Direito do Trabalho

Interdito Proibitório nas Greves: o Retorno da Repressão

 

 

 

Em nome da interpretação livre do juiz dos dispositivos legais, presenciamos um verdadeiro massacre aos conceitos jurídicos criados pelo legislador constitucional, em desrespeito a mens legis da lei.

 

É o caso recente da proliferação de Interditos Proibitórios concedidos por diversos juízes de primeiro grau, que entendem ser o instrumento necessário para defender as instituições financeiras das greves.

 

A Constituição Federal autoriza o direito de greve no seu artigo 9º, dos Direitos Sociais:

 

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º – A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º – Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

 

Ainda preconiza que: “Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.” (Art. 117, §3º, CF).

 

Veja que estes dois artigos, solidificados na Constituição Federal, regulam por inteiro o direito a greve. A lei regula o direito de exercer-lo, a lei define quais os serviços essenciais e ainda penaliza os que abusam desse direito.

 

Mas antes de analisar o direito de greve, inscrito na Carta Magna como cláusula pétrea, necessita a descrição dos institutos envolvidos neste conflito: a posse e as ações possessórias.

A posse e sua classificação estão inscritas no artigo 1.196 e seguintes do Código Civil. Diz-se que é possuidor aquele que exerce de fato ou de direito, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade. O possuidor tem direito de utilizar-se de qualquer das ações elencadas no Art. 1.210 do CC, (manutenção de posse, reintegração de posse e interdito proibitório), caso esteja sofrendo turbação (perda da posse) ou esbulho (dificuldade de exercer seus poderes). Nestes casos, pode utilizar-se também do desforço necessário, que são atos de defesa por sua própria força, desde que esses atos sejam proporcionais a ofensa. O procedimento está regulado pelo Código de Processo Civil.

 

Segundo a doutrina dominante, “posse”, em latim possessio, obteve seu significado através de duas doutrinas: a Teoria Subjetiva (posse seria: a coisa (res), mais a vontade de proceder em relação à coisa como o proprietário procede (animus) com a vontade de ser dono) e a Teoria Objetiva (posse seria: a coisa (res), mais a vontade de proceder em relação à coisa como o proprietário procede (animus), independentemente de querer a coisa para si).

 

Estas teorias formaram-se através do pensamento romanístico de posse, que já era previsto na Lei das Doze Tábuas (450 a.C.), que nada mais é que o exercício do direito de propriedade. Porém na citada lei, não havia nenhum instituto que oferecesse proteção a posse. O pretor romano, por consequência de alguns conflitos, criou institutos que para oferecer ao proprietário essa proteção, dentre eles os interditos.

 

O Código Civil de 2002 adota a doutrina objetiva, pois para a posse, em nosso direito positivo, não há exigência da intenção de dono, como também não reclama o poder físico sobre a coisa. O Artigo 1.210 do Código Civil diz in verbis:

 

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

 

O interdito proibitório é a proteção preventiva da posse ante a ameaça de turbação ou esbulho; assim o possuidor direto ou indireto, ameaçado de sofrer turbação ou esbulho, previne-os, obtendo mandado judicial para segurar-se da violência iminente.

 

Certo é que os interditos “bancários”, tem como fato gerador a movimentação dos trabalhadores bancários por melhores condições de trabalho e salários, valendo frisar que o inciso II, do artigo 114 constitucional, atribui à Justiça do Trabalho o conhecimento do mérito das “ações que envolvam exercício do direito de greve”, sem qualquer exceção.

 

Neste sentido, entende-se que qualquer conflito que envolva relações trabalhistas, são de competência única e exclusiva da Justiça do Trabalho. Não julgando pela abusividade ou ilegalidade da greve, também não faz sentido antecipar os efeitos da sentença de ações possessórias, manejados por empresas bancárias através de liminares, que tem como escopo pura e simplesmente impedir a greve de seus trabalhadores, lançando à vala comum das ações possessórias, de competência material à Justiça Comum, sem que se reconheça a devida importância do fato social que lhe dá suporte e que, por sua importância, mereceu tratamento específico na própria Constituição Federal.

 

Na situação fática específica, tanto o legislador constituinte, quanto o infra constitucional, elegeram a greve como fato social da mais alta importância, classificando-o como direito do trabalhador, fruto da sociedade coletiva em que vivemos e do Estado Democrático de Direito; sendo certo que, para viabilizá-lo, distinguiu a Justiça do Trabalho como o órgão jurisdicional especializado para solucionar os litígios decorrentes do seu exercício .

 

Por isso não se torna razoável, que o legislador constitucional, ao erigir o direito do trabalhador ao patamar de preceito constitucional, possa comportar pelos juízes uma interpretação tão contrária, tão pobre, que retire da greve, todo o valor que lhe foi concedido, e relegá-lo a uma condição de mero conflito de posse.

 

 “Para o advogado José Eymard Loguercio, que acompanha casos de interdito proibitório nos bancos desde os anos 1990, ‘os interditos proibitórios têm como função impedir a greve e arruinar o Sindicato. Os bancos utilizam-se do Judiciário e das brechas na lei para inviabilizar a greve e mais, inviabilizar as próprias entidades sindicais, sufocadas por multas altíssimas. Com a profusão de interditos proibitórios, um instrumento perverso, eles inviabilizam o usufruto do direito de greve’, diz o advogado.” (www.mgiora.com.br/interditoproibitorionao/oque.htm). Acesso em 11/10/2009.

 

Loguercio, afirma que são usadas brechas na lei, para utilização desse instrumento. A mim não parece claro. Diz a lei:

 

1.       O direito de greve é garantido constitucionalmente;

2.       Em caso de abuso, os responsáveis serão penalizados conforme a lei;

3.       Relações trabalhista ou qualquer conflito originado por essa relação, tem competência única e exclusiva da Justiça do Trabalho;

4.       Nos dissídios coletivos, se não houver acordo entre as partes, o desenlace do conflito deverá ser feito pela Juízo Trabalhista.

 

Em nenhuma legislação trabalhista encontramos a ação possessória elencada para prevenção de turbação ou esbulho.

 

Então porque é escolhido pelas instituições bancárias? Bem, é mais ágil e rápido, cominando pena de multa aqueles que defendem uma categoria inteira, onerando, portando, o trabalhador, que é punido por exercer seus direitos; os juízes da justiça comum já estão acostumados com esse tipo de ações verdadeiramente possessórias, e não precisam de grandes esforços para concedê-lo; legitima a utilização de violência pela polícia, para repressão das manifestações;  desarticula, confunde, engana o trabalhador comum, que, achando-se em ilicitude, acaba por ceder aos comandos dos administradores, que nada mais fazem do que obedecer ordens daqueles que são os grandes donos do capital.

 

Reproduzo um trecho do texto extraído do Blog da Oposição Chamando à Luta – oposição à direção do Sinttel (http://chamandoaluta.blogspot.com), em polêmica com os dirigentes do sindicato que defendem a idéia de que o Socialismo (e os ex-estados operários) foram sinônimos de “ditaduras sanguinárias e totalitárias” e que a sociedade burguesa atual seria o supra sumo da “democracia.

 

TEORIA MARXISTA

Publicado em 30.03.2009

 

A ditadura existente hoje: a ditadura do capital

Toda esta mentira homérica contra o socialismo, feita e produzida em “escala industrial” pela mídia, serve para blindar e esconder a verdadeira ditadura que vivemos: a ditadura do capital. Ao contrário do que dizem os propagandistas burgueses, o capital convive muito bem com as ditaduras políticas e inclusive, em alguns casos, depende diretamente dela. Foi assim com o fascismo e o nazismo na Europa e com as ditaduras militares na América Latina; é assim nas ditaduras dos países da África e dos magnatas do petróleo no Oriente Médio. Todas elas ditaduras financiadas pelo grande capital!

 

Contudo, mesmo a sociedade “democrática” atual é uma ditadura disfarçada. Somente há “democracia” para a burguesia e seus representantes, que possuem liberdade econômica para explorar o trabalho de milhões de homens, que podem burlar as próprias leis que ditam, que podem controlar os meios de comunicação e de repressão para intimidar e esmagar as greves e os movimentos sociais. As “instituições democráticas”, como o Congresso Nacional, servem de base para as grandes transações financeiras legais e ilegais, feitas através da corrupção lícita e ilícita. As eleições são controladas pelo grande capital, com partidos e candidatos selecionados rigorosamente. Aos trabalhadores resta a “livre opção” de votar, de 4 em 4 anos, em um candidato que a burguesia os oferece através de seus partidos institucionalizados e, que depois de eleito, não tem mais nenhum compromisso com seus eleitores. E os defensores da sociedade burguesa nos apresentam esta farsa eleitoral como o supra-sumo da “democracia”. Nesta sociedade não há participação política real dos trabalhadores.

 

O que me resta é concluir o seguinte:  a repressão mudou de forma. Antes os grevistas eram reprimidos através de força policial, montados nos seus cavalos, com suas bombas de efeito moral, seu cacetetes e sua violência. Na modernidade, atrvés de forte corrente de constitucionalização do Direito Civil, em que eleva o indivíduo como centro do ordenamento pátrio, em detrimento ao ordenamento passado, inteiramente patrimonialista, agora a repressão está travestida de “Interdito proibitório”. Será que mudou alguma coisa?

 

           

 

* Márcia Cruz Heofacker. Acadêmica de Direito, atualmente cursando o 9º período na Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Profissão atual: Bancária.

Como citar e referenciar este artigo:
HEOFACKER, Márcia Cruz. Interdito Proibitório nas Greves: o Retorno da Repressão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/interdito-proibitorio-nas-greves-o-retorno-da-repressao/ Acesso em: 25 abr. 2024