Direito Tributário

Imposto sobre serviços. Comentários à nova lei

Imposto sobre serviços. Comentários à nova lei

 

 

Kiyoshi Harada *

 

 

A Lei nº 13.476, de 30 de dezembro de 2002, aprovada de afogadilho, nos apagar das luzes do ano passado, juntamente com as Leis de números 13.474, 13.477, 13.478 e 13.479, que introduziram profundas alterações no Sistema Tributário do Município de São Paulo, produziu novos retalhamentos na caótica legislação do ISS, alargando seus defeitos. Só para se ter uma idéia da fúria legislativa que tomou conta em matéria tributária, a Lei nº 13.478, de 30-12-2002 que, de uma só penada, institui duas taxas de serviços e uma de polícia em matéria de remoção de lixos, já sofreu alterações provocadas pela Lei nº 13.522, de 19-3-2003. Logo, outras modificações virão.

    

Neste artigo, enfocaremos o artigo 1º da Lei nº 13.476/02, que conferiu nova disciplina à incidência do ISS sobre os serviços prestados por sociedades de profissionais, promovendo brutal aumento da carga tributária, contrastando com os mesmos serviços prestados por profissionais liberais, individualmente, sem se organizarem em sociedades. Vejamos.

 

Art. 1º – Os artigos 2º e 4º, da Lei nº 10.423, de 29 de dezembro de 1987, passam a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 2º – ……………….

Parágrafo único – As importâncias fixas previstas na Tabela em anexo serão atualizadas na forma do disposto no artigo 2º e seu parágrafo único, da Lei nº 13.105, de 29 de dezembro de 2000.”

 

“Art. 4º – Sempre que os serviços a que se referem os itens 1, 4, 7, 24, 51, 87, 88, 89, 90 e 91, da relação consignada pelo artigo 1º, forem prestados por sociedades de profissionais, o Imposto devido será calculado mediante a multiplicação da importância anual de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) pelo número de profissionais habilitados, sócios, empregados ou não, que prestem serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal nos termos da lei aplicável.

§ 1º – As sociedades a que se refere o “caput” são aquelas cujos profissionais habilitados, sócios, empregados ou não, sejam pessoas físicas, não consideradas como tais as firmas individuais, habilitadas ao exercício da mesma atividade profissional, dentre as especificadas nos itens mencionados no “caput”, e que prestem os serviços de forma pessoal, em nome da sociedade.

§ 2º – Não são consideradas sociedades de profissionais as que:

I – tenham como sócio pessoa jurídica;

II – sejam sócias de outra sociedade;

III – desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios;

IV – tenham sócio que não preste serviço pessoal em nome da sociedade, dela participando tão-somente para aportar capital ou administrar;

V – explorem mais de uma atividade de prestação de serviços.

§ 3º – Quando não atendido qualquer dos requisitos fixados no “caput” e no parágrafo 1º ou quando se configurar qualquer das situações descritas no parágrafo 2º, o Imposto será calculado com base no preço do serviço, mediante a aplicação da alíquota correspondente fixada pela Tabela em anexo.

§ 4º – A importância anual prevista no “caput” será atualizada na forma do disposto no artigo 2º e seu parágrafo único, da Lei nº 13.105, de 29 de dezembro de 2000.”

 

    

Conforme prescrição do art. 3º da Lei nº 10.423, de 29-12-1987, mantido pela lei sob comento, quando se tratar de prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, na forma da Tabela em anexo, sem se considerar a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.

    

Para esse efeito, considera-se prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o simples fornecimento de trabalho relativo às atividades compreendidas nos itens 1, 4, 7, 9, 11, 24 a 29, 39, 44 a 53, 77, 82, 87, 88, 89 a 93, 99 e 100 da lista de serviços, por profissional autônomo, que não tenha, a seu serviço, empregado da mesma qualificação profissional.

    

Nessas hipóteses, o imposto poderá ser pago por alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, tudo na forma da Tabela, atualmente anexa à Lei nº 13.476/02, ocilando de R$150,00 à R$600,00 por ano. As alíquotas, por sua vez, variam de 2% e de 5% para os itens de atividades mencionadas. Os valores fixos, constantes dessa Tabela, serão atualizados, em 1º de janeiro de cada exercício, pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA – apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – acumulada no exercício anterior, conforme determina o parágrafo único, acrescentado ao art. 2º da Lei nº 10.423/87, pela lei sob comento.

    

Como retro examinado, na hipótese de trabalho pessoal do profissional autônomo, o imposto será pago por alíquotas fixas que, hoje, variam de R$150,00 a R$600,00 por ano.

    

Porém, em se tratando-se de sociedade de profissionais, constituída por médicos, enfermeiros, contadores, agentes de propriedade industrial, advogados, engenheiros, dentistas, economistas e psicólogos, o tratamento dispensado é completamente diferente, embora o serviço devesse ser, necessariamente, executado pelo mesmo profissional liberal. De um lado, a nova lei manteve a inconstitucionalidade da legislação anterior, ao vedar a inclusão de pluriprofissionais na sociedade, contrariando lei de regência da matéria (§ 3º do art. 9º do Decreto-lei nº406/68) e a jurisprudência tranqüila da Corte Suprema (RREE ns. 220.323-MG e 236.604-PR). De outro lado, introduziu vários requisitos a serem preenchidos para a configuração da sociedade de profissionais como se verifica dos parágrafos 1º e 2º. Faltando qualquer um desses requisitos, a sociedade deverá recolher o imposto com base no preço do serviço, mediante aplicação da alíquota correspondente, fixada na tabela própria (§ 3º).

    

Outrossim, promoveu um brutal aumento do imposto que, de R$200,00 por ano, passou para R$1.200,00 anual, por número de profissionais habilitados, sócios, empregados ou não, valor esse, atualizável no dia 1º de janeiro de cada exercício pela variação do IPCA (§ 4º). Esse valor de R$1.200,00 anuais, por profissional liberal integrado na sociedade, se confrontado com o valor de R$600,00 anuais, que cada profissional liberal deve pagar individualmente, fere o princípio constitucional da isonomia. Não há razão para esse tratamento diferenciado, como se o profissional integrado na sociedade auferisse rendas do capital e não do trabalho por ele desenvolvido. Mas, não é só. O inusitado aumento de 500%, embora a questão do nível de imposição se situe no âmbito da política tributária, no caso, ofende, às escâncaras, os princípios da moderação e da razoabilidade, caracterizando efeito confiscatório do tributo, vedado pelo art. 150, IV da CF. Como já afirmamos, ‘para saber se um tributo é confiscatório ou não, deve-se analisar o mesmo sob o princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, precisa ser examinado em consonância com o princípio da moderação ou da razoabilidade da tributação, verificando, ainda, se a eventual onerosidade da imposição fiscal se harmoniza com os demais princípios constitucionais, garantidores do direito de propriedade, da liberdade de iniciativa, da função social da propriedade etc’ (Cf. nosso Direito tributário e financeiro, Atlas, 2002, 10ª edição, p. 350).

    

A fúria legislativa, neste caso, agride, ao mesmo tempo, os princípios da capacidade contributiva, da vedação do efeito confiscatório do tributo e da isonomia tributária, expressos nos artigos 145, § 1º, 150, IV e 150, II da CF, respectivamente. Essa tributação escorchante, ainda, inibe a liberdade de iniciativa que, juntamente com a liberdade de contratação e de liberdade de lucro, constituem os marcos mínimos que dão embasamento ao regime econômico privado, adotado pela Constituição Federal. Uma sociedade com mais de cinco profissionais liberais, por exemplo, ficaria economicamente inviabilizada, pois, só de ISS teria que desembolsar mais de R$6.000,00, independentemente de sua receita.

 

SP, 20.02.03.

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Imposto sobre serviços. Comentários à nova lei. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/imposto-sobre-servicos-comentarios-a-nova-lei/ Acesso em: 19 abr. 2024