Direito do Trabalho

A aplicação da teoria da carga dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho

Otávio Romano de Oliveira[1]

Resumo: O presente artigo aborda o tema do ônus da prova e da aplicabilidade da teoria da carga dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho. Há uma enorme necessidade em dar efetividade nas respostas judiciais na esfera trabalhista, pelo caráter alimentar envolvido, assim aqueles que não apresentam condições favoráveis à produção de prova de seu direito em Juízo, é possível que o magistrado trabalhista atribua o encargo probatório á parte que tem melhores condições de produzir a prova, o que denomina a doutrina de carga dinâmica na produção do ônus da prova.

Palavras-chave: Ônus da prova. Carga Dinâmica. Produção de provas. Direitos Trabalhistas.

 Abstract: This article addresses the issue of burden of proof and the applicability of the theory of dynamic load of the burden of proof in the labor process. There is a huge need to give effective in judicial responses in labor , the involved food character, so those who do not have favorable conditions to produce proof of their rights in court , it is possible that the labor magistrate assign the evidential burden will party that has better able to furnish proof , which is called the dynamic load of doctrine in the production of the burden of proof.

 Keywords: Burden of proof. Dynamic Load. Production of evidence. Labor rights.

 Súmário: 1 – Ônus da Prova, 2. Ônus e Obrigação. 3. Ônus e Dever. 4. Da Prova Negativa. 5. Ônus da prova no Processo do Trabalho. 6. Sumulas do TST que tratam sobre ônus da prova. 7. Princípio do Ônus da Prova e Inversão do Ônus da Prova. 8. Da carga dinâmica do Ônus da Prova do Processo do Trabalho.8.1. A Carga Dinâmica do Ônus da Prova do Novo Código de Processo Civil

1 – Ônus da Prova

Ônus da prova é a responsabilidade atribuída à parte para produzir uma prova e que, uma vez não desempenhada satisfatoriamente, traz como consequência, o não reconhecimento, pelo órgão jurisdicional, da existência do fato que a prova se destina a demonstrar.

Ainda, o ônus da prova traduz no dever atribuída a parte de demonstrar que suas alegações são verdadeiras, visando convencer o juiz sobre a existência de um fato alegado.

Foi no Direito Romano que se concebeu a regra “semper ônus probandi ei incuit qui dicit” (o ônus da prova incumbe a quem afirma ou age). Assim se dispôs porque quem por primeiro ingressava em Juízo era o autor, consequentemente, como era ele quem afirmava, o ônus probandi lhe era atribuído. Deste modo, o encargo da prova não se transferia ao réu, mesmo que ele negasse os fatos alegados pelo autor[2].

Já nos Tribunais Franceses, tinha-se entendido que o ônus da prova deve recair sobre aquele que tem mais capacidade de produzi-la, sendo assim, podendo variar em cada caso concreto.

No direito português, ainda sob influência do pensamento romano, as Ordenações Filipinas admitiam que, em regra, a negativa não se poderia provar, porém, quando se resolve em afirmativa, torna-se fato que, ainda negado por outra parte, é passível de prova.

Posteriormente passou a doutrina Romana a elaborar critérios voltados à distribuição desse ônus, se a prova era positiva ou negativa, pois se sustentava ser impossível a segunda.

Michele Taruffo[3] ensina que, quem não demonstra a verdade dos fatos que tem o ônus de provar sucumbe, visto que o Juiz retira as consequências da falta de prova dos fatos alegados por ela, decidindo em seu desfavor.

Na concepção moderna da doutrina a respeito da partição do ônus da prova, é de Chiovenda o conceito de que, se atribui ao autor o encargo de provar os fatos constitutivos de seu direito e ao réu os fatos capazes de modificar, impedir o extinguir o direito daquele.

2. Ônus e Obrigação

Carnelutti disse que, “a diferença entre ônus e obrigação se funda na sansão diversa a quem não cumpre determinado ato. Existe obrigação quando a inatividade dá lugar a uma sansão jurídica (execução ou pena)”.

Manoel Antonio Teixeira Filho, explica que o ônus da prova não constitui uma obrigação, que, em certos casos, mesmo que a parte dele não tenha se desincumbido, poderá, poderá ter acolhida a sua pretensão, que tinha como pressuposto o fato que deixou de provar. Isso poderia ocorrer, por exemplo, na hipótese de a parte contrária, sem reflexão, produzir, em benefício de outra, prova que a esta competia.

3. Ônus e Dever

Inexiste uma obrigação legal de provar, seja perante a parte contraria, seja perante o juiz. O que existe é apenas um mero ônus, em virtude de que, a parte que dele não se desincumbiu corre o risco de não ter sua pretensão acolhida, que se fundamentava na existência do fato cuja prova deixou de produzir.

4. Da Prova Negativa

Carlos Alberto Reis de Paula[4] sob o aspecto filosófico, o principio negativa non sunt probanda não é verdadeiro. Não é porque a forma da frase seja negativa que seu conteúdo é negativo. Aparentemente, trata-se de uma negativa, quando, em verdade, o que se faz é uma afirmação. É o que ocorre, por exemplo, quando se afirma que o veículo não é azul. Sob a aparência de negativa, se está a afirmar que ele é de outra cor, como o preto.

Para Manuel Antonio Teixeira Filho[5] a afirmação de que o fato negativo não se prova é inexata, ao menos como regral geral. Há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma afirmativa. O princípio que a negativa não se prova só prospera quando se trata de negativa indefinida, exatamente porque aí a impraticabilidade da prova reside não na negatividade, mas sim na indefinição do que a parte alegou.

De fato, se o réu admite o fato, o autor é dispensado de prová-lo. Se o réu nega, ao autor incumbi o ônus da prova.

5. Ônus da prova no Processo do Trabalho

A CLT ao instituir, no artigo 818, que “A prova das alegações incumbe à parte que as fizer”, teve a intenção de demonstrar eficácia plena e específica sobre a matéria.

Manoel Antonio Teixeira Filho adverte que, a praxe de adotar-se o mesmo critério estampado no dispositivo do Código Processual Civil para resolver o problema relacionado a distribuição da carga da prova entre os litigantes, trata-se de incursões irrefletidas, pois não se tem dado conta de que lhes falece o requisito essencial da omissão da CLT[6].

Conclui o Jurista dizendo que, o artigo 818 da CLT deve ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os problemas relacionados ao ônus da prova no processo do trabalho, vedando-se desta forma, qualquer invocação supletiva do artigo 333 do CPC, seja porque a CLT não é omissa, no particular, seja porque há manifesta incompatibilidade com o processo do trabalho.

Contudo, trata-se de um posicionamento praticamente isolado na doutrina, vez que a grande massa da doutrina trabalhista entende que embora a CLT não seja omissa na questão do ônus da prova, a complementação do CPC é imprescindível.

6. Sumulas do TST que tratam sobre ônus da prova

O Tribunal Superior do Trabalho editou algumas sumulas que regulam o ônus da prova na Justiça do Trabalho:

Súmula 06: É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial.

Súmula 16: Presume-se recebida a notificação 48 horas depois de sua regular expedição. O seu não recebimento ou a entrega após o decurso desse prazo constituem ônus de prova do destinatário.

Sumula 212:O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

Sumula 338: I – É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

II – A presunção de veracidade da jornada de trabalho, ainda que prevista em instrumento normativo, pode ser elidida por prova em contrário. 

III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir.

7. Princípio do Ônus da Prova e Inversão do Ônus da Prova

Carlos Henrique Bezerra Leite, sustenta que se tem mitigado o rigor das normas transcritas pelo CPC e CLT, quando o Juiz, diante do caso concreto, verificar a existência de dificuldades para o trabalhador se desincumbir  do onus probandi. Daí o surgimento de um novo princípio, que permite ao juiz inverter o ônus da prova de acordo com a aptidão de quem se encontra em melhores condições de trazer a juízo a prova da verdade real.

O próprio Código de Defesa do Consumidor, admite a aplicação subsidiária na espécie, admite a inversão do ônus da prova, nos termos do seu artigo 6º, VIII, que prescreve, entre os direitos básicos do consumidor, a “facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias da experiência”.

Assim, se é uma regra aplicável ao processo civil, diante da omissão do texto consolidado, não existe qualquer incompatibilidade na aplicação supletória, porquanto em perfeita sintonia com a principiologia protetiva do direito processual do trabalho. Aliás, há nítida correlação entre os trabalhadores e consumidores hipossuficientes.

8. Da carga dinâmica do Ônus da Prova do Processo do Trabalho

Conforme preceitua Luiz Eduardo Boaventura Pacífico[7], foi através dos Juristas Argentinos W. Peryano de Julio O. Chiappini, em 1976, o estudo embrião sobre o ônus dinâmico das provas, ao introduzir essa orientação jurisprudencial e sintetizar o princípio que acaba sendo rotineiramente utilizado em tais precedentes: o ônus da prova deve recair sobre a parte que se encontre em melhores condições profissionais, técnicas ou fáticas para produzir a prova do fato controvertido.

É provável que essa seja a tendência a ser pacificada em majorar os poderes instrutórios do juiz na direção do processo, a fim de que os litigantes sejam tratados com equidade e justiça. Conforme ensina Mauro Schiavi[8], não se trata de arbítrio do Juiz, pois terá que justificar, com argumentos jurídicos, sob o crivo do contraditório, diante das circunstancias do caso concreto, a aplicação da carga dinâmica da produção de prova.

O ônus dinâmico da prova pode ser aplicado quando ocorrer:

a.      Excessiva dificuldade probatória da parte que detém o ônus da prova;

b.      Maior facilidade de produção da prova pela parte que não detém o ônus da prova.

Mauro Schiavi salienta, que no processo do trabalho, o ônus dinâmico pode ser utilizado em hipóteses em que o Reclamante pretende reparações por danos morais, assédio moral, assédio sexual ou discriminação, uma vez que a dificuldade probatória do trabalhador é muito acentuada e o reclamado, via de regra, tem maiores possibilidades de produção da prova. No entanto, mesmo nessas situações, deve o magistrado sopesar a boa-fé do trabalhador e a seriedade da alegação e todas as circunstancias que envolvem o caso concreto.

Recentemente, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho adotou, de certa forma, a presente teoria em sua Súmula nº 443, conforme redação abaixo:

 

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego. 

Assim, pelo entendimento da mais alta corte trabalhista do país, é do empregador o ônus da prova de demonstrar que não discriminou o empregado portador de doença grave, uma vez que tal prova é extremamente difícil ao trabalhador, e o empregador detém maior aptidão para produzi-la, uma vez que tem obrigação legal de zelar para que a discriminação não aconteça.

8.1. A Carga Dinâmica do Ônus da Prova do Novo Código de Processo Civil

O Novo Código de Processo Civil mantém a atual distribuição do ônus probatório entre autor (quanto ao fato constitutivo de seu direito) e réu (quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor), abrindo-se, porém, no §1º do artigo 373, a possibilidade de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz no caso concreto.

O dispositivo mencionado tem a seguinte redação:

 

“Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.

Assim, o novo Código de Processo Civil permite expressamente a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo juiz e ainda abre a possibilidade de a legislação esparsa prever outras hipóteses de aplicação dessa teoria. O dispositivo ressalta também a necessidade de fundamentação específica da decisão judicial que tratar do tema e positiva o entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justiça de que o momento adequado para a redistribuição do ônus da prova é o saneamento do processo (v. NCPC, art. 357, inciso III).

Além disso, o §2º do aludido artigo 373 do novo Código de Processo Civil dispõe que a decisão de redistribuição do ônus da prova não pode gerar “situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil”. Em outras palavras, é dizer que, caso a prova seja “diabólica” para todas as partes da demanda, o juiz deverá decidir com base nas outras provas eventualmente produzidas, nas regras da experiência e nas presunções.

Por fim, cabe mencionar que a possibilidade de distribuição diversa do ônus da prova por convenção das partes continua possível no novo Código de Processo Civil, com as mesmas exceções atualmente existentes (quando recair sobre direito indisponível da parte ou quando tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito, podendo o acordo ser celebrado antes ou durante a demanda.

Bibliografia

  • LEITE, CARLOS HENRIQUE BEZERRA, Curso de Direito Processual do Trabalho, São Paulo, 2011;
  • MARTINS, SERGIO PINTO, Direito Processual do Trabalho, Atlas, 2012;
  • PAULA, CARLOS ALBERTO REIS, A Especificidade do Ônus da Prova no Processo do Trabalho; 2001
  • SCHIAVI, Mauro, Manual de direito processual do trabalho – 10ª ed. Ltr. 2016
  • TEIXEIRA FILHO, MANOEL ANTONIO, A prova no processo do Trabalho, São Paulo, 2003;
  • TARUFFO, MICHELE, Uma simples verdade. O juiz e a construção dos fatos, 2012.


[1] Advogado trabalhista, especialista e mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP

[2] Paulus, “Digesto”, Livro XXII, Título III, de “probationibus et praesumptionibus” fragmento nº 2.

[3] Taruffo, Michele, Uma simples verdade. O juiz e a construção dos fatos, pag. 259.

[4] Paula, Carlos Alberto Reis, 2001, A Especificidade do Ônus da Prova no Processo do Trabalho, pag. 90.

[5] Teixeira Filho, Manoel Antonio, 2003, A prova no processo do Trabalho, pag. 112.

[6]Teixeira Filho, Manoel Antonio, 1946, A prova no processo do Trabalho, pag. 120

[7] PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2 ed. São Paulo: RT, 2011. P. 222-223

[8] SCHIAVI, Mauro, Manual de direito processual do trabalho – 10ª ed. Ltr. 2016.

Como citar e referenciar este artigo:
OLIVEIRA, Otávio Romano de. A aplicação da teoria da carga dinâmica do ônus da prova no processo do trabalho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/a-aplicacao-da-teoria-da-carga-dinamica-do-onus-da-prova-no-processo-do-trabalho/ Acesso em: 28 mar. 2024