Direito Tributário

Depósitos em Juízo e Confisco

Depósitos em Juízo e Confisco

 

  

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Ao divulgar o confiscatório aumento de arrecadação, correspondente a carga tributária duas vezes maior que a média dos países emergentes, com o que a própria previsão orçamentária ficou muito abaixo do que foi retirado da sociedade, o governo federal ainda não sabia aplicar tais recursos, visto que, mesmo no empacado PAC, foram gastos apenas ¼ do previsto quando de seu anúncio (20/02/07).

 

Atribuem, os áulicos governamentais, tal sucesso de arrecadação, em primeiro lugar, aos “depósitos judiciais com valores elevados”, só depois fazendo menção à lucratividade das empresas, aos ganhos de capital na alienação de bens e à realização de vendas nas participações acionárias.

 

Pretende destinar, aliás, dos 6 bilhões e 800 milhões de reais, acima do previsto, 418 milhões ao Judiciário, Ministério Público e Legislativo, não sabendo ainda, à data em que fez o anuncio, onde aplicar o resto.

 

O ambiente entre os contribuintes é de velório.

 

Tendo o país a mais elevada carga tributária entre os emergentes e estando 180 milhões de brasileiros sufocados entre os tributos diretos e indiretos impostos pelos detentores do poder – sendo ainda elevado o índice de desemprego e baixo o nível de crescimento do PIB se comparado à China, Índia, Rússia, Argentina, nossos maiores concorrentes, ao lado do México – à evidência, a sangria dos recursos privados e desperdiçados entre os agentes públicos é de tal nível, que o próprio Ministro Mantega, há 3 semanas atrás, chegou a dizer que a carga é mal distribuída e continua elevada para o país.

 

Neste interim, o Bird declarou que o Brasil é um daqueles países em que a corrupção mais se encontra presente; e o IEDI demonstrou que só Irlanda e Tailandia têm, no cenário mundial, maiores amarras burocráticas contra o desenvolvimento. Enquanto isso, o governo, via Secretaria da Fazenda e Procuradoria da Fazenda Nacional, principiou a lançar um “pacote” pelo qual os Conselhos de Contribuintes transformar-se-ão em câmaras homologatórias e acólitas das decisões do Secretário da Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional poderá executar as decisões homologadas pelos Conselhos contra o patrimônio dos contribuintes, à revelia do Poder Judiciário.

 

Já hoje o próprio governo reconhece que os depósitos judiciais em processos cujas decisões poderão lhe ser desfavoráveis, já representam a maior parte do “superávit”. Sem qualquer espécie de pejo relativamente à confiscatória arrecadação, limita-se a declarar que ela decorre de “depósitos judiciais em valores elevados”, sem se constranger pelo fato de que muito desse volume de recursos resulta de coação a que o contribuinte é obrigado a se submeter para poder exercer seu direito de defesa.

 

Não é apenas isto que preocupa. A fim de eliminar ainda mais o direito dos contribuintes, proibiu S.Exa., o Secretário da Receita Federal, que especialistas de direito tributário participem dos Conselhos de Contribuintes, como representantes destes, mas escolhe os maiores especialistas em direito tributário da Receita Federal para lá ocuparem assento, criando um desequilibrado Conselho, do qual os representantes da sociedade que entendem de direito tributário estão automaticamente alijados.

 

Por outro lado, estas Câmaras homologatórias da Receita é que gerarão os contaminados créditos tributários da União, cujo valor, se o projeto de lei for aprovado, será, de imediato, “confiscado” do contribuinte, com a exclusão do Poder Neutro, que é o Judiciário, de apreciar a legitimidade da exigência dando ao contribuinte a oportunidade de contestá-la previamente. É que a discussão judicial não terá efeito suspensivo sobre a execução, exceção feita à “penhora on line”, que terá que ser autorizada pelo Judiciário. Cedeu, o governo, neste ponto do projeto, pois já obtem, nos depósitos judiciais, a transformação provisória desses valores em renda da União.

 

Todos estes atentados contra a sociedade para justificar o escandaloso aumento de arrecadação sem prestação de serviços públicos – o cáos aéreo é a inequívoca prova de como nossos tributos são mal aplicados-, demonstra estarmos vivendo a mais dantesca, inacreditável, indecente e aética ditadura fiscal da história do País.

 

Todos esses cerceamentos ao direito de defesa se fazem à luz de uma Constituição de uma República Democrática, que se caracterizou por possuir, no art. 5º, um rol de direitos fundamentais em que se destaca, no inciso LV, a ampla defesa administrativa e judicial, estando assim redigido: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifos meus).

 

De rigor, meus caros e brilhantes amigos – nada obstante as divergências – que são Jorge Rachid e Luís Adams, lêem o dispositivo, em matéria tributária, como se nele estivesse escrito: “nenhuma defesa administrativa e judicial será outorgada ao novo escravo da gleba do Século XXI, que é o pagador de tributos”.

 

Pobre do contribuinte que vive no Brasil.

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
AMPAS,. Depósitos em Juízo e Confisco. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2007. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/depositos-em-juizo-e-confisco/ Acesso em: 24 abr. 2024