Direito Tributário

Elisão e evasão fiscal

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO

2. CONCEITOS DE ELISÃO E EVASÃO FISCAL          

3. CARACTERÍSTICAS DE ELISÃO FISCAL

4. CARACTERÍSTICAS DE EVASÃO FISCAL

5. LEGISLAÇÃO PERTINENTE

5.1 Elisão fiscal

5.2 Evasão Fiscal

6. ELISÃO FISCAL NA JURISPRUDÊNCIA

7. EVASÃO FISCAL NA JURISPRUDÊNCIA

8. CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS

1. INTRODUÇÃO

No meio empresarial muitas transformações têm ocorrido ultimamente, as quais são refletidas na esfera jurídica, em especial no Direito Tributário. Conforme define Erro Grau¹:

A terceira revolução industrial determinou inúmeras transformações nos planos institucionais da sociedade (…). O fato, no entanto, é que as forças sociais hegemônicas produzidas por essa terceira revolução industrial efetivamente transformam o direito posto pelo Estado e o próprio Estado. É tal a grandeza daquela multiplicação e daquele exacerbamento que chega ao ponto de impostar a atribuição de um novo nome, ‘globalização’, ao processo de internacionalização econômica cuja prática remota do passado histórico. Ainda assim, a mudança não é apenas quantitativa. Pelo contrário, ela induz a reformulação de valores e conceitos

O planejamento tributário se formou sob essa visão, em especial nos últimos anos internacional e nacionalmente. O contribuinte tem a disposição natural para economizar tributos, em especial no campo empresarial economizando nos custos e nas despesas. A economia de tributo tem dois gêneros: a lícita ou ilícita.

Quanto à terminologia existe diversidade de sentidos no que concerne à elisão e evasão fiscal. Os autores adotam termos diferentes, dependendo da doutrina ou país para conceituar e diferenciar esses termos.

O estudioso ROCHA (2015, p. 471) diz a esse respeito: “É mais comum usar o termo evasão (o que remete a evadir, fugir) para a economia ilícita de tributo e elisão (o que remete a elidir, evitar) para a economia lícita”.

Pode-se encontrar em algumas poucas doutrinas o conceito invertido sobre elisão e evasão, porém isso é raro acontecer.

2. CONCEITOS DE ELISÃO E EVASÃO FISCAL

Segundo o Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, elisão fiscal é a “prática de não pagamento de impostos”, e a evasão fiscal é a “sonegação de impostos”. Como se vê, não houve grande colaboração da gramática na conceituação dos dois institutos, visto que foi atribuído a eles o mesmo significado. Também não conseguimos grandes avanços na legislação (parágrafo único, art. 116, CTN) que se refere a estes institutos como negócios jurídicos que são praticados com finalidade de dissimular que o fato gerador da exação ocorra, examinando os requisitos estabelecidos em lei. Contudo, encontramos na doutrina uma melhor definição que define a elisão fiscal como o instrumento que proporciona uma maneira lícita do tributo ou a alternativa legal que o contribuinte obtém o dever de pagar seus impostos de forma menos onerosa para o seu patrimônio, enquanto a evasão é economia ilícita, ou seja, é a simulação das operações com a finalidade dolosa de evitar o pagamento do tributo.

A diferença entre a elisão e a evasão fiscal está na prática do fato gerador: na elisão, as condutas praticadas ocorrem antes do fato gerador; enquanto que na evasão, o conjunto de condutas ocorre após o fato gerador.

A elisão é a forma lícita que o contribuinte tem de fazer com que o fato gerador aconteça de forma mais branda às suas finanças, reduzindo a carga tributária com finalidade de diminuir o pagamento de impostos, aumentar os seus lucros e tornar-se um agente mais competitivo economicamente. É prevista ainda na possibilidade de escolha do contribuinte de fazer acontecer ou não o fato gerador.

Para tornar este conceito mais claro, tomemos como exemplos a Declaração Anual de Imposto de Renda da Pessoa Física e a importação de produtos. Ao inserir as informações no programa de declaração do IR, o contribuinte poderá optar entre fazer a sua declaração pelas deduções legais ou pelo desconto simplificado, deste modo, aquele que pretender pagar menos impostos optará pelas deduções legais, visto que esta forma será menos gravosa para suas finanças; nas importações de produtos, uma empresa pode deixar de importar determinada mercadoria e comprar um produto similar no mercado interno, evitando gerar imposto de importação, visto que lhe é garantida esta faculdade de escolha.

Destarte, pautando-se nos exemplos acima e nas palavras de ROCHA (2012, p. 358) “é possível constatar que, muitas vezes, a própria legislação, ao adotar critérios extrafiscais, estimula a economia do imposto, como no caso do imposto de importação, que pretende proteger a indústria nacional”. Ressaltemos, ainda, que a licitude da elisão fiscal baseia-a nos princípios da legalidade e da tipicidade tributária.

Ao contrário da elisão, a evasão fiscal é um ato ilícito, por meio do qual o contribuinte esconde, camufla o fato gerador, ou o faz parecer uma situação não tributada ou de menor valor para efeitos de tributação. É uma forma de dissimular o pagamento do tributo após o fato gerador com a intenção de burlar, total ou parcialmente, a obrigação de pagar o tributo.

Neste sentido, ao esconder ou diminuir propositalmente os impostos devidos ao Estado, “o contribuinte se utiliza de forma jurídica atípica para ocultar a verdadeira essência econômica do ato que pratica” (ROCHA, 2012, p. 358).

Para melhor entendimento, exemplifiquemos: “A” possui um imóvel num valor x e pretende vendê-lo a “B”. Com o intuito de evitar o ITBI (imposto municipal sobre a transmissão de bens imóveis), “A” e “B” simulam a constituição de uma sociedade e subscrevem o capital social em partes iguais, sendo que “A” integraliza o capital com o imóvel e “B”, com dinheiro. Após algum tempo, os sócios extinguem a sociedade e restituem o capital social, porém “A” recebe sua parte em dinheiro e “B”, recebe o imóvel. Em suma, “A” e “B” praticaram um contrato simulado de compra e venda, pois o fizeram em forma de aparente constituição de sociedade, a fim de evitar a incidência do ITBI.

Contudo a legislação prevê meios de desconsiderar os negócios jurídicos praticados com a finalidade de burlar o fisco. Deste modo, estatui o parágrafo único do art. 116 do CTN que:

(…) a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou da natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária

Face ao exposto, entende-se que a diminuição do pagamento de impostos que forem feitos de forma lícita e antes do fato gerador, não caracteriza crime. Por outro lado, a dissimulação da ocorrência após o fato gerador, é ato ilícito e devem a legislação e as autoridades competentes combater tal prática, concedendo à parte que o praticou o direito à ampla defesa e ao contraditório.

3. CARACTERÍSTICAS DE ELISÃO FISCAL     

Sabemos que característica de algo ou alguém está diretamente relacionada a uma qualidade ou a um atributo que permite identificá-lo, distinguindo dos demais. Trata-se de questões que se referem não só ao caráter, à personalidade, mas também ao aspecto físico, à aparência.

Nessa linha de raciocínio, percebemos que a elisão fiscal, também chamada de planejamento tributário que é “O planejamento tributário é um conjunto de sistemas legais que visam diminuir o pagamento de tributos”[1] ou economia legal, tem como principal característica o uso de formas não proibidas em lei a fim de que o contribuinte ao pagar os tributos tenha como ônus o menor valor possível a ser pago. Para que isso ocorra, adotam-se medidas que evitem a ocorrência do fato gerador, base de cálculo reduzida ou alíquota, bem como montante pago sem a geração de multa ao contribuinte que se utilize desses meios legais. Uma observação importante e que deve ser lembrada é a de que forma ilegal de elisão denomina-se sonegação fiscal, fraude fiscal ou evasão.

Alexandre Mazza, com respeito à característica da elisão, esclarece que:

Embora as práticas impliquem redução no valor arrecadado pelo contribuinte e, por isso, encontrem sempre resistência por parte dos órgãos integrantes da estrutura fazendária, como a elisão é realizada dentro dos limites autorizados pelo ordenamento não há como impedir ou proibir o contribuinte de buscar formas válidas de pagar menos tributo[2]

Assim, pode-se afirmar que a elisão fiscal opera sob a ótica dos chamados “favores fiscais” concedidos pelo regramento tributário ou permitidos pelas brechas que, de certa forma, autorizam o contribuinte a se aproveitar dessa diminuição da carga tributária.

Vale ressaltar nesta parte do nosso trabalho, que há a chamada Elisão ineficiente ou elusão fiscal cuja característica, nas palavras de Mazza, “trata-se de um ato jurídico simulado visando não recolher ou recolher tributo menor” [3]. Como exemplo, podemos utilizar novamente as palavras do ilustre professor de Direito tributário, Alexandre Mazza, o qual demonstra: “Exemplo: venda de mercadoria formalizada como ‘prestação de serviço’ tendo em vista que a alíquota do ISS é menor que a do ISS na operação”[4].

4. CARACTERÍSTICAS DE EVASÃO FISCAL

A evasão, como já foi mencionado em relação ao seu conceito, significa mecanismo ilícito, por meio do qual o contribuinte faz esconder o fato gerador ou faz que ele tenha a aparência de uma situação não tributada de forma mais suave. Ao contrário da elisão, a evasão fiscal é o ato ilegítimo que consiste na simulação de operações, com a finalidade enganosa ou dolosa de evitar o pagamento do tributo.

Podemos caracterizar a evasão fiscal pelas seguintes práticas:

  •  Fraude: do latim fraudis (engano, má-fé), corresponde a atos tais como falsificação ou adulteração de documentos, através dos quais o contribuinte furta-se ao pagamento de tributo devido por lei.
  • Sonegação: esta é a ocultação (de rendimentos na declaração de imposto de renda, verbi gratia) que leva à redução do pagamento de tributo.
  • Simulação: pode ser relativa (dissimulação: sob o negócio ou ato praticado jaz outro negócio, oculto, que corresponde à real vontade das partes) ou pode ser absoluta (finge-se o que não existe).

E segundo a professora DERZI (2001, pp. 214-5):

A simulação absoluta exprime ato jurídico inexistente, ilusório, fictício, ou que não corresponde à realidade, total ou parcialmente, mas a uma declaração de vontade falsa. É o caso de um contribuinte que abate despesas inexistentes, relativas a dívidas fictícias. Ela se diz relativa, se atrás do negócio simulado existe outro dissimulado

Esta classificação são as hipóteses nas quais tem-se a prática de ilícitos pelo contribuinte, caracterizando a evasão fiscal, inadmitida e reprimida pelos ordenamentos jurídicos.

É dever das autoridades judiciárias e administrativas a investigação, abertura de inquéritos policiais e processos criminais, quando necessário para apuração e punição dos que se utilizam de meios ilícitos para lesar a Fazenda Pública.

As práticas que são abusivas, como a simulação, a fraude e sonegação, devem ser duramente repreendidas pela ação do Estado, para que os outros cidadãos não sejam prejudicados, desta forma, irá valer na prática os princípios da capacidade contributiva e isonomia.

5. LEGISLAÇÃO PERTINENTE

5.1 Elisão fiscal

Como se observou nos parágrafos anteriores, a elisão fiscal é “(…) quando o contribuinte usa de meios lícitos para fugir da tributação ou torna-la menos onerosa” (ALEXANDRE, 2016, p. 285).

Encontramos vários exemplos no direito brasileiro desse planejamento tributário, como por exemplo a Lei 8.200 de 1994 que é conhecida como algo que ameaça as bases de cálculo do imposto de renda, realizando a correção monetária das despesas para que essa seja dedutível dos benefícios das pessoas jurídicas.

Vemos na Lei 11.196 de 2005 a possibilidade que a própria lei oferece para os agentes econômicos beneficiando esses lhe atribuindo benefícios fiscais, no qual nesse caso, seriam incentivos à inovação tecnológica.

Esse planejamento tributário legal e lícito é a maneira que os agentes que o realizam tem de ver “funcionando” sua capacidade contributiva, que se transparece como princípio geral de direito tributário, nos moldes do art. 145, inciso III, § 1.º da Constituição Federal de 1988.

Com a busca de se evitar uma elisão fiscal distorcida e “combater um planejamento tributário agressivo, caracterizado pelo abuso das formas jurídicas” (ALEXANDRE, 2016, p. 289), foi adicionado pela Lei Complementar 101 de 2001 o parágrafo único no art. 116 do Código Tributário Nacional, conhecida como norma “antielisiva”, que aduz:

A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência dos negócios jurídicos praticados coma finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos

5.2 Evasão Fiscal

Em contrapartida ao que se entendeu por elisão fiscal, como já entendido em parágrafos alhures a evasão fiscal nas palavras de MAZZA (2015, p. 625-626) “consiste na prática de uma conduta ilícita pelo sujeito passivo, normalmente após a ocorrência do fato gerador, visando frustrar intencionalmente o recolhimento do tributo”. Ela também estará relacionada aos termos “sonegação fiscal” ou “fraude fiscal”.

Essa evasão fiscal estará prevista na Lei nº8.137/90 (Lei dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), percebendo logo em seu art. 1.º alguns exemplos de práticas que configuram tal fraude, como por exemplo:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: 

I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação

O art. 2.º informa que se caracteriza como crime de sonegação ainda:

Art. 2º Constitui crime da mesma natureza:

I – fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II – deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III – exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV – deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública

Quando ocorrer simulação (arts. 166, III e IV e 167, § 1.º, I, II e III), abuso de direito (arts. 186 e 187), dolo (arts. 145 a 150) e fraude (arts. 158 a 165), ferimento ao princípio da função social do contrato (art. 421) e da boa-fé (art. 422), todos os dispositivos do Código Civil, ocorrerá o que se exemplificou por se determinar por evasão fiscal. A citar como enquadramento desse evento, vemos o que contempla o art. 167, § 1.º, incisos I, II e III do CC/2002:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1oHaverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados

Por isto ocorrendo simulação, fraude, abuso de direito etc., aborda o art. 149, inciso VII do CTN, que por não se identificar com o ato ilícito, o fisco estará autorizado a realizar o lançamento de ofício, no mesmo sentido, implementa o art. 150, § 4.º do mesmo código. Interessante ressaltar-se que a adição realizada pela Lei Complementar 104/2001 no art. 116 do CTN, adicionando o parágrafo único, é uma forma de se evitar a evasão fiscal.

6. ELISÃO FISCAL NA JURISPRUDÊNCIA

Como já dito, o não pagamento de tributos pode ocorrer de forma lícita, o que se configura como elisão fiscal. Por se tratar de tema bem controvertido e discutido, a jurisprudência exerce papel fundamental para identificar as situações em que são legais as manobras que evitam o pagamento de tributos em geral.

Como vemos na decisão a seguir, a ausência de pagamento ou de cumprimento de obrigação tributária pode sim, ser realizada de forma lícita.

ADMINISTRATIVO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIAS. DIVERGÊNCIA EM RELAÇÃO AOS DADOS CONSTANTES DOS DOCUMENTOS DE IMPORTAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OCORRÊNCIA DE SIMULAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. ELISÃO FISCAL. FUNDAP. CONFIGURAÇÃO. LIBERAÇÃO DAS MERCADORIAS. POSSIBILIDADE. – O FUNDAP consiste em um conjunto de incentivos fiscais e financeiros concedidos pelo governo do Estado do Espírito Santo às empresas estabelecidas em seus limites territoriais e que atuem no ramo de comércio exterior. Os benefícios fiscais consistem, basicamente, na redução de alíquotas do ICMS e diferimento no pagamento, ao passo que os incentivos financeiros consistem em financiamentos oferecidos pelo BANDES ? Banco de Desenvolvimento do Estado do Espírito Santo, em condições amplamente favoráveis. – Tal operação, realizada ao amparo da legislação que rege o Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias ? FUNDAP, permite, de maneira absolutamente lícita, a redução dos custos incidentes na importação, sobretudo da carga tributária. – Exatamente em virtude disso, as empresas beneficiárias do referido programa, as quais, em sua maioria, operam sob a forma de ?trading companies?, são contratadas por empresas comerciais importadoras, situadas em outros estados da Federação, a fim de proceder à entrada e liberação de mercadorias oriundas do exterior, de modo a permitir uma considerável redução dos custos incidentes na importação, o que, ressalte-se, não é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro. – Neste contexto, por conta e ordem da empresa Quick Link Empreendimentos Ltda, que foi contratada a operação de importação realizada pela apelante, objeto da autuação fiscal ora questionada, de forma a permitir a redução dos custos incidentes, através da utilização dos benefícios fiscais oriundos do sistema FUNDAP. – Ora, a operação em tela constitui verdadeira hipótese de elisão fiscal, a qual é plenamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio. Logo, inexiste simulação no presente caso, ainda que a real destinatária das mercadorias importadas seja empresa diversa daquela que realizou a operação de importação. – O ICMS incidente na importação deve ser recolhido aos cofres do Estado do Espírito Santo, já que a empresa BARTER LTDA, importadora e destinatária das mercadorias para fins tributários, é estabelecida no referido estado, devendo se valer dos benefícios fiscais oriundos do FUNDAP. – Recurso da empresa apelante provido e recurso da União e remessa improvidos.

(TRF-2 – AMS: 53229 RJ 2001.51.01.012609-2, Relator: Desembargador Federal RICARDO REGUEIRA, Data de Julgamento: 04/10/2006, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU – Data::24/10/2006 – Página::506)

Nossos tribunais reconhecem que existe o evento da elisão fiscal no momento em que o contribuinte escolhe uma atividade econômica legal que lhe conferirá um tratamento tributário mais vantajoso. Dessa forma, não há que se falar em sonegação e confundir com evasão fiscal. São nesses termos a seguinte decisão:

TRIBUTÁRIO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA COMPRA E VENDA. FALTA DE TIPIFICAÇÃO LEGAL DOS INDÍCIOS INVOCADOS. ELISÃO FISCAL LÍCITA. 1. SE O AJUSTE CELEBRADO COMO ARRENDAMENTO MERCANTIL CONTÉM TODOS OS REQUISITOS LEGALMENTE EXIGIDOS PARA ASSIM CARACTERIZÁ-LO, DESCABE DESCLASSIFICÁ-LO PARA COMPRA E VENDA DEVIDO A MEROS INDÍCIOS DE QUE ESTA FOI A VERDADEIRA INTENÇÃO DO CONTRATO. 2. PARA ISTO NECESSÁRIO SERIA QUE TAIS INDÍCIOS ESTIVESSEM TIPIFICADOS NA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO HIPÓTESES DESCARACTERIZADORAS DE UM E CARACTERIZADORAS DA OUTRA. 3. DÁ-SE A ELISÃO FISCAL LÍCITA QUANDO O CONTRIBUINTE OPTA POR LEGAL OPERAÇÃO ECONÔMICA QUE LHE CONFERE TRATAMENTO TRIBUTÁRIO MAIS VANTAJOSO. 4. REMESSA OFICIAL IMPROVIDA.

(TRF-5 – REOAC: 168754 PB 0019800-72.1999.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Castro Meira, Data de Julgamento: 15/08/2002, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça – Data: 12/09/2002 – Página: 1199)

Para finalizar, é interessante notar que existem situações que o contribuinte, através de artifícios, tenta configurar determinadas ações como elisão fiscal, para seu benefício. Nossos tribunais têm decidido que não são todas a manobras que ensejarão a não incidência de tributação. Resta claro que alguns atos por si só se configuram como fraudes ou afins, e dessa forma, não podem ser considerados como elisão.

TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. DESCRIÇÃO EQUIVOCADA DAS PARTES DO PRODUTO EM DETRIMENTO DO TODO. 1. Restou demonstrado que a apelante, ao importar simultaneamente a mesma quantidade e qualidade de hastes e frentes de óculos, visava comercializar as mercadorias em seu todo. Carece de lógica supor que a importação simultânea de 1.050 hastes e frentes da mesma qualidade não configura a importação de 1.050 óculos em seu todo, tão-somente pelo fato de que não chegaram montados. 2. Não há que se permitir que a mera declaração de importação das partes separadamente enseje na possibilidade lícita de elisão fiscal, na medida em que a própria apelante assume que assim o fez apenas no intuito de evitar a incidência da alíquota de mercadorias completas, quais sejam, os óculos. 3. Apelo improvido.

(TRF-2 – AC: 200202010235752 RJ 2002.02.01.023575-2, Relator: Desembargadora Federal LANA REGUEIRA, Data de Julgamento: 08/06/2010, QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: E-DJF2R – Data::12/07/2010 – Página::62)

7. EVASÃO FISCAL NA JURISPRUDÊNCIA

A preocupação com a evasão fiscal tem sido matéria recorrente nos tribunais, porque na verdade a evasão tem duas faces, de um lado o contribuinte que quer repassar menos para o Estado e do outro o ente arrecadador que tem necessidade de ter em seus cofres as quantias que possivelmente são sonegadas pelos contribuintes.

Aprofundando os estudos acerca da evasão fiscal na jurisprudência é possível perceber que os tribunais estão buscando impedir esta prática, tanto é que, acerca desta matéria, o site <www.fiscosoft.com.br>, publicou o artigo “Jurisprudência do TST demonstra preocupação com evasão fiscal (Notícias TST)”, onde afirma que:

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem determinado a incidência da contribuição previdenciária sobre o valor total do acordo judicial homologado entre as partes após sentença condenatória definitiva (transitada em julgado), respeitada a proporção das parcelas de natureza salarial e indenizatória constantes da sentença. (Jurisprudência do TST demonstra preocupação com evasão fiscal. Disponível em  http://www.fiscosoft.com.br/n/1sfim/05052010-jurisprudencia-do-tst-demonstra-preocupacao-com-evasao-fiscal-noticias-tstpara-impedir-a-evasao-fiscal-a-jurisprudencia-do-tribunal-superior-do-trabalho-tem-determinado-a-incidencia).

No REsp 1362311 SC 2013/0012248-1, que teve como relatora a Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, publicado no DJe 28/10/2013, foi confirmada a tipicidade material do crime, tendo como seu principal elemento caracterizador a Evasão Fiscal, vejamos o que diz a ementa da decisão da Ilustre Ministra:

Ementa: RECURSO ESPECIAL. PENAL. IMPORTAÇÃO DE CIGARROS. PRODUTO DE PROIBIÇÃO RELATIVA. CONTRABANDO. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DESNECESSIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COM BASE NO VALOR (FRACIONADO) DA EVASÃO FISCAL. INAPLICABILIDADE. 1. O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que nos Crimes Contra a Ordem Tributária previstos no artigo 1º da Lei nº 8.137 /90 a constituição definitiva do crédito tributário com a fixação do valor devido e o consequente reconhecimento de sua exigibilidade configura condição objetiva de punibilidade. (Súmula Vinculante nº 24/STF) 2. O crime de descaminho, descrito na segunda figura do artigo 334 do Código Penal, ainda que inserido entre os Crimes Contra a Administração em Geral, tem como bem jurídico tutelado a Administração Fiscal, configurando modalidade especial de Crime Contra a Ordem Tributária, cuja consumação também ocorre somente após lançamento definitivo do crédito tributário, quando a existência de tributo iludido torna-se certa e seu valor líquido e exigível. 3. No crime de contrabando, contudo, há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública, consumando-se o delito com a simples entrada ou saída do produto proibido. 4. O cigarro é mercadoria de proibição relativa cuja importação ou exportação configura crime de contrabando, punível independentemente da constituição definitiva do crédito tributário. 5. Tratando-se de crime pluriofensivo, não há como excluir a tipicidade material do contrabando de cigarros à vista do valor da evasão fiscal. 6. Recurso improvido. (REsp 1362311 SC 2013/0012248-1. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. SEXTA TURMA. Publicado no DJe 28/10/2013

Ainda tratando da Evasão Fiscal foi negado provimento ao AgRg no REsp 1405930 SC 2013/0325944-6, que teve como relatora a Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, o acórdão do referido recurso foi publicado DJe 24/10/2013.

Ementa: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DE PRODUTO DE PROIBIÇÃO RELATIVA. CIGARRO. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA COM BASE NO VALOR DA EVASÃO FISCAL. INAPLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Em sede de contrabando, ou seja, importação ou exportação de mercadoria proibida, em que, para além da sonegação tributária há lesão à moral, higiene, segurança e saúde pública, não há como excluir a tipicidade material tão-somente à vista do valor da evasão fiscal, ainda que eventualmente possível, em tese, a exclusão do crime, mas em face da mínima lesão provocada ao bem jurídico ali tutelado, gize-se, a moral, saúde, higiene e segurança pública. 2. Não tem aplicação o princípio da insignificância na hipótese de contrabando de produto de proibição relativa em quantidade suficientemente expressiva para afastar a lesividade mínima à saúde pública (18.030 maços de cigarros de origem estrangeira). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1405930 SC 2013/0325944-6. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. SEXTA TURMA. Publicado no DJe 24/10/2013)

A partir do acórdão ora citado é possível perceber que a prática de evasão fiscal não se trata de ato simples, mas sim de crime que provoca lesões ao Estado.

A evasão fiscal é tema bastante recorrente, principalmente na área penal, nos crimes de contrabando envolvendo o cigarro. O certo é que a Jurisprudência tem negado uma série de recursos, principalmente em processo penal, quando a parte requer a exclusão da tipicidade por conta somente à vista do valor da evasão fiscal.

O tema é bastante tratado nos recursos penais porque é geralmente onde o contribuinte é flagrado, se utilizando de meios ilícitos para escapar da tributação.

Ainda acerca da Evasão Fiscal o Supremo Tribunal Federal enfrentou a questão no julgamento da ADI 2.588/DF. Observando a ementa de julgamento é possível perceber um fato interessante, o de que os Ministros da corte suprema acabaram ficando divididos e esta divisão pode ser compreendida como quatro diferentes correntes que podem ser assim sintetizadas:

1.1. Inconstitucionalidade incondicional, já que o dia 31 de dezembro de cada ano está dissociado de qualquer ato jurídico ou econômico necessário ao pagamento de participação nos lucros;

1.2. Constitucionalidade incondicional seja em razão do caráter antielisivo (impedir ‘planejamento tributário’) ou antievasivo (impedir sonegação) da normatização, ou devido à submissão obrigatória das empresas nacionais investidoras ao Método de Equivalência Patrimonial – MEP, previsto na Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976, art. 248);

1.3. Inconstitucionalidade condicional, afastada a aplicabilidade dos textos impugnados apenas em relação às empresas coligadas, porquanto as empresas nacionais controladoras teriam plena disponibilidade jurídica e econômica dos lucros auferidos pela empresa estrangeira controlada;

1.4. Inconstitucionalidade condicional, afastada a aplicabilidade do texto impugnado para as empresas controladas ou coligadas sediadas em países de tributação normal, com o objetivo de preservar a função antievasiva da normatização

ALEXANDRE (2015) afirma que: “A Corte Suprema foi sensível ao argumento relativo ao combate à elisão e à evasão fiscal, mas não permitiu que a tentativa de fuga à tributação fosse presumida”.

8. CONCLUSÃO

Dados os conceitos, as características e o tratamento dispensado aos institutos da elisão e da evasão fiscal, vê-se que o contribuinte desfruta de total liberdade de agir no meio social, isso graças às garantias dispostas na Constituição Federal de 1988.

No entanto, quando a lei dispuser em contrário, essa liberdade não é permitida. Todavia, constata-se que no campo do Direito Tributário, sempre que encontra uma “brecha” na legislação, o contribuinte tenta fugir de sua responsabilidade de pagar impostos, visando reduzir sua carga tributária.

Destarte, é de suma importância conhecer todos os princípios constitucionais tributários, bem como os institutos desse ramo do direito público, a fim de se ter a consciência da relação jurídica e tributária que se constitui entre o cidadão ou sociedade empresária e o Estado. Tudo isso, com a finalidade de proteger e assegurar o patrimônio, evitando a invasão arbitrária do Fisco e de garantir que este último não seja lesado.

O planejamento tributário é de suma importância para o contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, e o que distingue a ação lícita (elisão fiscal) da ilícita (evasão fiscal) é exatamente a legítima fuga da concretização, no mundo dos fatos, da hipótese de incidência, isto é, do fato gerador.

Ante o exposto, tem-se o planejamento tributário lícito como um direito constitucional do contribuinte, não sendo permitida qualquer tentativa de restrição do Estado. Ao passo que o planejamento ilícito constitui fraude por parte do contribuinte, cabendo ao Estado punir de forma severa essa prática. Entretanto, em tempos de aumento das despesas governamentais, tem crescido cada vez mais a compulsão arrecadatória do Fisco, assim como a pressão sobre o contribuinte para que este pague tributos cada vez maiores, chegando-se ao ponto de proibir até mesmo a elisão fiscal.

REFERÊNCIAS

AgRg no REsp 1405930 SC 2013/0325944-6. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. SEXTA TURMA. Publicado no DJe 24/10/2013.

ALEXANDRE, R. Direito tributário esquematizado. 9. ed. rev., atual. e ampliada. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015.

ALEXANDRE, R. Direito Tributário esquematizado / Ricardo Alexandre. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.

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DERZI, M. A. M. A Desconsideração dos Atos e Negócios Jurídicos Dissimulatórios segundo a Lei Complementar nº 104, de 10 de Janeiro de 2001. O Planejamento Trbutário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001.

Jurisprudência do TST demonstra preocupação com evasão fiscal. Disponível em < http://www.fiscosoft.com.br/n/1sfim/05052010-jurisprudencia-do-tst-demonstra-preocupacao-com-evasao-fiscal-noticias-tstpara-impedir-a-evasao-fiscal-a-jurisprudencia-do-tribunal-superior-do-trabalho-tem-determinado-a-incidencia> Acessado em 25 de junho de 2016.

MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário / Alexandre Mazza. – São Paulo: Saraiva, 2015.

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Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/planejamento.htm> Acesso em: 23 de junho de 2016.

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ROCHA, J. M. O. Coordenação Vicente Paulo, Marcelo Alexandrino – 10. ed. – Rio de janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

ROCHA, J. M. Direito Tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Ferreira, 2012.

VADE MECUM SARAIVA / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha. – 20. ed. atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2015.

VADE MECUM: edição especial. CTN. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

 

Autor:

Matheus Antonio Carvalho Santos



[1] http://www.portaltributario.com.br/planejamento.htm

[2] MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário / Alexandre Mazza. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 521

[3] Idem, pág. 522

[4] Idem, pág. 522.

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Matheus Antonio Carvalho. Elisão e evasão fiscal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/elisao-e-evasao-fiscal/ Acesso em: 16 abr. 2024