Economia

Desenvolvimento Desigual: Natureza, Capital e a Produção de Espaço – Fichamento

SMITH, Neil. Desenvolvimento Desigual: Natureza,
Capital e a Produção de Espaço. Ed. Bertrand Brasil. Cap. 4. P. 149 – 219


Para Neil Smith, são
duas as razões que explicam a emergência do desenvolvimento desigual como tema
recorrente de pesquisa: o ressurgimento do interesse geral pelo marxismo, e a
nitidez dos contornos do processo em todas as escalas espaciais. Smith
ressalta, ainda, que a sua pesquisa foca, essencialmente, no processo e no padrão
do desenvolvimento desigual especificamente capitalista – de onde decorre a
necessidade de ancorar-se em uma base político-econômica precisamente definida.
O autor dota o capitalismo de uma geografia própria e distinta dos demais
processos de desenvolvimento pré-capitalistas, imputando a este duas tendências
opostas – para a diferenciação e para a equalização – as quais irei me
concentrar no trabalho a seguir.

O que o autor quer
dizer com tendência para a diferenciação?

Os níveis e as
condições de desenvolvimento se diferenciam como função histórica da divisão do
trabalho na sociedade. É a partir desta constatação que Smith afirma a relação
existente entre a divisão espacial ou territorial do trabalho e o conceito de
divisão do trabalho, propriamente. Colocando a própria divisão do trabalho como
uma dinâmica social – o consumo produtivo do produto excedente e o progressivo
desenvolvimento das forças produtivas – é possível explicar a mais profunda
divisão do trabalho – entre agricultura e indústria – bem como as subdivisões
internas desses setores. Sobre a primeira, o autor ressalta a inexistência de
uma naturalidade que estimule tal processo, mas assim que há a manifestação de
uma divisão social, há a conseqüente diferenciação natural determinante da localização
das determinadas atividades. Levado em consideração, ainda, o arcabouço da
geografia tradicional, aparece a crença convencional nas condições geográficas
como ordenadoras, em diferentes graus, da localização das atividades humanas.
No que tange ao princípio da vantagem natural, adotado pelas correntes
comerciais e regionais da geografia, Smith o considera incapaz de explicar
corretamente a quantidade ou a qualidade do desenvolvimento subseqüente de um
desenvolvimento inicial, transformando toda a idéia em uma mera meia-verdade. O
autor desconsidera as explicações para a localização geográfica oriundas
simplesmente da lógica natural a partir do momento em que observa o efetivo
desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo, o encurtamento das distâncias
– com o aprimoramento dos meios de transporte – e a facilidade de acesso às
matérias-primas.

Em suma, o autor
defende que a concentração e a centralização do capital ocorrem em ambientes
construídos socialmente, e em função dos processos de acumulação de capital.
Como conseqüência fundamental se dá o nivelamento das diferenças naturais, que
se tornam um fator insignificante na localização das atividades econômicas. De
certa forma, a divisão territorial radicada nas diferenciações naturais subsiste,
sim, mas como um fato – ao passo que sua manutenção se dá apenas pelos
processos inerentes à acumulação de capital. Nas palavras de Smith, inclusive,
“esta geografia espacial é socialmente produzida, e não mais um padrão natural
recebido.”

Neste ponto, o autor
incorpora à sua análise a sistematização que Marx fez da divisão social do
trabalho, desde suas raízes naturais, até a divisão fundamentada sob a égide do
capitalismo. Seriam três escalas de ocorrência da divisão social, em relação ao
trabalho, tanto na esfera filosófica quanto na esfera especificamente
capitalista de industrialização: a divisão geral do trabalho (entre atividades
principais), a divisão do trabalho em particular (subdivisões entre os
diferentes setores das divisões gerais) e a divisão específica do trabalho
(entre processos específicos de trabalho). Smith lembra que Marx também
considera como fator de diferenciação social, a divisão do capital – para
tanto, divide a atividade econômica em dois setores: um dos quais dedicado à
produção de meios de produção e outro à produção de meios de subsistência.
Junto com a distinção entre capitais individuais, esta teorização de Marx
possibilita à Smith a realização de uma divisão tripartida do capital, a fim de
explicar parte da relação existente entre a divisão do capital e a divisão do
trabalho. O autor propõe, então, a divisão da economia em três escalas: em
departamentos (os quais se diferenciam uns dos outros em razão do valor de uso
dos seus produtos no processo de reprodução do capital), em setores
(diferenciados pelo valor de uso imediato de seus produtos) e em unidades
individuais ( a qual não se relaciona, em medida alguma, com a divisão do
trabalho, ainda que seja imposta historicamente sobre a acumulação do capital).

Emergem, depois de tais
constatações, quatro escalas nas quais ocorre o processo de diferenciação
social, que são função do aparecimento conjunto da divisão do trabalho e da
divisão do capital, e que têm diferentes importâncias na determinação da
diferenciação da geografia espacial: a divisão social geral do trabalho (e do
capital) em diferentes departamentos, a divisão do trabalho (e do capital) em
diferentes setores particulares, a divisão do capital social entre diferentes
capitais individuais e a divisão específica de trabalho no interior da fábrica.
A divisão específica do trabalho tem pouca relação com a diferenciação social,
sendo predominante uma questão de escala espacial. No máximo, considerando-se a
escala geográfica, contribui para a diferenciação intra-urbana, por ser um
elemento linearmente relacionado com a escala da fábrica individual. A divisão
geral do trabalho, como a anterior, não determina diretamente o padrão de
diferenciação espacial. Nesta escala, o capitalismo esta historicamente baseado
na diferenciação entre indústria e agricultura, na separação de cidade e campo.
Quanto às duas escalas restantes, cabe ressaltar que são as mais relevantes
quanto à responsabilização pela diferenciação social: na escala da divisão
pelos capitais individuais, o processo de diferenciação é bastante direto, o
que leva a concentração e centralização do capital em lugares específicos; já
na escala da divisão particular do trabalho, ainda que menos direta que a
anterior, há o movimento do capital que assume dimensões espaciais específicas,
na medida da atração de montante de capital por localidades particulares.

O que o autor quer
dizer com tendência para a igualização?

Na seqüência do seu
capítulo, Neil Smith considera a necessidade de entender em profundidade a
afirmação de que o espaço global é produzido como espaço relativo. Marx analisa
tal constatação sob a ótica do processo de circulação do capital, salientando
que a circulação é contínua no espaço e no tempo. Juntamente com Engels,
inclusive, verifica que a necessidade que o capital tem de expandir-se
constantemente, por meio dos mercados de produtos, faz com que a burguesia se
espraie por todas as localidades, vinculando-se em toda parte. Ainda assim,
Smith recorda, Marx pondera sobre função niveladora de capital, dada a
exigência de que cada esfera de produção seja igualmente dotada de condições
similares de exploração do trabalho.

Sendo assim, para
Smith, quando da consideração da produção global do espaço relativo, é fato a
existência de uma tendência igualizante das condições de produção e do nível de
desenvolvimento das forças produtivas. A conseqüência que emerge, ainda que
nunca efetivamente realizada, é a aniquilação do espaço pelo tempo. Colocada
como uma oposição constante à tendência para a diferenciação, a tendência para
a igualização é um fator realmente concreto na determinação do desenvolvimento
desigual – ainda mais quando considerada em conjunto com a contradição
resultante da dinâmica existente entre as duas tendências. Exemplos geográficos
da tendência para a igualização podem ser o nivelamento da dicotomia
campo-cidade e transformações da natureza em um meio de produção universal.

Em suma, a equalização
do valor de uso e do valor de troca, ou seja, das condições de produção, é
fruto da universalização do trabalho abstrato na forma de valor. E para Smith,
o paradoxo da universalização da relação salário-trabalho culmina no
trabalhador, que possui a liberdade de comprar e vender sua força de trabalho,
mas que é fator mais abaixo na cadeia de nivelamento. A questão da busca
capitalista por matérias-primas também suscita a constatação da igualização
quanto à escassez de objetos de trabalho, ao passo que a produção da natureza
acarreta, na opinião de Smith, uma igualização na relação com a natureza.

Smith afirma, em
seguida, a importância do sentido atribuído ao capital fixo, dada a dependência
da acumulação de capital na produção e no reinvestimento dos valores excedentes.
É imperativo, sendo assim, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de novas
tecnologias, que são fator de expansão do capital e impulsionador do
desenvolvimento. Para Marx, mais especificamente ainda, o desenvolvimento pleno
do capital ocorre na medida em que o processo de produção é desvinculado da
habilidade inata ao trabalhador e passa a ser aplicação tecnológica da ciência.
Sob esta ótica, então, a própria ciência se torna um negócio. A conseqüência
final, neste caso, é que a relatividade da localização geográfica, a medida que
o capital fixo atinge a esfera central de produção, é cada vez mais determinada
pelos comportamentos de investimento fixo.

Smith conclui com a
afirmação que seja a tendência para a diferenciação, seja a tendência para a
equalização, ambas são inerentes à dinâmica social do capital – sendo a relação
entre elas determinante para a produção de uma geografia global específica. No
entanto, a tendência para a igualização é diretamente ligada ao mercado mundial
a ao processo de circulação, espaço na qual há a possibilidade da anulação do
espaço pelo tempo, e na qual existe a criação de uma equivalência social. A
particularidade reside no fato de que a circulação é fruto da produção
capitalista, a qual, no caso de dotado de uma igualização das condições de
trabalho, é fator universalizante tanto do trabalho abstrato quanto da própria
tendência para a diferenciação.

Como é a teoria
oscilatória do desenvolvimento desigual apresentada pelo autor?

Para Smith a teoria
oscilatória do desenvolvimento desigual é o cerne do padrão dinâmico de
movimentação do capital que explica o desenvolvimento desigual propriamente
dito. É necessário entender a lógica deste movimento – chamado de ‘’vai e vem’’
do capital: tomando-se por análise a acumulação de capital, e supondo-se esta
como fator de desenvolvimento geográfico, é possível entender o espaço global
como uma superfície de lucro. O capital se move para regiões em que há alta
taxa de lucro, ocasionando o desenvolvimento destas e o subdesenvolvimento das
áreas restantes. Entretanto, este movimento por si só, motiva a diminuição das
mesmas taxas de lucro que anteriormente eram altas. Para Marx, se tomada pela
expressão geográfica e por uma determinada escala espacial, tal periodicidade é
traduzida como uma tendência para a igualização da taxa de lucro.

É necessário
investigar, em seguida, quais são as conseqüências deste movimento de
circulação periódico. Internacional e nacionalmente, no pólo desenvolvido é
possível observar menor nível de desemprego, incremento salarial,
desenvolvimento de sindicatos e demais fatores diminuidores da taxa de lucros –
ao passo que no pólo subdesenvolvido, nota-se maior nível de desemprego,
menores salários e pouca organização da classe trabalhadora. Ao falar que os
movimentos do capital são sincronizados com o ritmo de acumulação e crise,
Smith prevê exatamente esta inclinação do capital, não na busca em alcançar um
equilíbrio na paisagem social em si, mas na propensão econômica de deslocamento
por essa mesma paisagem.

O capital se desloca,
como processo oscilatório, em todas as escalas sociais, movendo-se
geograficamente de forma a explorar constantemente as oportunidades de
desenvolvimento, sem ter que arcar com os custos do subdesenvolvimento. Mas,
não é possível negar que ao deslocar-se o capital propicia o surgimento de
vpaisagens que traduzem a contradição geográfica entre desenvolvimento e
subdesenvolvimento. Sendo assim, é na esfera urbana que o capital obtém maior
potencial de circulação, e conseguintemente, onde observa-se o estágio mais
avançado de desenvolvimento desigual.

*Acadêmica de Relações
Internacionais

Como citar e referenciar este artigo:
BATALHA, Camila Fernanda. Desenvolvimento Desigual: Natureza, Capital e a Produção de Espaço – Fichamento. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/economia/desenvolvimento-desigual-natureza-capital-e-a-producao-de-espaco-fichamento/ Acesso em: 20 abr. 2024