Direito Tributário

Imunidade Tributária

Imunidade Tributária

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Imunidade tributária é um instituto de natureza constitucional representando restrição ao exercício do poder impositivo do Estado. Em relação a certas pessoas e determinados patrimônios, renda ou serviços as entidades políticas (União, Estados, DF e Municípios) não podem instituir impostos. Implica proibição constitucional voltada ao legislador ordinário.

    

A Constituição Federal de 1988 trouxe algumas inovações no campo da imunidade como veremos.

    

Com relação a imunidade recíproca (art. 150, VI, “a” da CF) houve extensão dessa restrição ao poder de tributar às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, porém, só no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados as suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (§ 2º do art. 150). Não se aplica, contudo, a imunidade quando se tratar de exploração, pelos poderes públicos, suas autarquias ou fundações, de atividades econômicas regidas pelas normas próprias de empreendimentos privados, bem como, quando houver contraprestação ou pagamento de tarifas pelo usuário, nem exonerará o promitente-comprador da obrigação de pagar o imposto relativamente ao bem imóvel (§ 3º do art. 150 da CF). E mais, além de limitado o exercício da atividade econômica pelo Poder Público (art. 173 caput da CF) a sua exploração pelas empresas estatais obedece ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias, não podendo essas estatais gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado (§§ 1º e 2º do art. 173 da CF).

    

No que tange às imunidades genéricas, a Constituição Federal de 1988, também, ampliou o seu campo de abrangência. Além da tradicional imunidade dos templos de qualquer culto, dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado a sua impressão, do patrimônio, rendas ou serviços dos partidos políticos, das instituições de educação e de assistência social, a Carta Política de 1988 beneficiou as fundações instituídas por partidos políticos e as entidades sindicais de trabalhadores (art. 150, VI, b, c e d da CF).

    

Contudo, a Constituição vigente restringiu o conteúdo dessa imunidade genérica ao prescrever que as “vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas” (§ 4º do art. 150 da CF).

    

Ao contrário do que ocorre nos casos de imunidade recíproca, nas hipóteses de imunidade genérica, somente o patrimônio, a renda ou os serviços diretamente vinculados às finalidades essenciais das entidades contempladas no texto constitucional são alcançados pela imunidade.

    

Por isso, os imóveis de propriedade do SENAI, SENAC, SESI etc., alugados ou utilizados para fins não essenciais dessas entidades vêm sendo normalmente tributados pela Municipalidade de São Paulo, com amparo na jurisprudência do 1º TACIVIL de São Paulo.

    

Da mesma forma, o prédio de propriedade da Santa Casa de Misericórdia, locado à Casa Anglo Brasileira (Mappin), vem sendo tributado pelo IPTU porque não vinculado à finalidade essencial. O alugueres por ela auferidos, desde que aplicados na consecução dos objetivos estatutários, não são passíveis de tributação pelo imposto sobre a renda, assim como, são intributáveis pelo ISS os serviços de assistência médica por ela prestados.

    

Com relação aos prédios de propriedade da Igreja Presbiteriana do Brasil a situação é bem diferente. Apesar de não vinculados às atividades de culto são insucetíveis de tributação, porque dados em comodato ao Instituto Mackenzie, instituição educacional que há mais de um século vem desenvolvendo, nesses prédios, atividade de ensino, sem qualquer finalidade lucrativa. Assim, o Instituto Mackenzie que detém a posse direta dos imóveis, usufruindo das vantagens econômicas, seria o contribuinte do IPTU não fosse o referido Instituto amparado pela regra da imunidade. Nesse sentido foi a decisão do 1º TACIVIL do Estado de São Paulo nos autos do mandado de segurança impetrado pelo Instituto Mackenzie contra ato da autoridade municipal.

    

A Constituição Federal estabeleceu, a toda evidência, três patamares de imunidade. No primeiro patamar situam-se o patrimônio, a renda ou os serviços das entidades políticas componentes da Federação, que gozam da mais ampla imunidade, ressalvadas as hipóteses de exploração da atividade econômica pelo regime de direito privado e de contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. No segundo patamar colocam-se o patrimônio, as rendas ou os serviços das autarquias e das fundações públicas, desde que vinculados as suas finalidades essenciais ou delas decorrentes, isto é, indiretamente vinculados aos objetivos dessas entidades. Em terceiro e último lugar estão o patrimônio, as rendas ou os serviços das demais entidades, diretamente vinculados a suas finalidades essenciais.

    

Se é verdade que o dispositivo constitucional deve sempre ser interpretado de forma ampla é, também, verdade que essa interpretação elástica não pode implicar supressão da restrição constitucional expressa.

    

Nessas imunidades genéricas, além da inexistência da finalidade lucrativa, exige-se o atendimento dos requisitos da lei. Esses requisitos, no nosso entender, são aqueles previstos no art. 14 do CTN, quais sejam:

 

não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado;

aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

    

Sendo a imunidade uma forma de limitação do poder de tributar só poderia ser regulada por lei complementar, como expressamente prevê o art. 146, II da CF. Alguns autores sustentam que a imunidade não é limitação de competência, porque não é precedida de qualquer competência. A crítica “data venia” é improcedente. A outorga da competência impositiva, discriminando os impostos cabentes a cada entidade política já foi feita com limitação, colocando fora do alcance do poder impositivo, certos patrimônios, rendas ou serviços declarados imunes. Por isso, a própria discriminação constitucional de rendas tributárias já é uma limitação ao poder de tributar. Nesse sentido a imunidade é uma sub-limitação do poder impositivo.

    

Finalmente, a imunidade do livro, jornal e periódico, prevista na letra “d” do inciso IV do art. 150 da CF, é de natureza objetiva.

    

O CD Rom, o disquete etc., ainda que contenham matérias idênticas às veiculadas por livros, jornais e revistas, no nosso entender, estão fora do alcance das imunidades. Não importa o conteúdo do CD Rom ou do disquete. Pode ser até uma valiosa obra jurídica. A imunidade é objetiva, restrita ao livro, jornal e periódico. Visa proteger a educação, a cultura e a livre exteriorização de idéias, através desses meios tradicionais de expressão do pensamento. Daí a extensão da imunidade ao papel destinado à impressão dos livros, jornais e periódicos, com o que se evita neutralizar a proibição constitucional de tributar esses bens nominados.

    

Reforça esse nosso ponto de vista o fato de que, tradicionalmente, a divulgação de idéias por outros meios de comunicação, como rádio e televisão, sempre esteve fora do alcance da imunidade. Nem se argumente que à época do advento do instituto da imunidade inexistia a comunicação por rádio. Se fosse o caso, a Constituição Federal de 1988 poderia ter contemplado o CD Rom e o disquete já que introduziu algumas inovações em matéria de imunidade. Atualmente, esses serviços de comunicação estão sob a competência impositiva dos Estados (art. 155, II da CF).

    

Por derradeiro, cumpre ressaltar que a imunidade refere-se apenas a impostos, ressalvada a hipótese do art. 151, I da CF que estatuiu o princípio da uniformidade geográfica em relação ao tributo como gênero, a fim de preservar a unidade nacional, evitando que a União venha discriminar determinados Estados ou Municípios através de tributação mais gravosa, comprometendo o princípio federativo.

    

Dessa forma, a limitação constitucional do § 3º do art. 155 da Constituição Federal, que em relação às operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais, só permite a incidência do ICMS, do imposto de importação e do imposto de exportação, não se aplica a outras espécies tributárias que não os impostos, apesar de o texto constitucional excluir a incidência de qualquer “outro tributo”.

    

A toda evidência, o legislador constituinte, que não é sacerdote do Direito, mas homem comum do povo, confundiu o gênero com a espécie como aconteceu em outras passagens. No § 6º do art. 150, por exemplo, em sua parte inicial, refere-se a “contribuição” como espécie tributária; já na sua parte final estabeleceu inadvertida dicotomia “tributo ou contribuição”. No § 7º do mesmo artigo o legislador constituinte refere-se a “imposto ou contribuição” voltando a designar, corretamente, as duas espécies tributárias.

    

Se a própria imunidade recíproca e as chamadas imunidades genéricas não abrangem as taxas e contribuições sociais e de melhoria, com muito maior razão, não poderia abrangê-las simples exclusão resultante da incidência de impostos especificados no § 3º do art. 155 da CF. Desde a época do chamado imposto único, nos regimes da Constituição de 1946 e da Constituição 1967/69, a jurisprudência da Corte Suprema sempre foi no sentido da exclusão da incidência de outro imposto (RE 77.623-BA, RTJ-70/553; RE 71.064-MG, RTJ-70/712). Entretanto, a Carta Política antecedente determinava, expressamente, a exclusão de qualquer “outro tributo” (art. 21, VIII da Emenda 1/69).

    

Em recente julgado o STF voltou a reafirmar a incidência do PIS sob o pálio da Constituição de 1967, não obstante o princípio do imposto único sobre minerais (art. 21, IX), bem como, a legitimidade de sua incidência frente ao disposto no § 3º do art. 155 da Constituição Federal de 1988 (RE 144.971-DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 27/9/96, p. 36161).

    

Assim, forçoso concluir que o § 2º do art. 74 do CTN, que “exclui quaisquer outros tributos, sejam quais forem sua natureza ou competência”, não foi recepcionado pela Constituição de 1988. Aliás, o dispositivo em tela já era inconstitucional sob a égide da Carta Magna anterior.

 

Respostas às perguntas formuladas

 

A imunidade tributária consagrada no art. 150, VI, “d” da Constituição Federal de 1988 alcança o chamado “livro eletrônico” (em CD Rom, disquetes etc.)?

R: Não. A imunidade prevista no citado texto constitucional é objetiva. Tem por finalidade proteger a educação, a cultura e a livre manifestação do pensamento, através dos meios tradicionais de divulgação aí previstos. Daí a extensão da imunidade ao papel destinado a sua impressão, com o que se evita que o legislador ordinário neutralize a proibição constitucional de tributar aqueles bens nominados.

A difusão de idéias através do CD Rom ou disquete, assim como, através de rádio ou televisão não é alcançada pela imunidade.

Como deve ser interpretada a cláusula “atendidos os requisitos da lei”, constante do art. 150, VI, “c” da Constituição Federal? (Como significativa necessidade de lei complementar, remetendo, pois, ao art. 14 do CTN ou, pelo contrário, de que mera lei ordinária pode fixar os requisitos, extrapassando, inclusive, aqueles fixados pelo CTN?

R: Sendo a imunidade uma das formas de limitação do poder de tributar ela só pode ser regulada por lei complementar, por expressa determinação do art. 146, II da CF. Regular significa disciplinar a imunidade preexistente. O legislador complementar não pode restringir, nem ampliar a imunidade constitucionalmente estabelecida. Nesse particular, o § 2º do art. 14 do CTN foi recepcionado pela Carta Política de 1988.

Como interpretar a expressão “rendas relacionadas as finalidades essenciais” enunciadas no § 4º do art. 150 da CF? Lucros ou ganhos de capital obtidos em aplicações financeiras e destinadas às finalidades seriam imunes? E os aluguéis de imóveis que lhes pertencessem? Ou estariam apenas excluídos os rendimentos das atividades que poderiam implicar agressão ao princípio da livre concorrência?

R: Deve-se entender que quaiquer rendas, desde que aplicadas na consecução dos objetivos estatutários, são intributáveis, salvo se provenientes da exploração de atividade econômica implicando agressão ao princípio da livre concorrência, hipótese em que nem mesmo imunidade recíproca pode prevalecer (arts. 150, § 3º e 173, § 1º e 2º da CF).

A limitação constitucional do § 3º do art. 155 da Constituição Federal se aplica às contribuições sociais incidentes sobre o faturamento das atividades nele descritas?

R: A limitação aí prevista não tem aplicação em relação às contribuições sociais. Desde à época do chamado imposto único o STF deixou assentada a tese de que apenas outros impostos estão excluídos, tendo reafirmado essa posição na vigência da Constituição de 1988 (RE 144.971-DF, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 27/9/96, p. 36161). O legislador constituinte, que não é sacerdote do Direito, mas homem comum do povo, confundiu o gênero com a espécie como aconteceu em outras passagens da Constituição Federal. O que se proíbe é a tributação desvinculada de atuação estatal (captação de riqueza do contribuinte), nunca a tributação vinculada à atuação do Estado (taxas e contribuições).

 

 

* Advogado em São Paulo e Professor de Direito Financeiro e Tributário

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Imunidade Tributária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/imunidade-tributaria/ Acesso em: 29 mar. 2024