Direito Tributário

Vendas de mercadorias e serviços com desconto

 

O propósito deste artigo é o de examinar a questão dos descontos nos preços de vendas de mercadorias e de serviços para saber se esses descontos podem ou não ser abatidos da base de cálculo do respectivo imposto. Em seguida, examinaremos o reflexo da redução da base de cálculo do ICMS no crédito a ser compensado em obediência ao princípio da não cumulatividade do imposto.

 

 Quando o desconto é concedido em caráter incondicional como meio de atrair maior clientela, às vezes, a própria legislação tributária permite a redução da base de cálculo, porque o preço efetivo da mercadoria ou do serviço é espelhado pelo valor que o vendedor ou o prestador do serviço recebeu.

 

 A jurisprudência do Colendo STJ é tranqüila no sentido da exclusão da base de cálculo dos valores descontados incondicionalmente.  Em matéria de ISS assim decidiu aquela alta Corte de Justiça:

 

“RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. VIOLAÇÃO DO ART. 146, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DO STF. NULIDADE DA CDA. REEXAME DE PROVA. OFENSA AO ART. 113, § 2º, DO CTN. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. CONTRARIEDADE AO ART. 9º DO DECRETO-LEI 406/68. DESCONTOS CONCEDIDOS DE MODO INCONDICIONADO NÃO INTEGRAM A BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE  PROVIDO.

1. A análise de suposta violação de dispositivo constitucional, em sede de recurso especial, é alheia à competência atribuída a esta Corte, conforme dispõe o art. 105, III, da Constituição Federal.

2. Qualquer conclusão em sentido contrário ao que decidiu o aresto atacado, com relação aos requisitos de validade da CDA,  envolveria o reexame do material fático-probatório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, conforme dispõe a Súmula 7/STJ: “A pretensão de  simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

3. O Tribunal de origem não decidiu a controvérsia à luz do art. 113, § 2º, do CTN, faltando-lhe, pois, o requisito do indispensável prequestionamento. Aplicação da Súmula 211/STJ.

4. “Descontos no preço do serviço que forem feitos de forma incondicionada, sem qualquer condição, serão válidos. O preço do serviço será, portanto, o valor cobrado já com o desconto. Se não for comprovado que a dedução foi incondicionada, mas decorreu de uma certa condição, o fisco poderá cobrar a diferença do ISS.” (MARTINS, Sérgio Pinto, “Manual do Imposto sobre Serviços”, 7ª edição, São Paulo, Atlas, 2006, p. 82 e 83).

5. Recurso especial conhecido  e parcialmente provido para reconhecer que os descontos incondicionados concedidos em nota fiscal não integram a base de cálculo do ISS.” (Resp n° 1015165/BA, Rel. Min. Denise Arruda, Julgamento em 17/11/2009, DJe de 09/12/2009).

 

Como o ISS, diferentemente do ICMS, é imposto de natureza cumulativa nenhum reflexo existe no recolhimento desse imposto motivado pelo desconto em sua base de cálculo.

 

 Em relação ao ICMS, após reiteradas decisões no mesmo sentido (Resp nº 432.472/SP, Rel. Min. Castro Meira, EResp n° 508.057/SP, Rel. Min. Castro Meira; Resp n° 783.184/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki; Resp n° 975.373/MG, Rel. Min. Luiz Fux), o STJ editou a Súmula n° 457 com o seguinte enunciado: 3 “Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.”

 

 O problema que surge com essa redução da base de cálculo é o reflexo que pode causar no critério da compensação do que foi pago nas operações anteriores por força do princípio da não cumulatividade do ICMS.

 

 É que o Plenário do STF, ao negar provimento ao RE n° 43.7006/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, interposto pela Claro S/A decidiu por unanimidade, em 9-12-2010, que a lei pode prever a manutenção do crédito na mesma extensão do débito final porque o texto constitucional ao assegurar o abatimento do que já foi cobrado pressupõe operações subseqüentes em que, no tocante ao mesmo produto, ter-se-á tributo superior ao recolhido anteriormente.

 

 Esse entendimento foi firmado em face da legislação fluminense que prescreve que no § 1º, do art. 37, da Lei nº 2.657/96 que “quando, por qualquer motivo, a mercadoria for alienada por importância inferior ao valor que serviu de base de cálculo na operação de que decorreu sua entrada, será obrigatória a anulação do crédito, correspondente à diferença entre o valor citado e o que serviu de base ao calculo na saída respectiva”. 

 

 O primeiro aspecto a considerar é que o estorno proporcional do crédito tem previsão na lei do ICMS do Estado do Rio de Janeiro, por isso decidiu o Plenário do STF que “a lei local, ao prever manutenção do crédito na extensão do débito final, atendeu à finalidade pretendida pelo texto constitucional: evitar cobrança cumulativa”.

 

 Outro aspecto peculiar é que a Claro S/A promove a venda de aparelhos telefônicos por preços inferiores aos custos de entrada com o objetivo direto de fidelizar clientes, buscando indiretamente  a expansão do consumo do serviço principal, a telecomunicação. Pode-se dizer, dessa forma, que o valor do desconto superior ao preço de aquisição do aparelho telefônico será diluído no preço das tarifas pagas pelos usuários do serviço de telecomunicação.

 

 Por tais motivos, entendo que a decisão proferida no RE n° 43.7006/RJ não pode ser generalizada para alcançar casos de descontos incondicionais, de caráter promocional e temporário. Às vezes, há necessidade de uma determinada empresa promover venda de mercadorias ou produtos por preço inferior ao da aquisição porque ficaram “encalhados”.

 

 Na verdade,  a Claro S/A, bem como outras empresas do gênero estão promovendo vendas que podem ser entendidas como “vendas casadas”, o que é vedado pelo art. 39, I do CDC.

 

 

* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Vendas de mercadorias e serviços com desconto. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/vendas-de-mercadorias-e-servicos-com-desconto/ Acesso em: 19 abr. 2024