Direito Tributário

Imposto sobre serviços. Nova lei de regência

Imposto sobre serviços. Nova lei de regência

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Generalidades

 

     O Projeto de Lei nº 161/89 do Senado Federal, aprovado no dia 9/7/03, pendente de sanção presidencial, inova a lei de regência do ISS, revogando os artigos 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-lei nº 406/68, os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-lei nº 834/69, a Lei nº 7.192/84 e as Leis Complementares ns. 22/74, 56/87 e 100/99.

 

     Mais uma vez os aspectos negativos da legislação do Município de São Paulo foram acolhidos pelo legislador nacional.

 

     De fato, adotou-se a sistemática de retenção do ISS na fonte pelos tomadores de serviços, prevista na Lei municipal de nº 13.476/02, segundo a qual, muitos dos serviços prestados no território do Município de São Paulo, independentemente, do local do estabelecimento prestador, devem ter os impostos recolhidos neste Município. É óbvio que o Município, onde se situa o estabelecimento prestador do serviço não irá e nem poderá abrir mão da cobrança do imposto, conduzindo a uma situação de bi-tributação jurídica, resultante do desrespeito à lei de regência da matéria (art. 12 do DL nº 406/68).

 

     O projeto legislativo aprovado, estabeleceu uma lista de serviços composta de 198 subitens de serviços. Apesar de manter como regra a tributação no local do estabelecimento prestador ou na sua falta, o local do domicílio do prestador, estabeleceu exceções em vinte e duas hipóteses em que o imposto será devido no local da prestação do serviço (art. 3º), incorporando o vício da legislação de São Paulo que, por sua vez, inspirou-se na jurisprudência do STJ. O tomador de serviço passará a ser o responsável pelo pagamento do imposto devido pelo prestador de serviço, independentemente, de ter sido efetuada sua retenção na fonte (art. 6º e parágrafos).

 

     Aparentemente essa alteração do sujeito ativo do imposto veio à luz para evitar guerras tributárias e inviabilizar o planejamento tributário. Acontece que a EC nº 37/02 fixou a alíquota mínima do ISS em 2%, até que a lei complementar viesse a dispor sobre o assunto, fato que, por si só, acabaria ou diminuiria as disputas entre os Municípios. Inexplicavelmente o projeto de lei aprovado deixou de estipular essa alíquota mínima, limitando-se a fixar alíquotas máximas de 10% para jogos e diversões públicas, exceto cinema, e de 5% para os demais serviços (art. 8º), pelo que, continua vigorando a alíquota mínima provisória a que alude a Emenda nº 37/02, que poderá perpetuar-se a exemplo da CPMF.

 

     Por ora, vige o art. 12 do Decreto-lei nº 406/68, pelo que a legislação do Município de São Paulo é inconstitucional por implicar bi-tributação jurídica. Novo critério só surtirá efeito a partir da vigência da nova lei complementar, sem possibilidade de retroação.

 

Exame de aspectos controvertidos

 

     A nova disciplinação do ISS contém vários aspectos que podem suscitar dúvidas e controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. Examinaremos os principais pontos a serem melhor aclarados.

 

 

a) O caráter taxativo da lista.

 

     O caráter taxativo da lista, agora, ficou bem explícito. A expressão “congêneres” que acompanhava vários itens de serviços previstos na Lei Complementar nº 56/87, desapareceu. Cada item de serviço (gênero) foi subdividido em subitens (espécies) com especificação exaustiva dos serviços tributáveis, com exceção de alguns subitens em que fazem referência a ‘congêneres’ em razão do natural surgimento de novos serviços oriundos da tecnologia sempre dinâmica. O certo é que não mais conferiu ao legislador local a faculdade de preencher os vazios completando o rol de serviços congêneres, salvo nos subitens expressamente permitidos. Agora, mais do que nunca, fica patenteada a inconstitucionalidade do item 100 da lei municipal de São Paulo que se refere ao ‘fornecimento de trabalho, qualificado ou não, não especificado nos itens anteriores’.

 

 

b) Invasão de competência impositiva do Estado-membro.

 

     O § 2º(1) do art. 1º, ainda que amplie a competência impositiva municipal, respeita, aparentemente, tanto a restrição constitucional do art. 156, III(2) c.c. art. 155, II(3) da CF, como também, o poder impositivo estadual previsto na letra b(4) do inciso IX do § 2º do art. 155 da Carta Magna.

 

     Ampliar a lista de serviços, ressalvados os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, por si só, não implica invasão de competência impositiva dos Estados membros. Ao restringir a competência tributária estadual prevista na letra a do inciso IX retro referido, por via indireta, o projeto de lei complementar aprovado pelo Parlamento fê-lo de forma legítima e constitucional. De fato, a expressão ‘serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios’ não pressupõe a imutabilidade da lista de serviços, mesmo porque a cada dia novos serviços vêm surgindo em função de novas descobertas tecnológicas capazes de gerar serviços antes inexistentes.

 

     O enxugamento dos subitens de serviços, conflitantes com o ICMS, feito pelo Senado, resultou na intocabilidade da competência impositiva dos Estados membros.

 

(1) “§ 2º Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias”.

(2) “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

………………………………………………………………

III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar” .

(3) “Art. 155. compete aos Estados e ao Distrito federal instituir impostos sobre:

………………………………………………………………

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior” .

(4) “§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte:

………………………………………………………………

IX – incidirá também

………………………………………………………………

b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”.

 

 

c) Inclusão de itens que não são, nem podem ser considerados serviços.

 

     A expressão ‘serviços de qualquer natureza…….definidos em lei complementar’ referida no art. 156, III da CF não confere ao legislador infraconstitucional o poder de transformar em prestação de serviço aquilo que não é, nem pode ser serviço.

 

     A elaboração da extensa lista de 198 subitens mais parece ter sido baseada em simples palpites dados, aleatoriamente, por diferentes personalidades que desfilaram ao longo do processo legislativo, do que efetivamente fundada em considerações de natureza jurídica. Alguns subitens foram introduzidos por serem verbetes tradicionalmente conhecidos; outros foram incluídos por uma questão de simpatia ou antipatia; alguns verbetes foram desconsiderados por ser de difícil pronúncia, ou porque não soam bem aos ouvidos, ou, por qualquer outra razão.

 

     Ora, ao elaborar a lista de serviços é preciso, antes de mais nada, conceituar o que é serviço. Se a Constituição Federal utilizou a expressão ‘serviços de qualquer natureza’ para fixar a competência impositiva municipal, sem dizer o que é, obviamente, o conceito dado pelo direito privado é vinculante, não podendo o legislador tributário alterar esse conceito. Isso está expresso no art. 110 do CTN.

 

     Serviço significa um bem econômico imaterial, fruto de esforço humano aplicado à produção. ‘É produto da atividade humana destinado à satisfação de uma necessidade (transporte, espetáculo, consulta médica), mas que não se apresenta sob forma de bem material (Cf. Grande Enciclopédia Delta Larousse. Rio de Janeiro : Editora Delta S A., 1970, vocábulo serviço).

 

     Prestar serviço significa servir, isto é, ato ou efeito de servir. É o mesmo que prestar trabalho ou atividade a terceiro, mediante remuneração. O ISS recai sobre circulação de bem imaterial (serviço). Resulta da obrigação de fazer. O ICMS recai sobre circulação de bem material (mercadoria). Resulta da obrigação de dar.

 

     Basta simples exame ocular da lista para detectar subitens que contemplam como serviços tributáveis os que não poderiam ser assim considerados. É o caso dos subitens do item 3 que se referem a ‘serviços prestados mediante locação, cessação de direito de uso e congêneres’; no subitem 15.09 há referência a ‘arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens, inclusive cessão de direitos e obrigações’; o subitem 25.01, por sua vez, contempla o ‘caixão, urna ou esquifes’.

 

     Em todos esses casos, há uma confusão generalizada entre prestar serviços e locação de bens móveis, regida pelo Código Civil, ou, entre prestar serviços e fornecimento de bens materiais.

 

     Em relação a locação de bens já existe um firme posicionamento do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade jurídica de cobrança do ISS, conforme se verifica da ementa abaixo:

 

    “TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos.

    IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.”

    (Relator Min. Octavio Gallotti – Relator p/ o acórdão Min. Marco Aurélio – Tribunal Pleno – j. 11.10.2000).

 

 

d) Internet.

 

     O item 1 contemplou serviços de informática e congêneres, especificando nos subitens 1.01 a 1.07 os serviços tributáveis.

 

     Na falta de previsão legal para tributação desses serviços, os Estados vinham tentando cobrar o ICMS dos provedores de acesso à internet, como se a falta do exercício do poder de tributar, por um ente político, pudesse implicar a transferência desse poder para outra entidade política, não contemplada pela Constituição Federal.

 

     Não é preciso, para dirimir a controvérsia, gastar rios de tinta sobre o assunto, esmiuçando o conteúdo do inciso III, do art. 2º, da LC nº 87/96, nem fazer grande esforço mental em torno do art. 60, da Lei nº 9.472/97, que define o serviço de telecomunicação.

 

     Ora, provedor de acesso, por si só, não se caracteriza como meio de comunicação, mesmo porque ele é usuário do canal de comunicação operado por concessionárias de serviços de telecomunicação. Por isso, prescindem da concessão do governo federal.

 

     O provedor de acesso permite ao usuário navegar pelos sites da internet recebendo mensagens, informações ou imagens do transmissor (site visitado) valendo-se do sistema de telecomunicação operado pelas concessionárias. O provedor de acesso presta, pois, um serviço de valor adicionado. O usuário já paga o ICMS pelo serviço de comunicação; não tem o menor sentido ter que arcar com o mesmo imposto pela vez segunda, quando se comunica com determinado site. Seria o mesmo que cobrar o ICMS pela comunicação por meio de fax, confundindo ‘fazer comunicação’ com ‘prestação do serviço de comunicação’, que é o elemento objetivo do fato gerador do ICMS, tributo de natureza nitidamente mercantil.

 

     O Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento, no Resp nº 4566650-PR, de que foi relatora a Ministra Eliana Calmom, colocou uma pá-de-cal sobre o assunto ao proclamar ‘que os provedores de acesso à internet, apenas viabilizam o caminho dos usuários a informações da Grande Rede, não constituindo tal atividade como serviço de comunicação ou de telecomunicação a ensejar a incidência do imposto estadual’. Segundo a Ministra Relatora ‘não se ouvida que, pela internet, tem-se uma rede de comunicação entre computadores, o que resulta na prestação do serviço de transmissão, à distância, de idéias, de dados e de imagens divisíveis. Entretanto, segundo minha óptica, não há respaldo para que o Fisco faça nascer daí um liame jurídico tributário o que seria em termos concretos, fazer incidir o ICMS sobre tráfego telefônico já tributado’.

 

 

e) Propaganda em jornais.

 

     O subitem 17.07 incluiu entre serviços tributáveis a ‘veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda de publicidade, por qualquer meio’, suprimindo a expressão ‘exceto em jornais, periódicos, rádios e televisão’, que figurava no item 86 da lista anexa à LC nº 56/87.

 

     Essa ressalva figurava no texto anterior por uma questão de política tributária. Nada tinha a ver com a questão da imunidade dos jornais ou periódicos, que continuam sendo imunes, obviamente.

 

     O que poderá ser tributado, a partir da nova lei nacional do ISS, são as receitas de propaganda ou publicidade, auferidas por qualquer meio, o que inclui os jornais e periódicos.

 

 

f) Tributação de profissionais liberais.

 

     O art. 7º da nova disciplina do ISS estabelece que a ‘base de cálculo do imposto é o preço do serviço’. Os seus §§ 1º a 3º nenhuma referência fazem à tributação por valor fixo, em relação aos profissionais liberais e sociedades por eles formadas, que está expresso nos §§ 1º e 3º, do art. 9º, do DL nº 406/68.

 

     O art. 7º da nova disciplina reproduziu o art. 9º do DL nº 406/68, porém, os seus parágrafos não foram reproduzidos; pelo contrário, os §§ 1º a 3º desse artigo 7º cuidam de outras matérias. Isso poderia dar a impressão de que a chamada tributação por alíquota fixa desapareceu.

 

     Aqui, é preciso recorrer ao elemento histórico para melhor entendimento da matéria. No substitutivo aprovado pela Câmara Federal, o art. 9º do DL nº 406/68 era expressamente revogado, conforme art. 10 daquele substitutivo. Aquele órgão de representação popular abolia, pois, o regime jurídico de tributação dos profissionais liberais. Todavia, o Senado Federal entendendo que o art. 9º e parágrafos daquele diploma legal não eram incompatíveis com o art. 7º e parágrafos da nova disciplina do ISS manteve aquele artigo 9º, revogando os demais artigos do DL nº 406/68, pertinentes ao imposto municipal.

 

     Segundo a melhor técnica legislativa, o certo seria reproduzir os §§ 1º e 3º, do art. 9º, do DL nº 406/68 no corpo do art. 7º da nova lei, mediante acréscimos dos §§ 4º e 5º, revogando a totalidade dos dispositivos do diploma legal de 1968, referentes ao ISS.

 

     Porém, com um pouco de esforço interpretativo é perfeitamente possível concluir-se pela manutenção de tributação privilegiada de profissionais liberais e das sociedades por eles constituídas, em função da relevância social dos serviços por eles prestados, que continua sendo reconhecida pelos legisladores (senadores).

 

SP, 28.07.03.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Imposto sobre serviços. Nova lei de regência. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/imposto-sobre-servicos-nova-lei-de-regencia/ Acesso em: 28 mar. 2024