Direito Tributário

Imunidade das entidades de assistência social. Requisitos legais para sua fruição

Imunidade das entidades de assistência social. Requisitos legais para sua fruição

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

1. Introdução

 

     Os estudos a respeito do tema, em sua maioria, limitam-se a proclamar a prevalência dos dispositivos do Código Tributário Nacional sobre quaisquer outras disposições de lei ordinária.

 

     É propósito, deste estudo, abordar a matéria examinando as exigências instituídas pelo art. 55 da Lei nº 8.212, de 24-7-1991, à luz da ordem jurídica global sem, contudo, incorrer nos vícios de exposições laudatórias e cansativas.

 

     Dessa forma, procuraremos sintetizar a análise da imunidade trazida, em prol das entidades beneficentes de assistência social, pelo § 7º do art. 195 da Constituição de 1988, inovando a tradição de restringir as imunidades tributárias aos impostos (art. 150, VI da CF).

 

2. O conteúdo do § 7º do art. 195 da CF

 

     Prescreve o art. 195, § 7º da CF:

 

    ‘Art. 195 – A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos Orçamentos da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais.

    …………………………………………………

    ‘§ 7º – São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei’.

 

 

2.1. O sentido da expressão ‘são isentas’

 

     Quando o Texto Magno prescreve a expressão ‘são isentas’ , ‘não incidirá’ ou qualquer outra expressão que implique exoneração do encargo tributário deve-se entender que o legislador constituinte instituiu hipótese de imunidade. Este, que não é exatamente um sacerdote do direito, às vezes, comete impropriedade redacional.

 

     Imunidade é uma limitação do poder de tributar, conforme pronunciamento majoritário da boa doutrina e da pacífica jurisprudência de nossos tribunais, pelo que, não iremos adentrar na interminável discussão entre limitação ao poder de tributar e princípio tributário. Para nós basta o fato de que a Carta Política inseriu a imunidade na seção II, do capítulo I, concernente a ‘Limitações do Poder de Tributar’.

 

     Em relação a certas pessoas e a certos patrimônios, rendas ou serviços, declarados imunes pela Constituição Federal, nenhuma entidade política poderá instituir impostos ou contribuições de seguridade social, porque o poder de tributar , por via da discriminação constitucional de rendas tributárias, já foi outorgado a cada uma delas com essa restrição.

 

     No caso sob exame, não se pode instituir, em relação às entidades beneficentes de assistência social, a espécie tributária consistente em contribuição de seguridade social, porque a Carta Política sublimitou o poder de tributação, nesse particular.

 

 

2.2. O sentido da expressão ‘exigências estabelecidas em lei’

 

     A doutrina majoritária fixou o entendimento de que só a lei complementar poderia regular a imunidade, por força de expressa disposição do art. 146, II da CF:

 

    Art. 146 – Cabe à lei complementar:

    II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar.

 

     Para nós, além de a matéria inserir-se no campo da reserva de lei complementar, esta não poderá inovar, acrescentar ou diminuir o sentido do texto constitucional. Regular, significa imunidade preexistente. Como instituto de natureza constitucional, ela não poderá ser alterada por legislação infraconstitucional. A lei complementar, referida no inciso II do Art. 146 da CF, desempenha o mesmo papel de um decreto em relação à lei regulamentada, o qual, não poderá, sob pena de nulidade, extravasar o conteúdo da lei, ferindo o princípio da legalidade.

 

     Por isso, sempre sustentamos que os requisitos para a fruição da imunidade tributária são aqueles estabelecidos no art. 14 do CTN , que disciplina a imunidade reproduzida no art. 9º, nos seguintes termos:

 

    Art. 9º – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

    …………………………………………………

    IV – cobrar imposto sobre:

    …………………………………………………

    c – o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social , observados os requisitos fixados na Seção II deste capítulo;

 

    Art. 14 – O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades neles referidas:

    I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado;

    II – aplicarem integralmente , no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

    III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão;

    …………………………………………………

    § 2º – Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo , previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

 

     Mas, não basta proclamar que os requisitos do art. 14 retro são os únicos aplicáveis à espécie se, na realidade, existem parcelas da doutrina e da jurisprudência validando os requisitos outros estabelecidos por leis ordinárias, como é o caso do art. 55 da lei nº 8.212, de 24-7-91. É preciso que as inovações trazidas pela Lei 8.212/91 sejam analisadas dentro da ordem jurídica global, pelo uso da interpretação sistemática e teleológica. Isso implica o exame do alcance e conteúdo da assistência social, da finalidade da imunidade tributária e do mecanismo de solução de conflitos de normas, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. É o que faremos.

 

 

3. O alcance e conteúdo da assistência social

 

     Delimitar o alcance e conteúdo da assistência social não é tarefa fácil. É preciso reunir dispositivos esparsos na Constituição Federal, dando-lhes uma interpretação sistemática e teleológica.

 

     Logo no art. 1º, ao proclamar o Estado Democrático de Direito, a Carta Magna busca seu fundamento na cidadania e na dignidade da pessoa humana , dentre outros valores. O art. 3º, elege como um dos objetivos fundamentais do Estado, a constituição de uma sociedade livre, justa e solidária . O art. 6º, passa a definir quais são os direitos sociais : ‘ a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição’.

 

     Finalmente, o art. 203, como que pretendendo dar efetividade aos direitos e aos valores acima mencionados, determina que seja prestada assistência social a quem dela necessitar , independentemente , de pagamento de contribuição à seguridade social, explicitando seus objetivos nos incisos I a V, dentre os quais, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. Para consecução desses objetivos, o art. 204 prevê expressamente a atuação , também, das entidades beneficentes de assistência social.

 

     Não definiu o que seja assistência social , mas é certo que a inseriu no conjunto do sistema de seguridade social, definida no art. 194 da CF, nos seguintes termos.

 

    A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade , destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à toda a sociedade de assistência social’.

 

     E a seguridade social, onde se insere a assistência social, é financiada por toda a sociedade de forma indireta (recursos orçamentários provenientes de impostos ), e de forma direta (contribuições sociais das empresas, do empregador, do trabalhador, receitas de loterias e daquelas provenientes da importação de bens e serviços), tudo conforme disposto no art. 195 da CF.

 

     Fez bem o legislador constituinte em não definir a assistência social, mas apenas enumerar os direitos a ela concernentes e expressar seus objetivos . Pode-se afirmar, com base nos textos constitucionais retro citados, que a assistência social é um conceito amplo , e em evolução , que abarca qualquer atividade destinada ao atendimento das necessidades básicas de pessoas carentes . Por isso, no entender da Corte Suprema, ‘toda entidade destinada a assegurar os meios de vida aos carentes caracteriza-se como entidade beneficente de assistência social’ (Adin nº 2.028-DF, Rel. Min. Moreira Alves; DJ de 23-1-99, Ata nº 33, de 11-11-99).

 

 

4. O fim perseguido pela imunidade

 

     Para imunização de impostos da Constituição Federal refere-se a ‘instituições de assistência social ‘ (art. 15º, VI, c), ao passo que, para o efeito de imunizar a contribuição social a mesma Carta Política utiliza a expressão ‘entidades beneficentes de assistência social ‘ (art. 195, § 7º).

     Yoshiaki Ichihara, referindo-se ao setor educacional , após acentuar o caráter polissêmico da expressão ‘ instituições de educação’ , citando conceituações dadas por diferentes autores, conclui que a ‘diferença fundamental entre estabelecimento de ensino (particular) e instituições de educação, não está no conteúdo programático de ensino nem na natureza jurídica de sua constituição, mas na destinação do resultado, isto é, com ou sem fins lucrativos(1).

 

     De fato, o que caracteriza instituição de assistência social é a ausência de propósito lucrativo. Assim, indiferente as expressões ‘ instituição de assistência social’ e ‘entidade beneficente de assistência social’, que são sinônimas. Apenas acrescentamos, para evitar confusões com meras associações de variadas espécies, que instituição de assistência social ou entidade beneficente de assistência social é aquela que, sem propósito lucrativo, secunda a ação estatal no campo da assistência social, assegurada pela Carta Política. A distinção entre associação e instituição reside na atuação complementar da entidade, no desempenho de atividade cabente ao Estado.

 

     Ocorre que, como vimos, o campo de atuação do Poder Público na área de assistência social é vasto. Os recursos financeiros de que dispõe o Estado não são suficientes para a efetiva concretização de todos os valores concernentes à assistência social, mesmo porque, muitos desses valores expressos no texto constitucional, como os referentes à justiça social, à existência digna etc., representam preceitos programáticos, incapazes de, por si só, gerar direitos subjetivos materiais . Assim, não pode, por exemplo, quem habita em favela reclamar, na Justiça, uma vida condigna.

 

     O que o Estado não pode, é agir contra os preceitos programáticos, que surtem efeitos por seu aspecto negativo, isto é, esses preceitos não permitem a prática de atos que os contrariem. Ao contrário, deve o Estado esforçar-se ao máximo para prestar assistência social, direta ou indiretamente, criando mecanismos que induzam a sociedade participar dela, para que, um dia, todos os valores referidos na Carta Política sejam concretizados e todos tenham uma vida condigna, de conformidade com os ditames da justiça social.

 

     Outra não é a finalidade da imunidade da contribuição social, senão a de criar mecanismos de engajamento da sociedade, na prestação de assistência social aos necessitados. Por meio da imunidade o Estado busca a complementação de sua ação no campo da assistência social, pela atuação do terceiro setor.

 

     A imunidade, nesse sentido, assume a característica de uma verdadeira contraprestação do Estado pelo desenvolvimento das atividades de assistência social pelas entidades beneficentes. Estas ficam insubmetidas ao poder tributário do Estado, por expressa determinação da Constituição Federal(2), em troca dos serviços de assistência social, prestados aos carentes. Essas entidades exercem, pois, as funções auxiliares ou coadjuvantes às do Estado, sem qualquer finalidade lucrativa.

 

(1) Imunidades tributárias. São Paulo; Atlas, 2000, p. 260 – 261.

(2) Imunidade é uma garantia constitucional insuprimível por via de Emendas Constitucionais, cf. Adin nº 939-DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Trib. Pleno, in RTJ 151/755.

 

 

5. A ausência de capacidade contributiva das entidades beneficentes a impedir sua tributação

 

     Tal qual o órgão securitário – o INSS – as entidades beneficentes de assistência social não desenvolvem atividades econômicas, em seu sentido especultivo. Por definição, elas não podem ter finalidade lucrativa, devendo aplicar integralmente , no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais (incisos I e II, do art. 14 do CTN). Pode-se dizer, sem exagero, que a redação acauteladora do inciso I está abundando, abrangida que está pelo inciso II, porque, se a integralidade dos recursos financeiros deve ser aplicada na consecução de objetivos institucionais , por óbvio, nada poderia restar para ser distribuído.

 

   Mas, a conclusão mais importante que se extrai desse inciso II (aplicação integral dos recursos na consecução dos fins estatutários) é que a entidade beneficente de assistência social passa a NÃO TER qualquer capacidade econômico-contributiva , de que cuida o § 1º(3) do art. 145 da CF, que é o pressuposto indispensável para a imposição tributária . O desconhecimento dessa noção elementar, em termos de Direito Tributário, implicará violação sucessiva de outros princípios tributários como da vedação de efeitos confiscatórios, da isonomia etc. Diz o velho ditado: onde nada existe, até o imperador perdeu o seu direito ao imposto.

     Ora, se as atividades exercidas pelas entidades beneficentes não têm conteúdo econômico, certamente, inexistirá expressão econômica que pudesse ser eleita como veículo de incidência tributária (elemento objetivo ou nuclear do fato gerador da obrigação tributária).

 

    A imunidade surge, pois, como contrapartida dos serviços cabentes ao Estado , prestados , em regime de colaboração, por entidades beneficentes. Por assim dizer, estas já pagam a contribuição in natura , in labore , porque seus bens e serviços estão vinculados à consecução de uma finalidade pública, complementando a insuficiente ação do Estado que, em última análise, desenvolve a sua atividade no campo da assistência social com os recursos financeiros retirados do setor privado. Assim, não teria sentido em retirá-los de quem já está pagando in labore.

 

(3) Esse parágrafo, na verdade, refere-se a impostos. Porém, além de não recomendável a interpretação literal, não se pode perder de vista que a contribuição previdenciária patronal reveste característica de imposto, por ausência de benefício específico, a exemplo do que ocorre em relação aos trabalhadores.

 

 

6. A inutilidade, a desnecessidade e a inconstitucionalidade do art. 55 da Lei nº 8.212/91

 

     Explicitados os direitos sociais, o campo de atuação da assistência social, seus objetivos e a razão da imunidade das entidades beneficentes de assistência social, será possível demonstrar a total absurdeza do legislador ordinário no exercício da discricionária atividade legislativa, elaborando normas como a do art. 55 da Lei nº 8.212/91 adiante transcrito. Para tanto, há necessidade de brevíssimas incursões na área da Teoria Geral do Direito para superação do conflito de normas.

 

 

6.1. A divisão das normas em princípios e regras

 

     As normas jurídicas existem sempre em conexão com os valores, porque preordenadas ao atingimento de fins nobres e elevados. Como gênero , elas comportam duas espécies: princípios e regras.

 

     Princípios são normas munidas do mais alto grau de abstração, que permeiam o sistema jurídico como um todo . São mais do que regras jurídicas. No dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, princípio significa ‘mandamento nuclear de uma sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que confere a tônica e lhe dá sentido harmônico'(4).

 

     Por isso, podemos sintetizar, sustentando que princípios representam diretrizes, para formulação harmônica das regras jurídicas.

 

     Regras jurídicas são normas munidas de menor grau de abstração, porque são direcionadas de forma mais objetiva. Situam-se abaixo dos princípios, na escala de concreção dos valores encampados pela ordem jurídica . O último degrau dessa escala é a sentença judicial, isto é, lei válida somente entre as partes , ressalvada aquela de natureza coletiva.

 

     No confronto entre princípios e regras, por óbvio, prevalecem os princípios. Nunca se pode interpretar uma regra jurídica contra um princípio jurídico. Isso é noção elementar, apesar de nem sempre lembrada por todos como se verifica na prática diária.

 

     No conflito entre duas regras jurídicas , segundo os doutos, prevalece apenas uma delas, sendo a outra automaticamente repelida pelo ordenamento jurídico, exatamente, porque elas são examinadas em confronto com princípios jurídicos.

 

     No conflito entre dois princípios, a adoção de um deles, em determinado caso, não implica anulação de outro, que pode ser válido em face de outra situação fática. Isso porque, como foi dito, os princípios não são direcionados de forma objetiva, munidos que são do elevado grau de abstração, funcionando como normas coordenadoras de regras jurídicas.

 

(4) Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p.230.

 

 

6.2. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

 

     Na abordagem de princípios jurídicos, interessa-nos de perto o exame dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que, na verdade, atuam de forma imbricada.

     Princípio da razoabilidade significa que as leis e os respectivos suportes fáticos devem ser valorados de forma razoável, de sorte a preservar sempre a finalidade perseguida pela ordem jurídica, afastando a aplicação de normas contrárias ao bom senso, ou daqueles que não guardam proporção entre a motivação e o fim perseguido. Em outras palavras, não é razoável o ato normativo que não represente um meio adequado para atingir o fim colimado, beirando às raias do desvio de finalidade ou do abuso legislativo.

 

     Princípio da proporcionalidade , por sua vez, significa que o Estado não deve agir com demasia , nem de modo insuficiente na realização de seus objetivos. Na precisa lição de Odete Medauar, ‘consiste, principalmente, no dever de não serem impostas, aos indivíduos em geral, obrigações, restrições ou sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público , segundo critério de razoável adequação dos meios aos fins'(5). Implica necessariamente adequação axiológica e finalística do agente público do poder-dever de hierarquizar princípios e valores de maneira adequada nas relações da Administração e no controle deles.

 

(5) Direito administrativo moderno, 8ª edição. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004, p. 152.

 

6.3. O exame dos requisitos do art. 55 e seus parágrafos da Lei nº 8.121/91

 

     Passemos a examinar, à luz das considerações feitas até agora, os requisitos cumulativos estabelecidos pelo art. 55 da Lei nº 8.212/91, nos seguintes termos:

 

    Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente:

    I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;

    II – seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de assistência social, renovado a cada três anos; (Alterado pela Lei nº 9.429, de 26-12-96)

    III – promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 11-12-98)

    IV – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título;

    V – aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente, ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10-12-97)

    § 1º Ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.

    § 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.

    § 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar.

    § 4º O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo.

    § 5º Considera-se também a assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento. (Redação dos §§ 3º, 4º e 5º dada pela Lei nº 9.732, de 11-12-98).

 

     Para perfeita compreensão da matéria, convém relembrar o objetivo da imunidade concedida a entidades beneficentes de assistência social, pelo § 7º do art. 195 da CF.

 

     Ora, o objetivo da imunidade é o de atrair as entidades beneficentes para secundar a ação do Poder Público na efetiva realização dos direitos sociais, sem qualquer intuito lucrativo, conforme já destacado linhas atrás.

 

     Porém, a Constituição determina que essa imunidade fique condicionada às exigências estabelecidas em lei. Quais as exigências?

 

     As exigências só poderiam ser aquelas tendentes a assegurar a efetiva consecução da finalidade institucional das entidades beneficentes , para evitar lucupletamento ilícito de seus membros ou administradores. Nunca se pode perder de vista a relação de causa e efeito: imunidade-prestação de assistência social.

 

     Se assim é, as exigências contidas nos incisos II e III do art. 14 do CTN são mais que suficientes para coibir o desvio de finalidade institucional de qualquer entidade beneficente. De fato, se os recursos da entidade devem ser aplicados integralmente , no País, na manutenção dos objetivos institucionais (inciso II), o que se verifica pelo exame da contabilidade, onde devem estar escrituradas todas as receitas e despesas em livros revestidos de formalidades legais (inciso III), nada mais é necessário. A exigência contida no inciso I do art. 14 do CTN, de não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título, na verdade, é uma cautela legislativa dispensável, porque abrangida pelo inciso II.

 

     Da conjugação do inciso II do art. 14 do CTN e do seu § 2º retrotranscritos, verifica-se que não é relevante a gratuidade dos serviços prestados pela entidade, mas a aplicação integral dos recursos obtidos na consecução de seus objetivos estatutários. Por isso, Ruy Barbosa Nogueira, introdutor da disciplina de Direito Tributário no ensino jurídico brasileiro, fazendo alusão ao § 55 do Código Tributário da República Federal da Alemanha, lembra com muita propriedade que ‘o primeiro requisito para consideração da FILANTROPIA é precisamente este: 1. Os recursos da entidade só podem ser aplicados nos fins previstos no estatuto'(6).

 

     Examinado os requisitos cumulativos contidos no art. 55 da Lei nº 8.212/91, verifica-se, de pronto, que os três primeiros incisos são meios, não só, inadequados ao fim visado – aplicação integral dos recursos da entidade beneficente na realização da assistência social – como também, desnecessários, inúteis e prejudiciais às entidades imunizadas.

 

     A exigência do inciso I, declaração de utilidade pública segunda a lei de regência da matéria, em nada acrescenta à entidade beneficente de assistência social, em termos de objetivos institucionais de promover a assistência social. Não serve, também, para fiscalizar o cumprimento desses objetivos institucionais.

 

 

     O inciso II exige seja a entidade portadora do certificado de Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos.

     O inciso III, que condiciona o gozo da imunidade à gratuidade, em caráter exclusivo, da assistência social aos carentes, teve a sua aplicação suspensa por decisão liminar da Corte Suprema (Adin nº 2.028-5-Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 23-11-99, Ata nº 33, de 11-11-99. Relator original, Min. Moreira Alves).

 

     Merece estudo à parte, o contido no inciso II, por agredir frontal e profundamente os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade , beirando às raias da total irracionalidade. Segundo esse inciso legal, faltando o registro e o Certificado de Filantropia, renovável a cada triênio, ainda que a entidade esteja cumprindo todos os demais requisitos para o gozo de imunidade, o benefício tributário cessa, ipso fato . Se houver eventual descuido da entidade no pedido de sua renovação, ou atuação morosa do órgão público responsável, retardando a expedição tempestiva do certificado, hipótese que não é rara, a entidade beneficente deixa de ser imune. A alteração material da entidade beneficente ocorre em função de um pedaço de papel carimbado por um burocrata.Tão irracional e abusivo, quanto à exigência de certificado de filiação da entidade a um dos ‘clubes de futebol’.

 

     Em nenhum momento, a Constituição Federal permitiu, por via infraconstitucional, a flexibilização da imunidade, que configura cláusula pétrea, a ponto de contrariar a sua finalidade. A expressão, ‘exigências estabelecidas em lei’, utilizada pelo texto constitucional, há de ser entendida como sendo aquelas adequadas à preservação dos fins de imunidade que, como vimos, não se compatibilizam com a idéia de locupletamente ilícito dos membros ou dirigentes da entidade beneficente.

 

     Por isso, essa regra jurídica, contida no inciso II sob análise, conflita violentamente, não só, com o próprio texto constitucional da imunidade em questão, como também, com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

     Esse inciso II não é razoável , porque não se mostra adequado para evitar que a entidade beneficente não se desvie de seus objetivos, utilizando a imunidade como instrumento de enriquecimento ilícito de seus membros ou administradores. Para tanto é suficiente a obrigatoriedade de aplicação integral dos recursos da entidade na manutenção de seus objetivos, não bastasse a expressa proibição legal de distribuir lucros. A exigência da manutenção de lançamentos contábeis, por si só, já garante ao Poder Público a eficiente fiscalização das atividades da entidade beneficiada pela imunidade, sendo desnecessários outros mecanismos de controle, principalmente, se esses outros mecanismos representarem uma ingerência demasiada do Estado, a impor um ônus desproporcional.

 

     A discricionariedade do legislador, a propiciar aparente liberdade legislativa, há de encontrar limite nos princípios norteadores da ordem jurídica global. Se o legislador já encontrou um meio adequado, para que o instituto da imunidade não seja desvirtuado em proveito dos membros ou administradores de entidades beneficentes (art. 14 do CTN), sem impor maiores sacrifícios a essas entidades, não será legítimo, nem constitucional eleger outros meios mais restritivos (inciso II do art. 55). O princípio da proporcionalidade opõe-se ao ato legislativo gravoso e desnecessário.

 

     Como dissemos, dentro da escala de hierarquia de normas, sempre que houver conflito entre princípios e regras jurídicas, estas devem ceder, pelo que esse inciso II deve ser tido como inexistente no mundo jurídico, banido que está pelos princípios norteadores da ordem jurídica.

 

     Os demais itens do art. 55, incisos IV e V, praticamente, reproduzem os requisitos do art. 14 do CTN, guardando relação de pertinência e adequação com o conteúdo da assistência social e o objetivo da imunidade das entidades beneficentes de assistência social.

 

   Os parágrafos 3º a 5º pretendem definir, indiretamente, a imunidade das entidades beneficentes de assistência social, extravasando a competência do legislador infraconstitucional, além de incorrer no vício de eleger critérios aleatórios para essa pretendida definição. Por isso, tiveram a sua aplicação suspensa pelo STF, na já referida Adin de nº 2.028.

(6) Imunidades. São Paulo : Resenha Tributária, 1990, p. 136.

 

 

7. Posição do STF acerca da matéria

 

     O entendimento do STF é no sentido de que cabe à lei ordinária apenas a fixação de normas para a constituição e funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune. No que diz respeito aos lindes da imunidade, quando suscetíveis de disciplina infraconstitucional, a competência será sempre da lei complementar.

  

  A partir desse critério distintivo, a Corte Suprema suspendeu a aplicação dos seguintes dispositivos da Lei nº 9.532, de 10-12-1997:

 

    a) Art. 12, § 1º, que exclui da imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos pela entidade imune em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável;

    b) Art. 12, § 2º, letra ‘f’, que condiciona o gozo da imunidade ao recolhimento de tributos retidos sobre os rendimentos pagos ou creditados pela entidade imune, bem como, o cumprimento das obrigações acessórias;

    c) Art. 13, que faculta à Secretaria da Receita Federal suspender o gozo da imunidade, relativamente aos anos-calendários em que a entidade beneficiada houver praticado ou houver contribuído para a prática de infração fiscal.

    d) Art. 14, que estende a suspensão do gozo da imunidade, referida no artigo anterior, ao disposto no art. 32 da Lei nº 9.430/96, o qual, se limita a disciplinar a suspensão do benefício exclusivamente para a hipótese de descumprimento dos requisitos do § 1º do art. 9º e do art. 14, do Código Tributário Nacional , lei materialmente complementar.

 

     A decisão unânime da Corte Suprema, que concedeu a medida cautelar para suspender a aplicação dos dispositivos retro apontados, ocorreu no julgamento da Adin nº 1.802-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; DJ de 13-02- 2004. A ação foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde – Hospitais Estabelecimentos e Serviços – CNS – nos idos de 1998. Pena que a decisão definitiva, que irá definir o conceito de entidade de assistência social para o fim de imunidade, conforme deixou consignado na ementa da decisão cautelar, irá se arrastar por longos anos, a exemplo do que vem acontecendo com a Adin 2.028, que suspendeu liminarmente o inciso III do art. 55 da Lei nº 8.212/91, conforme decisão publicada em 23-11-99, até agora, sem julgamento definitivo.

 

     Por derradeiro, cumpre registrar que a Corte Suprema, em matéria de imunidade em geral, vem dando interpretação ampla de sorte a preservar a finalidade do benefício tributário: Súmula 657; RREE 257.700, 97.708, 116.188, 186.175 e 193.969; AGRAGs 155.822 e 177.283; e ERE 210.251.

 

 

8. Conclusões

 

     Decisões do STF apontam claramente a lei complementar como único veículo legislativo para instituir requisitos para o gozo da imunidade.

 

     Independentemente de posicionamento quanto à eleição de lei complementar ou de lei ordinária para regular a imunidade tributária, tem-se que os incisos I, II e III e parágrafos 3º, 4º e 5º, do art. 55 da Lei nº 8.812/91, por hostilizarem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, flexibilizando a garantia fundamental prevista no § 7º do art. 195 da CF, são absolutamente inconstitucionais, e como tais, nulos, írritos e incapazes de irradiar qualquer efeito jurídico.

 

     Registre-se que o inciso III, bem como, os parágrafos 3º, 4º e 5º acima referidos encontram-se com a eficácia suspensa por decisões liminares do STF.

 

SP, 19.10.04.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças.  Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Imunidade das entidades de assistência social. Requisitos legais para sua fruição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/imunidade-das-entidades-de-assistencia-social-requisitos-legais-para-sua-fruicao/ Acesso em: 28 mar. 2024