Direito do Trabalho

Direitos trabalhistas materialmente fundamentais e sua projeção internacional à luz do princípio da não tipicidade

Caroline Barros Gondinho

Jordana Brito da Silva [1]

RESUMO

Estudo acerca do progresso histórico dos direitos fundamentais na seara trabalhista, apontando elementos substanciais, com uma breve trajetória desses direitos – dimensões ou gerações –, a dignidade da pessoa humana tratada como um superprincípio e outros direitos previstos em tratados e convenções internacionais, avençados como indispensáveis ao regular funcionamento da máquina social nas circunstâncias laborais.

Palavras-chave: Direito do trabalho; direitos fundamentais; dignidade da pessoa humana; tratados e convenções internacionais.

ABSTRACT

Study about the historical progress of the fundamental rights in the labourist field, pointing substantial elements, as a brief trajectory of these rights – dimensions or generations –, the human dignity treated as a superprinciple and other rights due to international treaties and conventions, considered needful to the regular behavior of the social machine in labour circumstances.

Keywords: Labor law; fundamental rights; human dignity; international treaties and conventions.

INTRODUÇÃO

É conveniente destacar que, conforme ditames da Carta Magna de 1988, em seu artigo 5º, § 2º, “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. É notável que há, aqui, uma abertura da Lex Mater a novos direitos fundamentais – princípio da não tipicidade –, sendo seu rol de direitos humanos exemplificativo, e não taxativo.

Tratar-se-á a respeito da importância da origem e gerações – ou como é preferido, majoritariamente, dimensões – daqueles direitos que, incessantemente, são abordados como fontes de prestígio e notoriedade nacional e internacionalmente, sobretudo, com influências no âmbito trabalhista.

Vale salientar, outrossim, a respeito de direitos e garantias, entre eles o positivado e, assim considerado, cerne do ordenamento jurídico pátrio: a dignidade da pessoa humana. Conceito extremamente abrangente, foi concebido paulatinamente à luz da história, sendo considerado, inclusive, preexistente ao homem.

Oportuno dissertar, por fim, acerca dos direitos na seara trabalhista evocados em instrumentos internacionais, entre eles, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais da Organização Internacional do Trabalho e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

1. Dimensões ou gerações: um breve histórico acerca da trajetória dos direitos fundamentais

Conhecidos também pelos rótulos de direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, direitos naturais, liberdades fundamentais ou simplesmente direitos humanos fundamentais, é importante dar enfoque ao seu significado que, consoante as palavras de UADI LAMMÊGO BULOS

“são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social.” (grifos do autor)

Têm por finalidades a defesa e a instrumentalização, de tal maneira que são projetados na esfera civil, política e econômico-social.

No que tange às etapas atravessadas pelos então mencionados direitos fundamentais, cumpre destacar que a doutrina se utiliza de nomenclaturas variadas, sendo “dimensões” a mais aceita, pois, majoritariamente, acredita-se que no processo de evolução das liberdades fundamentais, uma não se sobrepunha à outra. Pelo contrário, havia uma verdadeira complementaridade. Tal teoria foi lançada por Karel Vasak, em 1979, atribuindo a cada dimensão, por assim dizer, características que lhes são peculiares.

Assim, dando início a uma breve explanação, e atentando-se à primeira dimensão – direitos individuais ou direitos de liberdade -, parte-se do pressuposto de que o indivíduo prezava por uma espécie de abstenção do Estado, a fim de que fossem tolhidas suas ações atinentes à esfera particular. Nas palavras de ANDRÉ DE CARVALHO RAMOS,

“A primeira geração engloba os chamados direitos de liberdade, que são direitos às prestações negativas, nas quais o Estado deve proteger a esfera de autonomia do indivíduo. São denominados “direitos de defesa”, pois protegem o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado, possuindo caráter de distribuição de competências (limitação) entre o Estado e o ser humano.” (RAMOS, p. 55, 2015, grifos do autor)

A segunda dimensão de direitos fundamentais – direitos sociais, econômicos e culturais ou direitos de igualdade – faz referência não a uma abstenção absoluta desejada pelo indivíduo em relação ao Estado, mas a uma maneira de viabilizar o que se chama de prestação positiva. O Estado, aqui, é tratado, não como um “inimigo” do particular por invadir sua esfera privada, mas como um ente que proporciona à sociedade recursos relacionados à sua subsistência, como, por exemplo, trabalho, seguro social, educação, saúde. Segundo RAMOS, são denominados direitos de igualdade “por garantirem, justamente às camadas mais miseráveis da sociedade, a concretização das liberdades abstratas reconhecidas nas primeiras declarações de direitos.” (RAMOS, p. 56, 2015, grifos do autor)

A terceira dimensão – direitos de fraternidade ou solidariedade – refere-se aos direitos difusos de maneira geral, entre eles, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao progresso e à autodeterminação dos povos e ao avanço da tecnologia. Há quem fale, ainda, na existência de uma quarta e de uma quinta geração, relacionadas ao direito dos povos (biociências, eutanásia, alimentos transgênicos, etc.) e à paz, respectivamente.

Assim, vale dizer, usualmente, que

“Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, Pleno, MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ, 1, de 17-11-1995, p. 39206) (BULOS, 2015, p. 528)

Salienta-se, dessa forma, que, graças a todo o processo de desenvolvimento dos direitos humanos, continua-se investigando formas de aprimoramento e aplicação destes, inclusive, na seara trabalhista, a fim de promover aos empregados e empregadores equilíbrio e de evitar qualquer forma de exploração, vivificando e impulsionando, sucessivamente, a práxis da dignidade humana, a ser abordada adiante.

2. Dignidade da pessoa humana: um superprincípio projetado à luz das esferas constitucional e trabalhista

Imprescindível é afirmar que o conceito de dignidade da pessoa humana ainda não alcançou total solidez hodiernamente. Por vezes, costuma-se tratá-lo como um conceito vago, mas não despido de coerência e utilidade. Assim, “mesmo que seja muito difícil articular discursivamente o conteúdo dessa intuição moral a dignidade humana é um conceito filosófico capaz de sustentar muitas concepções, especialmente no que concerne à associação entre dignidade e respeito.” (BATISTA E SILVA apud NERI, p. 574, 2010, grifo nosso)

Ainda citando BATISTA, é possível afirmar que

“[…] a dignidade humana é a expressão mais representativa de um direito de natureza civilizacional, sendo, por conseguinte, inalienável e irrestrita. Isto torna evidente que a ideia de dignidade humana, bem como os direitos humanos que dela derivam, pode ser remetida aos primórdios da história da humanidade e revela um processo crescente de compreensão dos seres humanos a respeito de si mesmos e dos princípios que devem reger a vida em sociedade.” (BATISTA, p. 575, 2010)

Sendo princípio maior da Constituição da República e, outrossim, sendo constantemente tratado como princípio específico do Direito do Trabalho, tal é um ponto para o qual todos os outros princípios convergem. Segundo Kant, a dignidade humana constitui a máxima que afirma que “o ser humano é um fim em si mesmo”. Não pode ser utilizado como meio para atingir determinado objetivo. Não há que se falar em coisificação do homem e, na seara trabalhista, do trabalhador.

Assim, “não se admite seja o trabalhador usado como mero objeto, na busca incessante pelo lucro e pelos interesses do capital”. (RESENDE, p. 20, 2015) Ademais, o mesmo princípio veda, por exemplo, qualquer tipo de exploração ou discriminação, bem como concede a liberdade (profissional, de reunião, de crença, de associação) e prima pelos valores sociais do trabalho.

3. Direitos trabalhistas fundamentais previstos em instrumentos supranacionais

É fundamental destacar, neste ínterim, a relevância de três importantes aparatos que contêm uma das maiores salvaguardas no que se refere à proteção dos direitos humanos, bem como trabalhistas.

3.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos

O primeiro trata da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Além de ser um importante instrumento de anteparo aos direitos do homem, de maneira geral, reflete específicos dispositivos que muito contribuem para a tutela dos direitos dos trabalhadores. Exemplo disso está elencado em seu artigo XXIII, que denota:

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

Além disso, assim como na Constituição da República, a Declaração em tela acolhe o direito ao repouso e ao lazer, bem como à limitação das horas laborais e férias periódicas remuneradas.

Desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 360 idiomas – o documento mais traduzido do mundo – e inspirou as constituições de muitos Estados e democracias recentes. A DUDH, em conjunto com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e seus dois Protocolos Opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte) e com o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu Protocolo Opcional, formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos.¹

3.2 Organização Internacional do Trabalho (OIT)

Criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, após o fim da Primeira Guerra Mundial, possui estrutura tripartite (composta de representantes de governos, de organizações de empregadores e trabalhadores), e funda-se na convicção de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social.

Responsável pela formulação e aplicação de normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações), desempenhou importante papel na definição das legislações trabalhistas e na elaboração de políticas socioeconômicas ao longo do século XX.

De acordo com as palavras de MARTINS,

“Até 1939, as convenções eram detalhistas. Após esse ano, são convenções de direitos humanos fundamentais. Posteriormente, convenções de princípios, de acordo com condições socioeconômicas. Eram acompanhadas de recomendações trabalhistas. […] As convenções têm natureza de tratado-lei, de tratado internacional e não de tratado-contrato, pois formulam regras, condições ou princípios de ordem geral, destinados a reger certas relações internacionais, estabelecendo normas gerais de ação […]. As convenções da OIT não têm natureza de um Parlamento Universal com a possibilidade de impor normas aos Estados.”

Tem como direitos e princípios: o respeito à liberdade sindical e de associação e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a efetiva abolição do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

Estabelece que todos os Estados Membros da OIT, pelo simples fato de sê-lo e de terem aderido à sua Constituição, são obrigados a respeitar esses direitos e princípios, havendo ou não ratificado as convenções a eles correspondentes. A Conferência define também a ratificação universal dessas convenções como um objetivo, senta as bases para um amplo programa de cooperação técnica da OIT com os seus Estados Membros com o objetivo de contribuir à sua efetiva aplicação e define um mecanismo de monitoramento dos avanços realizados.   (Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/content/hist%C3%B3ria>. Acesso em: 15 nov. 2015 às 12:27)

3.3 Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)

Adotado pela Assembleia Geral da ONU, no ano de 1966, é o principal instrumento internacional de tutela aos direitos econômicos, sociais e culturais. Nele, há uma série de direitos consolidados já declarados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (direito ao trabalho, à alimentação, à moradia, ao mais elevado nível de saúde física e mental, entre outros). Entre seus 146 países signatários, encontra-se o Brasil, que o homologou em 1992, obrigando-se a promover e garantir todos os direitos ali mencionados, “tanto para a adoção de políticas públicas e programas, quanto para promover ações compatíveis com sua efetivação para todos os seus cidadãos.”(Disponível em: < http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/index.php?pagina=PIDESC>. Acesso em: 15 nov. 2015 às 13:00)

CONCLUSÃO

É conveniente afirmar que, ao longo do tempo, os direitos fundamentais sofreram consideráveis transformações, contribuindo, dessa forma, para os instrumentos atuais de tutela dos direitos humanos, sobretudo, no âmbito laboral. Como dito alhures, muito se tem focado para o objetivo de vivificar a práxis da dignidade humana.

Além disso, foi considerada a perspectiva para conceituar esta última como sendo cerne ou a essência dos direitos até então positivados. Ocupando o espaço de princípio maior da Constituição da República, auxiliou consideravelmente para que a exploração humana no aspecto trabalhista fosse impedida, bem como a “coisificação” do homem, já que este não é um meio, mas um fim, segundo a visão de Kant. Entre outros preceitos, encontram-se a liberdade profissional e a preponderância dos valores sociais do trabalho.

Deu-se destaque, outrossim, para os aparatos internacionais que visam a proteção dos direitos na seara trabalhista. Entre eles, a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Organização Internacional do Trabalho e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Importante salientar que é comum, entre tais instrumentos, direitos derivados da dignidade humana (direito ao trabalho e à moradia, por exemplo).

Destarte, os direitos aqui mencionados – como muitos outros – são fundamentais para a satisfação e promoção da integridade humana, sendo objetos de tutela e, assim sendo, é viável que se eleve incessantemente a busca de meios para um resguardo mais eficiente.

REFERÊNCIAS

BATISTA E SILVA, Henrique. O princípio da dignidade humana na Constituição brasileira. Revista Bioética [online] 2010, 18 ( ): [Date of reference: 15/noviembre/ 2015] Disponível em: < http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=361533254006>. Acesso em: 15 nov. 2015 às 11:32. ISSN 1983-8042

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional.9. ed. rev. e atual. de acordo com a Emenda Constitucional n. 83/2014, e os últimos julgados do Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2015.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho.31. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

MIESA, Elison; CORREIA, Henrique. Temas atuais de direito e processo do trabalho. 1. ed. Bahia: Juspodivm, 2014.

RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2015.

RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

Declaração universal dos direitos humanos.Disponível em: < http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2015 às 12:00.

Organização internacional do trabalho.Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/content/história>. Acesso em: 15 nov. 2015 às 12:10.

Pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais.Disponível em: < http://www.prr4.mpf.gov.br/pesquisaPauloLeivas/index.php?pagina=PIDESC>. Acesso em: 15 nov. 2015 às 12:50.



[1] Acadêmicas do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

Como citar e referenciar este artigo:
GONDINHO, Caroline Barros; SILVA, Jordana Brito da. Direitos trabalhistas materialmente fundamentais e sua projeção internacional à luz do princípio da não tipicidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/direitos-trabalhistas-materialmente-fundamentais-e-sua-projecao-internacional-a-luz-do-principio-da-nao-tipicidade/ Acesso em: 28 mar. 2024