Cofins – Conteúdo e alcance da decisão proferida no RE 357950-RS
Kiyoshi Harada*
A decisão tomada pelo STF considerando inconstitucional o alargamento da base de cálculo da Cofins de faturamento bruto para a receia bruta já era, de certa forma, esperada.
Comentando a declaração de inconstitucionalidade da contribuição incidente sobre a remuneração paga aos parlamentares, no julgamento do RE nº 351.717, Rel Min. Carlos Velloso , em sessão de 8-10-2003, afirmamos:
‘De certa forma o Plenário do STF já sinalizou no sentido da inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.718/98, que alterou a base de cálculo da PIS/Cofins de faturamento para receita bruta , ao decretar a inconstitucionaldiade da contribuição previdenciária incidente sobre a remuneração paga aos parlamentares, instituída pela Lei nº 9.506/97, que introduziu a alínea h ao inciso I do art. 12 da Lei nº 8.212/91. Entendeu aquela Alta Corte de Justiça que ao criar nova figura de segurados obrigatórios, criou nova fonte de custeio da seguridade social, o que, ao teor do § 4º do art. 195 da CF, só poderia ser objeto de implementação por lei complementar. Da mesma forma, nova contribuição fundada em receita bruta , não mais em faturamento , implica nova fonte de custeio da seguridade social a exigir a formalidade de lei complementar’ (Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 14ª edição. São Paulo: Atlas, 2005, p. 351).
No julgamento do RE nº 357950 de que foi Rel. o Min. Marco Aurélio, realizado no dia 9-11-2005, foi declarada a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1988, por maioria de votos (6 x 4), vencidos em parte os Ministros Cezar Peluso e Celso de Mello, que declaravam também a inconstitucionalidade do art. 8º (elevação da alíquota para 3%) e, ainda, os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e Nelson Jobim (Presidente) que negavam provimento ao recurso.
Prescreve o art. 3º da lei sob exame:
Art. 3º- O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas’.
O texto constitucional, em sua redação original, somente autorizava a instituição de contribuição social ‘dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro’ (art. 195, I da CF).
Somente com o advento da Emenda Constitucional nº 20, de 15-12-1998, é que passou a ser permitida a instituição de contribuição sobre a ‘receita ou o faturamento’ (art. 195, I, b da CF). A conjunção alternativa ‘ ou ‘ deixou clara tratar-se de coisas diferentes deixando ao legislador ordinário a opção entre uma e outra.
A Corte Suprema acolheu a doutrina majoritária, no sentido de que a recepção é um princípio de continuação, ou seja, direito não conflitante com a ordem constitucional antiga continua valendo sob a nova ordem que o recepciona no que não lhe for contrário. Cumpre apenas lembrar que a jurisprudência do STF não admite o controle concentrado (Adin) de determinado dispositivo legal, à luz da ordem constitucional que não mais vigora. O voto minoritário, ao que tudo indica filiou-se à outra corrente doutrinária, que busca na nova ordem constitucional o fundamento de validade da lei impugnada na vigência do texto constitucional antecedente. Dispositivo declarado inconstitucional fica apenas com a eficácia suspensa, por Resolução do Senado Federal, o que difere de norma inexistente. Cessada a causa dessa suspensão, cessa-se o efeito, isto é, a norma readquire a eficácia.
A decisão da Corte Suprema traz reflexos imediatos nas duas contribuições sociais: a Cofins e o Pis/Pasep. Enseja situação de repetição do tributo pago a mais, representado pela tributação da receita bruta, assim entendida toda receita auferida pelo contribuinte que não seja faturamento de bens ou serviços, como os rendimentos de alugueres e de aplicações financeiras. Não se trata de invalidar toda a tributação, mas apenas parte dela. É o que se depreende do pronunciamento de inconstitucionalidade limitada ao § 1º do art. 3º retrotranscrito.
A restituição/compensação das diferenças dessas contribuições recolhidas a mais, com fundamento na nova base de cálculo, perdura até as datas das respectivas leis que adequaram o aspecto quantitativo do fato gerador desses tributos ao novo texto constitucional introduzido pela Emenda Constitucional nº 20/98.
Em relação a Cofins o período abrangido pela restituição/compensação vai desde 1º-02-1999 (art. 17 da Lei nº 9.718/98) até 30-01-2004, pois a Lei nº 10.833/03 é fruto de conversão da MP nº 135, de 30-10-2003, que alterou a base de cálculo da Cofins e entrou em vigor noventa dias após a data de sua publicação.
Em relação ao PIS o período de restituição/compensação vai desde 1º-02-1999 (art. 17 da Lei nº 9.718/98) até 30-11-2002, pois a partir de 1º-12-2002 passou a vigorar a nova base de cálculo estabelecida pela MP nº 66, de 29-08-2002 (art. 63) que se converteu na Lei nº 10.637, de 30-12-2002.
Mas, não é só. A natureza transitória da decisão da Corte Suprema não tem aplicação para todos os contribuintes, mas apenas àqueles contribuintes do PIS/Pasep e da Cofins sujeitos ao regime não-cumulativo (alíquotas de 1,65% e 7,6%). Para os que continuam no regime antigo (alíquotas de 0,65% e 3%) a inconstitucionalidade da nova base de cálculo ainda persiste. Senão vejamos.
O art. 1º da Lei nº 10.833/03 definiu o fato gerador e a base de cálculo da Cofins não-cumulativa, nos seguintes termos:
‘Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com a incidência não-cumulativa , tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria e dotada as demais receitas auferida pela pessoa jurídica‘.
Resulta claro que o alargamento da base de cálculo de conformidade com o permissivo constitucional (EC nº 20/98) ocorreu apenas em relação à Cofins de incidência não-cumulativa, tanto é que o art. 10 dessa lei manda observar a legislação anterior em relativamente aos contribuintes não alcançados pelo novo regime não-cumulativo:
Art. 10. Permanecem sujeitas às normas da legislação da COFINS, vigentes anteriormente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 8º.
I – as pessoas jurídicas referidas nos §§ 6º, 8º e 9º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 1998, e na Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983;
II – as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado;
III – as pessoas jurídicas optantes do SIMPLES;
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XXV – as receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes das atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso, bem como de análise, programação, instalação, configuração, assessoria, consultoria, suporte técnico e manutenção ou atualização de software, compreendidas ainda como software as páginas eletrônicas’.
Em todas as hipóteses elencadas no art. 10 não se aplica o art. 1º da Lei nº 10.833/03, que definiu a nova base de cálculo da Cofins. Isso está afirmado com todas as letras.
Da mesma forma, a Lei nº 10.637/02 veio definir a nova base de cálculo do PIS/Pasep nos seguintes termos:
‘Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta de venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica’.
A leitura isolada deste texto pode conduzir à equivocada idéia de que houve alteração da base de cálculo dessa contribuição de forma generalizada, pois ao contrário da lei da Cofins, esta lei não se refere, expressamente, à incidência não-cumulativa do PIS/Pasep.
Entretanto, o seu art. 8º praticamente tem a mesma redação que veio a ser dada pelo art. 10 da Lei nº 10.833/03 ao prescrever:
Art. 8º Permanecem sujeitas às normas da legislação da contribuição para o PIS/Pasep, vigentes anteriorrmente a esta Lei, não se lhes aplicando as disposições dos arts. 1º a 6º:
I – as pessoas jurídicas referidas nos §§ 6º, 8º e 9º do art. 3º da Lei nº 9.718, de 1998, e na Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983;
II – as pessoas jurídicas tributadas pelo imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado;
III – as pessoas jurídicas optantes do SIMPLES;
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VIII – as receitas decorrentes de prestação de serviços de telecomunicações’.
Concluindo, os contribuintes sujeitos ao regime de tributação não-cumulativo da Cofins e do PIS/Pasep (alíquotas de 7,6% e 1,65%) fazem jus à repetição/compensação das diferenças a mais, recolhidas nos períodos retroapontados.
As pessoas jurídicas não sujeitas ao regime não-cumulativo (alíquotas de 3% e 0,65%), dentre as quais, aquelas sujeitas à tributação do imposto de renda pelo regime de lucro presumido ou arbitrado, ou optante do SIMPLES, a eiva de inconstitucionalidade pronunciada pelo STF perdurará até que nova legislação venha dispor, expressamente, sobre a base de cálculo estabelecida na forma permitida pela EC nº 20/98. Além do direito de repetição/compensação da diferença paga a mais estarão, daqui em diante, desobrigadas do recolhimento dessas contribuições sobre a receita bruta que não espelhe o faturamento de bens e serviços.
SP, 14.11.05.
* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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