Direito Tributário

Progressividade Fiscal do IPTU e a Aplicação dos Precedentes Firmados após a Emenda Constitucional nº 29/2000

I. Introdução

O tema deste trabalho é “Progressividade Fiscal do IPTU e a Aplicação dos Precedentes Firmados após a Emenda Constitucional nº 29/2000”.

A relevância do tema está diretamente relacionada com problema atual e recorrente no cenário jurídico brasileiro, qual seja, a demora de o Poder Judiciário em apresentar solução final aos conflitos que chegam ao seu conhecimento.

Diversas são as causas da referida demora: o excesso de ações judiciais distribuídas, a carência de funcionários públicos que possam atender todas as demandas judiciais, a ineficiência das estruturas que compõem o Poder Judiciário em concretizar a celeridade processual, a razoável duração do processo, entre outros.

A questão tomou proporções significativas, ao ponto de o legislador buscar formas de conter o problema da morosidade processual. Neste contexto, foram editados e publicados os artigos 926 e 927 do Código de Processo Civil, os quais impõem que os Tribunais uniformizem sua jurisprudência, bem como sejam observadas as decisões do Supremo Tribunal Federal, enunciados de Súmulas Vinculantes, entre outros. É exatamente este comando normativo que ensejará a análise objeto do presente estudo, qual seja, a aplicação do sistema dos precedentes pelos Tribunais pátrios.

Entendeu o legislador que a aplicação dos precedentes pode trazer estabilidade jurídica e ainda auxiliar na solução da morosidade processual. Optamos por delimitar o tema, analisando-o sob o enfoque da progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano -IPTU.

Para discorrer acerca deste assunto será necessário não apenas estudo acerca do instituto constitucional da progressividade e sua aplicação no campo da incidência do IPTU, como também análise acerca das diferenças entre os sistemas existentes no Brasil (Civil Law) e Inglaterra (Common Law) no tocante à sistematização de aplicação dos precedentes.

Vale dizer que, a partir da análise dos acórdãos proferidos após a aprovação do tema de Repercussão Geral nº 94, pretende-se verificar a metodologia de aplicação do precedente adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, de modo a verificar se há no ordenamento jurídico brasileiro proximidade para com o modelo inglês ou se é utilizada lógica própria com relação à aplicação dos precedentes.

Existe, há no mínimo duas décadas, um crescente movimento mundial de aproximação entre as sistemáticas do Civil Law e Common Law, de ocorrência natural e compreensível em função da globalização da sociedade (WAMBIER, 2009), o que reduz a dicotomia entre as duas famílias jurídicas aqui citadas. Especialmente no Direito Brasileiro, verifica-se, desde a Emenda Constitucional nº 45/2004, um avançado caminhar rumo à “commonlawlização” e que, por força da edição do Código de Processo Civil, dá mais um passo nessa direção.

Cremos, portanto, que o estudo comparativo da forma pela qual o Direito Brasileiro bebe da fonte do direito inglês, especialmente no tocante à aplicação da sistemática de precedentes, é fundamental para o entendimento da conjectura atual, bem como para projeção de melhorias sistêmicas sobre esse tocante.

Outrossim, o estudo ainda se justifica em função do também crescente fortalecimento da jurisprudência enquanto fonte do Direito, o que torna sua forma de aplicação relevante sob o ponto de vista prático (BECHO, 2015b).

É de se mencionar, por fim, que, na esfera criminal, o tema tem contornos de grande relevância, na medida em que, nos autos do julgamento do Habeas Corpus nº 152.752 (caso particular), pretendeu-se alterar o precedente firmado nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44. Não obstante a discussão de mérito se dê na esfera penal, o estudo da forma de aplicação de precedentes pelo Supremo Tribunal Federal certamente poderá contribuir para os debates do referido caso concreto.

II. Breves considerações sobre a aplicação dos precedentes no direito inglês (common law)

Antes de analisarmos a aplicação dos precedentes, necessária se faz análise acerca das principais características do sistema inglês denominado Common Law.

O Common Law é conhecido por se tratar de sistema jurídico no qual as normas de direito não existem de forma positivada e escrita, na medida em que decorrem do costume da determinada sociedade em que se insere e cuja aplicação é aceita pela jurisprudência local. Daí porque a tradução livre do termo nos remete ao conceito de que se trata de “direito comum”. Assim, no Common Law as regras de conduta emanam das decisões proferidas pelos Tribunais locais e não de atos do Poder Legislativo.

Esta é a principal distinção existente entre o sistema do Common Law e o da Civil Law, de origem romano-germânica, em que os atos normativos são codificados e positivados em diploma jurídico escrito aprovado pelo Poder Legislativo.

Historicamente, o direito inglês pode ser divido em dois momentos distintos e antagônicos: o primeiro deles é o período do Direito anglo-saxão, baseado estritamente nos costumes das diversas tribos e povos invasores, daí porque eram costumes aleatórios, sem unidade e identidade. O segundo momento é aquele que interessa ao presente estudo, qual seja, o período em que surge o sistema do Common Law em toda a Britânia, futura Inglaterra.

Antes do surgimento deste sistema, conforme dito, predominavam os costumes como fonte do Direito. Foi após o período da conquista normanda, por volta do ano de 1066, até o período da Dinastia dos Tudors, por volta do ano de 1485, que o direito inglês passou a contar com o surgimento da jurisprudência com base na aplicação dos precedentes como fonte do Direito nacional. Após este período, surgiram as chamadas regras de equidade (equity) em complemento à aplicação dos precedentes. Por fim, a partir da metade do Século XX surgiu a lei positivada (statute law).

O sistema do Common Law é essencialmente diverso de todos os demais sistemas jurídicos existentes no mundo. Sua base é a jurisprudência local, formada pelo conjunto de decisões proferidas pelos juízes aos casos concretos que lhe são apresentados para apreciação e julgamento.

Inicialmente, antes da unificação do que veio a ser conhecido por Common Law, existiam agrupamentos feudais, onde juízes normandos estavam obrigados a aplicar o direito local, ou seja, os costumes locais, aos casos concretos. Em um primeiro momento apenas casos excepcionais e relevantes eram apreciados pelos juízes normandos, pois a administração da justiça em geral era função atribuída aos senhores feudais. Com o tempo essa competência foi sofrendo alteração ao passo que a sociedade também evoluía.

Não podemos perder de vista que o Direito existe para e em razão da existência da sociedade. Assim, conforme os agrupamentos feudais foram evoluindo, bem como foram aprimorando suas estruturas internas, a competência para dizer o Direito também foi se alterando, momento em que começaram a surgir os Tribunais Reais em Westminster. Já no Século XV, ao final, portanto, da Idade Média, os Tribunais Reais passam a ser investidos da competência de administrar a justiça local.

Couberam aos Tribunais de Westminster a tarefa de, paulatinamente, transformar o direito inglês em um sistema baseado na jurisprudência nacional e não mais nos costumes então predominantes como fonte do Direito. Surge a partir deste momento o Common Law como base do direito inglês, notadamente caracterizado por ser direito jurisprudencial.

Essa característica permeia o direito inglês até a atualidade. O Common Law difere dos demais sistemas jurídicos existentes ao redor do mundo pelo fato de substituir a lei em sentido formal – leia-se: lei escrita e positivada em diploma jurídico-, por decisões jurisprudenciais.

Outra característica marcante do Common Law que o difere dos demais sistemas jurídicos é o papel desempenhado pelo juiz. Enquanto nos demais sistemas o juiz tem papel de apenas dizer o direito, escolhendo qual norma jurídica deve ser aplicada ao caso concreto que chega ao seu conhecimento, no Commom Law o julgador está investido não apenas da função inerente e exclusiva de todo magistrado, mas também de atribuição legislativa, na medida em que, ao analisar os precedentes que serão utilizados em um determinado caso concreto, este mesmo juiz deixa o resultado de sua análise para ser utilizado por futuros julgadores em eventuais casos análogos e vinculados à mesma situação jurídica, exercendo assim atividade legiferante.

A propósito, com relação à aplicação de precedentes, interessante mencionar desde já a diferença entre função judicante no Civil Law e no Common Law. Como se sabe, no sistema do Civil Law a lei escrita e positivada é a base do direito. Assim, quando um caso concreto chega ao juiz para conhecimento e julgamento, após analisar todas as circunstâncias fáticas e jurídicas daquele caso, o julgador pondera as normas jurídicas a serem aplicadas ao caso, proferindo, ao final, sentença sobre o mérito. Já no sistema do Common Law, ao invés de escolher normas jurídicas que melhor se aplicam ao caso concreto, o juiz busca precedentes de casos anteriores e análogos ao caso concreto, aplicando-os naquela situação em escopo (WAMBIER, 2009).

Assim, a decisão proferida pelo juiz está baseada em decisões anteriores, ou seja, julgados proferidos em casos pretéritos servem de fundamento para determinações futuras. Desta forma, quem cria e diz o direito é o juiz no ato em que realiza a atividade intelectual e interpretativa de analisar casos pretéritos e ao proferir nova decisão. No caso de o julgador verificar ausência de precedente a ser aplicado ao caso concreto, está autorizado a criar nova decisão para dizer o Direito tutelado. No futuro, essa nova decisão se tornará também precedente de aplicação obrigatória.

Neste passo, mister salientar que os precedentes produzidos vinculam todas as decisões futuras a serem proferidas em casos semelhantes. Trata-se da aplicação do chamado stare decisis, que vincula o julgador às decisões anteriormente proferidas.

Ao proferir decisão, o juiz não se encontra obrigado a fundamentá-la, uma vez que as razões de seu convencimento se encontram vinculadas ao precedente anterior, razão pela qual os fundamentos da decisão são, neste momento, irrelevantes. Todavia, a aplicação do precedente não deve ocorrer de forma indiscriminada e automática, porque, apesar de não se encontrar obrigado a apresentar as razões que fundamentam sua decisão, o julgador deve analisar com atenção e cautela o caso apresentado para julgamento, a fim de que possa com segurança aplicar o precedente cabível. Desta forma, a atividade interpretativa do julgador é relevante para que seja possível distinguir os casos análogos, pois somente com base nessa distinção será possível aplicar a mesma ratio decidendi aos casos que mereçam seja dada efetivamente a mesma solução jurídica (DAVID, 1978).

Mister aqui destacar que a construção do precedente judicial no sistema inglês se dá a partir da mencionada ratio decidendi, isso é, em função da razão de decidir, da proposição legal em face dos fatos. É exatamente a ratio decidendi que induz ao stare decisis, ou seja, ao respeito às decisões anteriormente proferidas (BECHO, 2015a).

No sistema jurídico do Common Law se buscam as premissas jurídicas a partir do denominado stare decisis, expressão em latim que, em tradução livre e literal, significa ‘ficar com o que foi decidido’. Essa teoria jurídica nos remete à necessidade de o julgador decidir de forma congruente com os casos análogos que o precederam, permanecendo-se a razão jurídica já anteriormente aplicada (MARINONI, 2010).

Sua aplicação se dá de forma analógica, ou seja, se certa Corte decidiu determinado caso de dada forma, quando situação semelhante futura for submetida a julgamento, deverá ela receber a mesma decisão. Assim, para decidir determinado caso, os juízes ingleses interpretam decisão anterior, dela extraindo a ratio decidendi, a qual, por sua vez, é aplicada ao processo ora em julgamento, se cabível (BECHO, 2015a).

Inobstante cada caso judicial seja único e detenha situações fáticas peculiares às partes envolvidas, é possível se extrair de cada um deles alguma linha de identidade que os assemelhe, permitindo-se a extensão da tese jurídica ali firmada para uma escala maior em outras demandas. É aquilo que o direito inglês chama de ratio decidendi ou holding no Direito Americano, e que será vinculante (binding) para os demais casos nos quais se apurar congruência para sua aplicação.

Para os fins deste estudo, cabe-nos apontar ainda que os precedentes podem ser divididos em dois componentes: (i) obrigatórios, vinculantes (binding), nos quais prevalece a decisão proferida por Tribunal Superior, e (ii) persuasivos (persuasive), que impõem apenas força de convencimento sobre determinada demanda. No modelo inglês, os juízes seguirão inclusive o precedente persuasivo, a menos que se verifique pronunciada razão para sua não-aplicação e que deverá ser devidamente fundamentada.

Neste passo, a aplicação do precedente não deve se dar de forma automática ou automatizada, sendo fundamental a ação humana de distinguir os casos análogos, nos quais será possível aplicar a mesma ratio decidendi daqueles que comportam características próprias e não devem ter para si aplicadas a mesma solução.

O julgador, ao aplicar o método do distinguish, deverá interpretar não apenas a congruência dos casos comparados, mas também o alcance da ratio decidendi que se pretende utilizar, separando dela os argumentos obter dictum (dito para morrer), de efeito meramente persuasivo (BECHO, 2015a).

Voltando nossa atenção para o Direito Brasileiro, o Código de Processo Civil não discorre sobre o procedimento de cotejo entre a tese firmada no precedente e o caso concreto ao qual se estuda sua aplicação. O artigo 1.040, inciso II do Codex Processual, de forma pouco próxima, limita-se a determinar que o órgão prolator da decisão recorrida, após publicado o precedente, reexaminará o processo para verificação da compatibilidade entre o acórdão paradigma e o acórdão proferido no caso concreto.

Assim, feitas essas breves considerações, diante do modelo inglês exposto, da ausência de regramento para a aplicação do precedente no direito brasileiro, mas frente a necessidade de aplicá-lo, evoluiremos no presente estudo, analisando o histórico judicial da progressividade fiscal do IPTU, até sua definição enquanto precedente firmado.

III. Notas sobre a progressividade fiscal do IPTU

A Constituição Federal de 1946, em seu artigo 202, foi a primeira a expressamente contemplar a necessidade de os tributos serem graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Sem adentrarmos na diferenciação entre capacidade econômica e contributiva, fato é que o referido dispositivo permitiu o início das primeiras discussões acerca da progressividade do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.

Com a promulgação, em 05 de outubro de 1988, da Constituição Cidadã, os debates em torno da progressividade do IPTU ganharam novas dimensões e novos contornos.

O texto original da Carta de 1988 previu, expressa e diretamente, uma única possibilidade de progressividade do IPTU, contida no artigo 156, § 1º, combinado com artigo 182, §4º, inciso II, aplicada em função do tempo, decorrente da utilização do espaço urbano e de característica essencialmente extrafiscal (CARRAZZA, 2017).

Além disso, como princípio constitucional geral da tributação, a Carta Política de 1988 previu em seu artigo 145, § 1º, que sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Do texto constitucional acima mencionado decorre o princípio geral da progressividade fiscal em matéria tributária, exatamente como consolidador e garantidor do tradicionalíssimo princípio da capacidade contributiva. Vale dizer, em outras palavras, que a progressividade fiscal em matéria tributária se presta à garantia, observância, homenagem e consolidação da capacidade contributiva (CARRAZZA R. A., 2017; CARRAZA E.N., 2015).

A partir das normas sobre o tema, a controvérsia havida se operou em torno da possibilidade de instituição do IPTU progressivo de natureza fiscal, com finalidade arrecadatória, em função do valor do imóvel. Majoritariamente, a doutrina nacional, aqui especialmente destacados os professores Roque Antonio Carrazza (2017) e Elizabeth Nazar Carrazza (2015), alicerçada no artigo 145, § 1º da Constituição Federal de 1988, considerava existentes as premissas constitucionais elementares para instituição do IPTU progressivo fiscal.

Não foi o que entendeu o Supremo Tribunal Federal. Por força do julgamento do Recurso Extraordinário nº 153.771/MG, ocorrido em 26 de novembro de 1996, a Corte Constitucional Brasileira asseverou que o IPTU, enquanto imposto de natureza real, é incompatível com a progressividade oriunda da capacidade contributiva, contida no artigo 145, § 1º da Carta Constitucional de 1988. Em suma, firmou-se o entendimento de que a Constituição Federal não deu, em sua redação original, suporte para a instituição do gravame progressivo de natureza fiscal em função do valor do imóvel.

Em 14 de setembro de 2000, a matéria ganhou novos contornos. Foi publicada a Emenda Constitucional nº 29, que, alterando profundamente a redação do §1º, do artigo 156, inseriu no texto da Carta Política as matrizes para instituição do IPTU progressivo com fins arrecadatórios. Taxativamente, o inciso I possibilitou que o tributo seja “progressivo em razão do valor do imóvel”.

Com a alteração constitucional, reabriu-se a discussão em torno da progressividade fiscal do IPTU, agora voltada à verificação de sua compatibilidade aos princípios da isonomia e capacidade contributiva. Em outras palavras, passou-se a investigar a constitucionalidade da própria Emenda Constitucional nº 29/00 à luz dos direitos e garantias fundamentais.

Em função as novas normas constitucionais sobre a matéria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por força do Recurso Extraordinário nº 423.768, reuniu-se para novamente para decidir acerca da constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU. O resultado do julgamento, proclamado em 01 de dezembro de 2010, não poderia ser mais categórico: pela unanimidade dos então nove ministros que participaram da sessão, a progressividade fiscal do tributo real IPTU foi constitucionalmente aclamada.

A questão, todavia, voltou ao Plenário da Corte Constitucional Brasileira, agora para apreciação do Recurso Extraordinário nº 586.693, cuja admissão se deu sob o âmbito da Repercussão Geral. Embora com menor profundidade na abordagem, o mérito foi novamente tangenciado pelo Ministro Relator Marco Aurélio, com menção ao precedente anteriormente firmado. Desse julgamento defluiu a aprovação do tema de Repercussão Geral nº 94, no qual se asseverou ser “constitucional a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, no que estabeleceu a possibilidade de previsão legal de alíquotas progressivas para o IPTU de acordo com o valor do imóvel. ”[1]

A edição do tema de Repercussão Geral nº 94, em 25 de maio de 2011, chancelou o julgamento dos Recursos Extraordinários nº 423.768 e 586.693, colocando fim na discussão acerca da progressividade fiscal do IPTU. A partir dessa definição, solidificou-se firme precedente para ampla aplicação pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Analisaremos, então, a seguir, os acórdãos referentes aos dois paradigmáticos recursos extraordinários ao norte mencionados.

IV. Dos precedentes acerca da progressividade fiscal do IPTU

No presente capítulo serão analisados os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal que julgaram a constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU após advento da Emenda Constitucional nº 29/00.

IV.1 Recurso Extraordinário nº 423.768, julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em 01.12.2010

No recurso extraordinário ora em análise se questionou a constitucionalidade do artigo 3º, da Emenda Constitucional nº 29/00, que alterou o §1º do artigo 156 da Constituição Federal, instituindo a progressividade fiscal do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. Em brevíssima síntese, a referida demanda invocou que a Emenda Constitucional nº 29/00 teria incorrido em diversas violações constitucionais, sobretudo ao artigo 60, §4º, inciso IV da Constituição Federal, introduzindo no sistema dispositivo normativo que teria acabaria por extinguir direitos e garantias individuais.

O relator do caso, Ministro Marco Aurélio, reconheceu a relevância do tema, já que a progressividade do IPTU, naquele momento, vinha recebendo enfoques diversificados. Indicou que antes do advento da Carta Magna de 1988, o Supremo Tribunal Federal tinha a orientação no sentido de que a progressividade de um tributo poderia ser admitida sem nenhuma restrição, devendo ser justificada com base no objetivo social do tributo.

Asseverou, entretanto, que este entendimento sofreu alteração ainda antes mesmo da publicação da Constituição Federal de 1988, quando, do julgamento do Recurso Extraordinário nº 69.784, ocasião em que a Corte editou a Súmula nº 589, por meio da qual restou sedimentado ser “inconstitucional a fixação de adicional progressivo do Imposto Predial e Territorial Urbano em função do número de imóveis do contribuinte”.

Ainda segundo o relator, já sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 153.771[2], em 20.11.1996, quando restou reconhecida a inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU, em razão da natureza real do tributo, a qual impossibilita seja levada em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo em decorrência da situação personalíssima do proprietário do imóvel objeto da exação.

Naquele julgamento prevaleceu a tese de que o princípio da capacidade contributiva não pode ser aplicado aos impostos de natureza reais. No entanto, na ocasião, o Ministro Sepúlveda Pertence reconheceu, balizado nos ensinamentos de Roque Carrazza e Elizabeth Carrazza, que a propriedade imobiliária de grande valor é capaz de gerar presunção juris et de juri de capacidade contributiva do sujeito passivo. Ainda assim, entendeu pela inconstitucionalidade da progressividade do IPTU em razão da existência de barreiras constitucionais que não poderiam à época ser superadas. Assim, o Ministro Sepúlveda Pertence, no julgamento do RE 153.771, entendeu que a progressividade do IPTU somente seria possível quando com base no artigo 182, §4º da Constituição Federal.

Encerrada a digressão ao julgamento do RE 153.771 e retornando atenção ao objeto do RE 423.768, o relator Ministro Marco Aurélio defendeu que apesar de todos os fundamentos existentes em sentido contrário, é constitucional a previsão de progressividade fiscal do IPTU, em função do valor do imóvel, pois o que o legislador constitucional derivado buscou, ao editar a norma questionada, foi atender à capacidade econômica do contribuinte. Temos, assim, norma jurídica com relevante finalidade social.

O Ministro Marco Aurélio, realizando interpretação sistemática dos artigos 145, §1º e 156, §1º, ambos da Constituição Federal, concluiu que a Emenda Constitucional nº 29/00 não afastou direito ou garantia individual, fundamentando que anteriormente à nova redação dada ao artigo 156, §1º, da Constituição Federal, o artigo 145, §1º já previa a existência da progressividade dos impostos com base na capacidade contributiva do sujeito passivo, não existindo, portanto, nenhuma restrição a direito fundamental neste sentido. Segundo entendimento do relator, a alteração promovida pela EC 29/00 apenas trouxe o que poderia ser a “graduação real do tributo”.

Inobstante os demais julgadores da Corte Constitucional tenham acompanhado o relator, houve ainda expressa declaração de voto por parte dos Ministros Joaquim Barbosa, Carmen Lúcia, Sepúlveda Pertence, Gilmar Mendes e Ayres Britto, todos exaltando a novel regra constitucional como medida garantidora da capacidade contributiva e justiça fiscal.

O reconhecimento unânime da constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU, acompanhado das categóricas declarações de voto neste tocante, tornaram o RE 423.768 grande julgamento de referência e precedente firmado sobre o assunto.

IV.2 Recurso Extraordinário nº 586.693, julgado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em 25.05.2011

Poucos meses após a conclusão do julgamento do RE 423.768, o Plenário do Supremo Tribunal Federal voltou a se reunir para tratar a matéria novamente, agora, todavia, nos autos do RE 586.693, recurso afetado ao regime de repercussão geral.

Tratou-se de recurso extraordinário interposto pelo Município de São Paulo contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que reformou sentença proferida em primeira instância, reconhecendo a incompatibilidade entre a Lei nº 12.250/2001, editada pelo Município de São Paulo a partir da Emenda Constitucional nº 29/000, sob o fundamento de violação aos princípios da igualdade e capacidade contributiva.

Recorreu o Município de São Paulo, alegando, além da existência de nulidade, no mérito, a perfeita compatibilidade entre a Lei nº 12.250/2001 editada pelo Município de São Paulo a partir do alicerce da Emenda Constitucional nº 29/00.

Ao proferir o seu voto, o relator Ministro Marco Aurélio indicou a existência do precedente recentíssimo sobre esta matéria, qual seja, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 423.768 pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, passando simplesmente a reproduzir o voto proferido naquela oportunidade. Após evocar o julgado no RE 423.768, o Ministro Relator realizou breves considerações sobre o mérito da questão, apenas como medida de se reafirmar o quanto já decidido.

Interessante destacar que os Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, que ainda não compunham a Corte Constitucional quando do julgamento do RE 423.768, expressamente declararam seus votos neste novel julgamento, igualmente no sentido de reconhecer a constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU, situação que ampliou a solidez do tanto decidido anteriormente.

A solidez do entendimento firmado conduziu o RE 586.693 à condição de leading case embasador da tese de repercussão geral nº 94, que firmou ser “constitucional a Emenda Constitucional nº 29, de 2000, no que estabeleceu a possibilidade de previsão legal de alíquotas progressivas para o IPTU de acordo com o valor do imóvel”.

Embora neste momento do trabalho estejamos apenas apontando os precedentes firmados para, ato contínuo, verificar sua forma de aplicação, podemos, desde já, indicar que o STF, ao julgar o RE 586.693, evoca o decido no RE 423.768, mas em nenhum momento realizada o cotejo pormenorizado entre os casos, como ocorre no sistema do Common Law.

No caso do julgamento deste Recurso Extraordinário nº 586.693, o Relator apenas suscitou a existência de precedente sobre o tema e aplicou todos os fundamentos nele contidos, sem indicar as razões que o assemelhavam ou distinguem do caso em análise.

No título a seguir trataremos da forma de aplicação dos precedentes ora mencionados.

V Aplicação dos precedentes pelo próprio Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Em que pese o fato de cada caso judicial ser único com suas situações fáticas próprias, é possível se extrair de cada um deles alguma linha de identidade que os assemelhe com outros casos, permitindo-se a extensão da tese jurídica ali firmada para uma escala maior em outras demandas. É aquilo que, conforme já demonstrado, o direito inglês chama de ratio decidendi, que será vinculante para os demais casos em que se apurar congruência para sua aplicação.

Assim, no sistema do Common Law o juiz analisa a situação concreta levada ao seu conhecimento e, por meio de uma análise detalhada, criteriosa e apurada, verifica decisões pretéritas que possam ser aplicadas ao caso atual, na exata medida de suas semelhanças e identidades. Uma vez encontrada decisão que se assemelhe ao caso concreto, o juiz aplica o precedente fazendo prevalecer a mesma ratio decidendi.

A aplicação de precedentes, que era algo inerente ao sistema do Common Law, tem hoje aplicação em nosso sistema jurídico pátrio, conforme dispõe o artigo 1.040, inciso II do Código de Processo Civil, que determina que o órgão prolator da decisão recorrida, após publicado o precedente, reexaminará o processo para verificação da compatibilidade entre o acórdão paradigma e o acórdão proferido no caso concreto.

Neste passo, os artigos 926, 927 e 1.039 do Código de Processo Civil deram forte acentuação à necessidade de observação à jurisprudência firmada e o respeito aos precedentes judiciais, revelando que o legislador brasileiro adotou o sistema jurídico inglês do Common Law.

O papel desempenhado pelos Tribunais Superiores é de extrema importância. São eles os principais idealizadores e aplicadores da efetividade normativa da Constituição Federal, em especial dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, devendo trabalhar em nome da estabilidade jurídica, buscando sempre aplicar decisões semelhantes aos casos congêneres, para que não surjam disparidades jurídicas e anormalidades sistêmicas.

Neste cenário, a aplicação de precedentes tem extrema relevância e importância, na medida em que permite que casos semelhantes tenham para si aplicadas a mesma solução jurídica, contribuindo para a segurança jurídica e pacificação social das relações humanas. A aplicação dos precedentes tem por objetivo, em última análise, trazer segurança aos jurisdicionados e ao sistema jurídico como um todo, já que viabilizam a aplicação de jurisprudência sólida e uniforme.

Acompanhando esse raciocínio, o Código de Processo Civil passou a prever medidas buscando a uniformização da jurisprudência pátria e a estabilização das decisões proferidas, dentre as quais podemos citar justamente a aplicação de precedentes.

Neste passo, a pergunta que se faz é: no direito brasileiro, a aplicação de precedentes ocorre de forma pormenorizada e individualizada tal, como ocorre no direito inglês por meio do sistema do Common Law?

Este é o objetivo deste título. Analisaremos a seguir julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a fim de verificar a metodologia adotada por cada um desses Tribunais no tocante à aplicação dos precedentes relativos à progressividade fiscal do IPTU.

Assim, serão analisados os seguintes julgados: (i) Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.732, julgada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em 07.10.2015; (ii) Recurso de Apelação nº 0216140-53.2008.8.26.0000, julgado pela 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 28.05.2015; (iii) Agravo Interno nº 9000372-12.2003.8.26.0090/50002, julgado pela Câmara Especial de Presidentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 07.02.2017.

V.1 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.732, julgada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal em 07.10.2015

Ao apreciar o caso, o relator Ministro Dias Toffoli ponderou que o Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 423.768, já analisou o tema, momento em que fora refutada a tese da inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/00, na parte em que modificou o arquétipo constitucional do IPTU para permitir o uso do critério da progressividade como regra geral de tributação em acréscimo à previsão prevista no artigo 185, § 4º, inciso II da Carta Magna, que trata da progressividade sancionatória do imposto pelo desatendimento da função social da propriedade imobiliária urbana.

O Ministro Relator citou e utilizou como fundamento de seu convencimento o julgamento do já citado Recurso Extraordinário nº 423.768, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que se reconheceu a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/00.

Ao proferir o seu voto, o Relator Ministro Dias Toffoli afirmou que a progressividade constitui técnica de equalização da cobrança de tributos, não tendo a Emenda Constitucional nº 29/00 inovado nesse sentido. Afirmou que a Emenda Constitucional em análise apenas promoveu alteração na regra matriz do IPTU, razão pela qual não houve nenhuma violação aos direitos de liberdade, propriedade, igualdade, legalidade ou à segurança jurídica. Para que pudesse se falar nesta violação, deveria ter ocorrido alteração quanto aos elementos definidores da regra matriz de incidência tributária, tais como fato gerador e base de cálculo o que, repita-se, não ocorreu por meio da EC.

O Ministro Dias Toffoli também sustentou sobre o confronto entre a incidência da regra da progressividade do IPTU, imposto de natureza real, e o princípio da capacidade contributiva. Antes do advento da referida Emenda Constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendia pela impossibilidade da progressividade do IPTU, exceto no caso de aplicação de sanção pelo descumprimento da função social da propriedade urbana, justamente em razão da natureza real deste tributo, que impede a consideração da capacidade contributiva do contribuinte para fins de fixação de alíquotas.

Tanto assim que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 668, com a seguinte redação: “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”.

Contudo, a questão foi reapreciada após a publicação da Emenda Constitucional 29 de 2000, ocasião em que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da alteração promovida pelo artigo 3º da referida emenda, sob o fundamento da inexistência de incompatibilidade entre a progressividade e a natureza real do IPTU, na medida em que a progressividade se revela como garantidora da igualdade tributária e da justiça fiscal.

O voto proferido pelo Ministro Dias Toffoli, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.732, utilizou como fundamentação os elementos trazidos pelo julgamento do Recurso Extraordinário nº 423.768, todavia, sem o aplicar como precedente, da forma pela qual o direito inglês o faria.

No julgamento proferido, os argumentos de decidir utilizados no RE 423.768 são por diversas vezes revisitados e reafirmados, havendo nova abordagem do mérito, ainda que de forma superficial. Além disso, não nos parece seja realizado o devido cotejo entre o acórdão paradigma e o caso em julgamento, de forma a garantir o perfeito esclarecimento que as condições fáticas entre eles são suficientemente idênticas a se justificar utilização da mesma ratio decidendi.

Entendemos, assim, que a forma de o STF aplicar seu próprio precedente em muito se distancia da utilizada pelo Tribunais ingleses, na medida em que a Corte brasileira aborda o mérito da questão tratada e utiliza o precedente apenas como atalho para conclusão do novo caso em análise.

V.2 Recurso de Apelação nº 0216140-53.2008.8.26.0000, julgado pela 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 28.05.2015

Neste julgamento, ao realizar o exame de admissibilidade do recurso extraordinário, a Presidência da Seção de Direito Público verificou que matéria tratada era afeta aos indicados Recursos Extraordinários nº 586.693 e nº 423.768, razão pela qual determinou o retorno dos autos à 18ª Câmara de Direito Público.

Tão logo o recurso retornou ao Desembargador Relator, foi realizada reanálise do caso. Verificou-se, após cotejo entre o processo concreto e os precedentes firmados nos Recursos Extraordinários nºs 586.693 e 423.768, que não se tratavam de casos semelhantes, razão pela qual os mencionados precedentes não deveriam ser aplicados ao caso concreto.

O relator indicou em sua decisão que o acórdão recorrido, proferido pela 18ª Câmara de Direito Público, analisou a discussão acerca da progressividade no tempo do IPTU, a chamada progressividade extrafiscal, na forma do artigo 182, §4º, inciso II, da Constituição Federal, e não a progressividade fiscal prevista no artigo 156, §1º da Constituição Federal, a qual foi objeto dos Recursos Extraordinários nº 586.693 e 423.768.

Assim, conclui o relator que o acórdão proferido pela a 18ª Câmara de Direito Público não contrariou os precedentes firmados nos Recursos Extraordinários nºs 586.693 e 423.768.

Verifica-se, neste passo, que o relator realizou análise individualizada e pormenorizada das situações fáticas envolvidas no processo, indicando todas as diferenças existentes entre o caso concreto e os julgados paradigmas, a justificar a não aplicação das teses neles sustentadas.

Cremos, desta feita, que a 18ª Câmara de Direito Público realizou o cotejo detido das razões de decidir dos paradigmas frente ao seu caso concreto, de forma mais próxima ao que se verifica no direito inglês, culminando-se pela não aplicação dos precedentes in casu, em razão da incongruência entre eles.

V.3 Agravo Interno nº 9000372-12.2003.8.26.0090/50002, julgado pela Câmara Especial de Presidentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 07.02.2017

Ao apreciar o caso, o relator indicou inicialmente que a decisão recorrida foi proferida em consonância com o precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 423.768, no qual foi declarada a constitucionalidade de lei municipal que estabeleceu a progressividade do IPTU após a Emenda Constitucional nº 29/00, razão pela qual foi aplicado o disposto no artigo 1.030, inciso I, alínea “b” do Código de Processo Civil.

Indicou que a discussão ali versada era idêntica ao que discutido no leading case firmado no Recurso Extraordinário nº 423.768. Por esta razão, em decisão objetiva e direta, o relator decidiu que não há como modificar o julgado proferido, vez que a decisão está em consonância com o paradigma proferido pelo Supremo Tribunal Federal, indicando que “diante da inexistência de erro na subsunção do caso concreto ao leading case paradigma, fica mantida a decisão”.

Esta decisão, proferida pela Câmara Especial de Presidentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, revela a aplicação do precedente. Importante destacar que este Órgão foi criado justamente para verificação dos agravos interpostos contra decisões que negam seguimento a recursos para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal.

A Câmara Especial de Presidentes, formada pelo presidente do TJSP, pelo vice-presidente e pelos presidentes das seções, tem a função de verificar se a tese objeto da demanda discutida no recurso que teve negado o seu seguimento se enquadra ou não nas teses sobrestadas pela Lei de Recursos Repetitivos ou pela repercussão geral nos citados tribunais superiores.

Em se tratando de recurso com repercussão geral cujo destino seja o Supremo Tribunal Federal, o recurso não será encaminhado para Brasília enquanto o caso que ensejou a discussão da matéria não for julgado, ou seja, enquanto não for estabelecido o precedente.

Uma vez firmada a jurisprudência, a Câmara Especial aplica o artigo 1.030, inciso I, alínea “b” do Código de Processo Civil, remetendo os autos à Câmara prolatora da decisão agravada, onde é aplicado ao caso concreto o precedente firmado. O mesmo procedimento é adotado para os recursos de competência do Superior Tribunal de Justiça. Assim, enquanto não houver decisão dos recursos com repercussão geral firmada, os processos que tratam do mesmo assunto ficam sobrestados em segunda instância.

A Câmara Especial é responsável, então, por decidir se o caso sobrestado é semelhante ou não ao precedente das Cortes Superiores. Se for, aplica o precedente. Se não o for, encaminha o recurso para instância superior para apreciação e julgamento.

Pela sua própria função institucional, cremos que a Câmara de Especial de Presidentes do TJSP seja o órgão que mais se aproxime (ou ao menos deva se aproximar), no momento de aplicação do precedente, do modelo inglês.

VI. Conclusão

O tema deste trabalho é “Progressividade Fiscal do IPTU e a Aplicação dos Precedentes Firmados Após a Emenda Constitucional nº 29/2000”, tendo sua relevância exsurgido com a edição do Código de Processo Civil de 2016, que atribuiu à uniformização e estabilização da jurisprudência, bem como ao respeito ao precedente, importante figura de celeridade processual.

Para discorrer acerca deste tema foram necessárias breves abordagens sobre o instituto constitucional da progressividade e sua aplicação no campo da incidência do IPTU, bem como estudo sobre as diferenças entre os sistemas existentes no Brasil (Civil Law) e Inglaterra (Common Law) no tocante à sistematização de aplicação dos precedentes.

Com a publicação da Emenda Constitucional nº 29/00, que alterou a redação do §1º, do artigo 156 da Constituição Federal, houve profunda mudança do panorama jurídico, passando a ser constitucionalmente permitida a possibilidade de instituição do IPTU progressivo de natureza fiscal, com finalidade arrecadatória, em função do valor do imóvel.

Em função as novas normas constitucionais sobre a matéria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por força do Recurso Extraordinário nº 423.768, reuniu-se para decidir acerca da constitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU. Por unanimidade a progressividade fiscal do tributo real IPTU foi declarada constitucional.

A questão voltou ao Plenário, desta vez na forma do Recurso Extraordinário nº 586.693, cuja admissão se deu sob o âmbito da Repercussão Geral, no qual, evocando-se o RE 423.768, foi reconhecida uma vez mais a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/00, e ditando-se o tema de Repercussão Geral nº 94, restou firmando o precedente para aplicação pelos tribunais inferiores e pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Neste cenário, o presente trabalho teve por objetivo analisar como as Cortes brasileiras estão aplicando estes precedentes, notadamente em razão da previsão contida nos artigos 926, 927 e 1.039 do Código de Processo Civil, comparando-se com a aplicação dos precedentes no sistema do Common Law.

Buscamos demonstrar que o julgador, ao aplicar um precedente, deve interpretar não apenas a congruência dos casos comparados, mas também o alcance da ratio decidendi que se pretende utilizar.

Neste passo, aferimos que os Tribunais brasileiros não possuem método próprio de aplicação do precedente. Por vezes, vimos o precedente ser utilizado apenas como um encurtamento do enfretamento do mérito que, ainda assim, é abordado. Em outros casos, observamos o cotejo entre o processo em julgamento e precedente ser realizado de forma mais próxima, mas ainda assim distante e diversa do método inglês de apreciação.

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Thiago Bermudes de Freitas Guimarães

Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET; Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP; Advogado.



[1] O julgamento do Recurso Extraordinário nº 586.693 não apenas consolidou o entendimento firmado no Recurso Extraordinário nº 423.768 como também ampliou a derrota dos opositores da progressividade fiscal do IPTU: os Ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, que não haviam votado no primeiro caso, pois ainda não compunham a Corte, declararam voto, com abordagem de mérito, pela constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 29/00.

[2] Referido recurso extraordinário foi apreciado antes da edição da EC 29/00 e, em razão da reforma constitucional ter alterado o entendimento do Supremo sob a matéria, a análise de seu conteúdo não guardaria relevância para o quanto tratado no presente trabalho.

Como citar e referenciar este artigo:
GUIMARÃES, Thiago Bermudes de Freitas. Progressividade Fiscal do IPTU e a Aplicação dos Precedentes Firmados após a Emenda Constitucional nº 29/2000. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/progressividade-fiscal-do-iptu-e-a-aplicacao-dos-precedentes-firmados-apos-a-emenda-constitucional-no-292000/ Acesso em: 29 mar. 2024