Direito Tributário

Repetição de indébito tributário**

Repetição de indébito tributário**

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

O propósito deste artigo é o de analisar, em rápidas pinceladas, os requisitos para a ação de repetição de indébito tributário e o prazo para a sua propositura.

    

O art. 165 do CTN elenca três hipóteses em que o sujeito passivo da obrigação tributária tem direito à restituição total ou parcial de tributo. Na verdade, essas hipóteses se resumem numa só, qual seja, a exigência tributária em desconformidade com a lei. Por isso, a repetição repousa no princípio da legalidade tributária, e não, no princípio pomponiano do enriquecimento ilícito, comumente invocado pela doutrina clássica. Quem pagou a mais do que determina a lei, tem direito à restituição da importância excedente; quem pagou a menos, sujeita-se ao lançamento complementar com incidência de multa e juros. Não se cogita de prova do erro, essencial no direito privado.

    

O art. 166 do CTN, por sua vez, exige, em relação aos chamados tributos indiretos a prova de que o sujeito passivo assumiu o encargo financeiro do tributo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la. Esse dispositivo, que extravasa dos limites da norma geral de direito tributário, não tem razão de ser, porque, conforme já assinalamos, impõe ao sujeito passivo condições de impossível repetição em determinados casos, perpetrando a retenção indevida do tributo pelo sujeito ativo (Direito financeiro e tributário. São Paulo : Atlas, 8. ed., 2001, p. 492). Não há, em termos de direito positivo, a classificação de tributos em diretos e indiretos, nem possibilidade jurídica de averiguar, objetivamente, a ocorrência do fenômeno da repercussão econômica do tributo em caso concreto.

    

Não é por outra razão que o STF, conforme ementa adiante transcrita, orientou-se no sentido da desnecessidade dessa prova esdrúxula, que confunde a relação de direito público, existente entre o fisco e o contribuinte, com a relação de direito privado, existente entre o vendedor e o comprador. Este, nenhum vínculo jurídico tem com a Fazenda a justificar sua anuência na ação de repetição.

 

“IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – DIREITO DE CRÉDITO – IRRELEVÂNCIA DA TRANSFERÊNCIA DO ÔNUS A ADQUIRENTE DA MERCADORIA. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sedimentou-se no sentido de entender irrelevante para o reconhecimento do direito ao crédito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias o fato de haver ocorrido a transferência do ônus a adquirente da mercadoria industrializada. Precedentes: embargos de divergência em embargos de declaração em recurso extraordinário nº 114.599-4/SP e 109.241-6/SP, julgados pelo Pleno, tendo sido designado Redator para o acórdão, do primeiro, o Ministro Carlos Velloso, e relatado, o segundo, pelo Ministro Célio Borja, com arestos veiculados nas Revistas Trimestrais de Jurisprudência ns. 149/870 e 132/370, respectivamente.” (RE nº 170.830-1-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 30/05/97).

 

    

Vejamos, agora, o prazo para impetração da ação de repetição. O artigo 168 do CTN fixa esse prazo em cinco anos, a contar da extinção do crédito tributário pelo pagamento, ou, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

    

À luz desse preceito legal, o STF firmou jurisprudência no sentido de que a contagem do prazo prescricional, para propositura de ação de repetição, conta-se a partir da decisão judicial que declarou a inconstitucionalidade do tributo. A respeito, confira-se os julgados pertinentes à restituição do empréstimo compulsório sobre viagens ao exterior e aquisição de combustíveis e automóveis.

    

Outrossim, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, esse prazo quinqüenal conta-se a partir do esgotamento do prazo de cinco anos para a homologação.

    

O crédito tributário, como é óbvio, não pode ser repetido antes de sua constituição pelo lançamento. Antes dele, o que existe é a obrigação tributária e não o crédito tributário. Não concordamos com a doutrina, segundo a qual, o crédito tributário nasceria juntamente com a obrigação tributária e com ela se extinguiria simultaneamente. Embora não possa existir o crédito tributário sem a obrigação tributário é perfeitamente possível a existência da obrigação tributária sem o crédito tributário como na hipótese, por exemplo, de anulação de lançamento por vício formal. Por isso diz o art. 139 do CTN que o crédito tributário decorre da obrigação principal. Isso conduz ao prazo de dez anos que, durante longo tempo, o STJ vinha aplicando em relação ao direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário pelo lançamento, que se trata de hipótese completamente diferente.

    

Na ação de repetição não se busca a desconstituição do crédito tributário, o que se dá pela ação anulatória do lançamento, sujeito ao prazo prescricional de cinco anos, pelo que, fica afastada a aplicação do princípio da simetria, reclamado por alguns estudiosos.

    

Na repetição, limita-se a pedir a restituição do que foi pago indevidamente. Daí porque já decidiu a jurisprudência que nos tributos sujeitos à homologação, em que não houve homologação expressa, a decadência do direito de repetir o indébito tributário somente ocorre, decorridos cinco anos, desde a ocorrência do fato gerador acrescido de outros cinco anos, contados do termo final do prazo deferido ao fisco para a apuração do tributo devido (TRF da 4ª Região, rel. Juiz Vilson Darós, AC 96.0401581-RS, DJ de 2-5-1996, p. 28.050). O prazo, na verdade, é de prescrição e não de decadência, pois, como dito linhas atrás, não se busca desconstituir o lançamento, mas, reclamar de volta o que foi pago a mais. A ação de repetição tem, pois, natureza condenatória por envolver pretensão suscetível de violação, sujeitando-se aos efeitos da prescrição, e não, da decadência, que se articula com o exercício de direitos potestativos, insuscetíveis de violação.

 

SP, 09.10.01.

 

 

* Sócio da Harada Advogados Associados. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo

**Artigo publicado na Revista Jurídica Consulex, Ano V, nº 116, novembro/2001, p. 26.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Repetição de indébito tributário**. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/repeticao-de-indebito-tributario/ Acesso em: 29 mar. 2024