Sumário: 1 Introdução. 2 Prazo para propositura de ação de repetição. 2.1 Natureza jurídica da decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. 2.2 Modulação temporal dos efeitos. 2.3 Contagem do prazo desconsiderada a modulação de efeitos. 4 Autocompensação.
1 Introdução
Assunto da maior relevância é o que diz respeito a repetição de tributo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. A falta de jurisprudência segura e estável de nossos tribunais vem prejudicando os interesses dos contribuintes vitimados pela cobrança de tributos indevidos.
Duas questões merecem ser examinadas: (a) qual o prazo para propositura de ação de repetição de indébito tributário? (b) a autocompensação de tributo declarado inconstitucional.
2 Prazo para propositura de ação de repetição
A declaração de inconstitucionalidade de um tributo pode ocorrer no bojo de um Recurso Extraordinário por via de controle difuso, ou na ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – por meio de controle concentrado.
2.1 Natureza jurídica da decisão que declara a inconstitucionalidade
Qual a natureza jurídica de decisão que declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo?
Para a doutrina clássica (Francisco Campos, Ruy Barbosa e Alfredo Buzaid, dentre outros) a decisão que pronuncia a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem natureza meramente declaratória surtindo efeito ex tunc. Para os defensores da doutrina de Kelsen a decisão que decreta a inconstitucionalidade tem natureza constitutiva ou constitutiva negativa à medida que desconstitui o ato acoimado de inconstitucional. É o posicionamento defendido, dentre outros, por José Afonso da Silva, Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Temístocles Brandão Machado. Para essa corrente, portanto, a declaração de inconstitucionalidade surte efeito ex nunc.
No controle difuso a decisão de inconstitucionalidade só gera efeito intra partes dependendo o efeito erga omines da Resolução do Senado Federal suspendendo a aplicação da lei ou ato normativo atingido (art. 52, X, da CF).
No controle concentrado a decisão surte, desde logo, efeito erga omines.
N’uma e n’outra hipótese a decisão de inconstitucionalidade não atinge o plano de existência/validade da norma, do contrário não se poderia entender a modulação temporal de efeitos como permitem o art. 27 da Lei n° 9.868/99 (ADI) e o art. 11 da Lei n° 9.882/99 (ADPF).
2.2 Modulação temporal dos efeitos
A modulação temporal de efeitos, que não é uma questão nova como aparenta, só é cabível nas hipóteses em que a inaplicação da norma considerada inconstitucional poderia acarretar situação que apresente violência ainda maior a princípios constitucionais. Costumase citar como exemplo ilustrativo o caso de vereadores de Mira Estrela, quando o STF, embora declarando a inconstitucionalidade da composição daquela Casa Legislativa, decidiu que ela seria constitucional até o final dos mandatos dos vereadores, quando então só seria eleito o número de vereadores permitido pela Constituição. Se a decisão operasse efeito ex tunc, no caso, haveria um verdadeiro caos naquele Município, quer pela nulidade dos atos legislativos produzidos, quer pela paralisação temporária do Poder Legislativo local.
2.3 Contagem do prazo desconsiderada a modulação de efeitos
Tenho para mim que na seara do Direito Tributário a modulação de efeitos é absolutamente incabível em razão dos princípios de legalidade tributária, da segurança jurídica e da moralidade pública. A unanimidade dos tributaristas reunidos no XXXV Simpósio Nacional de Direito Tributário, no dia 19/11/2010, em São Paulo assim deliberou, destacando não ser possível “permitir a exigibilidade de tributo inconstitucional ou impedir a sua restituição”.
De fato, não há como sustentar que a não cobrança de tributo considerado inconstitucional, ou a não repetição dele irá acarretar violência maior do que a aplicação do princípio da legalidade tributária.
Pelo contrário, o princípio maior da moralidade pública está a exigir a abstenção na cobrança de tributo inconstitucional, bem como a restituição do que já cobrou indevidamente.
Afastada a tese da modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade pode-se afirmar que o prazo para propositura de ação de repetição de tributo declarado inconstitucional é de cinco anos a contar:
a) da data da publicação da Resolução do Senado Federal em caso de declaração de inconstitucionalidade pelo STF no exercício de controle difuso;
b) da data do trânsito em julgado da decisão declaratória de inconstitucionalidade na hipótese de decisão originada do exercício do controle concentrado de constitucionalidade.
O STJ que vinha decidindo dentro dessa linha de orientação1, a partir de março de 2004 mudou de posicionamento passando o entender que em ambas as hipóteses – controle difuso e controle concentrado – o termo inicial da prescrição é a data da extinção do crédito tributário pelo pagamento ao teor do art. 168, I, c.c art. 156, I, do CTN2 .
O STF, por sua vez, vem entendendo que a questão do termo inicial do prazo prescricional para a ação de repetição não se insere no âmbito da matéria constitucional, invocando a conhecida jurisprudência no sentido de que não se conhece de recurso extraordinária fundado em ofensa indireta a dispositivos constitucionais.3
Na verdade, não há prazo previsto no CTN para a hipótese de declaração de inconstitucionalidade.
Como salientado pelo Min. Franciulli Neto no Resp n° 534.986 a declaração de inconstitucionalidade de lei instituidora de um tributo altera a natureza jurídica dessa prestação pecuniária que passa a ser um indébito sem causa do poder público, e não de um indébito tributário.
Trata-se, portanto, de um indébito que resulta de ato ilícito ensejando a aplicação do Decreto n° 20.910/32 que estipula o prazo de cinco anos para cobrança de dívidas passivas da Fazenda Pública. O termo inicial é a data do fato ou do ato que ensejou a dívida. É exatamente a declaração de inconstitucionalidade que faz nascer a dívida pública a ser objeto de repetição. Antes dessa decisão não há Resp nº 534.986/SC, Relator para acórdão Min. Franciulli Netto, DJ de 15.3.2004; EResp n° 423.994/MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 5-4-2004, p. 194 Resp n° 1.110.578/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 21-5-2010; AgRg n° 958.908/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 24-2-2010; EResp nº 435.835/SC, Rel. Min. Franciso Peçanha Martins, Rel. p/acórdão Min. José Delgado, DJ de 4-6-2007; AgRg no Ag nº 803.662/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 19-12/2007. AgRg no RE nº 417379/PE, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 22-10-2004. 5 dívida, portanto, não há inércia do contribuinte a ensejar a deflagração do prazo prescricional.
Na hipótese em que o contribuinte discutiu judicialmente o tributo acoimado de inconstitucional e perdeu definitivamente a demanda, para ingressar com ação de repetição motivada por declaração de inconstitucionalidade na ADI ou no Recurso Extraordinário impetrado por outro contribuinte, deverá, previamente, rescindir o julgado que lhe foi contrário em homenagem ao princípio da coisa julgada.
4 Autocompensação
Na hipótese de consumação do prazo prescricional para a ação de repetição há mecanismo hábil para o contribuinte recuperar o crédito tributário?
Penso que é possível promover a autocompensação do tributo, aguardando-se a iniciativa do fisco. A autocompensação insere-se na seara do direito potestativo porque desprovida de pretensão, isto é, é insuscetível de violação capaz de deflagrar a fluência do prazo prescricional. Como a tutela dos direitos potestativos se dá por meio de ação constitutiva, esta sofre os efeitos da decadência sempre que fixado prazo especial para o exercício do direito. O CTN só fixa prazo para o exercício desse direito potestativo para a Fazenda Pública. Com efeito, a Fazenda dispõe de cinco anos para constituir o crédito tributário pelo lançamento. Não há prazo legal para o contribuinte exercer esse direito, podendo ser exercitado a qualquer tempo. Acrescente-e que nos tributos de lançamento por homologação está implícito esse direito à compensação por meio do mecanismo contábil de débito e de crédito nos livros fiscais do contribuinte.
SP, 6-12-10.
* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br