Direito Tributário

Cofins. A farsa da tributação não-cumulativa

Cofins. A farsa da tributação não-cumulativa

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

O governo descobriu, ultimamente, a retórica do tributo não-cumulativo para aumentar a arrecadação, atendendo ao suposto clamor da sociedade. Acontece que, quando a sociedade reclama do tributo cumulativo não está propriamente contra a técnica tributária em si, mas contra o excessivo peso da carga tributária, que essa técnica acarreta em se tratando de bens ou mercadorias de longo ciclo de movimentação em direção ao consumidor final. O que é combatido é o fato de uma mercadoria, desde a produção até final consumo, implicar variação de preço de até 150% apenas por conta de tributos incidentes, sem considerar qualquer margem de lucro. Porém, eliminar a cumulatividade de um tributo, transformando-o em não-cumulativo, com uma alíquota nominal elevada, seria o mesmo que eliminar a tributação progressiva de 1%, 2% e 3%, substituindo-o por tributação proporcional, com alíquota de 6%, isto é, o triplo da alíquota progressiva intermediária.

 

     A crítica da cumulatividade do PIS/CONFINS foi feita em função do violento nível de imposição, e não propriamente para substituí-lo por tributo não-cumulativo, detalhe técnico desconhecido pelo grande público. Tivesse mantido a alíquota de 2% com que foi criada inicialmente, a COFINS não estaria sendo tão combatida. O que importa, e o que se combate é o enorme volume de transferência para o setor público, que expressa o índice de tributação. E mais, o importante é que essa transferência volumosa de recursos, diga-se de passagem, sem contrapartida em termos de benefícios efetivos, seja suportada eqüitativamente por todos os segmentos da sociedade. Se não se consegue distribuir a justiça fiscal para todos, que seja a injustiça distribuída para todos, e não apenas para determinado setor, infringindo o princípio elementar da isonomia.

 

     O que não pode é o governo, a pretexto de atender ao clamor da sociedade, aumentar violentamente a pressão tributária, elevando a arrecadação do PIS, e agora, da COFINS, mediante pseudo eliminação de tributação cumulativa que, para o setor de serviços, representa um aumento de 153% (3% para 7,6%). Esse aumento brutal sobre o setor de serviços, no momento em que a economia como um todo está precisando de oxigênio, afronta os princípios da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade e da racionalidade. É um autêntico confisco, vedado pela Carta Política. Se não foi dado qualquer espécie de ‘crédito presumido’ a favor dos prestadores de serviços, pergunta-se, onde está a técnica de tributo não-cumultivo? que não-cumulatividade é esse, que quase triplica o encargo financeiro do tributo? Isso é mais do que tributação em cascata; é tributação por barragens, por comportas. Aliás, essa ‘não-cumulatividade’, preconizada pela Medida Provisória nº 135/03, limita-se a permitir a redução da base de cálculo, mediante exclusão de determinados insumos, porém, apenas para os contribuintes optantes pela tributação pelo lucro real.

 

     Na verdade, essa Medida Provisória, que antecipa um dos itens do pacotão tributário, representado pela PEC nº 41/03 (Reforma Tributária) desveste um santo para vestir vários outros, sem atentar para os princípios jurídicos, éticos e morais. Os setores da imprensa, por exemplo, foram generosamente contemplados por esse pedaço da ‘reforma tributária fatiada’, certamente, para continuar dando sustentação às ações do governo, por meio de mídia dirigida e manipulada. E isso é gravíssimo, porque não só neutraliza, como também transforma um dos instrumentos de exercício da cidadania em um instrumento opressor desse direito, à medida que veicula informações fornecidas de forma incorreta, incompleta ou ‘trabalhada’. É claro que sempre há exceções; nem todos os profissionais da imprensa deixam de exercer a profissão com independência, enquanto puderem. Em compensação, o setor de serviços, além de ter sido contemplado com a carga estúpida de 153% de aumento, foi punido com a antecipação do pagamento, representada pela retenção na fonte pagadora.

 

     Essa Medida Provisória nº 135/03, não bastasse a proibição do art. 246 da CF, implica alteração da lei complementar, pelo que é duplamente inconstitucional do ponto de vista formal. O fato da alíquota da COFINS ter sido alterada, anteriormente, por lei ordinária não purga o vício formal. Significa que a lei anterior, também, padecia do mesmo vício.

 

     Declarada a inconstitucionalidade desses instrumentos normativos, passará a vigorar a alíquota originariamente estabelecida pela Lei Complementar nº 70/93, pois é da essência da declaração de inconstitucionalidade, o seu efeito ex tunc. Outrossim, o Tribunal, ao conceder a medida cautelar, poderá permitir a aplicação da legislação anterior. Como escrevemos, ‘declarada a inconstitucionalidade de dispositivo anterior que elevou a alíquota de determinado tributo, passa a vigorar ipso fato a alíquota anterior, ou seja, restabelece-se o dispositivo legal anterior, revogado pela nova disposição acoimada de inconstitucional. ….Evita-se a inconveniência da situação de vacatio legis superveniente à decisão liminar’ (Cf. nosso Da liminar em matéria tributária. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2003, 2ª edição, p. 128).

 

SP, 17.11.03.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Cofins. A farsa da tributação não-cumulativa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/cofins-a-farsa-da-tributacao-nao-cumulativa/ Acesso em: 25 abr. 2024