Direito Tributário

Destributarização da contribuição sindical e inexigência de lei complementar

Irapuã Beltrão *

A Constituição, como norma fundamental, autoriza a instituição das várias espécies de tributos (arts. 145, 148 e 149, CRFB/88), mas não oferece uma definição conceitual de cada uma delas. Não por outro motivo, já se destacava a grande relevância do Código Tributário Nacional que, valendo-se da sua qualidade de norma geral aplicável a todos os entes políticos a expressa designação no art. 146, III, a, CRFB, positivou a definição do tributo e suas espécies e, consequentemente, as características básicas que o identificam.

A partir da definição do art. 3º do CTN, afirmava ainda o CTN que outras prestações, apesar de reconhecidas (art. 217 CTN), não estariam submetidas aos contornos tributários, consagrando, por outro lado, a famosa classificação tripartida dentre as espécies e expressada no Código Tributário Nacional – art. 5º.

Tal classificação ficou bastante abalada com a identificação pelo Supremo Tribunal Federal de outras formas tributárias. Os empréstimos compulsórios e as contribuições parafiscais ou especiais bateram na realidade nacional, provocando os intérpretes judiciários e acadêmicos. Tal fato ficou inevitável, sobretudo depois de sua referência expressa na Constituição Federal de 1988, nos art. 148 e 149, CRFB (e dentro do Sistema Tributário Nacional), sendo sua natureza tributária uma afirmação, segundo o STF.

Dentre as formas tributárias especiais, interessa-nos as contribuições ditas “corporativas” instituídas pela União e destinadas historicamente a financiar sindicatos, conselhos ou organizações. Nesta concepção, as contribuições profissionais ou corporativas possuiriam relação com atividades profissionais específicas, servindo de instrumento da União Federal ao custeio das atividades dos órgãos sindicais e de classe (ex.: contribuições sindicais), bem como para as medidas de interesse das respectivas categorias (ex.: contribuições para os conselhos de classe).

A forma de financiamento para a manutenção da estrutura sindical já era conhecida desde a redação original das normas da CLT, na forma do art. 578 e seguintes, cuja a redação original ainda denominava de “imposto sindical”. Aperfeiçoado posteriormente sua denominação para “contribuição sindical” por força do art. 35, V do Decreto-lei nº 229, de 28.02.1967, estava ali marcada a base do financiamento das estruturas sindicais.

Apesar da modificação nominal do tributo, a verdade é que o mesmo sempre foi marcado por clara confusão, apesar de todos os bons acadêmicos reforçarem sua distinção. O próprio STF sempre teve o cuidado em distinguir as espécies, especialmente para as consequências: “a contribuição e espécie tributaria distinta, que não se confunde com o imposto. E o caso da contribuição sindical, instituída no interesse de categoria profissional (CF/67, art. 21, par-2., I; CF/88, art. 149), assim não abrangida pela imunidade do art. 19, III, CF/67, ou art. 150, VI, CF/88. II “ (STF, RE 129.930/SP, j. 7.5.1991).

Além da necessidade de bem reconhecimento da espécie em questão para determinação de tais decorrências, outro tema que sempre bateu às portas das referidas contribuições sempre foi a identificação do veículo de sua instituição e, por conseguinte, de sua eventual modificação. Como forma tributária a necessidade de instituição e reserva legal é indubitável. Alguns interpretes, todavia, procuraram polemizar sobre qual a forma legislativa aplicável.

Parte desta controvérsia advém das referências constitucionais sobre as contribuições, notadamente pela referência contida no art. 149 que remete ao art. 146, ambos da Constituição. Mas tal fundamento não encontra amparo na mais consensuada hermenêutica constitucional.

Como sabido, em todas as ocasiões em que a norma constitucional ou outro dispositivo se refere à “lei”, refere-se à lei ordinária, sendo este o padrão de aprovação por meio de um quórum de maioria simples, como determinado pelo modelo do texto magno de 1988. Claro que, naturalmente, será usada a lei ordinária como um padrão para a instituição dos tributos por absoluta inexistência de qualquer outra exigência expressa.

Portanto, a regra também no direito tributário é a edição de lei ordinária. Entretanto, alguns tributos sim precisarão de lei complementar para sua instituição, mas esta não é a hipótese das contribuições sindicais. E assim não se modifica por força das referências ao art. 146. A lei complementar ali mencionada é o diploma veiculador de normas gerais que jamais se confundiu com a lei instituidora dos tributos.

O próprio STF já teve oportunidade de afirmar em precedente que depois passou a ser referenciado em tantos outros casos:

As contribuições do art. 149, CF – contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas – posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isto não quer dizer que deverão ser instituídas por lei complementar. (…) A contribuição não é imposto. Por isso, não se exige que a lei complementar defina a sua hipótese de incidência, a base imponível e contribuintes: CF, art. 146, III, a (STF, RE 396.266. Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 26-11-2003, Pleno, DJ 27-2-2004)

Tal medida se referia, como regra, a todas as contribuições contidas no art. 149, inclusive quanto as corporativas e sindicais. A própria corte afirmou e reafirmou diversas vezes: “o STF fixou entendimento no sentido da dispensabilidade de lei complementar para a criação das contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais” (AI 739.715 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 26-5-2009, 2ª T, DJE de 19-6-2009).

O princípio do paralelismo das formas imporia a mesma conclusão para toda e qualquer modificação a ser realizada nas referidas contribuições. Assim seria para casos de aumento, diminuição de valores ou mesmo outras alterações. E, nestes termos, parecia o assunto terminado.

Ocorre que o tema foi reacendido com a vinda da denominada “Reforma Trabalhista” com a Lei nº 13.467, de 2017, que, dentre as mais diversas mudanças, deu nova redação ao art. 578 e seguintes da CLT, especialmente retirar o caráter compulsória da contribuição sindical, passando a exigir que qualquer desconto estaria condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo.

Algumas vozes passaram a alegar eventual inconstitucionalidade formal, sob o argumento de que tal medida deveria ser objeto de lei complementar. Este contexto foi até mesmo objeto de Ações Diretas de Inconstitucionalidades propostas ao STF. Mas, em razão da ponderação acima, tais alegações não encontraram eco na já consolidada posição sobre as contribuições especiais.

De um lado, é fato que a mudança legislativa promoveu uma destributarização das referidas contribuições pela retirada de qualquer elemento de imperatividade e, justamente por isto, demandaria lei. Do outro, contudo, não se poderia afirmar qualquer necessidade de maioria absoluta para elaboração do diploma legal. Se, como forma tributária ficou evidente que não se tratava de matéria submetida à lei complementar, resta patente a possibilidade de alteração de sua estrutura ou natureza por lei ordinária. Observando o citado art. 149 CRFB verifica-se que compete à União, por meio de lei ordinária, instituir, extinguir ou modificar a natureza de contribuições.

Ponderando todos os argumentos, especialmente para reconhecer que não havia qualquer matéria de normas gerais em matéria tributável, o STF, em reunião plenária realizada em 28 de junho de 2018, reconheceu que são compatíveis com a Constituição Federal os dispositivos da Lei 13.467/2017 que extinguiram a obrigatoriedade da contribuição sindical e condicionaram o seu pagamento à prévia e expressa autorização dos filiados, afastando as Ações Diretas. Mais do que isto, como existia também pedido apresentado em ação declaratória de constitucionalidade, restou ainda afirmada a constitucionalidade do art. 1º da Lei, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho.

Evidentemente que tal posição jamais vai sepultar as discussões sobre as formas de financiamento das entidades e se tal mudança atingiu, de forma substancial ou não, a autonomia sindical. Mas, do ponto de vista formal, restou confirmada a já consolidada interpretação de que as contribuições especiais não exigiriam a maioria absoluta, bastando a edição de lei em sentido estrito para a disciplina dos seus aspectos tributários.

Irapuã Beltrão

* Professor, Procurador Federal e Doutor em Direito

Como citar e referenciar este artigo:
BELTRÃO, Irapuã. Destributarização da contribuição sindical e inexigência de lei complementar. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/destributarizacao-da-contribuicao-sindical-e-inexigencia-de-lei-complementar/ Acesso em: 19 abr. 2024