos, trabalhando cada um por si isoladamente, e escravos que trabalham
entregando quantias fixas de ouro ao seu senhor, arcando com sua manutenção com
a possibilidade de achar quantia suficiente para adquirir sua liberdade.

O próximo passo
observado é o rápido florescimento do comércio na região, pois os mineiros
possuíam – e pela primeira vez, os cidadãos coloniais – um equivalente universal
de troca, o que facilitava, pelo menos na teoria, a participação nas operações
mercantis. Da mesm forma aponta Roberto Simonsen, para quem, no período da
mineração do Brasil, o mundo vivia em uma fase de transformações
econômico-sociais, em que os metais preciosos eram eficientes auxiliares de
correntes comerciais. Ainda assim, durante todo o século XVIII, a imensa
maioria das transações comerciais da capitania mineira se efetivou por meio de
um complexo sistema de crédito: “Na estratégia de expansão dos negócios, várias
casas de comércio da Corte, algumas já estabelecidas no Rio de Janeiro,
enviaram seus representantes para os novos achados auríferos para que vendessem
mercadorias e, se possível, estabelecessem, casas comerciais” (Ferreira Furtado,
2008, P. 247).

Se formos
intentar em uma análise de cunho efetivamente econômico, chegaremos à
observação de que o capital fixo dos empreendimentos da mineração era baixo,
dada a incerteza dos achados de valor e a necessidade de deslocamento em um
período relativamente curto. Porém, a concentração de recursos era alta pela
igualmente alta lucratividade. Essas características formaram a organização de
toda a economia mineira. A excessiva concentração de recursos proporcionava
dificuldades de abastecimento, mas também beneficiava regiões vizinhas, com o
aumento do preço dos alimentos e dos animais de transporte.

Como exemplo, é
inevitável citarmos, assim como fez Celso Furtado, a pecuária na região sul da
colônia que, por estar mais próxima das minas, se desenvolveu enormemente. Na
região nordeste, por sua vez, o foco do mercado decadente dos engenhos se
deslocou para as minas. Ainda, criou-se um grande mercado de animais de cargas,
pelo fato de que as regiões das minas eram de difícil acesso, em áreas montanhosas
e distantes do litoral, havendo a necessidade do transporte do ouro produzido,
assim como das mercadorias importadas para abastecimento das regiões de
mineração. As mulas eram criadas no Rio Grande do Sul e comercializadas em São
Paulo.

Enfim, concluímos
que a mineração criou um mercado de maiores proporções que os engenhos de
açúcar. Os últimos possibilitaram a formação de uma atividade pecuária, antes
não existente, dependente dos engenhos. Haviam espraiados em regiões do Mato
Grosso e Rio Grande, economia pecuária rudimentar e escassa, com algumas
exportações de couro; regiões que viviam independentes umas das outras,
chegando a um regime de subsistência. A economia mineira, a qual é vista como
um constante de evolução, proporcionou o desenvolvimento da atividade pecuária,
elevando sua rentabilidade, tornando as diferentes regiões do Brasil
interdependentes, sendo umas especializadas na criação, outras na engorda e
distribuição e outras constituindo os principais mercados consumidores.

Simonsen também é
um dos quais corrobora as idéias até então apresentadas. Cita, como
colaboração, Sombart, o qual atribuiu ao aparecimento do ouro brasileiro uma
nova etapa do capitalismo. Para este último “sem a descoberta (acidental!) das
jazidas de metais preciosos sobre as alturas das Cordilheiras e nos vales do
Brasil, não teríamos o homem econômico moderno” (Simonsen, 1978, 567).

OS FLUXOS DE
RENDA E DE COMÉRCIO

As redes então
estabelecidas na região das minas gerais emergiam desde o reino e articulavam
comerciantes de diferentes magnitudes, segundo o que descreve Junia Ferreira
Furtado. Para o suprimento da demanda manifestada pela crescente população, tal
qual já foi apresentado, os mercadores estabelecidos nas Minas compunham um
grupo bastante heterogêneo – segundo a autora, a documentação disponível revela
uma gama de tipos de comerciantes, dentre os quais se encontram: negociantes de
grosso trato, mercadores a retalho de secos e molhados, lojistas, taverneiro,
tratantes, tendeiros, caixeiros, escriturários, mascates, viandantes dos
caminhos, lavradores que comerciavam seus gêneros, comboieiros de escravos,
condutores e etc. Levando em consideração que um comerciante poderia
desempenhar apenas uma ou diversas atividades paralelamente, nos concentraremos
aqui nas funções que tem correlação exata com a cadeia mercantil aurífera.

Segundo os
argumentos de Caio Prado Júnior, diferentemente de qualquer outra atividade
empreendida na colônia, a mineração se deu por meio de “minuciosa e rigorosa
disciplina”. Desde os primeiros achados a metrópole portuguesa se ocupou em
estabelecer regras sobre a exploração da atividade mineradora, algo que foi
pouco alterado através dos tempos. Tal sistemática consistia na “livre
exploração” submetida à “fiscalização estreita”. Criou-se a famosa tributação:
o quinto, em que 20% da produção era entregue ao fisco da coroa portuguesa, e
nas áreas de mineração foram criadas espécies de administrações especiais
subordinadas diretamente ao governo da metrópole.

O não comunicado
à administração competente sobre os achados metais era passível de penas
severas e a demarcação e distribuição das áreas de exploração, por parte dos
guardas-mores, os administradores especiais. Primeiramente, deixava-se o
descobridor escolher sua demarcação (datas), em seguida a “Fazenda Real”
delimitava a sua, para depois distribuir entre os mineradores presentes por
meio de sorteio. As áreas de exploração eram proporcionalmente de acordo com o
número de escravos de cada candidato a explorado e a coroa portuguesa sempre
vendia suas áreas por meio de leilão. Todos os acordantes pela exploração
tinham o prazo de 40 dias para dar início à atividade, sendo que não era
permitida a comercialização de datas – a não ser em caso de perda de escravos.
Na recorrência da comercialização o explorador estava sujeito à proibição do
direito de receber outra data.

A cobrança do
quinto era algo muito polêmico e confuso, pois a falta de fiscalização e
diversas possibilidades de sonegação do tributo fizeram com que maneiras
alternativas de tributação fossem utilizadas – desde por meio do pagamento por
cada escravo utilizado (algo que tornou-se inviável pela não garantia de
achados de cada escravo que eram utilizados algumas vezes para atividade
preliminares de pesquisa de terrenos. Dentre todas as formas, o processos
definitivo encontrado de tributação foi a utilização das Casas de Fundição,
para formar barras de ouro com selo real, proibindo a livre circulação de
qualquer outra forma, seja em pó ou pepita, de ouro.

Apesar de tudo, o
ouro por ser um material de “alto valor em pequenos volumes” era facilmente
contrabandeado – para Simonsen, o ouro apreendido entre 1700 e 1713 demonstra
que o contra-bando devia exceder a 20% do produzido – fazendo com que a coroa definisse uma quota
mínima anual de tributos que deveria ser recolhido, sendo que havendo falta da
quantia estipulada, incorria-se do “derrame”, isto é, na tomada de itens da
população da capitania que se encontrasse na situação de derrame para completar
a soma do tributo. Esta situação promovia violência por parte das autoridades
na invasão de residências e indignação da população, que com a decadência da
exploração aurífera tornou-se cada vez mais recorrente, até que em 1788 houve a
suspensão do derrame por causa da notícia de possibilidade de levante geral em
Minas Gerais (conspiração de Tiradentes).

A ACUMULAÇÃO E A COLÔNIA

Roberto Simonsen
afirma que o ouro no Brasil proporcionou o custeio das correntes imigratórias,
importação de centenas de milhares de escravos, construção das primeiras
cidades e estradas do interior, desenvolvimento do Rio de Janeiro, a formação
de correntes comerciais no interior do país, promovidas e mantidas
principalmente por São Paulo e valorização do gado da região Sul.

Caio Prado vai
mais além quando aponta uma das causas da decadência da mineração do ouro como
sendo o esgotamento das minas – a maior parte do ouro encontrado no Brasil era
de tipo aluvião, encontrado nos leitos e margens de rios, havendo pouca
concentração e pequenos depósitos. As grandes minas, por sua vez, eram
compostas de rochas matrizes, “grandes concentrações primitivas de ouro”, muito
raras e de baixo teor aurífero. Também podem ser entendidas como causas da
decadência a técnica deficiente de extração, que impossibilitou o
aprofundamento da pesquisa de mineração de forma a tornar o processo cada vez
mais eficiente. Houve tentativas frustradas de associações para o
desenvolvimento de solução para melhora da extração além da administração
pública isolar a colônia no que tange um sistema de educação que possibilitasse
conhecimentos técnicos aos colonos para suas atividades. Ainda, o sistema de
regulamentação da atividade não proporcionou um ambiente de pessoas técnicas
que pudessem introduzir melhoramentos na mineração, mas “burocratas gananciosos
e legistas”, interpretadores e aplicadores da regulamentação que se preocupava
única e exclusivamente com a arrecadação de tributos, não deixando espaço para
críticas, objeções ou sequer dúvidas sobre a atividade mineradora.

Não se houve a preocupação em
acumular capital na fase próspera da mineração para lidar com eventualidades,
dispondo de recursos necessários para uma possível reorganização das bases do
sistema de mineração.

Para ele, a mineração teve, sendo
assim, um grande papel no desenvolvimento da colônia, proporcionando o
povoamento do centro sul do país, trazendo o legado da dificuldade de
estabelecimento de um sistema de transportes eficiente e econômico em uma
região irregularmente ocupado. Porém, permitiu-se a colonização portuguesa
ocupar a região central da região sul-americana. Em 1763, no auge da exploração
de ouro a capital se transfere para o Rio de Janeiro, local de comunicação mais
próximo das minas, ligando estas ao exterior pelo porto, tornando a cidade o
principal centro urbano da colônia. A necessidade de se abastecer a população
das regiões de minas e da nova capital, estimulou atividades econômicas, tais
como a agricultura e a pecuária, num largo raio geográfico, atingindo, desde
áreas que corresponde hoje à Minas Gerais e Rio de Janeiro, até São Paulo.

Celso Furtado adiciona demais razões
para a regressão econômica da região, dentre as quais destaca: a falta de
criação de formas permanentes de atividades econômicas, com exceção da agricultura de subsistência, algo
que fez com que o declínio da produção ocorresse de forma rápida e
generalizada. Para ele, as grandes empresas foram se descapitalizando e se desagregando,
pela ilusão de novas descobertas que os empresários minavam seus ativos,
passando a não conseguir repor a mão-de-obra escrava, chegando a se tornar
simples faiscadores.

Em relação ao
Brasil, evidencia-se que a existência do regime de trabalho escravo impediu que
o colapso da produção do ouro criasse conflitos sociais de maior
relevância. A economia da mineração se
desarticulou em poucas décadas, decaindo os núcleos urbanos, dispersando-se a
maior parte de seus elementos numa economia de subsistência, espalhados por
vasta região de difíceis comunidades, isoladas em pequenos grupos. Não houve em
nenhuma parte do continente americano um caso de involução tão rápida e
completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de
origem européia. Uma região cujo povoamento se fez num sistema de alta
produtividade, de mão-de-obra escassa, numa massa de população totalmente
desarticulada, de baixíssima produtividade e agricultura de subsistência.

A ACUMULAÇÃO E A
ECONOMIA-MUNDO

Para Celso Furtado o que deve ser
feito em primeiro lugar é compreender integralmente a base geográfica na qual
se assentou a economia mineira: estava situada numa vasta região compreendida
entre a serra da Mantiqueira, no atual estado de Minas Gerais, e a região de
Cuiabá, no Mato Grosso, passando pelo que hoje é o estado de Goiás. Em todo
esse território foram constantes os fluxos e refluxos de população em função
dos rápidos incrementos ou diminuições da produção. No entanto, essas variações
de crescimento e decréscimo da produção foram menos abruptas – dada a
possibilidade de um desenvolvimento demográfico mais regular com fixação
definitiva de núcleos importantes de população – algo que corrobora o aumento
do controle administrativo sob as populações locais.

É fato que foi em torno de 1760 que
a exportação de ouro atingiu o seu ápice, com cerca de 2,5 milhões de libras,
após um período de crescimento de mais de meio século. Se comparado este
período, o de maior prosperidade, com o período de maior prosperidade da
economia açucareira, e tomando por análise a renda média, iremos de encontro a
questão de que a renda média da primeira era inferior a renda média da segunda.
Entretanto, o mercado analisado neste trabalho tinha maiores potencialidades em
razão da existência de uma renda deveras menos concentrada, proporção de
população livre muito maior, consumo muito mais significativos de bens
correntes em detrimento dos artigos de luxo (que se tornavam mais caros em
função do maior distanciamento dos portos) – isto é, proporcionou um
desenvolvimento muito maior do mercado interno.

Ainda assim Furtado ressalta que,
apesar do desenvolvimento de centros urbanos, não houve desenvolvimento
suficiente para o surgimento de atividades manufatureiras. A explicação desta
situação não é de fácil realização – passamos a acreditar, então, que se deu por
políticas portuguesas, mesmo que até 1785 (data do decreto que proibiu
quaisquer atividades manufatureiras na colônia), não é observado o
desenvolvimento de manufaturas em período nenhum, seja de prosperidade ou de
decadência. Em Portugal houve um tímido desenvolvimento manufatureiro, ao final
do século XVII, o qual foi barrado pelo Tratado de Methuen (1703), realizado
com a Inglaterra, que trocava o embargo de tecidos manufaturados inglesas pela
diminuição de um terço dos impostos de importação, por parte dos ingleses, de
vinho produzido por Portugal.

Portugal não possuía, outrossim,
capacidades técnicas de manufatura, motivo que levou a uma inexistência de
imigrantes dotados da técnica necessária para o desenvolvimento destes
empreendimentos na colônia. Chegamos a conclusão fundamental de que, apesar de
o ouro ter possibilitado o desenvolvimento endógeno da colônia, conforme os
parágrafos anteriores, o mesmo dificultou a criação de uma ambiente propício ao
desenvolvimento manufatureiro em Portugal – que se transformou em uma nação
iludida com a riqueza oriunda do minério.

Seguindo a proposta feita
inicialmente, a de relacionar o complexo mercantil aurífero com a
economia-mundo européia, devemos então empreender um estudo dos períodos
anteriores aos aqui apresentados. É perceptível, neste caso, que no período de
duas décadas até o acordo de Methuen de 1703, Portugal passava por dificuldades
econômicas, por conta da decadência das exportações açucareiras do Brasil.
Houve, nesse ínterim, o fomento direto e indireto da instalação de manufaturas
para a produção interna daquilo que não se tinha mais capacidade de importar.
Praticamente, aboliu-se a importação de tecidos, atitude esta condizente com a
de anos anteriores em que a Inglaterra proibira todo o comércio com a França,
para evitar a entrada de manufaturas francesas.

O apoio inglês aos poderosos
produtores e exportadores de vinhos de Portugal fez com que as políticas
protecionistas dessem lugar ao Tratado de 1703. Somente foi possível resistir a
esse acordo com o fluxo de ouro encontrado que bancava as compras de tecido,
insuficiente somente com a venda de vinhos. A Inglaterra encontrou, sendo
assim, na economia luso-brasileira um mercado de rápida expansão e praticamente
unilateral, em que exportações eram pagas em ouro, proporcionando grande
flexibilidade para operar no mercado europeu, saldando seu comércio de
materiais de construção e matérias-primas com o norte da Europa, indiretamente
com as manufaturas. Recebendo a maior parte do ouro até então produzido no
mundo, fortalecendo a posição dos bancos ingleses, tornando Londres o centro
financeiro da Europa, no lugar de Amsterdã. Considera-se que dificilmente a
Grã-Bretanha conseguiria se sustentar nas guerras napoleônicas não fosse a
entrada de ouro brasileiro que, em certe época, chegou à 50.000 libras por
semana, possibilitando uma vultuosa acumulação de reservas metálicas.

REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

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economia-mundo européia.
Disponível em: <http://www.gpepsm.ufsc.br/index_arquivos/COSTA_JD.pdf>.
Acesso em: 20 out. 2010.

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Brasileiro:
organização mercantil e problemas de agência em
meados do século XVIII. Disponível em: <http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S0003-25732007000100004&script=sci_arttext>.
Acesso em: 20 out. 2010.

FURTADO, Celso, 1920. Formação econômica do Brasil. 22.ª Ed. São Paulo, Ed. Nacional,

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Ferreira. As redes de comércio entre Portugal e
as Minas do Ouro na primeira metade do Século XVIII.
Disponível
em: <http://cepese.up.pt/publicacoes_cepese_detalhe.php?ID=359>. Acesso
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PRADO JUNIOR, Caio, 1907. História Econômica do Brasil. 16.ª Ed. São Paulo. Ed. Brasiliense, 1973.

SIMONSEN, Roberto Cochrane, 1889-1948. História
econômica do Brasil:
1500/1820; curso professado na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (por) Roberto C.
Simonsen. 8. Ed. São Paulo,
Ed. Nacional, 1978.

VIERA, Pedro Antônio, 2009. Apostila Formação
Econômica do Brasil I, versão
para presencial.

ANEXO

* Graduanda em Relações Internacionais
– 4ª FASE

Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Sócio – Econômico

E-mail: camilabatalha@gmail.com

** Graduando em
Relações Internacionais – 4ª FASE

Universidade
Federal de Santa Catarina

Centro Sócio –
Econômico

E-mail: thiagos_duarte@hotmail.com

Como citar e referenciar este artigo:
BATALHA, Camila Fernanda; DUARTE, Thiago Silva. O complexo mercantil do ouro: O impacto para a colônia e para a economia-mundo européia.. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/economia/o-complexo-mercantil-do-ouro-o-impacto-para-a-colonia-e-para-a-economia-mundo-europeia/ Acesso em: 25 abr. 2024