Direito Tributário

A Reforma tributária

A Reforma tributária

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

O anúncio de um novo pacote tributário, a ser discutido pela sociedade e no Congresso Nacional, em dimensões mais modestas que aquelas das tentativas anteriores, foi seguido de inúmeras críticas dos mais variados segmentos sociais, inclusive de outras esferas do Governo.

    

Resume-se à prorrogação da CPMF, à promessa de desoneração das exportações no que diz respeito à cumulatividade das contribuições (PIS e COFINS), à simplificação e federalização do ICMS e a definiçãode uma alíquota mínima para o ISS. A par da reforma tributária, há também proposta de introdução, no sistema de controle concentrado de constitucionalidade, de dispositivo com efeito vinculante, pelo qual o STF poderia suspender para melhor análise, quaisquer processos sobre matéria tributária, em curso nas instâncias inferiores.

    

A impressão que se teve, quando do anúncio oficial, foi a de que o Governo, de rigor, está interessado, apenas, na prorrogação da CPMF e na eliminação do controle difuso de constitucionalidade no direito impositivo, tornando todas as questões sujeitas ao controle concentrado.

    

As demais propostas serviriam apenas para demonstrar que o Governo não está parado, mas não implicariam um interesse maior por parte dele em vê-las aprovadas.

    

Exatamente a melhor parte da proposta é aquela que o Governo tem menos condições de aprovar, por oposição de Estados e Municípios, não interessados em terminar com a guerra fiscal.

    

Estou convencido que o fato de o Brasil – ao contrário de mais de 100 países que adotam o sistema do valor agregado para os tributos regulatórios – ter regionalizado o ICMS e municipalizado o ISS – este cumulativo -, acabou por gerar uma profunda desvantagem na competitividade das empresas nacionais, agravada pela cumulatividade da COFINS e do PIS.

    

Enquanto os países civilizados têm um único tributo circulatório, não cumulativo – excetuem-se os Estados Unidos – centralizado ou federalizado, o Brasil, por meio de 5 tributos – três federais, um estadual, um municipal – onera, desnecessariamente o setor produtivo e, por uma visão provinciana de Estados e Municípios, não pretende mudar o regime jurídico.

    

A parte melhor, portanto, da proposta, que seria introduzir sistema moderno e civilizado no concernente à não cumulatividade, tem possibilidades remotas de aprovação.

    

A parte negativa, sim.

    

A CPMF é um imposto que eleva a dívida do Governo, os juros do mercado, o “spread” da inconfiabilidade; que onera a indústria, as exportações, os trabalhadores; que desestrutura o mercado de capitais e o sistema financeiro; que facilita a vida dos países concorrentes, que não têm tal deletéria imposição, com atração e desvio de capitais que poderiam vir para o Brasil; que afeta a política de câmbio, sensível à sinalização de que se trata de um péssimo instrumento de política monetária; que, por fim, é rejeitada por quase 200 países, exceção feita ao Brasil, Argentina e Colômbia, às voltas, todavia, com crise de desconfiança monetária e cambial, na visão dos economistas locais e externos.

    

A sua manutenção para fazer caixa, é como a droga que o dependente toma, objetivando o prazer imediato, a um custo elevadíssimo para sua saúde. A “performance” da economia brasileira é duramente afetada por estes fatores descompassadores e destabilizadores provocados pela CPMF, já tendo o Fundo Monetário Internacional alertado sobre os riscos de sua perpetuação.

    

Esta parte, todavia, a despeito dos malefícios que pode causar, deve ser aprovada.

    

Quanto à descumulatividade das contribuições, o sistema de ressarcimento de créditos é ruim, fazendo o contribuinte sujeitar-se aos humores do poder.

    

Por fim, o incidente de constitucionalidade pretendido, a meu ver, violenta a Constituição, pois pode anular o maior instrumento de defesa do contribuinte, que é o mandado de segurança, recurso processual, que a Lei Maior transformou em cláusula pétrea, por ser garantia individual. Objetiva a eliminação do controle difuso e de total concentração, no já sufocado Supremo Tribunal Federal, de todas as questões tributárias. Bastaria o contribuinte pretender defender seus direitos, para que possa o Governo acionar o Supremo inviabilizando essa defesa. Tratando-se de cláusula pétrea, a garantia do mandado de segurança é imodificável, à luz do artigo 60 § 4º, inciso IV da Lei Suprema.

    

Em outras palavras, a reforma constitucional tributária proposta é viável no que tem de ruim e é boa no que tem de inviável, pela difícil aprovação pelo Congresso. O final da novela redundará, a meu ver, em tributação maior e menos direitos para o contribuinte.

 

SP, 06.07.01.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. A Reforma tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/a-reforma-tributaria/ Acesso em: 19 abr. 2024