Direito Tributário

Análise constitucional da responsabilidade tributária por fato futuro (substituição tributária “para a frente”)

José Américo Veras de Souza

RESUMO

O art. 150 da Constituição Federal, bem como seus incisos e parágrafos, constitui um verdadeiro “estatuto do contribuinte”, haja vista sua prescrição de vedações às ações do Estado em sua atividade de tributar. Não obstante, a Emenda Constitucional 3/1993 introduziu ao mesmo dispositivo constitucional o § 7º, o qual, na contramão dos seus demais itens, possibilita o nascimento de obrigação tributária por fato gerador ainda não praticado. Doravante, o presente artigo científico tem o objetivo de investigar a compatibilidade do § 7º com os preceitos constitucionais, levando-se em consideração os princípios constitucionais tributários e a interpretação sistemática e teleológica do ordenamento jurídico-tributário, em especial do art. 150.

Palavras-chave: Tributação; Princípios Tributários; Segurança Jurídica; Emenda Constitucional 3/1993; art. 150 da Constituição Federal.

1. A ORGANIZAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

Na lição do professor Roque Antonio Carrazza, o ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas, dispostas hierarquicamente. Nesse sentido, a “pirâmide jurídica” é composta pelas normas inferiores, criadas por particulares (os contratos, por exemplo), até as constitucionais. Nela, as inferiores recebem respaldo de validade daquelas que se encontram em patamar superior, sendo que a de máximo patamar (“o topo da pirâmide”) é o constitucional.

Outrossim, Kelsen apregoava que “o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma”.

Destarte, as normas subordinadas devem guardar harmonia com as superiores, sob pena de deixarem de ter validade no ordenamento jurídico.

O professor Roque Antonio Carrazza, portanto, assinala que a Constituição ocupa o nível supremo da ordem jurídica, acima do qual não se reconhece outro patamar de juridicidade positiva. À Constituição cabe enumerar os princípios fundamentais, organizativos e finalísticos do Estado, definindo as relações do poder político, dos governantes e dos governados e até das pessoas físicas e jurídicas, desde que respeitados os direitos e garantias individuais e sociais, bem como o princípio da livre iniciativa.

Resumidamente, a Constituição é o limite do Poder Estatal e o fundamento de todo o sistema jurídico. Por conseguinte, todos os atos normativos devem ser interpretados ao lume do Diploma Constitucional. Em outros falares, Carrazza aponta que as normas constitucionais devem receber interpretação que maior efetividade lhe empreste, não sendo dado ao aplicador usar de suas próprias valorações subjetivas para “corrigir” o que está posto de maneira supostamente inadequada pelo Texto Fundamental.

Naseara do direito tributário, Carrazza defende que “a tributação só pode desenvolver-se com apoio na Constituição. […] Ora, é justamente a Constituição, com seus grandes princípios, que mantém a ação de tributar dentro do Estado Democrático de Direito”.

2. PRINCÍPIOS JURÍDICOS

O professor Roque Antonio Carrazza alude que, etimologicamente, o termo “princípio” encerra a ideia de começo, origem, base. Em linguagem leiga, é o ponto de partida e o fundamento (causa) de um processo qualquer.

Já o professor Paulo de Barros Carvalho alude que a palavra “princípio” dispõe de farta variedade conotativa. Ela alcança todas as circunscrições de objetos e frequenta intensamente o discurso filosófico, expressando o “início”, “ponto de partida” escolhido como proposta de trabalho.

Destaca Carvalho que “princípio” também expressa as formas de síntese com as quais se movimentam as meditações filosóficas, além de ter presença obrigatória onde houver qualquer teoria com pretensões científicas, visto que toda ciência repousa em um ou mais axiomas.

Na concepção do Direito, o professor Paulo de Barros Carvalho argumenta que consistem os princípios nos valores que a sociedade deseja alcançar e, que para tanto, as estruturas normativas existentes se projetam sobre a realidade social, para ordená-la no que concerne as relações interpessoais, canalizando o fluxo das condutas em direção a tais preceitos. E ainda complementa:

“’princípios’ são ‘normas jurídicas’ de forte conotação axiológica. É o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes para o sistema, influindo vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem jurídica”.

Segundo os ensinamentos de Leandro Paulsen, no que tange as normas jurídicas, estas podem consistir em regras ou em princípios, conforme a sua estrutura normativa.

Serão regras quando estabelecerem simples normas de conduta, determinando que se faça algo de concreto, de modo que serão observadas ou infringidas, não existindo meio-termo.

Já os princípios serão as normas que indicam valores a serem promovidos, de modo que impõem a identificação da conduta devida em cada caso concreto, conforme as circunstâncias peculiares. Portanto, para Paulsen, os princípios são razões prima facie, isto é, prescrições de otimização.

Segundo a doutrina de Hugo de Brito Machado, é de grande importância a distinção entre princípios e regras, enquanto espécies normativas, sobretudo para esclarecer a impossibilidade de relativização das regras e a relevância ou fundamentabilidade dos princípios.

Hugo de Brito Machado aponta que existem variados critérios para disciplinar a distinção entre princípios e regras. Assim, para o autor, a questão que se coloca é saber qual é o critério mais relevante.

Nessa senda, Machado considera, por exemplo, que a legalidade tributária é uma regra, na medida em que não admite nenhuma forma de relativização, e é, ao mesmo tempo, um princípio, haja vista ter enorme importância em todo o ordenamento jurídico.

Dentre os princípios jurídicos, o professor Roque Antonio Carrazza sustenta que os princípios constitucionais são portadores de maior relevância, haja vista sobrepairarem às demais normas jurídicas.

Dado o caráter normativo dos princípios constitucionais, é preciso haver estrita observância a eles, visto que sua desobediência acarreta danosas consequências ao ordenamento jurídico, afinal, são estabelecedores de pontos de apoio normativos que garantem a boa aplicação do Direito.

Não por outra razão, em qualquer análise de um problema jurídico, o jurista deve, antes de mais nada, alçar-se ao altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar o sentido em que apontam. Nenhuma boa interpretação afrontará um princípio jurídico-constitucional, leciona o professor Roque Carrazza. E ainda adiciona:

“… o princípio cumpre uma função informadora dentro do Ordenamento jurídico e, assim, as diversas normas devem ser aplicadas em sintonia com ele. Todas, só encontram a correta dimensão quando ajustadas aos princípios que a Carta Magna alberga e consagra”.

Em síntese, Carrazza consagra que princípios jurídicos agem enquanto vetores para soluções interpretativas e os princípios jurídico-constitucionais compelem o jurista a direcionar seu trabalho para ideias-matrizes contidas no diploma constitucional, por ser um parâmetro hermenêutico de construção e realização do Direito.

2.1 SOBREPRINCÍPIOS

Carlos Maximiliano aponta que, conforme os Estatutos da Universidade de Coimbra, datados do ano de 1772, é possível descobrir o sentido e o alcance de uma regra de Direito por meio do exame das circunstâncias e os sucessos históricos que contribuíram para a mesma, assim como perquirir qual seja a finalidade do conteúdo que ocupa o texto jurídico. Logo, são postos em contribuição dois elementos: a Occasio legis e a Ratio juris. Conseguintemente, chega-se à seguinte conclusão: “Este é o único e verdadeiro modo de acertar com a genuína razão da lei, de cujo descobrimento depende inteiramente a compreensão do verdadeiro espírito dela”.

Maximiliano também alude à obra de Thibaut, datada do ano de 1799, em que prescrevia ao hermeneuta considerar o fim colimado nas expressões do Direito, na condição de elemento fundamental para descobrir o seu sentido e o seu alcance.

Nesse diapasão Carlos Maximiliano conclui que, considerando o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística, a sua interpretação há de ser, essencialmente, a teleológica. Dito de outro modo, o exegeta deverá ter em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática, o seu “espírito”.

Destarte, na concepção de Carlos Maximiliano, a norma deverá ser interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida.

Ademais, Maximiliano também aponta que, nos tempos atuais, prevalece a interpretação sistemática, a qual faz com que o jurisconsulto se sirva do conjunto das disposições no sentido de construir, com os materiais esparsos em centenas de artigos, um todo orgânico, metódico.

Nessa senda, é de se concluir que a interpretação teleológica e sistemática permitiu ao professor Paulo de Barros Carvalho apontar a existência de “sobreprincípios”, normas jurídicas que surgem pela conjunção de normas portadoras de valores importantes (princípios jurídicos).

Na lição de Humberto Ávila, os sobreprincípios se situam no nível das normas objeto de aplicação. Atuam sobre outras normas jurídicas em um âmbito semântico e axiológico.

2.1.1 O Sobreprincípio da Segurança Jurídica

A teor da lição do professor Paulo de Barros Carvalho, apesar da segurança jurídica não contar com qualquer regra explícita no ordenamento jurídico-tributário, este se realiza pela atuação dos outros “princípios”, tais como o da legalidade, o da irretroatividade, o da igualdade, o da universalidade da jurisdição, entre outros.

Em sua implicitude, trata-se de um genuíno sobreprincípio, vez que é produto da presença simultânea dos cânones que o realizam. Sua efetiva concretização, nada obstante, independe das mencionadas estatuições genéricas. É importante que a dinâmica de positivação do sistema tomado por modelo venha a confirmá-lo, de maneira a repetir-se iterativamente, ensina Carvalho.

No entender de Leandro Paulsen, a segurança jurídica constitui um sobreprincípio relativamente a princípios decorrentes que se prestam à afirmação de normas importantes para a efetivação da segurança. Argumenta que a segurança jurídica se trata de um sobreprincípio uma vez que dele derivam outros valores que devem ser promovidos na linha de desdobramento da sua concretização.

Assim sendo, apoiando-se na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, Roque Antonio Carrazza indica que o próprio Estado de Direito é a consagração jurídica do projeto político que objetiva proteger o indivíduo contra intemperanças do Poder Público, mediante sua subordinação a um quadro normativo geral e abstrato, cuja função é conformar efetivamente a conduta estatal a certos parâmetros estabelecidos como forma de defesa dos cidadãos.

Nesse diapasão, o autor afirma que a atividade estatal deve se desenvolver dentro das linhas traçadas pelo ordenamento constitucional, de forma a respeitar os aludidos direitos públicos subjetivos das pessoas.

O Estado de Direito, segundo o professor Roque Antonio Carrazza, significa a garantia à liberdade, visto que, além de impor limites à atuação estatal, confere às pessoas a titularidade de direitos públicos subjetivos, sendo compreendidos também como posições jurídicas que podem ocupar em confrontos que venham a ter contra a autoridade pública.

Destarte, Carrazza conceitua a segurança jurídica como uma das manifestações do Estado Democrático de Direito, tendo sido consagrado no art. 1º do Texto Constitucional, e objetiva a proteção e a preservação das justas expectativas dos indivíduos. Para tanto, coíbe a adoção de medidas legislativas, administrativas ou judiciais aptas a frustrar a confiança que os indivíduos depositam no Poder Público. A segurança jurídica confere, pois, determinação, estabilidade e previsibilidade do Direito, em todas as suas dimensões, devendo ser levada em conta pelo legislador, pelos administradores e pelo Poder Judiciário.

Resumidamente, o sobreprincípio da segurança jurídica desemboca na confiança que as pessoas devem ter no Direito.

Dentre outras determinações originadas da força normativa do mandamento da segurança jurídica, o professor Roque Antonio Carrazza também dá destaque ao nemo potest venire contra factum proprium, o qual impede que o Estado adote posições jurídicas contrárias a comportamentos anteriores, de forma a provocar consequências desfavoráveis à outra parte (também o contribuinte).

Portanto, as condutas do Poder Público devem ser coerentes. O Estado não pode abruptamente modificar o seu agir em relação ao administrado se em momento anterior lhe gerou a segurança e a certeza de que tal não ocorreria.

Juntamente com o princípio da segurança jurídica, o princípio da boa-fé objetiva irradia os valores de certeza, previsibilidade, lealdade e celeridade nas ações do Poder Público. Esse espírito pode ser observado na dicção do art. 146 do Código Tributário Nacional, o qual aduz:

“Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução ”.

Para o professor Roque Carrazza, também se conecta ao princípio da segurança jurídica o princípio da moralidade da Administração Pública, expressamente incorporado ao Texto Constitucional, mais especificamente em seu art. 37.

Segundo este princípio, é ilógico e irrazoável que o Estado deixe de adotar padrões éticos de conduta, de forma a atropelar a adequada fruição dos direitos dos cidadãos (inclusive dos contribuintes).

Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a segurança jurídica implica na determinação permanente dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui a uma dada conduta, de forma que o indivíduo saiba ou possa saber com antecedência as consequências jurídicas de seus atos.

Tal exigência é atendida ao máximo quando o legislador não abandona a regulação dos comportamentos, estabelecendo com uma norma uma regulação de uma ação tipo, de modo que ela abranja todas as condutas concretas. Nesse diapasão, a tipificação é garantia da certeza que, por sua vez, é a base da segurança. Tal segurança, porém, só será válida se esta valer para todos isonomicamente. Destarte, a igualdade é atributo da segurança jurídica que diz respeito, não ao seu conteúdo, mas aos destinatários das normas, ressalta Ferraz Jr.

Por conseguinte, o autor aponta que o conceito de segurança exige que as normas jurídicas sejam gerais, sem, contudo, que se atente para o fato de que tal generalidade pode se referir ao conteúdo (ações típicas e abstratas) ou aos destinatários (igualdade). Isso significar dizer, pois, que a segurança possui duas variáveis, a certeza e a igualdade, os quais são valores distintos e que podem ser complementares ou não, isto é, um não depende do outro.

Nesse diapasão, o professor Roque Antonio Carrazza dá destaque à doutrina do americano Thomas Cooley, o qual afirma que a ordem jurídica impõe restrições ao exercício da competência tributária, com o fito de proteger os direitos fundamentais dos cidadãos, abrigando-os das arbitrariedades do poder.

Por conseguinte, no ordenamento pátrio o dever de pagar tributos não poderá afetar, em sua essência, os direitos fundamentais, cujos status jurídico foi reforçado pela Constituição com a regra da aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º) e sua inclusão no rol das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV).Dessa forma, para o autor, a segurança jurídica tem condição de “direito fundamental à ordem jurídica segura” quanto à acepção de garantia material aos direitos e liberdades protegidos, sobre os quais exerce a função de assegurar efetividade.

Leandro Paulsen identificando a potencialidade normativa do sobreprincípio da segurança jurídica aponta 5 (cinco) de seus conteúdos, quais sejam:

1. Certeza do direito (legalidade, irretroatividade, anterioridade);

2. Intangibilidade das posições jurídicas (proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito);

3. Estabilidade das situações jurídicas, as quais podem ser expressas, por exemplo, pelos institutos da decadência, prescrição extintiva e aquisitiva;

4. Confiança no tráfego jurídico (cláusula geral da boa-fé, teoria da aparência, princípio da confiança);

5. Devido processo legal (direito à ampla defesa inclusive no processo administrativo, direito de acesso ao Poder Judiciário e garantias específicas como o mandado de segurança).

Segundo Paulsen, todo o conteúdo normativo da segurança jurídica se aplica à matéria tributária.

O conteúdo da certeza do direito diz respeito ao conhecimento do direito vigente e aplicável aos casos, de forma que possibilite aos indivíduos orientar suas condutas conforme os efeitos jurídicos estabelecidos, buscando determinado resultado jurídico ou evitando uma consequência indesejada, conforme os ditames do que ensina Leandro Paulsen. Tal se observa dos mandamentos da legalidade estrita, da irretroatividade e da anterioridade, bem como à proteção ao direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, constantes do art. 5º, XXXVIII, do Texto Magno.

A estabilidade das situações jurídicas pode ser encontrada no âmbito do direito tributário uma vez observados os arts. 150, § 4º, 173 e 174 do Código Tributário Nacional, os quais estabelecem prazos decadenciais (para a constituição de créditos tributários) e prazos prescricionais (para que se possa exigir compulsoriamente os créditos), ambos quinquenais.

2.2 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO EFEITO CONFISCATÓRIO DO TRIBUTO

Conforme proclama a Constituição Federal em seu art. 150, IV, é vedado aos entes federativos “utilizar tributo com efeito de confisco”.

Sobre essa disposição, a doutrina tece algumas considerações. Segundo os ensinamentos do professor Estevão Horvath, o princípio da vedação ao confisco atua como um instrumento de delimitação ao exercício da competência tributária de instituir ou majorar tributos, em específico, no que tange a fixação do quantum (base de cálculo e alíquota) a ser devido, informando que o legislador deve considerar existir um limite a ser respeitado.

Como se sabe, em razão do princípio da estrita legalidade, não basta que os tributos sejam criados por meio de lei, todos os seus elementos essenciais devem estar previstos em lei. Dentre tais elementos essenciais, o legislador deve se ater também ao critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária, pois é nesse critério que se encontram referências às grandezas às quais o fato jurídico tributário se direciona para efeito de definir a importância a ser suportada pelo sujeito passivo, à título de tributo.

De toda sorte, vale ressaltar que segundo Horvath, o confisco é vedado no direito pátrio pelo simples fato de se dar proteção à propriedade privada, ressalvadas as próprias exceções contidas na Constituição Federal. Destarte, a proteção constitucional à propriedade privada (conforme o que reza o art. 170, II da Lei Maior) constitui a mera vedação genérica ao confisco. Quando o constituinte cuidou de utilizar o termo “efeito de confisco”,acabou por ampliar o alcance do princípio, na medida em que não é confiscatório apenas a privação das pessoas de suas rendas e bens por meio da tributação, mas quando indiretamente se comprove que a imposição tributária provocou tal efeito.

Nesse diapasão, juntamente com outros princípios, o mandamento em análise deve ser parâmetro para a elaboração das leis tributárias, levando-se em conta que, segundo o professor Estevão Horvath, o ato de confiscar é comumente compreendido como o “ataque à propriedade privada, pelo Estado, sem compensação ao proprietário”.

Na condição de princípio de proteção à propriedade privada, praticamente com este se identificando, o princípio da vedação do uso do tributo com efeito confiscatório se constitui uma cláusula pétrea, não podendo, pois, ser retirado do ordenamento jurídico, conforme reza o Diploma Constitucional no § 4º de seu art. 60.

Na compreensão do professor Renato Lopes Becho:

“Confisco, em termos tributários, pode ser visto como a transferência total ou de parcela exagerada e insuportável do bem objeto da tributação, da propriedade do contribuinte para a do Estado”. (p. 479)

Nesse diapasão, conforme os ensinamentos de Becho, a tributação deve ser feita de modo a não retirar o bem ou inviabilizar o direito de propriedade do contribuinte (art. 5º, XXII, Constituição Federal de 1988) ou a livre iniciativa econômica (art. 170, caput, Constituição Federal de 1988), haja vista não se esperar que o Fisco atue contra os “seus sócios”, os partícipes da organização social.

Isso porque, consoante Marshall (1819, apud, BALEEIRO, 1997, p. 566), existe um poder de destruir na necessidade de o Estado tributar. Portanto, a proibição da tributação confiscatória vem em decorrência do poder de destruir, identificado por Marshall, bem como o direito de propriedade e a livre iniciativa econômica, conforme já aludido.

O professor Estevão Horvath leciona que o fato do legislador tributário, ao criar ou majorar tributos, ter que obedecer, entre outros princípios, à vedação do uso do tributo com efeito confiscatório, significa uma limitação à discricionariedade legislativa. Destarte, na falta de critérios mais objetivos, deverá o legislador se servir dos parâmetros da razoabilidade, da proporcionalidade, etc.

De qualquer forma, sustenta o autor que o conceito da razoabilidade da tributação, enquanto critério de aferição do critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária, deve ser estabelecido em cada caso concreto, levando-se em consideração as condições de tempo e de lugar, os fins econômicos e sociais de cada tributo, entre outros.

Para o professor Estevão Horvath, não há outro modo de aplicação do princípio da vedação ao confisco senão por meio da razoabilidade. Situação em que cada intérprete dirá os seus limites de confiscatoriedade.

Nesse sentido, destaca o professor Renato Lopes Becho que não existe menção à proibição do confisco nem mesmo no Código Tributário Nacional, principal diploma infraconstitucional, veiculador das normas gerais tributárias.

Todavia, o fato de não existir legislação como fonte da vedação à tributação com efeito confiscatório no ordenamento jurídico pátrio não implica dizer que se trata de lacuna a ser preenchida pelo legislador. Becho não espera e é completamente contrário que exista qualquer delimitação legal para o aludido princípio, porquanto este prescinde de explicação legislativa.

Isso porque o princípio da vedação ao efeito confiscatório consiste em valor jurídico e, por conseguinte, indefinível. Não pode ser definido pelo legislador, pois uma atuação legislativa nesse sentido contrariaria o próprio aspecto da atribuição de valor.

Portanto, é efetivamente impossível que uma lei estabeleça parâmetros objetivos para o que se deve considerar uma tributação com efeito de confisco. Cada caso concreto deve ser analisado individualmente.

Ampliando análise acerca do princípio constitucional tributário em comento, bem como a noção do “efeito confiscatório”, destaca-se o julgamento do RE546316 SP, o qual tem a ementa nos seguintes termos:

AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. REGRA DA LEGALIDADE. PRAZO DE RECOLHIMENTO DE TRIBUTO. INSUBMISSÃO. A aplicação da regra da legalidade à modificação do prazo de recolhimento do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI foi diretamente abordada pelo TRF da 3ª Região e, portanto, a matéria está prequestionada. Segundo orientação firmada por esta Suprema Corte, a fixação do prazo de recolhimento de tributo pode ser realizada por norma infraordinária, isto é, sem o rigor do processo legislativo próprio de lei em sentido estrito. Se a redução abrupta do prazo de recolhimento implicou a majoração artificial do montante real devido, eventual violação constitucional ocorreria em relação à capacidade contributiva (equilíbrio base de cálculo ‘ critério material), à segurança jurídica e à proibição do uso de tributo com efeito confiscatório, mas não em relação à regra da legalidade. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (STF – RE: 546316 SP, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 18/10/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-212 DIVULG 07-11-2011 PUBLIC 08-11-2011 EMENT VOL-02621-01 PP-00135).

A partir da minuciosa leitura da ementa supra destacada, observa-se que a abrupta mudança de prazo de recolhimento de tributo pode implicar em ataque ao princípio da vedação da proibição do uso de tributo com efeito confiscatório, além de outros princípios.

É de se concluir, por conseguinte, que o quantum do tributo, isto é, a base de cálculo e alíquota, não é elemento exclusivo de exame do efeito de confisco. Até porque, como se pode inferir do texto jurisprudencial, a imprevisibilidade, e até mesmo a redução do tempo, podem ter efeito de confisco sobre os contribuintes, afinal, estes necessitam de planejamento e tempo para organizar suas despesas, inclusive as fiscais.

Resta, pois, evidenciada a imprescindibilidade da razoabilidade para analisar cada caso concreto em que possa haver efeito confiscatório. O tempo pode ser também um fator de confiscatoriedade do tributo. Logo, também é de se concluir que há efeito confiscatório no nascimento da obrigação tributária em momento anterior à prática do fato gerador.

3. SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA POR FATO FUTURO (SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA “PARA FRENTE”)

Como se sabe, a Emenda Constitucional 3/1993 introduziu ao art. 150 do Diploma Constitucional o § 7º, com a seguinte redação:

“A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Conforme a interpretação do professor Roque Antonio Carrazza, a aludida Emenda Constitucional “criou”, o que ele considera ser, uma absurda figura da responsabilidade tributária por fato futuro, ou, conforme conhecida por alguns, a substituição tributária “para frente” (ou “progressiva”).

Doravante, segundo o parágrafo inserido, ficou autorizado à lei fazer nascer tributos de fatos geradores que ainda não ocorreram, mas que, conforme tudo indica, ocorrerão. Dito de outro modo, permite que a lei crie presunções de acontecimentos futuros e, com elas, faça nascer obrigações tributárias, sustenta Carrazza.

Para o professor Carrazza, a Constituição da República veda a tributação baseada meramente em fatos de provável ocorrência. Para que o mecanismo da substituição tributária seja adequadamente utilizado se faz necessário que se estribe em fatos concretamente ocorridos (nesse sentido, Carrazza assinala que a substituição tributária “para trás” – ou regressiva – é aceitável, haja vista atribuir ao sujeito passivo a responsabilidade pelo recolhimento de tributo nascido em operação anterior), mas nunca em fatos futuros, de ocorrência incerta. Tal barreira constitucional é inafastável, dado que integra o conjunto de direitos e garantias que o Texto Magno confere ao contribuinte. Sistematicamente interpretada, a Lei Maior não admite a chamada substituição tributária “para frente”.

Uma vez que o pagamento constitui modalidade extintiva de obrigações tributárias, conforme os ditames do art. 156, I, do Código Tributário Nacional, é logicamente impossível extinguir tributo que sequer nasceu.

O autor também critica a aludida modalidade de substituição tributária apontando que, uma vez que a obrigação tributária não surgiu ainda, seu sujeito passivo ainda não existe e, dessa forma, presumir que ele surgirá representa uma afronta aos postulados constitucionais, especialmente o da vedação ao efeito de confisco tributário.

Carrazza ressalta também que é possível que o Direito crie suas próprias realidades e que, ao fazê-lo, pode, exatamente por meio de ficções e presunções ignorar as realidades do mundo fenomênico. Não obstante, há limite para tanto: a Carta Magna. Em outros dizeres, o emprego das ficções e presunções por parte do Direito deve ser feito com critério e método, de modo a preservar direitos e garantias constitucionais.

Destarte, não se pode determinar, nem mesmo pela via da legislação, o recolhimento antecipado de tributo, turbando, pois, a fruição de direitos fundamentais do contribuinte, sustenta o professor Roque Antonio Carrazza.

Nesta mesma linha, o professor Paulo de Barros Carvalho assevera o que segue:

“Ora, se pensarmos que o direito tributário se formou como um corpo de princípios, altamente preocupado com minúcias do fenômeno da incidência, precisamente para controlar a atividade impositiva e proteger os direitos e garantias dos cidadãos, como admitir um tipo de percussão que se dê à margem de tudo isso, posta a natural imprevisibilidade dos fatos futuros? Se é sempre difícil e problemático exercitar o controle sobre os fatos ocorridos, de que maneira lidar com a incerteza do porvir e, ao mesmo tempo, manter a segurança das relações jurídicas? ”.

O professor Roque Antonio Carrazza também remarca que em nenhuma passagem do texto constitucional (editada pelo constituinte originário) se abre passagem para a exigência de tributos sobre fatos futuros (fatos geradores presumidos). Muito pelo contrário, a Constituição Federal do ano de 1988 se reporta tão somente a fatos concretamente realizados, até para dar efetividade, no campo tributário, ao magno princípio da segurança jurídica.

Sustenta que nem o Poder Legislativo, tampouco a administração pública, podem considerar ocorrido um fato imponível por mera ficção ou presunção, isto é, independentemente da efetiva verificação, no mundo fenomênico, da efetiva ocorrência dos fatos abstratamente desenhados na hipótese de incidência tributária.

Conseguintemente, não poderia uma emenda constitucional – tal como a Emenda Constitucional 3/1993 – subverter todo o sistema tributário, desconstituindo um direito fundamental, qual seja o de somente se ver compelido a suportar exações tributárias após a ocorrência dos respectivos fatos imponíveis, pontifica Carrazza.

Em suma, o professor Roque Antonio Carrazza pontifica que o referido § 7º incorre em flagrante inconstitucionalidade, dado que, mesmo com a garantia de “imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”, atropela o princípio da segurança jurídica, o qual, aplicado ao direito tributário, exige, dentre outras coisas, que a obrigação tributária só nasça após a ocorrência real (efetiva) do fato imponível.

Uma vez que o princípio da segurança jurídica tem a missão de tutelar os direitos individuais e suas garantias. Doravante, não poderia ser amesquinhado por via de emenda constitucional por ser uma cláusula pétrea, segundo o art. 60, § 4º da Constituição da República.

Nessa senda, Carrazza colaciona as elucidativas palavras do discurso do catedrático Geraldo Ataliba:

“(…) se, de um modo geral, as leis civis, comerciais, administrativas, podem prudentemente estabelecer presunções e ficções, a Constituição veda que isso seja feito em matéria penal e tributária (nullum crimen, nullum tributum sine lege). Isto integra o art. 5º e está protegido pelo § 4º do art. 60. Além do mais, o § 1º do art. 145 – mero desdobramento do art. 5º, I, e por isso expletivo – refere-se a ‘capacidade econômica’ como critério de tratamento igual dos contribuintes. Ora, essa ‘capacidade econômica’, atribuível a cada contribuinte, em cada caso, revela-se e realiza-se pela exigência de que todo fato tributável tenha conteúdo econômico mensurável. Ora, esse conteúdo há de ser real, efetivo, comprovado, concreto. Não pode ser presumido. Não pode resultar de ficção, do mesmo modo que não se pode punir alguém por crime não cometido. Não se tributa por fato provável, plausível, possível. Só por fato ocorrido, consumado”.

Em outra ocasião apontada pelo professor Roque Carrazza, o professor Geraldo Ataliba, complementando estas ideias na ocasião do VII Congresso Brasileiro de Direito Tributário arrancou prolongados aplausos do auditório com a seguinte declaração:

“(…) estou disposto a aceitar tributação de fato futuro, como se prevê nessa Emenda Constitucional. Estou disposto a aceitar que um fato que ainda não aconteceu possa ser um fato ‘gerador’ de obrigação tributária. Posso aceitar isso, estou disposto, no instante em que também se emende a Constituição para dizer que nós poderemos, cidadãos, ser punidos por crimes que ainda não cometemos”.

O professor Roque Antonio Carrazza ressalta que não está inferindo a “inconstitucionalidade de norma constitucional”, mas sim da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 3/1993, por discrepar de cláusulas pétreas.

Existem limitações, formais e materiais, expressas e implícitas, à competência que o Congresso Nacional possui por emendar a Constituição, vez que o poder constituinte do qual goza o parlamento se encontra subordinado ao Texto Magno. Dentre tais limitações, encontram-se as cláusulas pétreas, e, dentre estas, figuram, sem sombras de dúvida, as que garantem aos contribuintes o direito de só serem tributados após a ocorrência dos fatos imponíveis tributários, sustenta Carrazza.

Doravante, o Congresso Nacional não possuía poderes para, por meio de emenda à constituição, criar tributação por fato imponível presumido, fazendo derrubar, por via de consequência, importantes alicerces do “edifício jurídico”.

O professor Roque Antonio Carrazza doutrina que ignorar tais desconchavos equivale a destruir o “estatuto do contribuinte” plasmado pela Constituição, porquanto o Estado não mais teria barreiras, que não a própria voracidade, para tributar. O legislador presumiria fatos futuros para tributar antecipadamente, inclusive sem levar em conta a capacidade contributiva dos indivíduos. Tornar-se-iam, portanto, inúteis as “limitações constitucionais ao poder de tributar”.

O autor também ilumina que a substituição tributária é adotada por razões de praticidade, por muitos conhecida como praticabilidade. Este princípio recomenda que se evitem execuções demasiadamente complicadas das leis, sobretudo quando estas devem ser cumpridas em massa.

Em que pese não encontrar disposição expressa no corpo da Constituição, está embutida em vários de seus comandos, os quais sinalizam em favor, sempre que possível, da execução econômica, eficiente e viável dos atos normativos.

Assim como em outros campos, a praticidade possibilita o cumprimento simplificado da legislação tributária, a qual garante a potencialidade arrecadatória do Fisco, na medida em que também permite que os contribuintes atendam aos seus deveres sem custos adicionais ou perdas de tempo desnecessárias.

Nada obstante, existe um limite intransponível para a praticidade no campo fiscal: O Texto Constitucional, com seus grandes princípios. Assim sendo, fica a praticidade impedida de se sobrepor à legalidade, à igualdade, à capacidade contributiva e à segurança jurídica, comenta o professor Roque Antonio Carrazza.

Outro ponto é que, por ocasião do julgamento do REsp 89.630/PR (relatoria do Ministro Ari Pargendler), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que “com o pagamento antecipado não ocorre recolhimento do imposto antes da ocorrência do fato gerador. O momento da incidência do tributo fixado por lei não se confunde com a cobrança o tributo, pelo que o sistema de substituição tributária não agride o ordenamento jurídico tributário”. Em outros termos, para o STJ, não há a antecipação da incidência tributária, existe tão somente a antecipação do seu pagamento pelo responsável definido em lei.

Não obstante, em contraponto, o professor Roque Antonio Carrazza argumenta que a substituição tributária “para a frente” não deve ser confundida com a antecipação do pagamento do tributo, porquanto esta figura ocorre quando a obrigação tributária já existe – e portanto houve a prática do fato gerador –, ao passo que na substituição tributária progressiva não há ainda relação jurídica e, por via de consequência, não há tributo a ser pago.

Tristemente a Suprema Corte pátria acabou convalidando o § 7º do art. 150, tão criticado pela doutrina, ao menos no que diz respeito ao ICMS. Isto se deu por ocasião do julgamento, ocorrido em 2 de agosto do ano de 1999, do RE 213.396-5-SP, em que ficou decidida, por maioria dos votos (vencidos os Ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence) que o regime de substituição tributária para a frente é constitucional no ICMS.

Outra emblemática jurisprudência proferida pelo Pretório Excelso foi o julgamento do RE 593.849, com repercussão geral reconhecida, em que restou decidido, por maioria dos votos, que o contribuinte tem direito à diferença entre o valor do ICMS previamente recolhido e o efetivamente devido na operação ou prestação final:

“É devida a restituição da diferença do imposto sobre a circulação de mercadoria e serviços (ICMS), pago a mais no regime de substituição tributária para a frente, se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”.

No entender do professor Roque Antonio Carrazza o excesso da arrecadação equivaleria à não realização do “fato gerador presumido”. Dessa forma, tipificaria confisco, já que ensejaria a “imediata e preferencial restituição da quantia paga” a mais.

4. CONCLUSÕES

Diante de todas as doutrinas estudadas, restou cristalino que os princípios jurídicos constituem normas carregadas dos valores que a sociedade deseja alcançar e que, para tanto, as estruturas normativas existentes se projetam sobre a realidade social, para ordená-la no que concerne às relações interpessoais, canalizando o fluxo das condutas em direção a tais preceitos.

Fazendo-se uma interpretação teleológica e sistemática, muito bem explicadas por Carlos Maximiliano, de toda a Constituição Federal, máxime de seu art. 150, é observado que o diploma constitucional visou proteger o contribuinte do arbítrio estatal ao desempenhar sua função de exigir tributos em seus variados dispositivos, fazendo nascer o sobreprincípio tributário da segurança jurídica.

Logo, embora não esteja expressamente positivada, a segurança jurídica constitui um sobreprincípio de todo o ordenamento jurídico, inclusive do campo do direito tributário. Consiste em um sobreprincípio do ordenamento jurídico-tributário, uma vez que todos os outros princípios jurídicos trabalham para a sua promoção (princípio da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva, da vedação ao efeito confiscatório do tributo, da anterioridade, entre outros).

A segurança jurídica é base para um sistema jurídico estável, favorável à formação e manutenção das transações econômicas, sendo garantia ao desenvolvimento pleno do país e a confiança para aqueles que visam ingressar nesse meio de mercado capitalista.

Dentre suas implicações na seara tributária, vimos que uma delas é a garantia de que só nascerão obrigações tributárias em face da ocorrência concreta do fato gerador, jamais por fatos ainda não ocorridos.

Resta cristalino, por conseguinte, que a segurança jurídica constitui uma garantia individual, sendo, portanto, cláusula pétrea nos termos do art. 60, § 4º da Carta Magna, não podendo ser suprimido por ocasião de emenda ao Texto Constitucional.

Nesse contexto, se percebe ser inconstitucional a Emenda Constitucional 3/1993, a qual inseriu o § 7º no art. 150, determinando a possibilidade da substituição tributária “para a frente”, isto é, responsabilidade tributária por fato futuro. Até porque, analisado sistematicamente o art. 150, se percebe que os seus itens constituem garantias ao contribuinte, compondo, pois, o chamado “Estatuto do Contribuinte”. Doravante, é incompatível que dentre tantas garantias vitais ao contribuinte, esteja inserida neste rol uma absurda figura violadora da segurança jurídica (construção teleológica e sistemática das normas constitucionais tributárias) como a responsabilidade tributária por fato futuro e, portanto, inexistente e incerto.

Também é de se chegar à conclusão de que, uma vez que a substituição tributária “para a frente” impõe o nascimento de obrigação tributária sem, todavia, que ocorra a materialização da hipótese de incidência tributária, resta desrespeitado o mandamento constitucional de vedação ao uso do tributo com efeito de confisco. Isso porque, à luz da dicção do § 1º do art. 145 da Constituição Federal do ano de 1988, “os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Tal capacidade econômica deve, em cada caso concreto, ser revelada pela mensura do conteúdo econômico do fato tributável. Logo, ele deve ser real, concreto. Quando o fato é resultado de presunção, se está tributando fato ainda inexistente e que tem probabilidade de nunca se concretizar e, ainda que se realize, o confisco ainda estará configurado, dado que seu conteúdo econômico não foi examinado para a fixação do quantum da exação.

Diante de todas as considerações, se constata a flagrante inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 3/1993 por ter criado a inaceitável figura da responsabilidade tributária por fato futuro, haja vista esta atropelar o sobreprincípio da segurança jurídica na seara tributária e a vedação ao uso do tributo com efeito de confisco.

REFERÊNCIAS

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BECHO, Renato Lopes: Filosofia do direito tributário/ Renato Lopes Becho. São Paulo: Saraiva, 2009;

CARRAZZA, Roque Antonio: Curso de direito constitucional tributário/ Roque Antonio Carrazza. –31. ed., rev., ampl. e atual. / até a Emenda Constitucional n. 95/2016. – São Paulo: Malheiros, 2017;

CARVALHO, Paulo de Barros: Curso de direito tributário/ Paulo de Barros Carvalho. – 28.ed. – São Paulo: Saraiva, 2017;

________________________. “Sobre os princípios constitucionais tributários”, RDT 55/143;

HORVATH, Estevão: O princípio do não-confisco no direito tributário/ Estevão Hovath. São Paulo: Dialética, 2002;

MACHADO, Hugo de Brito: Teoria geral do direito tributário/ Hugo de Brito Machado. São Paulo: Malheiros, 2015;

MAXIMILIANO, Carlos: Hermenêutica e aplicação do direito/ Carlos Maximiliano. – 20. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011;

PAULSEN, Leandro: Curso de direito tributário completo/ Leandro Paulsen. – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

SAMPAIO FERRAZ JR., Tércio. “Segurança jurídica – normas gerais tributárias” – RDT 17 – 18/51.

José Américo Veras de Souza é graduado em Direito pela Universidade Potiguar (UnP); Advogado (OAB/RN nº 16.429); mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Como citar e referenciar este artigo:
SOUZA, José Américo Veras de. Análise constitucional da responsabilidade tributária por fato futuro (substituição tributária “para a frente”). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/analise-constitucional-da-responsabilidade-tributaria-por-fato-futuro-substituicao-tributaria-para-a-frente/ Acesso em: 25 abr. 2024