Economia

A Produção Capitalista do Espaço – Fichamento

HARVEY, David. A
Produção Capitalista do Espaço.
A Geopolítica do Capitalismo. São
Paulo. Annablune, 2005. Cap V. p. 127-162.



Um desejo de considerar
as conseqüências geopolíticas da existência sob o modo capitalista de produção.
É dessa forma que David Harvey sintetiza o conjunto de objetivos que ambiciona
concretizar no quinto capítulo da sua obra intitulada ‘A produção capitalista
do espaço’. Para tanto, ele inicia discorrendo sobre as principais
características do modo capitalista de produção, no qual elenca a relação social
principal do desenvolvimento capitalista, representada pelo excedente de
capital e força de trabalho; passa a focar a atenção na questão do
investimento, organização espacial, e em seguida nas alianças regionais de
classe; e culmina na conclusão acerca da geopolítica do capitalismo,
propriamente dita.

É fundamental, para
Harvey, que os leitores da obra dominem o processo de circulação de capital, da
maneira pela qual foi investigado e traduzido por Karl Marx, dado que justifica
a sobrevivência e a vitalidade permanente do sistema capitalista. Enumera,
então, dez aspectos de suma importância, os quais dizem respeito, em suma, às
interações periódicas das quais fazem parte mercadorias, utilização e
exploração do trabalho vivo, classes e as lutas decorrentes entre capital e
trabalho, dinamismo tecnológico, capital, suas possibilidades de desvalorização
e investimento e, enfim, as crises que, em sua opinião, são inevitáveis –
independente das medidas adotadas para evitá-las – mas que, em função do
conhecimento que se tem da sua natureza, podem ser transformadas em momentos
catalisadores de criativas mudanças revolucionárias.

Para que seja possível
o entendimento integral da inerência destas crises, Harvey se concentra na
explicação da relação desempenhada por capital e força de trabalho. O fomento
da crise seria, segundo o autor, a tensão constante entre a produção e a
absorção não só de capital, mas também da própria força de trabalho. Mais
especificamente, ainda que alguns fatores históricos tenham facilitado a
concentração urbana dos excedentes, não há garantia de que possam ser reunidos
no tempo e no espaço de forma correta, dado que ambos são passíveis de
absorção, mas dependem de uma integração em proporções corretas. Há que se
relevar, ainda, que a força de trabalho não é uma mercadoria como outra
qualquer, e que sob vários aspectos não está a controle do capitalista – sendo
que este é mais um fator que impulsiona a desvalorização que tanto interfere na
dinâmica da acumulação.

Outra variável que deve
ser inserida na análise é o que Harvey chama de tempo de rotação socialmente
necessário, que seria o tempo médio preciso para girar certa quantidade de
capital em relação à taxa média de lucro sob condições normais de produção e
circulação. O capital se subdivide, então, em duas categorias, e aqui iremos
nos concentrar no tipo de capital que circula em ritmo mais lento: como
representação de um excedente de produção, este capital pode ser absorvido pela
criação de infra-estruturas de longo prazo, as quais servem de apoio à criação
de excedentes adicionais, o que denota certa sustentabilidade ao sistema
capitalista. Contudo, como capital fictício que é, este investimento em longo
prazo se resume a uma demanda sobre trabalho futuro, e não se prevê a
probabilidade de desvalorização de excedentes que caracteriza o sistema
capitalista, como o autor elencou no início do capítulo, o que deixaria de
assegurar a sua remuneração pretendida. O equilíbrio dinâmico sucumbe, sendo
assim, sob duas possibilidade de formação da crise: quando o capital é
realizado por meio do crescimento produtivo, ou quando é desvalorizado.

Tal é a problemática
que Harvey sustenta ser própria do fluxo de circulação de capital que
caracteriza o sistema em questão. Ele mesmo passa a questionar, então, se entre
expansão ou reestruturação geográfica, qual seria a alternativa mais viável
para contradizer as constatações feitas anteriormente, que pressupõem apenas a
globalização das crises, e o surgimento e permanência de conflitos geopolíticos
de formação e solução das mesmas. Harvey vai de encontro à Karl Marx – para
quem a transição socialista reservava resultados distintos de lugar para lugar
– quando assegura que a manutenção do capitalismo se deve à transformação das
relações espaciais e à ascensão de estruturas geográficas específicas. E
contesta a internacionalização de interesses que Lenin propõe: na sua opinião,
a expressão geográfica que Lenin dá ao capitalismo, por meio da teoria do
Estado, apenas serve de comprovação do curso de desenvolvimento do capitalismo
como sistema, e generaliza a expressão social e política particular da
geografia histórica em cada localidade.

Para Harvey, é fato que
Marx se concentrou na análise do tempo, e não do espaço, o que pode justificar
algumas das lacunas que restaram na sua teoria em relação à própria geopolítica
do capital, mas por outro lado é aceitável quando se dimensiona a importância
do tempo na produção capitalista. O autor se dispõe a fazer, em seguida, o
aprofundamento do debate em questão, e suscita o que chama de coerência
estruturada, que seria a união do capital e da força de trabalho em uma unidade
territorial distinta, criando, pelas mãos de capitalistas individuais,
condições locacionais particulares. Esta coerência estruturada se caracteriza pela
livre rotação do capital, e podendo ser formalmente aceita pelo Estado, além da
sua disseminação informal – por meio do fomento de culturas regionais – passa a
ser ponto de impulso para a definição de espaços regionais.

Há que se relevar,
entretanto, que uma série de fatores pode questionar e desequilibrar estes
espaços, como a livre mobilidade de capital, a mobilidade geográfica da força
produtiva e a existência de infra-estruturas sociais que viabilizem tais fluxos
geográficas. A produção capitalista perde a espécie de estabilidade regional
gozada anteriormente. Mais do que isso, se chega a um ponto dicotômico no qual
as forças de acumulação e superacumulação representam a alternativa de que se
servem capitalistas e trabalhadores para se moverem, mas também a forma pela
qual são constrangidos e estimulados a permanecer em localidades distintas.
Enfim, Harvey conclui, de forma excepcionalmente coerente, que as novas
contradições do capitalismo se revelam mediante a formação e reformação das
paisagens geográficas.

E é um choque de
consciência que Harvey pretende realizar no tópico final do capítulo aqui
analisado. Em suma, o autor faz uso de vários exemplos históricos do século XX,
como o boom pós-guerra, para revelar a inexistência, ou mesmo a queda, de várias
das estruturas sócio-econômicas que apresentou e explicou ao leitor durante
toda a obra. Aprofunda a lástima da situação discorrendo sobre as reações
protecionistas – como os movimentos agressivos de exportação de desvalorização
– que surgem e que ocasionam mudanças, seja de cunho regional ou internacional,
as quais descaracterizam as políticas nacionais dos governos, as alianças
regionais de classe e os conflitos entre elas.

Ainda que seja um autor
de opiniões concretamente revolucionárias – mais especificamente no que diz
respeito à constatação da necessidade da substituição integral e imediata do
modo capitalista de produção, sua estrutura expansível e sua natureza
tecnologicamente dinâmica de circulação – o arcabouço teórico pelo qual Harvey
sustenta seus argumentos é sim, de certa forma, inquestionável. É na forma
lúcida e magistral pela qual o autor discorre sobre a estrutura geopolítica
relativamente estável, da própria estrutura que condiciona, viabiliza e condena
a dinâmica capitalista, que reside a maior validade da leitura do excerto que
nos foi apresentado.

*Acadêmica de Relações
Internacionais

Como citar e referenciar este artigo:
BATALHA, Camila Fernanda. A Produção Capitalista do Espaço – Fichamento. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/economia/a-producao-capitalista-do-espaco-fichamento/ Acesso em: 18 abr. 2024