Direito Tributário

Os limites ao poder de tributar – O princípio da progressividade no tempo – Breves considerações

 

Áreas do Direito: Direito Tributário. Direito Constitucional. Direito Público.

 

Resumo: Pensando nos modos que vêm se comportando nossos Legisladores quanto à criação e majoração de tributos, e como tais condutas afetam diretamente os cidadãos em sua dignidade, sejam estes contribuintes, ou seja de modo indireto/reflexo por questão de ordem econômica, decidimos expor alguns pensamentos a respeito do princípio da progressividade no tempo como limitador ao poder de tributar, previsto em nossa Lei Magna.

 Abstract: Thinking of ways that our legislators have been behaving as the creation and increase of taxes, and how these behaviors directly affect citizens in their dignity, whether taxpayers, or indirectly as a matter of economic nature, we decided to present some thoughts about the principle of progressivity in time as limiting the power to tax provided for in our Constitution.

Palavras Chaves: Princípios. Limites ao poder de tributar. Tributos. Constituição.

Keywords: Principles. Limits the power to tax. Taxes. Constitution.

Sumário: Introdução.I. Os Limites ao Poder de Tributar – O Princípio Da Progressividade no Tempo – Breves Considerações.Conclusão. Referência.

I – OS LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR – O PRINCÍPIO DA PROGRESSIVIDADE NO TEMPO – BREVES CONSIDERAÇÕES

Nosso Constituinte originário de 5 de outubro de 1988, conhecedor da historia e dos governos que se sucederam neste honroso país, houve por bem estabelecer na Constituição Federal, normas dirigidas ao próprio Estado, normas que encerram ou princípios (sejam implícitos ou explícitos), ou regras ou mesmo ambas, quanto ao poder de tributar.

Pode-se dizer, em apertada síntese, que tais normas, como  princípios, trazem elementos que revelam uma diretriz a ser seguida pelo Estado, traçam comandos de natureza diretiva e programática, pelo qual se almeja uma finalidade, podendo ser mais mediata ou imediata. Como regras, encerram comandos de maior concreção, trazem fins mais imediatos e, da mesma forma, devem ser seguidas pelo Estado. Entretanto, todos encerram valores intransigíveis  e impreteríveis a serem atingidos.

Tais normas, salientemos, afetam diretamente a competência tributária do ente federativo, estabelecendo limites; sejam limites de ordem material, temporal, espacial, quantitativos, pessoal ou circunstancial.

Diz-se que tais regras e ou princípios, sendo constitucionais, assumem posição suprema sobre qualquer outro que venha a ser estabelecido, eis a lógica de um ordenamento jurídico de matiz positiva (a importância imanente da hierarquia das normas, sem a qual não haveria sistema de direito, pois seria impossível apontar-se o fundamento de validade de qualquer norma), de modo que há uma hierarquia normativa escalonada.

Inda, há casos que alguns princípios, embora detenham patamar constitucional, uns hão de sobrepor-se a outros, mas falamos aqui de princípios de mesma hierarquia normativa constitucional. A guisa de exemplo deste caso último, podemos citar os princípios/regras da anterioridade, previsibilidade, não confisco, capacidade econômica, pessoalidade etc.

Insta dizer que princípios há que, não obstante não sejam tratados expressamente, quer dizer, não sejam escritos de forma expressa,  fazem parte da razão de ser do próprio direito, ou são fundamentos da existência das próprias regras ou de outros princípios, e estão no ordenamento jurídico, tais princípios são nomeados de sobreprincípios, dos quais os princípios ou subprincípios advém, de modo que para implementação daqueles sobreprincípios, este princípios existem; e.g. citemos o sobreprincípio da Justiça, Liberdade e da República, dos quais advém os princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, devido processo legal, certeza do direito, legalidade, irretroatividade, propriedade privada, livre concorrência, progressividade dos tributos etc.

Todos, entretanto, de obrigatória observância. Digo de observância obrigatória pela razão simples de serem normas ocupantes do ápice do sistema jurídico. Por estarem na Lei Fundamental são, desta forma, o fundamento de validade de toda e qualquer comando jurídico tributário que venha a ser criado. A norma fundamental que no caso nosso seria nossa Constituição Federal, dá fundamento de validade a qualquer norma criada, de modo que o órgão, ente federativo ou processo ou ainda qualquer instrumento venha criar ou alterar uma norma dentro do ordenamento jurídico, deve estar em consonância com as normas constitucionais que indicam a forma de criação destas regras. E tal importância, já se revelará.

Pois, embora tais sobreprincípios e princípios sejam normas gerais e abstratas (e dotadas de indiscutível relevância, saliente-se), e sejam as normas individuais e concretas que tocarão diretamente o indivíduo, criando ou induzindo na sociedade um comportamento, é justamente neste instante que a norma deve ser analisada e avaliada. Sua análise irá para além de sua estrutura positivada, deve ela ser considerada em sua posição lógico-sistemática (ante a hierarquia e a coordenação das normas), não bastando sua análise puramente pragmática.

O fenômeno consubstanciado em a norma deixar os domínios do mundo do abstrato e adentrar no mundo concreto, fático, criando ou modificando os delineamentos dos processos histórico-sociais, não pode violar ou deixar de lado os sobreprincípios e princípios que buscam efetivar-se como valores concretos.

Quer-se dizer que, ainda que uma lei seja criada e institua-se um tributo e que sua norma (regra) matriz esteja sem algum vício estrutural (seja formal ou material), esta norma poderá estar violando regras ou princípios superiores aos quais deve submeter-se.

Diz-se anteriormente que à análise da norma não basta seu enfoque na estrutura formal, é necessário que se vá avaliar, primeiro, seus pressupostos de validade sistêmico-constitucional e, ao fim, o efeito pragmático que produzirá, posto que os princípios estejam dispostos de forma a que o legislador lhes preste obediência para atingir os fins e concretizar valores por eles traçados.

Os valores que os (sobre)princípios esquematizam devem ser, como vimos dizendo, observados. Verifiquemos a questão mais de perto.

Numa análise superficial a norma padrão tributária aparentemente pode não violar ‘formalmente’ a vedação de confisco, e.g., e a análise do critério quantitativo da norma esteja em ‘conformidade’ com o valor do objeto tributado.

Nos termos acima propostos, a continuidade da análise sistêmica e pragmática do elemento quantitativo revelará outro resultado. Sob o enfoque valorativo finalístico de certos princípios que coexistam (paralelamente) ao não confisco, v.g., o livre desenvolvimento econômico da pessoa e a dignidade da pessoa humana (posto que a natureza pragmática do tributo, qual seja, abastecer a fazenda pública para dar meios orçamentários ao Estado para cumpra seus objetivos), está intimamente relacionada não apenas à norma isoladamente considerada, mas ao efeitos econômico-sociais que ela produz. De modo que, a norma/regra antes aparentemente coesa com a forma de sua criação e seus elementos típicos (conjunto dos elementos descritivos da regra tributária), quer dizer, a regra tributária que tenha todos seus elementos (i.e., regra de incidência tributária completa), poderá estar violando indiscutivelmente a Constituição Federal (princípios constitucionais ou princípios constitucionais de direito tributário).

Neste valioso momento é que devemos rememorar a existência de dois princípios não escritos nomeado: Força normativa da Constituição e o da Máxima efetividade das normas constitucionais. A força normativa da Constituição refere-se à efetividade plena das normas existentes na Constituição (vide Konrad Hesse), de modo que as normas Constitucionais são revestidas de um mínimo de eficácia, de forma que suas normas contenham e imprimam um comando (dever ser) à sociedade, mas estas normas existem conexas com a realidade jurídica do Estado, quer dizer, dentro destas normas a realidade social está em seu conteúdo. Isto quer dizer que a norma Constitucional não apenas impõe uma conduta à sociedade (comportamento político e social da sociedade), mas esta conduta prevista no âmago da Constituição está de acordo com a própria realidade da sociedade.

Por sua vez, o princípio da máxima efetividade das normas  constitucionais, refere-se à abrangência das normas, a eficácia das normas da Constituição seja plena, a mais abrangente possível.

Sua implementação se deve à boa análise do direito, tanto  pelos órgãos competentes para criar ou modificar a norma (fontes do direito) quanto daqueles devotados à trazer de volta a harmonia do ordenamento jurídico abalado por um comando dismorfo.

Vale dizer ainda, que os primados da vontade de constituição tão bem delineada por Konrad Hesse, devem andar de mãos atadas à exegese de todo o direito.

É neste mesmo espírito de pensamento que, agora, nos dirigimos ao objeto de nossas elucubrações, o princípio da progressividade no tempo.

Certo é que, para entendermos a posição do princípio referido, convém tecer algumas notas sobre três sobreprincípios, aos quais ele se relaciona. O da Certeza do Direito, o da Liberdade e da Justiça. 

É de causar espécie a vultuosidade de violações que se têm notícias destes sobreprincípios. A Certeza do Direito requer plena obediência, eis que o comando jurídico criará uma conduta a ser seguida pelo cidadão e, este, sujeito ao qual a norma se dirige, tem o pleno direito de saber o conteúdo e alcance do comando, em todos os seus pormenores, inclusive o direito de que as leis não mudem de um momento para outro e lhe tomem de assalto. É também a certeza concernente à previsibilidade dos efeitos e alcance do novo comando (direito), com antecedência, para não ser pego de surpresa. Eis aí o dever do Estado em não tomar o cidadão de súbito, na calada da sombria noite na qual todos dormem menos o legisladores que se reúne a portas fechadas para criar novas regras, como não raro se faz na transição do dia trinta e um de dezembro para o novo ano, e tantos outros expedientes afins.

O segundo, Liberdade, é, além de princípio, direito fundamental, atrelado ao ser humano pela sua própria razão de ser e existir. A liberdade manifesta-se pela própria necessidade do indivíduo em desenvolver-se como ser humano, suas capacidades e características (de ser racional, emotivo, criador, evolutivo, lúdico, espiritual, questionador, sociável etc.). A Liberdade anda de mãos dadas com o sobreprincípio Republicano e seus desdobramentos.

A Liberdade, pode-se dizer, revela-se no nosso ordenamento por meio dos direitos fundamentais de alto grau como a liberdade de locomoção, de associação, de reunião, manifestação do pensamento. Entendemos ainda que o direito à propriedade privada é direito fundamental que, além de advir do sobreprincípio da Justiça, é também direito que advém da Liberdade, posto que a Liberdade, em sua expressão econômica, isto é, a liberdade de o indivíduo poder exercer trabalho, desenvolver-se economicamente, possuir bens materiais, pressupõe a liberdade (ou tem como consequência a de ele possuir propriedade, caso queira).

A Justiça é sobreprincípio que muitos já o elevam à categoria de sobreprincípio fundamental. Ele se realiza quando outros princípios ou sobreprincípios (como os preditos) são efetivados. Este princípio, além de universal, consta do preâmbulo de nossa Lei Maior; e como bem salienta o douto Paulo de Barros Carvalho, está ele penetrando as unidades normativas do ordenamento.

É nesta valoração dos aludidos sobreprincípios que se descobre o princípio da progressividade dos tributos.

A progressividade não está limitada a mero elemento quantitativo do tributo ou mera técnica tributária. A progressividade, assim como a capacidade econômica, vincula o ente tributante na medida em que deve observar a Certeza do Direito, a Liberdade e a Justiça, na criação e majoração dos tributos.

Para nós, reforçamos, a progressividade não se limita apenas ao critério quantitativo do tributo (alíquota que evolui gradativamente em relação à base de cálculo), a progressividade possui outra face, sua face temporal, isto é, a progressividade no tempo (temporal).

Toda atuação do Estado, mormente a criação e majoração de tributos, deve respeitar o elemento tempo como parte de sua atividade tributante (ou fiscal).

Não é impróprio dizer que o elemento tempo permeia a própria ideia de ordem jurídica, vez que está intimamente vinculada ao nascimento dos direitos, da eficácia da norma, da modificação ou extinção de direitos e obrigações, do uso das exceções ou das ações.

De forma mais próxima, corriqueiramente enfrenta-se a questão quanto ao tributo sobre a propriedade móvel e ou imóvel (IPTU, IPVA, ITR). Tomemos o IPTU. Tal imposto, diga-se claramente, além de atender o princípio da capacidade econômica do contribuinte, deve atender o princípio da progressividade.

A lamentável desairosa prática que as municipalidades vêm implementando é valer-se de critérios mecanicamente econômicos (ou presuntivamente econômico) com intuito de justificar aumento expressivo da base de cálculo e das alíquotas do tributo.

A municipalidade, ao argumento de déficit monetário do valor dos imóveis em relação à inflação (ou preço de mercado), e também sob argumento de necessidade ou déficit de arrecadação, reajusta o valor da base de cálculo, e por vezes também das alíquotas (a base de cálculo é sempre o valor venal do imóvel, disciplinado no plano diretor do município, onde se fixa tal valor).

Não é incomum as municipalidades deixarem passar anos (três ou quatro anosas vezes) sem qualquer modificação (reajuste) da norma tributária, quer dizer, do critério quantitativo do imposto (valor da base de cálculo e ou das alíquotas), de forma que, quando o faz, motivada em considerar na alteração da lei, a soma daquele “déficit” de todos os anos passados (ou mesmo o déficit de arrecadação que não rara vez é filho de um obscurantismo administrativo), elevando, num único momento, a carga tributária a ser suportada pelo sujeito passivo (‘contribuinte’).

Conforme vimos alinhavando a respeito dos sobreprincípios e limitações ao poder de tributar, se assim podemos dizer, não temos dúvida de que referida prática do ente que tenha competência tributária (município, no caso), diverge da vontade da Constituição da República, desrespeitando os Sobreprincípios.

Em outros termos, a majoração de um tributo, e.g., o IPTU, não pode se daquela forma predita, acumulando um “deságio do tributo ao longo dos anos” (como se isso pudesse acontecer), vir a ser, base de calculo ou alíquota, majoradas e cobradas em violação à Previsibilidade, Certeza do Direito, Justiça e Liberdade, não dando aplicabilidade máxima à Progressividade no Tempo, tão necessária para a implementação daqueloutros sobreprincípios e princípios.

O fator tempo, cremos, é elemento intrínseco ou mesmo princípio que rege não apenas a eficácia da norma (ou como elementos circunstanciais), mas também os elementos internos, como os critérios quantitativos na norma tributária, dando eficácia aos demais princípios e sobreprincípios. De modo que o fator tempo delineado pelo princípio da Progressividade no Tempo, é verdadeiro limite ao poder de tributar.

Sendo limite ao poder de tributar, direciona a atividade do ente competente (do legislador tributário) quanto à criação ou alteração de tributos, devendo obedecer não apenas formalmente uma regra temporal expressa, mas o referido princípio e, assim, respeitar a vontade de constituição, que é a eficácia de uma norma constitucional conexa e de acordo com a própria realidade da sociedade.

Não é muito dizer, ainda que de passagem, que estas normas são dirigidas ao Estado, à própria fonte do direito, quer dizer, que são normas que regulam a criação de normas.

E os limites são justamente estabelecidos para se atingir determinado fim, qual seja, a implementação dos valores protegidos pelos princípios e demais regras jurídicas Constitucionais.

A prática corriqueira dos entes tributantes de majorar tributos conforme anteriormente dito, viola a própria finalidade do tributo (e do próprio estado), que não é arrecadatória, mas justificada pela necessidade social, de cuidar do bem-estar da nação. Lembrando que o conceito de welfare state,  é conceito de governo em que o estado desempenha papel fundamental na proteção e promoção do bem-estar econômico e social dos cidadãos, baseando-se nos princípios da Igualdade de Oportunidades, da Distribuição Equitativa da Riqueza etc.

De modo que Constituição Federal traça diretrizes (regras e princípios) ao Administrador Público (que acaba confundindo-se com os entes tributantes), para bem gerir o estado (tanto o patrimônio quanto a ‘máquina’ estatal), a respeito das finanças públicas (sem esquecermos o princípio da Moralidade Administrativa). Enfim.

A respeito da progressividade no tempo, temos a seguinte positivação constitucional:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

I – propriedade predial e territorial urbana;

(…)

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000)

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel

(…)

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

§ 1º – O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 4º – É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

II – CONCLUSÃO

Embora não houvesse a necessidade de positivar o princípio, vez que faz parte da concreção dos Sobreprincípios e Princípios constitucionais como vimos, ou ainda, expressá-lo, o Poder Constituinte o fez. Desta positivação constitucional podemos chegar a algumas conclusões.

Primeiro, que a progressividade no tempo fora positivada pelo Constituinte. Sendo assim, não há se falar em ausência de previsão normativa escrita.

Segundamente, que a progressividade é impositiva a qualquer tributo, e não apenas ao IPTU, a não ser que haja exceção expressa pela própria Constituição (exceções devem ser expressas, não se presumem).

Em terceiro lugar, no caso do IPTU (e cremos que em outros tributos também), o texto constitucional ao declarar “… poderá …”, não está dando ao ente tributante uma recomendação ou uma opção, mas, a exemplo do artigo 145, parágrafo 1º, 1ª parte, da Lei Maior (que diz “sempre que possível”, a respeito da capacidade econômica do contribuinte), impõe ao legislador que, sempre que haja alteração da base de cálculo do IPTU, ou que essa base de cálculo seja variante, ie., que haja multiplicidade do valor conforme o imóvel (eis que a base de cálculo é criada pelo legislativo municipal pelo referido plano diretos, assim como a alíquota), deverá tanto ela quanto a alíquota ser progressiva, mesmo por causa do princípio da igualdade e da capacidade econômica.

Em quarto e último lugar, podemos afirmar que a sentença: Sem prejuízo da progressividade no tempo…”, quer dizer que a progressividade no tempo é da natureza do tributo, ainda que sobre o imóvel já haja uma progressividade relacionada à sanção pelo mau uso da propriedade. Assim, não importa se há a progressividade sanção incidindo sobre o imóvel, a progressão do IPTU deve ser observada (e cremos que em outros tributos também).

Se é facultado ao poder público criar uma sanção progressiva pelo mau uso do imóvel, não se lhe faculta, todavia, a observação da progressividade tributaria no tempo, pois é impositiva, é uma limitação ao poder de tributar.

Não é muito dizer que o IPTU é tributo incidente sobre a propriedade de um bem imóvel, e que esta propriedade se prolonga no tempo, saindo da esfera do sujeito passivo ordinariamente apenas em caso de alienação. Por tal razão, o IPTU é daqueles tributos que incidem de modo repetitivo, i. e., se sucede no tempo enquanto perdurar a propriedade (o que atrai também o não confisco pelo fator tempo).

A progressividade no tempo como princípio junge-se à capacidade econômica e a pessoalidade do tributo, princípios de observância obrigatória para dar eficácia aos sobreprincípios já relacionados.

A alteração da base de cálculo (ou seja, o valor venal do imóvel) deve também respeitar a progressividade, pois é parte integrante do tributo e se submete à certeza do direito, à previsibilidade etc. A progressividade no tempo deve ser respeitada, deve o ente tributante submeter-se aos princípios já elencados sob pena de terrível inconstitucionalidade.

Desta feita, para nós, por fim, embora uma norma possa ser objeto de análise isolada como componente do subsistema jurídico, deve ela ser observada, sempre, sob a luz dos Sobreprincípios, Princípios e Regras constitucionais para que sua criação e exegese seja coesa. Da mesma forma sua dimensão pragmática impõe uma análise mais ampla de seus efeitos concretos na sociedade, sem a qual não estará completa, há de ser respeitada a vontade de constituição.

Onde há possibilidade de tributação, e este sendo um poder do Estado, e se o cidadão deve obediência ao direito, deve o ente tributante observar primeiro o próprio fim do Estado, que é o bem-estar de seus cidadãos constituintes, entalhado nas vértebras constitucionais do ordenamento jurídico; deve respeito aos limites ali estabelecidos, não podendo, justamente por estes elevados e soberanos valores, fazer surgir tributos com preocupações meramente arrecadatórias.

São por estas breves considerações que entendemos serem tais comportamentos dos entes federativos tributantes que aviltam tais princípios constitucionais, agressores do sistema constitucional tributário, normas com patente deformidade congênita.

Muito ainda se poderia dizer, inclusive a respeito dos princípios e regras regentes do orçamento público, mas pela finalidade destes breves comentários, encerraremos aqui, por enquanto, nossas observações.

Referencia:

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RIBEIRO, Marcus Vinicius. Direitos humanos e fundamentais. Campinas: Russel, 2007.

 

Elvis Rossi da Silva – Advogado, Especializando em Direito Tributário, Especialista em Direito Civil e Processual Civil

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Elvis Rossi da. Os limites ao poder de tributar – O princípio da progressividade no tempo – Breves considerações. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/os-limites-ao-poder-de-tributar-o-principio-da-progressividade-no-tempo-breves-consideracoes/ Acesso em: 25 abr. 2024