Direito Tributário

A imunidade das instituições

A imunidade das instituições

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

O Diário da Justiça da União publicou, em 27 de outubro, liminar proferida em ação cautelar pela 2ª Câmara do Supremo Tribunal Federal, em que foi confirmada decisão monocrática do relator, ministro Celso de Mello, no sentido de que a instituição autora -Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre- goza da imunidade prevista no artigo 195 § 7º da Constituição (contribuições sociais destinadas à seguridade social).

 

Em sua decisão, o ministro José Celso, mencionou precedente daquela Corte, tendo como recorrente a Associação Paulista da Igreja Adventista, que foi patrocinado por meu escritório e no qual tive oportunidade de proferir sustentação oral, perante a 1ª Turma. Sua Exa. votou, mantendo a mesma orientação que então hospedara: “A cláusula inscrita no art. 195, § 7°, da Carta Política -não obstante referir-se, impropriamente, à isenção de contribuição para a seguridade social-, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei.

 

A jurisprudência do STF já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7°, da Constituição, a existência de uma típica garantia de imunidade estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. Tratando-se de imunidade -que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional-, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo” (RTJ 185/900-901, Rel.Min. Celso de Mello).

 

É interessante notar que, no caso, embora se tratasse de entidade imune, a Santa Casa estava impedida de obter certidões positivas com efeitos de negativa, tendo a medida cautelar afastado o impedimento criado pelo Poder público à obtenção do referido documento, cuja falta implicava a impossibilidade de receber recursos públicos, de participar de projetos de interesse nacional e obter financiamentos.

 

O eminente ministro cita variados acórdãos do Pretório Excelso em controle difuso favoráveis à imunidade de tais entidades, seja no que concerne às contribuições sociais, seja no que se refere à estabilidade da jurisprudência da Magna Corte, no correr de tantos anos. A matéria já fora também abordada, com concessão de liminar, em controle concentrado de constitucionalidade (Adin 2028), tendo, o pleno do Tribunal entendido que entidades como as Santas Casas gozam de imunidade em relação àquelas contribuições sociais.

 

Pende ainda de decisão, naquela Corte, outra ação em que a imunidade é discutida (Adin 3330), agora com relação às instituições de educação, que gozam da mesma proteção constitucional que as entidades assistenciais, em que se espera que o STF venha a reiterar sua monolítica inteligência quanto à imunidade como vedação constitucional ao poder de tributar, como, aliás, é considerada na própria Constituição. É de se lembrar que o próprio relator da Adin 3330, ministro Carlos Brito, já deferiu, monocraticamente, recurso extraordinário que versava essa questão jurídica, em caso protagonizado por instituição paranaense (Ação Cautelar 271-1, site internet STF).

 

Creio que, quanto antes a Suprema Corte julgar a referida ação direta, tanto mais pacificada ficará a interpretação da norma que consagra essa desoneração constitucional, principalmente se entender, como já ocorreu em sinalizações nas discussões anteriores, de que os requisitos a que se refere à parte final da alínea “c”, do inciso VI, do art. 150, assim redigido:

 

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

………….

VI – instituir impostos sobre: …….

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; ……..”.

 

só podem ser definidos por lei complementar, evitando que 5,5 mil entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) possam, por lei ordinária, instituir requisitos peculiares para a caracterização da imunidade, no âmbito dos tributos de suas respectivas competências, gerando um caos conceitual fantástico.

 

O certo é que o recente posicionamento da 2ª Turma do STF reforça a exegese de que as imunidades não podem ser reduzidas por leis convenientes ou coniventes, das esferas legislativas federativas, como panacéia para os problemas de caixa dos Erários.

 

 

* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A imunidade das instituições. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/a-imunidade-das-instituicoes/ Acesso em: 29 mar. 2024