Direito Tributário

Crédito do ICMS incidente sobre energia elétrica adquirida pelas empresas de telecomunicação

 

 

Há grande controvérsia em torno da possibilidade ou não de aproveitamento de crédito do ICMS incidente na aquisição de energia elétrica pelas empresas concessionárias de telecomunicação. Essa questão está, atualmente, sendo discutida no Superior Tribunal de Justiça.

 

Até o advento da Lei Complementar n° 102/2000, que alterou o art. 33 da Lei Complementar n° 87/96 limitando o aproveitamento do crédito do ICMS à energia elétrica utilizada no processo de industrialização, não havia qualquer objeção do fisco estadual na apropriação do crédito do imposto pelas concessionárias de telecomunicação.

 

Bastou a modificação retro-apontada para o fisco defender posição contrária ao contribuinte.

 

Examinemos essa questão à luz do princípio da não-cumulatividade do ICMS conferindo à palavra “insumo” significado conformado com o texto constitucional.

 

O art. 33 da Lei Complementar em sua redação original dispunha: “Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:

 

…………………………………………………………………

II – a energia elétrica usada ou consumida no estabelecimento dará direito a crédito a partir da entrada desta Lei Complementar em vigor.”

 

Portanto, a partir de 13-9-1996, data da vigência da LC n° 87/96 o direito ao crédito do imposto pelas empresas de telecomunicação estava expresso na lei de regência nacional do ICMS.

 

A Lei Complementar n° 102/2000 veio conferir ao inciso II, do art. 33 retro transcrito a seguinte redação:

 

“II – somente dará direito a crédito a entrada de energia elétrica no estabelecimento:

a) quando for objeto de operação de saída de energia elétrica;

b) quando consumida no processo de industrialização;

c) quando seu consumo resultar em operação de saída ou

prestação para o exterior, na proporção destas sobre as

saídas ou prestações totais; e

…………………………………………………………………..”

 

Interessa para o exame deste caso o disposto na alínea b, do inciso II, ou seja, a energia elétrica consumida no processo de industrialização.

 

O fisco vem defendendo a interpretação no sentido de que a energia elétrica adquirida pelas empresas de telecomunicação não gera direito de crédito do imposto, porque ela não é consumida no processo de industrialização. Portanto, ela não poderia se caracterizar como um insumo.

 

Toda discussão gira, portanto, em torno do significado da palavra “insumo” tradicionalmente entendida como material ou produto submetido a uma operação que modifique a sua natureza, ou algo que desaparece no processo de industrialização porque integra o produto industrializado.

 

Para perfeita compreensão da matéria é preciso, em primeiro lugar, atentar para o princípio da não-cumulatividade previsto no inciso I, do § 2°, do art. 155, da CF, segundo o qual o imposto devido em cada operação compensa-se com o montante do imposto cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou outro Estado.

 

A empresa de telecomunicação adquire energia elétrica com incidência do ICMS e se sujeita à tributação pelo ICMS por ocasião da venda do serviço de comunicação.

 

Logo, resta claro o direito a creditamento do ICMS. Nem a lei complementar, nem a lei ordinária pode prescrever o contrário. As hipóteses de flexibilização do direito a crédito do imposto são apenas aquelas previstas no inciso II, do § 2°, do art. 155, da CF, ou sejam, nos casos de isenção e nos casos de não-incidência.

 

Prossigamos com o exame do conceito de insumos.

 

Esse conceito não pode ser entendido como inflexível. Ele deve ser analisado à luz da nova realidade constitucional que, rompendo o tradicional conceito de mercadoria, deu à energia elétrica a natureza de mercadoria ao submetê-la à incidência do imposto sobre circulação de mercadorias. DE fato, de prestação de serviços não se trata, porque os serviços tributáveis pelo Estado são apenas os de transporte interestadual, intermunicipal e o de comunicação. Logo, energia elétrica, para efeitos do ICMS, é mercadoria, tradicionalmente conhecida como bem de natureza corpórea, objeto de mercancia.

 

Daí porque a energia elétrica é um insumo que é consumido no processo de prestação do serviço de comunicação. É um elemento essencial à geração da comunicação.

 

Insumo não é apenas um produto palpável ou bem corpóreo.

 

Conforme AURÉLIO, o insumo é “elemento que entra no processo de produção de mercadorias ou serviços” (Novo Dicionário Aurélio, São Paulo: Ed. Positivo, 2009).

 

Com efeito, sem a energia elétrica não será possível a produção de sons indispensáveis à comunicação.

 

Logo, a energia elétrica integra o processo de industrialização que resulta na produção dos serviços de comunicação. A palavra “industrialização” a exemplo da palavra “insumo”, em seu sentido tradicional, representa algo que re4sulta em um bem material, o produto industrializado que se obtém por meio de transformação de matérias primas.

 

Acontece que a energia elétrica, sem ser bem material ou mercadoria, em seu sentido tradicional, é tributada pelo ICMS que recai sobre as operações relativas à circulação de mercadorias. Logo, se a prestação do serviço de comunicação, resultante da utilização da energia elétrica adquirida pelas concessionárias de telecomunicações, é igualmente tributada pelo ICMS, há que se conferir à palavra “industrialização” e à palavra “insumo” interpretação conforme com a Constituição que prescreveu o princípio da não-cumulatividade do ICMS. Se a operação de saída é tributada impõe-se o reconhecimento do crédito decorrente da operação de entrada, sob pena de ofensa àquele princípio constitucional.

 

Esclareça-se que o ICMS é uno. Não cabe separar operação de circulação de mercadoria (venda de energia elétrica) da operação de prestação de serviço (venda do serviço de telecomunicação). Da mesma forma, a escrita fiscal é una apurando-se no final do mês o montante do imposto devido, representado pela diferença entre os valores pagos na entrada e os valores devidos pela saída.

 

Positivamente, quer em função do princípio da não-cumulatividade do ICMS, quer em razão de a energia elétrica constituir-se em um insumo utilizado no processo de geração de comunicação, a aquisição de energia elétrica pelas empresas de telecomunicação assegura o direito ao crédito do ICMS sobre ela incidente.

 

SP, 21-9-10.

 

 

* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Crédito do ICMS incidente sobre energia elétrica adquirida pelas empresas de telecomunicação. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/credito-do-icms-incidente-sobre-energia-eletrica-adquirida-pelas-empresas-de-telecomunicacao/ Acesso em: 28 mar. 2024