Direito do Trabalho

A Revolta do Temporário

A Revolta do Temporário

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

26.07.2003

 

Recebi de um servidor temporário o seguinte e.mail, todo em caixa alta e aqui transcrito sem qualquer correção. A minha resposta, enviada no mesmo dia, está transcrita a seguir. Intercalei agora alguns comentários, no próprio texto do e.mail recebido.

 

PARABÉNS DOUTOR FERNANDO LIMA, MAS UMA VEZ TENHO O PRAZER DE ME DECEPCIONAR COM O ILUSTRÍSSIMO DOUTOR, QUERO INFORMAR PARA O SENHOR QUE SE CASO TENHA CONCURSO PÚBLICO PARA SOLUCIONAR DE UMA VEZ POR TODAS OS PROBLEMAS DOS TEMPORÁRIOS PARA COM A SOCIEDADE PARAENSE E A OAB. SE ALGUNS DOS NOSSOS COLEGAS DE TRABALHO TEMPORÁRIO NÃO FOREM APROVADOS, NÃO PODERIAM SER CHAMADOS DE DESPREPARADOS COMO O SENHOR NOS QUALIFICOU NA SUA COLUNA DO DIA 11 DE JULHO DE 2003,

 

Ele se refere ao artigo “A Decisão dos Temporários”, publicado no jornal O Liberal de 11.07.2003. O texto que o deixou aborrecido foi o seguinte:

 

“A solução? Realizar concursos públicos. Também não tem cabimento a alegação do Deputado Martinho Carmona de que, se não tivesse assumido a defesa dos temporários, hoje o mercado teria mais 20.000 desempregados. Isso é um completo absurdo, porque os 20.000 temporários estão ocupando as vagas dos 20.000 que desejam se submeter a um concurso público. A realização do concurso somente poderá causar o desemprego dos temporários despreparados, que não forem aprovados, mas ao mesmo tempo fará justiça aos candidatos mais estudiosos, que não teriam outra maneira de ingressar no serviço público”.

 

Portanto, eu não chamei os temporários de despreparados. O que eu disse foi que alguns temporários, que não fossem aprovados nos concursos, perderiam o lugar para outros candidatos mais estudiosos e preparados. Somente os que não fossem aprovados poderiam ser considerados despreparados. No bom sentido, claro.

 

 QUERO LHE DIZER QUE ALGUNS COLEGAS HOJE EM CUMPRIMENTO DE SEUS DEVERES COM O ESTADO E A ANOS TRABALHANDO DE FORMA LIMPA PARA O DESENVOLVIMENTO DE NOSSO ESTADO SEM CONDIÇÕES FINANCEIRAS DE PODER PAGAR UM CURSINHO PREPARATÓRIO OU QUEM SABE ATÉ TER A OPORTUNIDADE DE PODER PARTICIPAR DE UMA AULA MINISTRADA PELO ILUSTRÍSSIMO ADVOGADO,TENTANDO NA MEDIDA DO POSSÍVEL ACOMPANHAR O CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DE SEUS FILHOS, NÃO CONSEGUE SE PREPARAR PARA CONCORRER UMA VAGA EM UM CONCURSO PÚBLICO E DISPUTANDO COM PESSOAS QUE ESTÃO A ANOS SE PREPARANDO PARA UM CONCURSO

 

         Aliás, essas pessoas que ele afirma que estão há anos se preparando para um concurso, estão há anos desempregadas, porque todas as vagas estão sendo ocupadas pelos servidores temporários. Supõe-se, portanto, que os desempregados tenham ainda maiores dificuldades para criar os seus filhos, e para se prepararem para os concursos públicos. Se os temporários, que estão empregados, não têm condições financeiras, é claro que os desempregados, que há mais de dez anos estão aguardando a realização dos concursos públicos, deverão estar em pior situação.

 

ALGUNS ATÉ SENDO ALUNOS SEUS QUE DIGA-SE DE PASSAGEM JÁ ESTARIAM ATÉ APROVADOS, PESSOAS ESTAS QUE REALMENTE MERECEM UMA VAGA NO ESTADO,

 

Agradeço pelo elogio.

 

MAS QUERO LHE DIZER QUE A CULPA DISSO TUDO NÃO É DOS TEMPORÁRIOS,

 

Eu nunca disse que a culpa é dos temporários, embora muitos deles pudessem saber perfeitamente que estavam tomando o lugar de pessoas mais competentes e estudiosas, apenas porque tinham quem os indicasse e nomeasse para os cargos públicos. É claro que, se os concursos públicos tivessem sido realizados, muitos dos temporários não teriam sido aprovados. Em decorrência, seriam premiados os candidatos mais competentes, e supõe-se que o serviço público poderia ser mais eficiente, porque disporia de melhores servidores. Isso, para não lembrar que o servidor concursado tem melhores condições de trabalho, devido às garantias de que dispõe. O temporário pode ser a qualquer momento afastado, dependendo assim completamente das conveniências dos políticos, os únicos beneficiados por essa imoralidade.

 

NOS ENTRAMOS NO ESTADO CIENTE DE QUE SÓ FICARIA-MOS, UM ANO PÔS A LEI É CLARA, SEIS MESES DE CONTRATAÇÃO PRORROGADO POR MAIS SEIS MESES, DEPOIS QUE O LEGISLATIVO COMEÇOU FAZER AS RENOVAÇÕES DE CONTRATO NÓS COMEÇAMOS A SENTIR QUE AQUILO NÃO ERA MAIS UM TRABALHO TEMPORÁRIO, QUE AJUDAVA PAGAR OS NOSSOS ESTUDOS E ATÉ DAVA PARA AJUDAR EM CASA NAS DESPESAS, COMEÇAMOS A VESTIR A CAMISA DO ESTADO E NOS SENTIR FAZENDO PARTE DELE COMEÇAMOS A FAZER PLANOS PARA O FUTURO CONSTITUIR FAMILIA COMPRAR UMA CASA, QUE ATÉ ESTA OPORTUNIDADE O ESTADO NOS DEU, HOJE JÁ TEMOS CASA DA COHAB FINANCIADA.

 

Ora vejam só. Os outros, que estão até hoje desempregados, porque não tiveram a oportunidade de fazer um concurso, não vestiram a camisa do Estado, não constituíram família, e não têm casa nenhuma. Apesar disso, o temporário revoltado ainda acha que está sendo prejudicado, e que eu o estou insultando.

 

 COMO O SENHOR VER HOJE O ESTADO NOS VER COMO MEMBROS DA FAMILIA, MUITOS ALUNOS NÃO FICAM MAIS HOJE SEM AULA PÔS TEM UM PROFESSOR TEMPORÁRIO PARA PODER LHE DAR AULA,

 

Isso é demagogia barata. Se tivessem sido realizados os concursos, supõe-se que existiriam professores até mais competentes do que os temporários, cuja capacidade não foi avaliada, para se saber se eles poderiam realmente dar aulas.

 

 OS POSTOS DE SAÚDE DA SESPA TÊM ATENDIMENTO PORQUE TÊM UM TEMPORÁRIO PARA PODER MANTE-LO FUNCIONANDO, EU PODERIA PASSAR O DIA TODO NUMERANDO PARA O SENHOR OS TRABALHOS PRESTADOS PELOS TEMPORÁRIOS PARA A SOCIEDADE PARAENSE

 

Idem, todos esses serviços seriam prestados, evidentemente, de maneira mais eficiente, pelos servidores concursados, como seria o correto, para que se cumprisse a Constituição, e para que todos tivessem a mesma oportunidade de ingressar no serviço público.

 

 MAS NÃO PRECISA EU SEI QUE O SENHOR TEM CONHECIMENTO DISSO. AGORA EU LHE PERGUNTO É JUSTO CHAMAR UM PAI DE FAMILIA DE DESPREPARADO SE O MESMO  NÃO PODER SER APROVADO EM UM CONCURSO PÚBLICO.

 

Isso já foi respondido. Eu não chamei nenhum pai de família de despreparado. Além do mais, existem muitos pais de família que estão esperando pelos concursos públicos.

 

 E ALÉM DO MAIS LHE PERGUNTO O SENHOR COM TODO O SEU CONHECIMENTO QUALIFICARIA UM SERVIDOR DO ESTADO QUE PRESTA SERVIÇOS A MAIS DE DEZ ANOS DE TEMPORÁRIO.

 

Eu não qualifiquei ninguém de temporário. Esse termo tem sido utilizado freqüentemente, por todos, pelos políticos, pelos juristas, pela imprensa, como um sinônimo de servidor não efetivo, ou seja, de servidor não concursado. Não será pelo simples fato de que ele já esteja prestando serviços ao Estado, ou ao Município, há mais de dez anos, que ele possa ser considerado um servidor efetivo. Ele será sempre um temporário, com o devido respeito, embora possa ser, até mesmo, um servidor competente e preparado, que apenas ainda não teve oportunidade de se submeter a um concurso público, para ser efetivado.

 

FULANO DE TAL.

 

UM ABRAÇO.

 

 P.S: DESCULPE-ME PELOS ERROS DE PORTUGUÊS QUE O SENHOR VAI ENCONTRAR AQUI E AS PONTUAÇÕES, HÁ MUITO TEMPO QUE EU NÃO PEGO UMA GRAMÁTICA PARA ATUALIZAR-ME.

 

Essa displicência do servidor temporário (com o devido respeito), que há muito tempo não pega em uma gramática, para se atualizar, não seria admissível nem mesmo para um servidor vitalício, para um Desembargador, por exemplo. Todos devem se manter atualizados, para poderem melhor desempenhar as suas atribuições, e merecerem a remuneração que recebem do Estado, paga com o dinheiro dos contribuintes, que têm direito a dispor de um serviço público competente e eficiente.

 

Esta foi a minha resposta ao e.mail:

 

Prezado Fulano de Tal,

 

Peço desculpas se lhe ofendi com o termo “despreparado”.

 

A intenção não foi essa, mas apenas a de ressaltar que o candidato que fosse aprovado deveria estar, evidentemente, melhor preparado do que o candidato que tivesse sido reprovado.

 

Mas agora que você se manifestou, sou obrigado a reconhecer que o termo pode ter sido mal empregado. No entanto, eu nunca disse que a culpa é dos temporários. Eu entendo perfeitamente a situação de quem já trabalha há dez ou quinze anos e está ameaçado de demissão. Mas não se esqueça de que existem muitas pessoas competentes, que estão há dez ou quinze anos esperando por uma oportunidade de fazer um concurso, e não podem, por culpa dos políticos safados que participam dessa fraude e se beneficiam dela.

 

A única solução seria a responsabilização das autoridades, que fizeram essas contratações e prorrogações inconstitucionais.

 

Se os órgãos responsáveis (OAB, Procuradoria Regional do Trabalho, Ministério Público do Estado, Tribunal de Contas do Estado) tivessem feito a sua obrigação, nós não teríamos chegado a essa situação, virtualmente insolúvel.

 

Se os temporários forem demitidos, muitas pessoas, como você, serão prejudicadas.

 

Se continuarem no serviço público, indefinidamente, muitas outras continuarão sem a oportunidade de fazer um concurso público, e a Constituição, mais uma vez, será rasgada.

 

Portanto, me entenda: a minha primeira preocupação é a defesa da ordem jurídica e a crítica das autoridades que participaram e ainda continuam participando dessa safadeza. Não tenho interesse em prejudicar ninguém.

 

No entanto, infelizmente, você está nessa situação, que não é nada tranqüila, por culpa do Bararu e de outros, que se elegeram, durante muitos anos, às custas da demagogia barata que eles denominam de defesa dos interesses dos servidores.

 

A única maneira de permitir que os temporários pudessem permanecer no serviço público seria fazer uma nova Constituição Federal, e escrever um artigo semelhante ao art. 19 do ADCT da CF de 88.

 

Disponha.

 

Um abraço do Fernando Lima.

 

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* Professor de Direito Constitucional

 

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. A Revolta do Temporário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/a-revolta-do-temporario/ Acesso em: 28 mar. 2024