Direito Tributário

Duas razões para regularização de ativos no exterior

Para as pessoas que mantem ativos sem declaração no exterior, a adesão ao recém-criado Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) se mostra extremamente favorável, basicamente por duas razões. Primeira, o Brasil está inserido na crescente e irreversível tendência mundial de praticar padrões de transparência e de troca de informações na área tributária, para evitar que as normas referentes a tributos, como impostos, contribuições, taxas etc., sejam descumpridas ou que pessoas e empresas se beneficiem de “brechas” para cometer atos ilícitos. E, segunda, tais medidas tendem a ser chanceladas pelo Poder Judiciário, onde prova disso é a recente jurisprudência oriunda do pleno do STF que validou o acesso da Receita Federal aos dados dos contribuintes mantidos em instituições financeiras ao criar forma de interseção entre o sigilo bancário e o sigilo fiscal.

O RERCT foi regulamentado em 11 de março deste ano pela a Receita Federal via Instrução Normativa nº 1627. A norma disciplina a forma de regularização de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País, em 31 de dezembro de 2014, que tenham sido ou ainda sejam proprietárias ou titulares de ativos, bens ou direitos em períodos anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que, nessa data, não possuam saldo de recursos ou título de propriedade de bens e direitos.

Assim, o RERCT é uma oportunidade criada pela Lei nº 13.254/2016 para as pessoas que remeteram ou mantiveram recursos, bens ou direitos no exterior (de origem lícita) sem terem feito a devida declaração ou com declaração incorreta/omissa, a fim de que agora elas possam resolver a situação, sendo necessário para isso que declarem quais foram os recursos, bens ou direitos omitidos, pagando imposto de renda e multa (30% no total) sobre os valores, e, recebendo, em troca, a dispensa dos demais tributos e multas que seriam devidos e a extinção da punibilidade dos crimes que praticaram.

Nota importante é que, para poder participar do RERCT, os recursos, bens ou direitos devem ter origem lícita, ou seja, a pessoa os auferiu sem cometer nenhum crime. Pessoas físicas que já foram condenadas criminalmente por crimes contra a ordem tributária; crime de sonegação fiscal da Lei nº 4.729/65; sonegação de contribuição previdenciária; falsificação de documento público (art. 297 do CP), falsificação de documento particular (art. 298 do CP), falsidade ideológica (art. 299 do CP) e uso de documento falso (art. 304 do CP); evasão de divisas nas suas três modalidades (art. 22, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.492/86); lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98), não poderão participar e se beneficiar do RERCT. No mais, indivíduos que, na data de publicação da Lei (14/01/2016) forem detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, tais como Prefeitos, Deputados, Senadores, não poderão aderir ao RERCT. Essa mesma proibição se estende aos cônjuges e parentes até 2º grau (consanguíneos, afins, por adoção).

O contribuinte que não incidir nestes impedimentos, deve considerar, portanto, a oportunidade de regularização levanto em conta o atual contexto de hipervigilância tributária que se espalha pelo mundo. Recentemente (08/2015) Brasil e Estados Unidos, firmaram acordo de cooperação intergovernamental (IGA), aprovado pelo Decreto nº 8.506 de 2015, para implementar o FATCA e melhorar a observância de preceitos tributários internacionais. O acordo prevê assistência mútua em assuntos tributários com base em uma infraestrutura eficaz para troca automática de informações.

O FATCA é uma lei federal norte americana, de conformidade tributária, para contas estrangeiras, a qual deve ser aplicada por instituições financeiras em escala mundial, as quais devem controlar e reportar às autoridades fiscais dos EUA informações relativas a pessoa física ou jurídica norte-americana, ou relativas àquele que tenha indício de assim ser. O descumprimento abre a possibilidade de os Estados Unidos tributarem, em 30%, os valores remetidos de seu território a essas instituições financeiras estrangeiras.

Em apertada síntese, o Acordo, que foi firmado reciprocamente, estabelece que deverão ser coletadas e reportadas informações referentes a saldos em contas no último dia útil do ano, rendimento anual bruto pago ou creditado, além de receitas de juros, dividendos e de outras receitas creditadas às contas, ou seja, tanto o Fisco Americano enviara informações sobre contas, ativos, ou valores de brasileiros, quanto a Receita Federal, enviara tais informações ao IRS (Receita Federal Norte Americana).

Neste cenário, ainda que o residente brasileiro não declare bens ou valores a Receita Federal brasileira, poderá ser identificado e sofrer as consequências tributarias e/penais, caso o IRS, envie tais informações ao Brasil, por conta da formalização do IGA.

No mais, é preciso destacar ainda que o Brasil aderiu ao Fórum Global para Transparência e Troca de Informações Tributárias órgão criado no contexto dos trabalhos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE para enfrentar os riscos à conformidade tributária gerados pelos paraísos fiscais, nos quais estão os países do G20 – reunião das 20 maiores economias avançadas e emergentes, que conta atualmente com 127 membros, além de incluir, também, países observadores.

Frise-se que, que na 9ª reunião de cúpula do G-20, na Austrália em 2014, que os países do Grupo apresentaram planos concretos para implementar a troca automática de informações, com prazos que variam entre 2017 e 2018. O Brasil pretende iniciar a troca automática de informações até setembro de 2018. Para isso, o Congresso Nacional deverá aprovar a Convenção Multilateral sobre Cooperação Administrativa para Troca de Informações Tributárias da OCDE (“Convenção da OCDE”), assinada pelo Brasil na Cúpula de Cannes, em 2011. A troca automática de informações já é algo comum na legislação da União Europeia. Da mesma forma, o Foreign Account Tax Compliance – FATCA dos Estados Unidos tem intenção semelhante e estende essa prática a mais de 50 jurisdições.

No mais, cresce o Poder da Receita Federal, no que se refere ao acesso aos dados bancários dos contribuintes, independente de autorização judicial. Em fevereiro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento conjunto de cinco processos que questionavam dispositivos da Lei Complementar (LC) 105/2001, que permitem à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial. Por maioria de votos – 9 a 2 –, prevaleceu o entendimento de que a norma não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros. A transferência de informações é feita dos bancos ao Fisco, que tem o dever de preservar o sigilo dos dados, portanto, segundo o STF, não há ofensa à Constituição Federal.

Nessa linha, o que se nota é uma clara tendência em se limitar cada vez o sigilo das operações financeiras e nas questões que envolvam a manutenção de ativos, bens ou valores no exterior sob extremo sigilo, é inegável que após a crise de 2008-2009, a evasão fiscal tornou-se moralmente indefensável e transparência é imprescindível em todas as áreas, inclusive nas finanças.

Por Átila Melo Silva, sócio do Castilho & Scaff Manna Advogados

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Átila Melo. Duas razões para regularização de ativos no exterior. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/duas-razoes-para-regularizacao-de-ativos-no-exterior/ Acesso em: 28 mar. 2024