Direito Tributário

Notas sobre a natureza da relação jurídica que determina a obrigação de fazer/não fazer em matéria tributária

RESUMO

O presente artigo tem como escopo examinar a natureza da relação jurídica tributária que determina a obrigação de fazer/não fazer, no que tange ao debate do requisito de sua valoração econômica. O trabalho apresenta as diferentes concepções albergadas pela doutrina jurídica, tanto com base na categoria logico-jurídica, alicerçada na patrimonialidade do vínculo obrigacional, como na categoria jurídico-positiva, em que o objeto da relação pode ser ou não susceptível de avaliação econômica. O intuito é o de despertar para a importância desta investigação, tendo em vista a proliferação destas imposições criadas diariamente nos diversos âmbitos da administração pública.

Palavras Chaves: 1. relação jurídica tributária. 2. obrigação de fazer/não fazer. 3.dever instrumental. 4. obrigação acessória. 5.categoria logico-jurídica. 6.categoria jurídico-positiva

ABSTRACT

The purpose of the present work is to examine the nature of the tax legal relationship that determines the obligation of to do / not to do, in regard to the discussion of its economic valuationrequirement. This paper presents the different conceptions by the legal doctrine, based on the logicallegal plan, founded on economic nature, as in the legal-positive plan, wherein the object of the relationship may or may not be capable of economic assessment. The aim is to awaken to the importance of this investigation, in view of the proliferation of these rules daily introduced in several areas of public administration.

Keywords: 1. tax legal relationship. 2. to do/not to do obligation. 3. accessory obligation. 4. accessory tax obligation    5. logicallegal plan.   6. legal-positive plan.

SUMÁRIO

  1. Considerações introdutórias
  2. A necessária sintonia entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta
  3. A relação jurídica tributária
  4. A natureza jurídica do vinculo tributário estabelecedor do dever de fazer/não fazer

4.1. Categoria logico jurídica – patrimonialidade do vínculo obrigacional

4.2. Categoria jurídico-positiva

  1. Conclusões

Referências Bibliográficas

1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A necessária trilha na investigação e reflexão da natureza da relação jurídica que determina a obrigação de fazer/não fazer em matéria tributária assume importância na medida em que toma destaque a proliferação destas imposições criadas diariamente nos diversos âmbitos da administração pública. Por vezes, há que de dizer, esta disseminação ocorre sem a observância dos limites ao poder de tributar previstos na Constituição Federal e postulados normativos – sem dúvida alguma  matéria de grande interesse.

Ao determinar o quantum a ser recolhido pelo sujeito passivo o legislador realiza o principio da capacidade contributiva – elegendo elementos que indiquem sinal de riqueza tributáveis de acordo com o tamanho econômico do evento. Entretanto, ao elencar as obrigações de fazer/não fazer em matéria tributária, esmagadora maioria das vezes, o legislador ignora a necessária eleição de tais elementos, de modo que o evento não encontra proporcionalidade com a obrigação estatuída. Esta situação justifica a inquietação abordada como problema no presente artigo e a necessária investigação dos preceitos aqui abordados, mesmo que, neste momento, somente com o intuito de despertar para a necessidade de análise mais profunda.

Devido ao corte metodológico necessário a este artigo, esta análise toma início no pressuposto da necessária sintonia entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta, apresentado na sequencia a natureza jurídica do vinculo tributário estabelecedor do dever de fazer/não fazer, na concepção  logico-jurídica e jurídico-positiva do direito, no que tange ao debate do requisito de sua necessária valoração econômica.

Mesmo sem adentrar nas demais especificidades da obrigação tributária, o tema apresentado indiscutivelmente é relevante, seja sob o enfoque acadêmico, seja sob o aspecto da praticidade do direito, como norteador de uma estrutura tributária que tenha por meta atingir a justiça fiscal.

2 A NECESSÁRIA SINTONIA ENTRE A NORMA GERAL E ABSTRATA E A INDIVIDUAL E CONCRETA

Tendo em mente o Direito como conjunto de normas que visam conduzir as condutas humanas nos trilhos almejados pela sociedade, mister se faz a necessária sintonia entre a norma geral e abstrata e a  norma individual e concreta.

Como leciona o Prof. Paulo de Barros Carvalho “o direito posto, como conjunto de prescrições jurídicas, num determinado espaço territorial e num preciso intervalo de tempo, será tomado como objeto da cultura, criado pelo homem para organizar os comportamentos intersubjetivos, canalizando-os em direção aos valores que a sociedade quer ver realizados” [1].

Para o autor o direito se manifesta em linguagem com função prescritiva, no direito positivo, sendo esta linguagem objeto, e com função descritiva na Ciência do direito, apresentada como metalinguagem – ambas também correlacionadas.

O autor toma a linguagem segundo o princípio de auto referência do discurso, na linha das teorias retóricas. “A adoção desse princípio filosófico implica em ver a linguagem como não tendo outro fundamento além de si própria, não havendo elementos externos à linguagem (fatos, objetos, coisas, relações) que possam garantir sua consistência e legitimá-la”.

Tomado sobre este prisma a linguagem é imprescindível  ao direito, sem a qual este não existiria. O autor parte da decomposição lógico-semântica do fenômeno de incidência da regra tributária. Neste sentido, a Filosofia do Direito fornece subsídios para o aumento da capacidade de conhecimento do direito, vez que apresenta metologia racional, o que garante mais consistência ao saber jurídico – apresenta-se como instrumento apto para que o cientista do direito possa ter conhecimento racional deste.

Com base no entendimento de que a regra matriz de incidência deva apresentar o mínimo irredutível do deôntico para que seja conferida sua legalidade, e que a mesma só poderá influir na conduta social depois de transposta em linguagem competente, pela norma individual e concreta, que se aplica, por meio do cumprimento da obrigação de fazer/não fazer contribuinte, as condutas almejadas pela sociedade só podem ser efetivamente alcançadas se estas duas normas apresentarem escorreita reciprocidade.

Na mesma linha, de acordo com Robson Lins Maia[2], a relação jurídica somente se dá quando a RMIT (regra matriz de incidência tributária), norma geral e abstrata, passa por processo de positivação e atinge o nível das normas individuais e concretas. Na norma geral e abstrata tem-se os critérios para constituição das normas individuais e concretas. Na norma individual e concreta tem-se elementos que constituem a relação jurídica. Bastante clareadores este ensinamentos, no sentido de correlacionar ambas as normas.

Em Fundamentos Jurídicos da Incidência, Paulo de Barros Carvalho trata da norma individual e concreta que documenta a incidência tributária. De acordo com ele a norma geral e abstrata só atinge o comportamento humano, depois de vertida em linguagem competente, o que se dá somente na norma individual e concreta, em linha com a premissa de que “não se transita livremente do mundo do ‘dever-ser’ para o mundo do ‘ser’”. Daí a “imprescindibilidade” da norma individual e concreta para que o direito possa influir na orientação da conduta social, o que se dá com o processo de positivação das normas jurídicas, que parte da norma geral e abstrata (regra matriz de incidência tributaria) até alcançar a individual e concreta.

Dada à supremacia da Constituição Federal, enquanto norma fundamental, assim como concebido por Kelsen, cogente se faz a observância de seus mandamentos no processo de derivação da norma geral e abstrata. Neste sentido são os ensinamentos de Renato Becho[3]:

Destacamos a supremacia da Constituição dentro do ordenamento jurídico, que é referência permanente de toda a produção legislativa, de quaisquer corpos legislativos que se encontrem a ela submetidos. A supremacia constitucional firma a importante premissa de que a Constituição limita a competência dos legisladores infraconstitucionais.

Oportuno registrar também o relato de Regina Helena Costa[4] ao referir-se à necessária observância dos limites constitucionais na edição de normas tributárias.

A tributação, por sua vez, há de ser desenvolvida dentro dos balizamentos constitucionais, impondo-se a edição de leis tributárias com a observância dos princípios pertinentes, a adoção de uma conduta ética no exercício da fiscalização, a lisura dos procedimentos administrativos e a edição, pelo Fisco, de atos normativos nos estritos limites legais, entre outras providências.

Geraldo Ataliba[5], em sua obra Hipótese de Incidência Tributaria, relata a respeito dos milhões de comandos tributários complexos previstos no sistema jurídico.

Sabemos que não somos obrigados a obedecer a todos os milhões de comandos jurídicos em vigor. Na verdade, cada um de nós só é obrigado a obedecer aos mandamentos cujas hipóteses nos contemplem inequivocamente. Só quando uma hipótese legal colhe uma pessoa, é ela obrigada a obedecer ao respectivo mandamento. Com efeito, a estrutura da norma jurídica é complexa: não é simples, não se reduz a conter um comando pura e simplesmente.

Paulo de Barros Carvalho trata com bastante propriedade da proliferação da criação da norma individual e concreta pelo sujeito passivo. “Tem havido um crescimento significativo na participação dos súditos do Estado, instados a praticar uma série de expedientes para a produção de normas individuais e concretas nesse campo. A transferência de atividades relativas à apuração do débito tributário para a esfera dos deveres instrumentais ou formais do sujeito passivo, mediante severo controle da entidade tributante, tornou-se uma viva realidade dos nossos dias. A maior parte dos tributos, hoje, assim o no Brasil como em outros países que seguem o modelo do direito continental europeu, estão cometidos ao sujeito passivo da obrigação tributaria, cabendo-lhes estabelecer em fatos os eventos tributados, e relatar os dados componentes da relação jurídica” [6].

Também ao tratar desta necessária sinergia, Paulo de Barros Carvalho[7] ensina que a construção da norma aplicável requer tomar os sentidos dos enunciados prescritos no contexto do sistema de que fazem parte. A  norma jurídica jamais se encontra isolada.

Somente quando determinado fato individual e concreto se enquadrar perfeitamente no conceito abstrato da norma, ocorrerá a subsunção do conceito do fato ao conceito da norma, impondo uma adequada integração e interpretação do conteúdo normativo, aplicando-o corretamente, no tempo e espaço.

3. A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

Neste ponto de análise faz-se necessário apresentar, mesmo que brevemente, a conceituação de relação jurídica, visto ser esta a origem da obrigação de fazer/não fazer em matéria tributária, ponto que mais interesse a este artigo, dado o corte metodológico assumido no presente.

A relação jurídica pode ser tida como o liame que, face à imputação normativa, garante ao sujeito ativo o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo o cumprimento de certa prestação. Na interpretação de Carnelutti[8]a noção mais ampla e singela de relação jurídica é a de uma relação constituída pelo direito, entre dois sujeitos, com referência a um objeto”.

Desta breve conceituação depreende-se que os elementos estruturais desta relação jurídica são: a) os sujeitos ativo e passivo; b) o objeto; e c) o vínculo.

Com relação aos sujeitos a relação jurídica tributária é intersubjetiva, visto que só ocorre entres pessoas e nunca entre pessoas e objeto. Esta relação, que une dois sujeitos – ativo e passivo – será também sempre irreflexiva e assimétrica. Irreflexiva tendo em vista que  S’ estará sempre facultado, obrigado ou proibido perante S” – nunca perante si mesmo. Ninguém pode estar juridicamente consigo mesmo.[9] Assimétrica, visto que  S’R S”, implica sempre  S’”RcS’, ou seja, se S’ tem o dever de dar S” tem o direito de receber. X é pai de Y, não sendo possível a relação conversa.

É imprescindível, ainda, que exista um objeto e que o mesmo seja lícito, determinado ou determinável. O vinculo jurídico somente é estabelecido mediante lei, sem a qual não há que se falar em relação tributária – dado ao principio basilar da estrita legalidade em matéria tributária.

4.    A NATUREZA JURÍDICA DO VINCULO TRIBUTÁRIO ESTABELECEDOR DO DEVER DE FAZER/NÃO FAZER

De acordo com a classificação empregada por Hans Kelsen,  na ciência do Direito os conceitos podem ser divididos em dois planos, o lógico-jurídico ou o jurídico-positivo. No primeiro plano tem-se a norma hipotética, pressuposto de fundamento de validade de todo o sistema.

Ao abordar a categoria lógico-jurídica, José Souto Maior Borges[10] trata do pressuposto fundamental para a ciência jurídica, no qual se alicerceia este plano. 

São estes obtidos a priori, com validade constante e permanente, sem vinculação, portanto, com as variações do Direito Positivo. […] Os conceitos lógico-jurídicos constituem pressupostos fundamentais para a ciência jurídica. […] Correspondem, pois, à estrutura essencial de toda norma jurídica. Conseqüentemente, não são exclusivas de determinado ordenamento jurídico, mas comum a todos. Não são dados os conceitos lógico-jurídicos empiricamente, porque são alheios a toda experiência. São necessários a toda realidade positiva, efetivamente existente, historicamente localizada ou apenas possível, precisamente porque funcionam como condicionantes de todo pensamento jurídico.

Por outro turno, no plano jurídico-positivo, tem-se a constituição positiva, prevista no ordenamento jurídico. Estes conceitos somente podem ser obtidos empiricamente, após o conhecimento do  Direito Positivo, aplicável assim em um âmbito de validade restrito no espaço e no tempo. Um conceito jurídico-positivo é resultado da análise do direito positivo, ou seja, do conjunto de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis em determinado tempo e espaço. Tais conceitos apoiam-se na substancia concreta da norma jurídica.

A natureza jurídica do vinculo tributário estabelecedor do dever de fazer/não fazer, entre sujeito passivo e sujeito ativo, apresenta assim diferentes concepções, de acordo com o categoria em que é analisada. Dentro deste contexto a categoria logico-jurídica, alicerçada na patrimonialidade do vínculo obrigacional, denomina a obrigação de “dever instrumental” ou “dever formal”, já a categoria jurídico-positiva, em que o objeto da relação pode ser ou não susceptível de avaliação econômica, emprega a denominação  “obrigação acessória”.

4.1 Categoria lógico-jurídica

Para a corrente lógico-jurídica, que conta também com os ensinamentos do Prof. Paulo de Barros Carvalho[11], quanto ao objeto das relações jurídicas, parte que interessa neste estudo, o critério seletivo das espécies é o caráter patrimonial da prestação. O objeto da relação pode ser ou não susceptível de avaliação econômica.

Se o objeto for passível de avaliação econômica tem-se as relações jurídicas de cunho obrigacional, atinente ao pagamento do tributo.  Se o objeto não for passível de avaliação econômica, as relações jurídicas são não-obrigacionais ou “veiculadoras de meros deveres”.

Ainda em Curso de Direito Tributário, ao tratar das relações jurídicas tributárias, o Professor doutrina que “no conjunto de prescrições normativas que interessam ao Direito Tributário,  vamos encontrar os dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras, situadas no núcleo da norma que define o fenômeno da incidência – regra-matriz – e as outras, circumpostas a ela, para tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os deveres instrumentais ou formais”. Assim as relações jurídicas são divididas em obrigacionais ou não obrigacionais, conforme sejam ou não passíveis de avaliação econômica.

Nesta citada obra, critica a denominação obrigação acessória por entender não se tratar de obrigação – tendo em vista não ser esta passível de avaliação econômica, e porque, em determinadas circunstâncias ser esta exigida independentemente da obrigação principal, ou seja, se não há principal não  se pode falar em  acessória.

Para esta linha doutrinária a obrigação principal é a própria obrigação tributária, vez que passível de valoração econômica – atributo este que a difere das demais relações jurídicas.  “O centro de convergência do direito subjetivo, de que é titular o sujeito ativo,  e do dever jurídico cometido ao sujeito passivo, é um valor patrimonial, expresso em dinheiro, no caso das obrigações tributárias. Este, o sainete da categoria obrigacional, em confronto com as demais relações jurídicas, cujo objeto não é dimensível em proporções econômicas”[12].

Deste modo, de acordo com esta concepção, a obrigação que determina o dever de fazer/não fazer em matéria tributária, refere-se a  relação jurídica de cunho não-obrigacional, tendo sem vista não ser o seu objeto passível de avaliação econômica. Os deveres instrumentais são  “veiculadores de meros deveres”.

Apesar desta vinculação patrimonial à obrigação tributária, Aurora Tomazini Carvalho faz uma importante e oportuna ressalva com relação a obrigatoriedade da norma tributária, contenha ela ou não atrelamento econômico. “A despeito do forte potencial explicativo desta separação é importante ressalvar que todas as relações jurídicas, obrigacionais ou não, são obrigatórias, levando-se em conta a interdefinibilidade dos modais deônticos. Numa relação jurídica de índole não-patrimonial, a obrigatoriedade do sujeito passivo de cumpri-la é a mesma de uma relação de índole patrimonial, pois não susceptível de valoração econômica, e, neste sentido, caracteriza-se como não obrigacional”[13]. De acordo com os ensinamentos da autora o modal obrigatório que incide em ambos os casos é o mesmo, tendo ou não natureza patrimonial o vínculo.

4.2  Categoria jurídico-positiva

Retomando o quanto já foi tratado acima, no plano jurídico-positivo o conceito é resultado da análise do direito positivo, ou seja, do conjunto de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis em determinado tempo e espaço, tendo em vista que tais conceitos apoiam-se na substancia concreta da norma jurídica.

Para José Souto Maior Borges[14], a obrigação constitui uma categoria jurídico-positiva e, deste modo, cabe ao direito positivo deliberar sobre quais sejam os requisitos imprescindíveis à identificação de um dever jurídico como sendo de natureza obrigacional. Deste ponto de vista a patrimonialidade só será considerada imperiosa para a natureza da obrigação se a norma de direito obrigacional assim o prescrever.

A relação entre obrigação e dever jurídico não é uma relação entre espécie e gênero, mas uma relação entre forma e conteúdo. Porque o dever é uma categoria formal, estudada pela Teoria Geral do Direito, e a obrigação, uma categoria dogmática, estudada pelas disciplinas jurídicas particulares. Daí a possibilidade de falar-se – com pertinência ao objeto do estudo – de obrigações de Direito Civil, Comercial, Tributário, etc (…). Como a obrigação não é uma categoria lógico-jurídica, mas jurídico positiva, construção de direito posto, é ao direito positivo que incumbe definir os requisitos necessários à identificação de um dever jurídico qualquer como sendo um dever obrigacional. Significa dizer: a obrigação é definida, em todos os seus contornos, pelo direito positivo. Simplesmente, não há atributos ‘essenciais’ da obrigação. E que assim o fossem porque vinculados ao direito positivo.

Deste modo, a patrimonialidade só seria requisito da obrigação caso fosse este um pressuposto da norma de direito obrigacional. Portanto, não o sendo, a obrigação tributária independe de categoria patrimonial ou caráter econômico.

No mesmo sentido leciona Regina Helena Costa[15], respaldada na prescrição do Código Tributário Nacional, ao moldar o conceito de tributo. Em sua posição, o código emprega o conceito de obrigação como gênero, englobando tanto a obrigação principal, como a denominada por esta corrente de obrigação acessória.

Por primeiro, o Código Tributário Nacional moldou o conceito de obrigação tributária sem o requisito de patrimonialidade inerente à obrigação civilista, para contemplá-lo como gênero a comportar duas espécies: a obrigação que tem por objeto pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, e a obrigação que tem por objeto prestação de carácter não pecuniário.

Importante ressaltar neste ponto que a “obrigação acessória” tem existência autônoma, subsistindo ainda que afastada a obrigação principal – como acontece nos casos de imunidade ou isenção. “A ‘acessoriedade’ dessa obrigação, nos termos do Código, exsurge do fato de que o liame assim qualificado é estatuído para propiciar as efetivas fiscalização e arrecadação de tributo, objeto da obrigação principal, ainda que a situação fática específica não revele a exigência daquele”.

Concluindo, de acordo com a concepção jurídico-positiva a obrigação de fazer/não fazer em matéria tributária,  chamada de “obrigação acessória”, reveste-se do cunho de obrigação jurídica tributária e independentemente do atributo de patrimonialidade.

5.    CONCLUSÕES

1.    O estudo da natureza da relação jurídica tributária que determina a obrigação de fazer/não fazer assume importância na medida em que toma destaque a proliferação destas imposições criadas diariamente nos diversos âmbitos da administração pública.

2.    Tendo em mente o Direito como conjunto de normas que visam conduzir as condutas humanas nos trilhos almejados pela sociedade, mister se faz a necessária sintonia entre a norma geral e abstrata e a  norma individual e concreta. Isto porque as condutas almejadas pela sociedade só podem ser efetivamente alcançadas se estas duas normas apresentarem escorreita reciprocidade.

3.    A natureza jurídica do vinculo tributário estabelecedor do dever de fazer/não fazer, entre sujeito passivo e sujeito ativo, apresenta diferentes concepções, de acordo com o plano em que é analisado no direito. Dentro deste contexto o plano logico-jurídico, alicerçado na patrimonialidade do vínculo obrigacional, denomina esta obrigação de “dever instrumental” ou “dever formal”, já a categoria jurídico-positiva, em que o objeto da relação pode ser ou não susceptível de avaliação econômica, emprega a denominação  “obrigação acessória.

4.    Para a corrente lógico-jurídica, quanto ao objeto das relações jurídicas, o critério seletivo das espécies é o caráter patrimonial da prestação. Se o objeto for passível de avaliação econômica têm-se as relações jurídicas de cunho obrigacional, atinente ao pagamento do tributo.  Se o objeto não for passível de avaliação econômica, as relações jurídicas são não-obrigacionais ou “veiculadoras de meros deveres”. Deste modo, de acordo com esta concepção, a obrigação que determina o dever de fazer/não fazer em matéria tributária, refere-se a  relação jurídica de cunho não-obrigacional, já que seu objeto não é passível de avaliação econômica. Os deveres instrumentais são  “veiculadores de meros deveres”.

5.    Por outro turno, no plano jurídico-positivo, o conceito é resultado da análise do direito positivo, ou seja, do conjunto de regras e princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis em determinado tempo e espaço. A obrigação constitui uma categoria jurídico-positiva e, deste modo, cabe ao direito positivo deliberar sobre quais sejam os requisitos imprescindíveis à identificação de um dever jurídico como sendo de natureza obrigacional.  A patrimonialidade só será considerada imperiosa para a natureza da obrigação se a norma de direito obrigacional assim o prescrever – de modo que a chamada obrigação acessória reveste-se de caráter de obrigação tributária.

De todo posto, ciente do exatidão da expressão do Prof. Paulo de Barros Carvalho[16], de que não é fácil ajeitar a linguagem à nitidez do pensamento,  e influenciada também pelos ensinamentos de Villen Flusser[17], fica a consciência  de que estas linhas tem tão somente o alcance de despertar o pensamento, e assim o fazendo, um importante passo terá sido dado, na busca do conhecimento.

São Paulo, 25 de abril de 2017

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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_____. Direito Tributário, Linguagem e Método. 5ª ed.  São Paulo: Noeses, 2013, 1000 p.

 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, 472 p.

 LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 286.p

 

REMÉDIO ALECRIM, Eliza. Mestranda em Direito Constitucional e Processual Tributário  pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015-2017).



[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, fundamentos jurídicos da incidência. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[2] LINS, Robson Maia. Controle de Constitucionalidade da Norma Tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

[3] BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[4] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

[5] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência Tributária. 5ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1996.

[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 5ª ed.  São Paulo: Noeses, 2013.

[8] CARNELUTTI, Francesco.  Teoria Geral Del Derecho, trad. F.X. Osset, Madrid, 1955.

[9] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. 5ª ed.  São Paulo: Noeses, 2013.

[10] BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributária. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

[11] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[12] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[13] CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso Teoria Geral do Direito. São Paulo: Noeses, 2009.

[14] BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributaria (uma introdução metodológica). 2. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.

 [15] COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário – Constituição e Código Tributário Nacional. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, 472 p.

[16] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

[17] FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. São Paulo: Annablume, 2004.

A autor apresenta o propósito do trabalho, como sendo o de despertar o “pensamento”, a “conversação interna”, que faz evoluir o mundo.

Como citar e referenciar este artigo:
ALECRIM, Eliza Remédio. Notas sobre a natureza da relação jurídica que determina a obrigação de fazer/não fazer em matéria tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/notas-sobre-a-natureza-da-relacao-juridica-que-determina-a-obrigacao-de-fazernao-fazer-em-materia-tributaria/ Acesso em: 18 abr. 2024