Direito Tributário

Simples Nacional: inconstitucionalidade da exclusão de profissionais liberais

 

 

  A Lei Complementar n° 123 de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte criou o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidas pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES Nacional (art. 12). Como se depreende do seu art. 13 o SIMPLES Nacional implica recolhimento unificado dos seguintes tributos: Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS); Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP); Contribuição Social incidente sobre Folha de Remuneração; Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços (ICMS); e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

 

O setor de serviços continuou sendo o mais onerado, mesmo no regime do SIMPLES Nacional. As alíquotas variam de 6% a 17,42%, conforme incisos II a VI, do § 5°, do art. 18 contra as alíquotas de 4% a 11,61% do setor de comércio, e alíquotas de 4,5% a 12,11% do setor industrial.

 

Para conceituação de Microempresa e de Empresa de Pequeno Porte a lei adotou um critério objetivo baseado na receita bruta anual, conforme prescrição do art. 3°: (a) receita anual igual ou inferior a R$ 240.000,00 para Microempresa e (b) receita bruta anual superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 para Empresa de Pequeno Porte.

 

Assim, são inconstitucionais as 15 hipóteses de exceções, casuisticamente estabelecidas em seu art. 17, dentre as quais, as sociedades “que tenham por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não”. (inciso XI).

 

O legislador vedou a opção pelo SIMPLES Nacional exatamente as sociedades organizadas para o exercício de atividades intelectuais que deveriam estar merecendo incentivos do Estado. Tamanha discricionariedade afronta, não só, o princípio da razoabilidade, um limite imposto à ação do próprio legislador, como também, o dispositivo no art. 179 da CF:

 

“Art. 179 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de Lei”.

 

Ora, se a lei já definiu as Microempresas e as Empresas de Pequeno Porte mediante emprego de um critério objetivo – receita bruta anual – aplica-se, ipso fato, em relação a elas o regime diferenciado. O preceito constitucional sob exame não deixou margem de discrição ao legislador infraconstitucional para vedar a fruição do regime diferenciado em função da atividade exercida pela sociedade que se enquadre no conceito de Microempresa ou de Empresa de Pequeno Porte, mesmo porque essa discriminação ofenderia o princípio da isonomia.

 

Essa ação casuística do legislador, que agride o princípio da igualdade de todos perante a lei, na verdade, provoca desregulação das atividades econômicas, na contramão do que dispõe o art. 174 da CF:

 

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

 

Essa violação do princípio da isonomia fica acentuada ao se constatar que a lei estabeleceu exceção à regra de exceção, permitindo a adesão ao SIMPLES Nacional dos escritórios de contabilidade (atividade legalmente regulamentada), conforme dispõe o § 1°, do art. 17 c.c art. 18, § 5°-B, XIV, observado o disposto no § 22-B. Tantos são os detalhes nas regras de exceção à regra geral de proibição de opção pelo regime diferenciado que tem-se a impressão de que o legislador agiu sob encomenda de grupos interessados.

 

Agora, tramita no Senado Federal o PLC n° 90/2010 que prevê a inclusão no SIMPLES Nacional dos prestadores de serviços de engenharia e arquitetura, sob o argumento de que essas profissões carecem de estímulos e valorização. Enquanto isso, os advogados que a exemplo dos engenheiros e arquitetos exercem profissão legalmente regulamentada e que são considerados indispensáveis à administração da Justiça, nos termos do art. 133 da CF, ficam de fora do benefício do regime diferenciado.

 

Não faz sentido manter-se a disposição inconstitucional que veda a opção pelo regime diferenciado por parte de profissionais que prestam relevantes serviços à sociedade, de um lado, e, de outro lado, ir, aos poucos, abrindo exceções permitindo o ingresso no SIMPLES Nacional desta ou daquela categoria de profissionais, tudo ao sabor dos interesses do momento.

 

É caso de instituição ou órgão legitimado ingressar com ADI no STF questionando as vedações casuísticas do art. 17 da LC n° 123/06.

 

 

* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Simples Nacional: inconstitucionalidade da exclusão de profissionais liberais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/simples-nacional-inconstitucionalidade-da-exclusao-de-profissionais-liberais/ Acesso em: 28 mar. 2024