Direito Tributário

Incentivos fiscais

Incentivos fiscais

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

1. Introdução

 

Dois são os objetivos deste breve estudo: o primeiro é o de demonstrar a má utilização dos incentivos fiscais em geral, e o segundo, é o de demonstrar a irrevogabilidade da isenção por tempo certo a pretexto de superveniência de fatos ou situações jurídicas.

 

 

2. Conceito

 

Os incentivos fiscais visam eliminar ou reduzir a carga tributária. Os incentivos fiscais configuram gênero de que são espécies a isenção, a redução da base de cálculo ou da alíquota, a concessão de crédito presumido, a alíquota zero etc.

 

Como exceções aos princípios da generalidade e da universalidade da tributação, os incentivos fiscais só podem ser concedidos como instrumentos para promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do país, nos termos do art. 151, inciso I, da CF.

 

 

3. O incentivo da Zona Franca de Manaus

 

A Zona Franca de Manaus é uma região de livre comércio de importação e de exportação, de incentivos fiscais específicos outorgados com o objetivo de criar no interior da Amazônia um centro comercial, industrial e agropecuário. Visa alcançar o objetivo de promover a integração nacional, buscando o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico daquela região afastada dos grandes centros consumidores.

 

A administração da Zona Franca de Manaus cabe à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), entidade autárquica vinculada ao Ministério do Interior, com sede e foro na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas.

 

Apesar de legitimada pelo art. 151, inciso I, da CF a manutenção dessa Zona Franca encontra opositores em virtude do irreversível fenômeno da globalização econômica, que tende a abolir as fronteiras geográficas no âmbito internacional.

 

A Constituição Federal de 1988 manteve essa Zona Franca pelo prazo de vinte e cinco anos a contar da data de sua promulgação, conforme constou do art. 40 do ADCT. A EC nº 42/03 adicionou àquele prazo mais dez anos, ou seja, a Zona Franca de Manaus vigorará até o ano de 2.023 (art. 92 do ADCT).

 

 

4. Distorção dos incentivos na prática

 

Os incentivos fiscais, conquanto defensáveis e desejáveis teoricamente, na prática, vêm sendo instituídos sempre sob o manto do interesse público, porém, com resultados negativos, porque são outorgados por critérios meramente políticos (não confundir com a política tributária). Setores da economia com um lobby bem organizado levam a melhor em detrimento de outros setores não organizados politicamente. Resultado: desregula a economia como um todo; causa distorções sociais; fere o princípio da isonomia à medida que ‘veste’ um santo e ‘desveste’ outros dois ou três.

 

Esses incentivos fiscais, principalmente as isenções e as chamadas ‘alíquotas zero’, teoricamente, atendem ao interesse da coletividade, à medida que refletem efetivamente na redução de custos das mercadorias ou dos serviços.

 

Contudo, na prática, nunca se viu, em tempo algum, o consumidor ser beneficiado pelas isenções ou ‘alíquotas zero’. Sempre serviram para aumentar a margem de lucro dos comerciantes ou dos prestadores de serviços. E isso por uma razão muito simples: os principais tributos vigentes no Brasil são cobrados por dentro, isto é, têm sua alíquota fixada a partir do preço reajustado pelo montante do imposto, vale dizer, o tributo incide sobre si próprio, como é o caso do IPI, do ICMS, do ISS do PIS/PASEP e da COFINS. Isso faz com que o consumidor não tenha idéia do preço da mercadoria adquirida, antes e após a incidência do tributo, apesar de seu destaque na nota fiscal, para fins de escrituração.

 

Uma mercadoria gravada com 18% a título de ICMS representa uma alíquota real de 21,38%. O ICMS de 25%, incidente sobre o valor do consumo de energia elétrica, representa uma alíquota real de 33,35%.

 

A soma do ICMS (18%) e do PIS/COFINS (9,25%), que resulta na alíquota nominal de 27,25%, equivale a uma alíquota real de 37,46%, isto é, 10,21% a mais, graças a esse nebuloso mecanismo de tributação por dentro.

 

Por conta dessa obscuridade tributária, lucram os comerciantes em geral com o advento da isenção ou ‘alíquota zero’, pois o consumidor não tem idéia do valor do imposto incidente; ele só tem a noção do preço da mercadoria, no qual, está embutido o imposto. Com a exoneração tributária, o consumidor continuará pagando o mesmo preço. O comerciante não irá se dar ao trabalho de apurar o montante do imposto que vinha pagando embutido no preço, por meio de cálculos complicados, a fim de fazer o abatimento respectivo. É o que aconteceu com a exoneração do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre produtos hortícolas e frutícolas. Antes e depois do benefício tributário, a dona de casa continua pagando exatamente o mesmo preço. Por isso, a bandeira da isenção para favorecer o consumidor nunca passou de um exercício demagógico do governante, que utiliza esse instituto jurídico para deslocar a pressão tributária de um setor para outro.

 

Nos tributos cobrados por fora, de forma clara e transparente, como acontecem nos Estados Unidos, no Japão etc., o consumidor tem a exata noção do valor da mercadoria e do valor do imposto, que é separado pelo comerciante no ato da venda da mercadoria, para ulterior recolhimento ao fisco.

 

Logo, se houver isenção ou ‘alíquota zero’, simplesmente, esse valor em separado deixará de existir, e o consumidor pagará apenas o valor da mercadoria. O benefício será imediato para o consumidor. Esse critério de incidência por fora inibe a sonegação.

 

No Brasil, muita gente anda tirando vantagem daquilo que denominamos de ‘cultura da nebulosidade’: quanto mais obscuro, melhor!

 

Primeiramente, o governo decreta tributos com alíquotas elevadas e cobradas por dentro, além de incluir na sua base de cálculo o valor de outros tributos como é o caso do PIS/COFINS-faturamento e PIS/COFINS-importação, tributados respectivamente pelas alíquotas de 1,65% e 7,6%.

 

Em um segundo momento, o governo vai aliviando o peso tributário deste ou daquele setor, sempre por critérios meramente políticos, quer reduzindo a base de cálculo, quer isentando, quer zerando as alíquotas. Os que não têm condições de fazer lobby frente ao governo acabam pagando a conta dos que foram beneficiados. É a política do ‘vestir um santo e desvestir outros’.

 

A Lei nº 10.865/04, que instituiu o PIS/PASEP e a COFINS-importação, além de tributar diferentemente determinados produtos aparentemente iguais ou similares, aquém ou além das alíquotas normais, ainda, deu ao Executivo a faculdade de zerar e de restabelecer as alíquotas dos produtos que menciona (art. 8º e parágrafos). O art. 9º, por sua vez, elencou as hipóteses de isenção, onde se verifica uma mistura generalizada de casos de indiscutível interesse público, de discutível interesse coletivo e de interesse meramente privado.

 

Se a isenção é de interesse público, e não pode haver isenção fora dele, quem tem que concedê-la é o Legislativo, que instituiu o tributo. A isenção é corolário da incidência tributária, vale dizer, insere-se no âmbito da reserva legal.

 

Deixar a critério do Executivo para isentar este ou aquele setor, este ou aquele produto, é conferir ao governante o poder discricionário de remanejar a carga tributária, a seu talante. Isso fere os princípios éticos, morais e jurídicos. Em um Estado Democrático de Direito, nenhum governante pode ter esse poder.

 

Por conta dessa delegação espúria, o Executivo, somente no primeiro semestre de 2004, baixou os Decretos nºs. 4.965/04, 5.057/04, 5059/04, 5.062/04, 5.127/04 e 5.162/04 exonerando ou reduzindo a carga tributária dos escorchantes PIS/PASEP e COFINS, em relação a inúmeros produtos como embalagens para água, semens, bebidas e suas embalagens, latas de alumínio, determinados produtos químicos etc.

 

Essas medidas do legislador palaciano, não só, tornam caótica a legislação tributária com elevados custos operacionais para ambas as partes da relação tributária, como também, desorganizam o mercado da livre concorrência. Daqui a pouco, quem não for amigo do Presidente estará fadado a cessar suas atividades produtivas, por conta de tributos cada vez mais extorsivos.

 

A apregoada neutralidade tributária sempre foi um sonho, tanto aqui como fora do nosso País, porém, tudo há de ter um limite. Ao tributo deve ser priorizada a sua função arrecadatória com o mínimo de intervenção possível. Muito menos, pode-se concentrar nas mãos do governante a função regulatória do tributo, com exceção feita aos impostos de importação e de exportação, destinados a regular o comércio exterior, onde o Chefe do Executivo pode agir com rapidez e flexibilidade, nos limites e condições da lei.

 

 

5. Isenção por prazo certo em face da Lei de Responsabilidade Fiscal

 

Como foi dito anteriormente, isenção é espécie do gênero incentivo fiscal. Como se sabe, é hipótese de não incidência tributária legalmente qualificada. Após descrever o fato gerador da obrigação tributária, hipótese legal de incidência do tributo, o legislador retira desse campo de incidência certos fatos ou atos que passam a ser insuscetíveis de tributação.

 

A doutrina clássica costuma conceituar a isenção como dispensa do pagamento do tributo devido, conceituação essa violentamente combatida pela doutrina moderna, em termos de teoria geral do direito, porque não seria possível pressupor prévia incidência de norma jurídica de tributação para, só depois, incidir a norma jurídica de isenção. Dessa forma, ela se confundiria com a nãoincidência expressamente prevista em lei, para alterar parcialmente o conteúdo da hipótese de tributação. Quando a não-incidência estiver prevista na Constituição, deve entender-se como imunidade.

 

Seja como for, tudo indica que o Código Tributário Nacional prestigiou a doutrina clássica, ao incluir a isenção e a anistia no rol do art. 175 do CTN, que cuida da exclusão do crédito tributário. E exclusão do crédito tributário pressupõe a preexistência da obrigação tributária. Daí a afirmativa corrente: não se concede isenção a quem não estiver sujeito à tributação, da mesma forma que não se anistia quem nada deve.

 

A isenção, diz o art. 111 do CTN, deve ser interpretada literalmente, exatamente porque é uma exceção à regra geral de tributação.

 

A isenção por prazo certo tem origem contratual. Há um pacto entre o sujeito passivo e o sujeito ativo no sentido de o primeiro desenvolver determinadas atividades no território do segundo, objetivando a expansão da economia local ou regional.

 

É comum o Município conceder isenção de tributos municipais por 10 anos ou mais, para as empresas industriais se localizarem em seu território, com vistas ao crescimento da produção, geração de empregos, expansão da economia e conseqüente aumento da arrecadação tributária direta e indireta. Não raras vezes, o Município arca, ainda, com os custos de implantação da indústria, não só, financiando os maquinários e equipamentos necessários, como também, doandolhe a área do terreno para construção do parque industrial.

 

Essas isenções têm feição contratual à medida que a lei específica deverá detalhar as condições para sua fruição, discriminando os tributos por elas abrangidas, bem como assinalando o prazo de sua duração, nos termos do art. 176 do CTN.

 

Ocorre que, muitos Municípios, alegando que essas isenções contrariam as disposições supervenientes da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, não vêm cumprindo a sua contrapartida, prejudicando o empresário que fez investimentos contando com os incentivos. A LRF, que veio à luz para combater o desperdício de dinheiro público e estabelecer uma política de gestão fiscal responsável, estabeleceu em seu art. 11 três requisitos essenciais da responsabilidade fiscal no que se refere à receita derivada, quais sejam, a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente da Federação. No caso do Município, esses tributos são os três impostos (IPTU, ISS e ITBI), as taxas, as contribuições de melhoria e as contribuições previdenciárias dos servidores públicos. A inobservância daqueles requisitos implica sanção institucional, consistente na proibição de receber transferências voluntárias de outros entes da

Federação.

 

Em perfeita harmonia com o art. 11, a LRF estabeleceu em seu art. 14:

 

‘Art. 14 A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação

de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso’.

 

De um lado, temos uma isenção por tempo certo que, embora expressa em lei, resultou da negociação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo do tributo, no pressuposto de que tal ajuste atenderia o interesse público. De outro lado, temos a disposição de ordem pública vedando o ente político de conceder essa isenção, sem prévio estudo do seu impacto orçamentário-financeiro no exercício de sua vigência e nos dois seguintes, determinando, ainda, o atendimento do disposto na Lei de diretrizes Orçamentárias e a adoção de providências para compensar a perda de arrecadação com o aumento de receita, por meio da majoração ou da criação de tributos.

 

Costuma-se argumentar que disposições de ordem pública devem ser aplicadas imediatamente.

 

Contudo, esse entendimento não tem aplicação entre nós, onde o princípio do direito adquirido está previsto não apenas no âmbito legal, como também, no âmbito constitucional (art. 5º, XXXVI da CF), protegido, ainda, pela cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da CF). É diferente do ordenamento jurídico de outros países como o da França e o da Itália, por exemplo, onde o direito adquirido é protegido apenas no âmbito da legislação ordinária.

 

Dessa forma, a empresa favorecida pela isenção específica, ou qualquer outro tipo de incentivo fiscal, por tempo certo, tem direito adquirido à sua fruição até o final do termo previsto na lei, sem que possa o Município alegar contrariedade às disposições da LRF, e assim, deixar de cumprir a parte que lhe cabe.

 

A recusa do Município em cumprir as suas obrigações, decorrentes da lei específica de renúncia tributária, ou de concessão de qualquer outro benefício abrangido na referida lei, abrirá caminho para a empresa prejudicada pleitear na Justiça o seu direito adquirido, insusceptível de supressão até mesmo por via de Emenda Constitucional.

 

 

6. Conclusão

 

O incentivo fiscal por prazo certo, qualquer que seja a sua modalidade e qualquer que seja a esfera política outorgante, não poderá ser revogado por razões supervenientes.

 

SP, 7-12-06.

 

 

* Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do IASP. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

E-mail: kiyoshi@haradaadvogados.com.br

Site: www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Incentivos fiscais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/incentivos-fiscais/ Acesso em: 28 mar. 2024